Princípio é o começo, a base, o pilar em que se sustenta uma estrutura, onde tudo começa. Princípios consumeristas são, portanto, os enunciados jurídicos que formam a base, o pilar de sustentação da disciplina Direito do Consumidor. Sob esse prisma, como eles podem contribuir para a proteção prática, efetiva, do consumidor, seja em juízo seja fora dele?

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) veio disciplinar o mando constitucional de proteção aos direitos do consumidor (art. 5º, inciso XXXII, art. 150, § 5º, art. 170, inciso V, todos da Constituição Federal), tornando evidentes as relações de consumo que antes se regulavam pelo Código Civil e demais normas que compreendiam a matéria. Isso tendo por base o maior dos princípios constitucionais: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, C.F). A finalidade de particular proteção é equilibrar as relações de consumo tendo em vista outro princípio constitucional, o princípio da isonomia material entre as partes, sem prejuízo de outros (princípio da publicidade, informação, liberdade e a própria defesa do consumidor).

Notadamente, alguns princípios que permeiam a proteção do consumidor foram tomados de modo especial pela doutrina e se tornaram verdadeiros paradigmas. São eles: o princípio da boa-fé objetiva (paradigma da eticidade), princípio da função social do contrato (paradigma da socialidade) e o princípio da equivalência material (paradigma da operabilidade).

A boa-fé é princípio norteador da proteção do consumidor na medida em que é expresso como tal no art. 4º, inciso III, do CDC, dando efetividade ao mandamento constitucional do art. 170 da Constituição Federal. Em outro momento, a boa-fé encontra-se estipulada no CDC como orientadora de cláusula contratual e em caso de desrespeito estas serão nulas de pleno direito (art. 51, inciso IV, CDC). Assim, “…não resta dúvida de que no sistema da lei 8.078 a boa-fé é princípio e cláusula geral…”.   A boa-fé como princípio é ordem reflexa da Constituição Federal que estabelece no capítulo dos princípios gerais da atividade econômica a defesa do consumidor (art. 170, CF), enquanto que, como cláusula geral, a boa-fé deve estar presente em toda a relação de consumo, ainda que não expressamente especificada, de modo a caracterizar a validade do ato realizado.

Quando e onde as obrigações forem consideradas iníquas e colocarem o consumidor em desvantagem exagerada ou forem incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade, a respectiva cláusula contratual é nula.

Assim, a boa-fé encontra seu viés prático na medida em que é cláusula geral a ser considerada nos contratos de consumo, passível de revisão ou anulação em caso de vantagem exorbitante para uma das partes.

Os princípios da “pacta sunt servanda”, traduzido comumente em “o acordo faz lei entre as partes”, e da autonomia da vontade, axiomas jurídicos que remontam das mais antigas teorias do direito, foram relativizados em face do interesse social, da função social do contrato, da boa-fé objetiva e da equivalência material – novos paradigmas introduzidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Esse novo eixo valorativo visa proteger o consumidor na relação de consumo, notadamente nos contratos, e fica evidente quando estampado em capítulo à parte no CDC (Capítulo VI – Da proteção contratual). Por tais atitudes, o Estado interfere nas relações entre os particulares estabelecendo normas de ordem pública e de interesse social, a fim de “colocar as partes contratantes em pé de igualdade; impedir que o objeto do contrato seja nocivo ao bem comum.”   Dessa maneira, a função social do contrato está estampada no CDC como o intervencionismo estatal que vem para frear uma possível desproporção, disparidade entre os contratantes, que possa macular a real intenção dos mesmos na consecução do contrato, mas sem interferir na vontade das partes.

Por fim, o princípio da equivalência material que encontra respaldo nos artigos 47 e 54 da Lei 8.078/90, além do art. 423 do Código Civil. O ordenamento civilista assim dispõe, in verbis: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.” É do ponto de vista deste princípio que se perfaz todo o ordenamento protetivo do consumidor, que visa protegê-lo na relação de consumo, uma vez que é instituído como a parte frágil. Vejamos o tratamento que lhe é dispensado sob a ótica contratual, no CDC: Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Isto significa que, sob qualquer pretexto, a cláusula sendo ambígua, contraditória, capciosa ou sem defeito aparente, será interpretada de modo mais favorável ao consumidor. É essa a inteligência da lei que quis salvaguardar os interesses do consumidor – parte vulnerável da relação de consumo.

Portanto, os princípios consumeristas (particularmente os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da equivalência material) contribuem para a efetividade da proteção dos direitos do consumidor na medida em que devem ser observados na consecução dos contratos de consumo e nas suas eventuais consequências sociais.

Lucas de Freitas Santos

Advogado

1 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 570.

2 SAAD, Eduardo Gabriel. et al. Código de defesa do consumidor comentado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 618.

3 SAAD, Eduardo Gabriel. et al. Código de defesa do consumidor comentado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 564.