Manobras para (des)travamento – parte 1

Há alguns dias atendi uma paciente no consultório com travamento fechado da boca. A paciente não consegue abrir mais do que 25 mm, com final rígido. Ouvindo sua história sobre os episódios de travamento que havia sofrido, me veio a mente escrever aqui sobre as manobras de manipulação que podem ser realizadas para destravar uma ATM.

Escrever na verdade sobre as manobras realizadas para travamentos agudos da ATM. Não que tenha sido o caso desta paciente, já que está há quase um mês e meio assim, e o caso pode ser considerado crônico.

Mas por que escrever sobre isso?

Bem, porque acho que este tema deveria ser difundido entre todos os cirurgiões dentistas e não só entre os especialistas em DTM e Dor Orofacial.

Aliás, acho que dentro de cursos de atualização e especialização são raros os momentos em que nos deparamos com casos de travamento agudo em que possamos aprender ou demonstrar estas manobras. Isso porque normalmente as clínicas são de atendimento terciário o que gera um maior número de casos crônicos.

Quando estes casos ocorrem, os pacientes geralmente ou procuram os atendimentos de plantão ou os cirurgiões dentistas com os quais estão habituados inicialmente e estes encaminham a nós especialistas.

Eu sei que prometi trazer sempre novidades sobre dor orofacial mas fazer um post talvez com colocações mais antigas dentro desta especialidade vale pelo caráter informativo!

Eu quero abordar os travamentos que ocorrem por problemas mecânicos da ATM. Assim, desculpe mas não falarei de problemas musculares que possam gerar caso semelhante ou ainda problemas sistêmicos, traumas, má formações, tumores, etc, da ATM. Vou abordar duas condições clínicas: deslocamento de disco sem redução – DDSR (que pode gerar um travamento fechado da ATM) e o deslocamento da ATM, também conhecido como travamento aberto (ou queixo caído, como queiram!).

Como se abordasse as duas condições o texto iria ficar enorme (assim como está esta introdução) resolvi dividir em 2 partes, e vou escrever a parte 1 sobre as manobras de manipulação utilizadas em casos de DDSR.

Então, para esta árdua missão, como não tenho tempo no momento para fazer uma vasta busca na literatura mundial,corri até a prateleira aqui do quartoe peguei todos os livros de DTM que estavam aqui.

Do guia da Academia Americana de Dor Orofacial retirei a definição do problema que irei abordar. Abaixo:

Deslocamento do Disco sem Redução

Todos os critérios devem estar presentes:

  1. Limitação de abertura bucal persistente e marcada (< ou = a 35 mm) com história de rápido estabelecimento.
  2. Deflexão para o lado afetado durante a abertura de boca.
  3. Lateralidade marcamente limitada para o lado contralateral (no caso de distúrbio unilateral).
  4. Imagens dos tecidos moles revelam o disco deslocado e sem redução (embora, em essência, o diagnóstico de disco deva ser confirmado com imagens dos tecidos moles, a natureza do distúrbio não requer exames de tecidos moles como rotina.

Qualquer item abaixo pode acompanhar os critérios precedentes:

  • Dor precipitada pela abertura forçada da boca.
  • História de clique que cessa ao haver travamento.
  • Dor à palpação na articulação afetada.
  • Hiperoclusão ipsilateral
  • Nos exames de imagem dos tecidos duros, ausência ou sinais leves de alterações osteoartríticas.

Delimitado o tema, vamos às manobras! Apenas uma observação: neste casos não dá tempo de solicitar exames de imagem para depois fazer a manobra na tentativa de destravar a ATM.

Dos livros texto que consultei, todos indicam a manobra nos casos de deslocamento agudo do disco em primeira escolha, mas fazem uma ressalva sobre a duração em dias em que aconteceu o travamento. Relatam que quanto mais recente, melhor para o sucesso da manipulação.

Bem, mas dentre os livros da minha prateleira, apenas em três encontrei descrições de manobras: no livro do Okeson, no Dores Bucofaciais de Bell e no livro  do Carlsson, Magnusson e Guimarães.

Segundo Okeson, a primeira tentativa para reduzir o disco deveria começar pedindo ao paciente que movimente o máximo que puder a mandíbula para o lado contralateral do deslocamento e a partir daí abrir a boca ao máximo. Tentar várias vezes e só então partir para a manobra com auxílio profissional.

Em geral a manobra descrita pelos autores é bem parecida. Segue a que está no livro do Okeson:

O dedo polegar direito do clínico é colocado intraoralmente sobre o segundo molar esquerdo do paciente, e a mandíbula é segurada. Com a mão esquerda do clínico estabilizando o crânio do paciente, uma força gentil mas firme é aplicada para baixo no molar e para cima no queixo para destravar a articulação. Uma vez que a articulação é liberada, a mandíbula é trazida para frente e para a direita, permitindo ao côndilo se mover para a área do disco deslocado. Quando esta posição é alcançada, uma força constante de distração é aplicada por 20 a 30 segundos enquanto o paciente relaxa. Após a distração o polegar do clínico é removido e pede-se ao paciente para fechar a boca topo-a-topo (mantendo a mandíbula ligeiramente anterior). Quando o paciente estiver descansado, pede-se para ele abrir a boca ao máximo. Se o disco foi reduzido, um movimento de abertura normal é alcançado.

Não achei nenhuma figura interessante para ilustrar a manobra, uma pena. Também não tenho nenhuma foto de meus pacientes e por direitos autorais, não devo disponibilizar a figura do livro aqui. Alguém tem alguma?

Claro que neste caso acima a ATM travada era a esquerda. Inverta caso seja a direita. Em presença de dor pode ser necessário anestesiar a ATM ou mesmo tentar anestesiar o músculo pterigoideo lateral.Caso tenha sucesso na manobra, é importante mantê-la. Já vi um caso que depois de destravar, o paciente foi engolir e travou de novo. Para mantê-la os autores divergem, mas acho que em primeiro momento o front plateau é o que dá para ser feito, a não ser que em consultório tenha uma plastificadora, mas mesmo assim, o paciente teria que esperar muito, o que poderia travar a mandíbula novamente. Depois uns autores citam a placa reposicionadora, outros estabilizadoras mesmo, etc. O livro do Carlsson, Magnusson e Guimarães não cita o uso do dispositivo e sim a manutenção com exercício realizado em protusiva, o que acho também muito útil.

Então é isso. Descrevi. Afinal, não são todos que tem acesso aos livros, não é mesmo? E nem Santo Google ajuda muito nestes casos.

Me lembrei inclusive do artigo de relato de caso em que li isso pela primeira vez. Um artigo de Farrar de 1983 que tenho em papel, mas não vou entrar no buraco negro de meu armário agora para procurar. Quem sabe depois o fotografo e disponibilizo por aqui! Eu acho esta técnica de Manobra de Farrar.

Quando der, escrevo a parte 2, ou seja, as manobras para travamento aberto. Estas são mais conhecidas, então deixei para outro dia!

E para terminar, uma frase que achei aqui no livro do Prof. José Tesseroli de Siqueira que acho totalmente pertinente.

Quando há indicações de tratamento articular, em casos de desarranjos internos, o cirurgião-dentista deve ser realista e entender que a doença pode ter produzido seqüelas importantes na ATM e a questão “recaptura do disco” nem sempre é relevante. Relevante é a melhora na qualidade de vida do doente com doença crônica da ATM e o cuidado para evitar procedimentos que buscam uma articulação saudável e sem seqüelas,mas que acabam sendo iatrogênicos.

Abraços a todos!

P.S.: Perdi meu livro da Annika Insberg. Se alguém estiver com ele entre em contato! 😉

Atualizando: como lembra o colega Aprigio Zangerolami nos comentários, esta técnica não garante claro a estabilização da redução. Mas como relatei, acho uma alternativa válida para casos agudos.

37 pensamentos sobre “Manobras para (des)travamento – parte 1

  1. Parabéns Juliana. E o importante é tb sabermos que mesmo com sucesso desta manobra não podemos garantir a estabilidade da redução.
    Abs

  2. Aprendi esta técnica na faculdade. Nunca precisei usar até aparecer uma paciente na clínica no ano passado. Quando fui fazer a manobra, a paciente me impediu e ela mesma conseguiu reposicionar o côndilo.
    ótimo post!
    bjs

  3. Pingback: Manobra para (des)travamento – parte 2 « Por dentro da Dor Orofacial

  4. Juliana, extrai um siso há 15 dias, e minha boca só está abrindo uns 30mm (na prmeira semana abria metade disso), é normal e provável que volte sozinho ao normal ou me encaixo nesse caso de DDSR onde é necessário fazer essa manobra? Abs.

    • Olá Layla!
      Não é possível saber sem examinar você. O mais comum nos casos de cirurgia intraoral é um trismo decorrente do trauma. Os músculos se contraem para proteger a área que está cicatrizando. O ideal é você consultar seu cirurgião dentista com relação à isso!
      Abraços

  5. Oi Ju,
    Parece brincadeira, acordei hoje com a mandibula travada , claro episodio de ddsr!
    Confesso que todo conhecimento na area nao me ajudou a nao panicar!!! Rsrsrs
    Neste estado de transe, peguei meu okesson e me pus a estudar! Afinal nao poderia me equivocar na tal manobra!!
    Jesus amado, a cena e de chorar… Eu mesma com o polegar dentro da boca pondo uma pressao firme para liberar o tal disco!!!
    Enfim, destravei mas sinto bem desconfortavel!!!
    Nao consigo abrir minha boca na amplitude de sempre, acredita que devo providenciar um front plateau?
    O problema e que nao moro mais no brasil… E nao conheco ninguem pelo Mexico!!! Tem alguma indicacao?!
    Menina, que sensacao mais horrenda!!!
    Bjo
    Priscilla turma 69

  6. Dra. Juliana tenho percebido que algumas vezes ao me alimentar não consigo abrir bem a boca, esses dias sofri ao tentar morder um sanduíche, porém, não sinto dores, apenas um estalo, quando minha mandíbula destrava. Você pode me ajudar a esclarecer qual é a minha situação? Desde já agradeço!

    • Lisiane, o deslocamento de disco sem redução, ou o deslocamento de disco com redução e travamento intermitente são condições que podem gerar este tipo de quadro, onde nem sempre há dor presente. O ideal é você consultar um especialista em DTM e Dor Orofacial para que ele avalie sua situação e lhe dê um diagnóstico e tratamento. No site da Sociedade Brasileira de DTM e Dor Orofacial há uma lista de profissionais. Consulte! http://www.sbdof.com

  7. Gostei muito desta página. “Esclareceu o que eu procurava!”
    Parabéns Juliana!

  8. Olá Dra Juliana, há 3 dias extraí 2 sisos o superior e o inferior do lado direito, ainda hoje a minha boca está travada, estou tensa com isso, o inchaço já reduziu bastante, mas não consigo destravar os dentes mais que 2 cm. O que pode ter acontecido? O que posso fazer para voltar a abrir essa boca? Nunca tive isso antes.

    • Michele,
      O trismo pós cirurgia de exodontia de terceiros molares é comum e tende a melhorar com a cicatrização.
      Entre em contato com o seu dentista e ele poderá lhe orientar melhor.
      Abs

  9. oi juliana a duas semana estou com maxilar esq travado nao consigo abrir a boca totalmente oque poderia ser

    • Gisele, há vários diagnósticos que tem como sintomas dor elimitação de abertura bucal. Assim o mlehor seria que vc fosse examinada por um colega especialista em dtm e dor orofacial. Consulte o site da SBDOF http://www.sbdof.com lá há uma lista de profissionais.
      Abs

  10. Oiee.. minha boca estrava travada..ja tive esse problema durante algum tempo e voltou ao normal, agr vou novamente eu destrei sozinha só não sei se foi da forma correta pois forcei mto.. agora minha boca na hora que vou abrir só fica estralando oq devo fazer?

  11. Muito bom Dr.Juliana, gostaria de saber mais informações sobre estes casos, pois já tive experiência em estágios de vários casos de deslocamento de disco sem redução – DDSR (que pode gerar um travamento fechado da ATM) e o deslocamento da ATM, também conhecido como travamento aberto (ou queixo caído, como queiram!).

  12. Olá Dr. Juliana, tenho 18 anos e sofro com travamentos frequentes há uns 3 anos e não encontro nenhum especialista que realmente resolva meu problema. Passo dias e mais dias com o maxilar travado e só consigo abrir pouco da boca. Um dentista me passou uns exercicios de fisioterapia (colocando a parte de baixo da arca dentaria para frente e fechando e abrindo 20 vezes), mas nada de destravar, só sinto dor, Há outra coisa que eu possa fazer sozinha?

  13. Estou com travamento há quase 1 ano…toda manhã dava um estalo, e eu conseguia abrir a boca toda, mas um dia infelizmente não consegui mais, já fui a um dentista pra receber orientação do que fazer mas sem sucesso, agora o otorrino me encaminhou pra outra especialidade…bucomaxila, vamos vê o que vai dá. ..sinto dor.

  14. Boa noite Juliana

    Há cerca de um mês fui fazer uma restauração e como resultado tive uma dormência na metade direita da língua (que está passando agora) e também não tenho conseguido abrir a boca mais de 2 dedos. Tentei fazer este procedimento que mencionou sozinha, mas dói bastante. Estou preocupada… Isso acontece com frequência?

    Agradeço desde já a atenção.
    Att,

    Daniella.

    • Daniella,

      Desculpa a demora a lhe responder.
      O melhor caminho para você é consultar um especialista em DTM e Dor orofacial que poderá realizar o diagnóstico e verificar as causas de sua limitação de abertura bucal.
      Consulte o site da SBDOF: http://www.sbdof.com e procure um profissional mais próximo.

      Abraços

  15. Juliana, bom dia.. há uns dois dias ao abrir muito minha boca deu um estalo, e agora toda vez que abro demais ouço um estalo do lado direito e um barulhinho dos ossos.. e a minha boca ao retornar deliza para o lado esquerdo… tem como corrigir isso???? Obrigada

  16. OLA JULIANA, FIZ A CIRURDIA DO MAXILAR COM UM BUCOMAXILOFACIAL, ELE COLECOU TRES PLACAS A FRATURA FOI DO LADO ESQUERDO DA MANDIBULA NA PARTE INFERIOR, GOSTARIA DE SABER SE EXISTE ALGUMA MANEIRA DE TENTAR ABRIR A BOCA POIS O MEDICO MANDOU EU FORÇAR MAIS MINHA ABERTURA NAO PASSA DE DOIS DEDOS.. OBRIGADO DRA!

    • Olá Amaranda, Seu caso é bem diferente da situação relatada aqui neste texto. Sugiro que você converse com o dentista que lhe operou e verifique se ele trabalha ou possa indicar fisioterapia para você. Abraços

  17. Nossa eu estava com este problema a mais de 3 meses. E resolvi fazer eu mesma a sua dica e deu certo,chega deu un estralo na hora, ainda esta meio dolorido mas consigo abrir totalmente a boca. Ai que felicidade 😀 kkk mto obrigado pela dica valeu mto apena tentar. Bjos

  18. oi JULIANA procurei o dentista e ela me passou uma medicacao nao adiantou continua travada pode ser deslocamento do disco o que fazer

    • Daniel, o melhor conselho que posso te dar é procure um especialista em DTM e Dor orofacial! Qualquer coisa que eu lhe dizer pode ate prejudicá-lo pois estes problemas exigem o exame físico. No site http://www.sbdof.com vc encontrara vários profissionais da área. Abs

Os comentários estão desativados.