sábado, 13 de novembro de 2010

Circular do cordão umbilical


Todo mundo já sabe que vivo falando para os meus filhos que eles são guerreiros porque são inteligentes, fortes e têm bom coração. E digo também que a primeira grande batalha de cada um foi vencida no parto, porque nasceram lutando. Sobre a batalha, ou melhor, sobre o parto do João Pedro falei recentemente. Já sobre o triunfo do Antônio, falo amanhã.
Por hoje quero registrar que foi minha mãe quem começou com essa hestória de meninos guerreiros que lutam pra nascer. No fim das contas, com o João e com o Antônio, estou apenas escrevendo os dois capítulos que me cabem.

Nos momentos difíceis minha mãe fazia questão de me lembrar que eu havia nascido com duas circulares do cordão umbilical no pescoço e por muito pouco não tinha morrido. Com orgulho e os olhos rasos d’água, ela, então, costumava contar a hestória de meu nascimento com vida ou a história de como venci a morte ainda bebezinho.
É que há trinta e sete anos a circular do cordão era sinônimo de complicação no parto e de risco de morte para o nascituro, assombrando pais e médicos. Hoje em dia sabemos que não só as circulares são comuns (ocorre de 30 a 40% dos partos) como não trazem grandes perigos, embora tenha muito pai e mãe se descabelando desnecessariamente com a ultra-sonografia que antecede o trabalho de parto.
Na Catanduva de 1973 ainda nem se falava em ultra-sonografia obstétrica e, por isso, minha mãe só veio a saber que eu tinha as duas circulares no pescoço — e que era um menino — quando eu já estava em seus braços são e salvo. Durante o trabalho de parto ela se lembra apenas do Dr. Waldemar Curi pedindo para fazer força: “Vamos turca! Até parece que não come quibe.” Isso ajuda a entender o relato histórico que minha mãe foi construindo enquanto eu crescia, diga-se de passagem, a bem de minha auto-estima. Pois, pelo que ouvia de minha mãe e para minha ignorância de menino, julgava-me uma espécie de Super-Tiradentes: afinal havia me safado da forca "quase" sozinho.

            Os anos se passaram e quase me esqueci dessa minha própria hestória. Até que um dia, no início do casamento, a Mi resolveu me questionar sobre meu “estranho hábito de enrolar o lençol em volta do pescoço” enquanto dormia.
            Na hora fiquei surpreso, porque ela me perguntava como se eu soubesse que o lençol amanhecia todos os dias enrolado ao redor de meu pescoço. E quando eu disse que nunca havia reparado nisso, foi ela quem ficou pasma.
            Refleti um tempo sobre o “hábito” e concluí que, de fato, devia ter sido tão marcante aquela experiência de nascer com o cordão no pescoço que, ao adormecer, automática e inconscientemente recriava aquela relação fazendo uso do lençol. Dei por resolvido o enigma e, mais uma vez, deixei toda hestória de lado.

            No entanto, fui “surpreendido novamente” em 2002, quando fomos a uma festa no Terreiro de Mãe-menininha-do-Gantois, em Salvador. Lá finalmente descobri que as crianças nascidas com circulares do cordão umbilical são filhas do velho Oxalá, conhecido como Oxalufã. Gostei e fiquei feliz com a descoberta, mas não retomei a hestória iniciada por minha mãe.

Aí, em 18 de dezembro de 1973, o João nasceu com a sua circular do cordão. E me dei conta de que era chegada a hora de assumir a minha responsabilidade nessa hestória. E que Oxalá me dê forças para seguir o curso.

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