Archive for the ‘Inflação’ Category

Laboratório Brasil

julho 11, 2017

laboratório

Ao contrário da Biologia ou da Física, costuma-se dizer que, em Economia, é muito raro fazer experimentos controlados pois as “bactérias” ou os “átomos”, neste caso, são seres humanos.

Mas, durante muito tempo, fizeram com o povo brasileiro todo o tipo de experiência para se controlar a inflação no Brasil, desde o Plano Cruzado até finalmente o Plano Real, que conseguiu encerrar o processo de elevada inflação que começou na década de sessenta.

Com o Plano Cruzado, inaugurou-se uma espécie de “macumba econômica”, com todo tipo de feitiçaria: congelamentos, tabelamentos, tablitas (não queira saber o que isso era), fiscais do Sarney, etc. Uma loucura só!

Depois de muitas cabeçadas (Plano Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor I, Plano Collor II), finalmente a racionalidade na formulação de política econômica voltou e o Plano Real foi lançado.

O grande problema da inflação brasileira, depois de 1965, era a correção monetária instituída na lei que impedia o recuo das taxas inflacionárias e impunha um componente autônomo (a chamada inércia inflacionária). Para vocês terem ideia, a inflação num prazo de quinze anos foi 20.759.903.275.651%! É isso aí: mais de 20 trilhões % de inflação!!!

Existe um documentário (“Laboratório Brasil”) na TV Câmara que conta a epopeia da tentativa de se estabilizar os preços na economia.

Os depoimentos são surpreendentes. Por exemplo, o economista Gustavo Franco revela que, numa reunião da equipe econômica com o governo Itamar e o seu ministério, ao debater com o ministro do trabalho Walter Barelli, que queria incluir um despropositado aumento salarial para os trabalhadores dentro do Plano Real, Fernando Henrique entregou o cargo de ministro da Fazenda três vezes, caso isso fosse incluído!

Trilha Sonora do Post

“Tente outra vez”! Era isso o que o governo fazia para tentar estabilizar a inflação. O Plano Cruzado não deu certo? Tente outra vez! Se o Plano Bresser não deu certo? Tente outra vez! Plano Collor não funcionou? Tente outra vez! Até acertar!

Bomba Monetária

maio 10, 2016

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A principal causa da inflação é o crescimento da oferta de moeda na economia. Isso é sabido faz muito tempo em economia. O experimento natural da revolução dos preços no século dezesseis forneceu uma das primeiras evidências dessa teoria, denominada de teoria quantitativa da moeda.

Vale a pena recordar esse experimento fornecido pela história. A Espanha cunhou uma grande quantidade de moeda a partir de metais preciosos (prata e do ouro), explorados nas minas do Novo Mundo. Por meio do comércio internacional, essa dinheirama espalhou-se pelos outros países europeus. O que se viu depois dessa expansão monetária foi um continuado aumento do nível de preços na Europa ao longo do tempo, ou seja, inflação.

Mesmo que de forma intuitiva, os nazistas na Segunda Grande Guerra conheciam a teoria quantitativa da moeda e queriam usá-la para destruir o Reino Unido, coisa que nem a Luftwaffe conseguira com os seus aviões, jogando bombas convencionais sobre o território britânico!

A ideia era simples, mas com um quê de diabólico: fabricar em um campo de concentração, usando trabalhadores judeus escravizados, uma enorme quantidade de libras esterlinas falsas e jogar de avião sobre todo o Reino Unido. As pessoas pegariam as cédulas nas ruas das cidades e gastariam na compra de bens e serviços. Como a produção de bens e serviços não conseguiria aumentar no mesmo ritmo dessa instantânea expansão monetária, a consequência seria o surgimento de uma hiperinflação, desorganizando e destruindo completamente a economia britânica.

Note o requinte da maldade: o Reino Unido enfrentaria uma hiperinflação ao mesmo tempo que estaria envolvida num enorme esforço de guerra. Os nazistas estavam construindo uma verdadeira bomba monetária!

E a bomba monetária é muito poderosa: deixa os prédios intactos, as pessoas vivas, mas destrói todos os mercados com a perda da função de meio de troca da moeda. Numa hiperinflação, ninguém quer a moeda nacional, pois ela desvaloriza-se mais rápido do que o tempo gasto para escrever esse parágrafo.

O oficial alemão responsável em construir a bomba monetária foi o major Bernhard Kruger no campo de concentração de Mauthausen. Ele recrutou o judeu Salomon Smolianoff, um famoso falsário da época, especializado em reproduzir perfeitamente dinheiros e documentos. Smolianoff foi obrigado a coordenar diretamente a produção das libras esterlinas, chefiando uma equipe de trabalhadores judeus.

Sem deixar os alemães perceberem, Smolianoff e os trabalhadores sabotavam a operação, atrasando a falsificação do dinheiro. Felizmente para o mundo livre, os nazistas nunca tiveram em mãos a quantidade de dinheiro falso suficiente para detonar a bomba monetária.

Essa história foi contada no cinema pela produção “Os Falsários”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2008, cujo trailer vem a seguir:

Em tempo: Salomon Smolianoff sobreviveu àquela barbárie. Depois da guerra, ele voltou à sua vocação profissional: começou novamente a falsificar dinheiro na Itália. Quando foi descoberto, ele fugiu para a América do Sul. Para qual país, arguto leitor? Qual país, hein? Quem adivinha?

Ganhou um sorvete chicabon, como diria o dramaturgo Nelson Rodrigues, quem respondeu “Brasil”. Mais especificamente para Porto Alegre, morrendo por aqui em 1977. Não se sabe ao certo se ele tentou, por estes tristes trópicos, falsificar cruzeiros, a moeda brasileira da época. Provavelmente, não. Smolianoff gostava mesmo era de falsificar moedas fortes.

Trilha Sonora do Post

“Money” de Pink Floyd:

Caindo no Real

julho 1, 2014

Dia primeiro de julho deste ano comemoramos uma das mais importantes efemérides econômicas: os 20 anos do Plano Real! Vale a pena celebrar sempre o plano econômico que celebrou a racionalidade econômica no país. Como diria um ex-presidente por aí, nunca antes na história deste país (ou deste mundo) um plano de estabilização conseguiu controlar a superinflação (quase 2.500% ao ano nas vésperas do Plano) com tão pouco custo social. Depois do laboratório porque passou este país, com plano cruzado, plano Collor e outras loucuras que experimentaram em cima dos hamsters humanos (nós, o povo brasileiro).

Com o Plano Real, foi diferente: não houve congelamento nem tabelamento; não houve sequestro de ativos monetários; não houve, resumindo, macumba econômica. Todas as medidas foram anunciadas antecipadamente, sem surpresas, sem sobressaltos, sem sustos para a população.

Qual foi o elemento distintivo desse plano em relação a qualquer outro plano? O problema da inflação brasileira era a inércia: quase tudo (salários, aluguéis, aplicações financeiras, etc) era corrigido pela correção monetária, baseada na inflação passada.

Ou seja, isso implicava que o principal motivo porque a inflação brasileira era alta este mês era porque havia sido alta no mês passado. Isso impunha uma forte resistência para que as taxas de inflação recuassem, mesmo diante de uma política monetária restritiva. Assim, era extremamente difícil estabilizar uma economia altamente indexada como a brasileira.

A indexação, isto é, a correção monetária instituída na lei, impedia o recuo das taxas de inflação e promovia a dispersão dos preços relativos. Isso ocorria porque se salários e aluguéis aumentavam uma vez por mês (conforme a inflação passada), os preços dos produtos podiam aumentar a qualquer momento e, pelo menos, pela inflação passada, mas poderia ser por uma taxa maior do que isso, caso houvesse choques de oferta, como uma quebra de safra agrícola ou um aumento do preço do barril do petróleo.

O truque do Plano Real foi transformar o grande problema – a indexação – na grande solução. Realmente, é difícil desindexar uma economia brasileira indexada parcialmente. Contudo, é muito menos difícil desindexar uma economia totalmente indexada.

A sacada do Plano Real foi radicalizar a indexação da economia brasileira durante um período (três meses antes do anúncio do plano) com a introdução da unidade de referência de valores (URV). A URV indexava diariamente os salários, aluguéis, aplicações financeiras pela expectativa de inflação do mercado, e a sua cotação (ou seja, quanto valia a URV em termos da moeda inflacionada, o cruzeiro real) era anunciada pelo Banco Central.

Todo o dia o BC anunciava essa cotação. Com isso, as pessoas tinham as suas remunerações (salários, aluguéis, aplicações etc) corrigidas todos os dias em termos de cruzeiro real, mas estavam estabilizadas quando convertidas em URV. Um sujeito que ganhava um salário equivalente a mil URV, via esse salário nominal aumentar todos os dias na moeda com inflação (cruzeiro real), enquanto que o seu salário real continuava valendo mil URVs. A URV funcionava como uma espécie de taxa de câmbio doméstica: quantos cruzeiros reais eram precisos para se trocar uma URV. Além disso, a URV era a unidade de conta da economia, pois era melhor medir os preços em URV, que não se desvalorizava do que em cruzeiros reais. Em que pese isso, a URV não era rigorosamente uma moeda, pois não era meio de troca nem reserva de valor, uma vez que não havia cédulas de URV circulando. Por isso, a URV é chamada de quase-moeda.

Quando praticamente toda a economia estivesse indexada, quando todos os preços estivessem aumentando ao mesmo tempo e ao mesmo ritmo (indexação perfeita), a URV se transformaria em moeda plena. E realmente se transformou: em 1o de julho de 1994, URV passou a se chamar real, com a seguinte cotação: uma URV equivaleria a um real (a nova moeda), transformando em moeda com todas as suas plenas funções, a saber, meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. O cruzeiro real, a moeda inflacionada, foi extinto.

Simples assim. E brilhante!

A transição do cruzeiro real para o real foi suave e sem sustos. Evidentemente, antes de se fazer essa transição foi necessário fazer um ajuste fiscal para melhorar as contas públicas a fim de se evitar que o déficit orçamentário fosse financiado com a nova moeda (reais) fazendo surgir a inflação novamente.

Outro elemento que ajudou a estabilização foi a abertura econômica com a possibilidade de importar produtos para controlar o costume por parte das empresas de aumentar preços a qualquer oportunidade que aparecesse (a âncora cambial). Em resumo, é essa a breve história  do plano de estabilização mais bem sucedido! Um brinde ao Plano Real por mais um aniversário! E que sirva de inspiração para que nunca mais este país volte a ter superinflações no futuro!

Trilha sonora do post

Como estamos falando da importância em não esquecer, não nos esqueçamos desta que é uma das mais belas músicas do Pop Rock: “Don´t you (forget about me)” do Simple Minds!