terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Bairros de SP e seus nomes: dos santos aos índios

Os primeiros bairros de São Paulo, sítios e chácaras surgiram no começo do século XX. Antes, os pesquisadores os chamavam de núcleos urbanos. Os bairros mais antigos como Brás, Pacaembu, Perdizes, Bela Vista e Pinheiros ficavam próximos ao centro de hoje. A população da cidade começou a aumentar a partir do século XVIII. Com a volta dos sertanistas, que tinham ido a Minas Gerais à procura de pedras preciosas, os núcleos urbanos também aumentaram, surgindo assim os primeiros bairros.

O engenheiro Rufino José Felizardo e Costa foi quem pesquisou, em 1810, os nomes dos primeiros núcleos urbanos da cidade, surgidos entre 1600 e 1800. "A população de São Paulo se aglomerava em torno de igrejas e conventos, pois os padres costumavam ajudar as pessoas. O resultado disso é que São Paulo tem hoje cerca de 2 mil bairros com nomes de santos", explica a professora da USP, Maria Vicentina do Amaral, especializada em linguagem e autora do livro "A Dinâmica dos nomes dos bairros na Cidade de São Paulo 1554-1897".

O bairro de Santa Cecília é um dos que mais se encaixam nessa explicação, pois ele era apenas um apêndice do bairro das Perdizes. Mas a população cresceu tanto em torno da igreja que o lugar se tornou um dos maiores bairros da cidade. Lendas e a forte formação católica herdada dos portugueses também são responsáveis pelo batismo de muitos bairros. A Penha, na zona leste, deve este nome a uma lenda sobre um viajante francês que carregava consigo, amarrada em seu cavalo, uma imagem da Nossa Senhora da Penha. Quando ele passou por onde hoje é o bairro, a imagem se desprendeu e caiu. Toda vez que ele a recolocava no lugar, ela caia. Então o viajante a deixou, acreditando que a santa não queria sair de lá. A imagem foi encontrada por outras pessoas e daí surgiu o bairro da Penha.

Santana, zona norte, também recebeu esse nome em homenagem a Santa Ana e quem o batizou foram os jesuítas, assim como o bairro de São Miguel, que era um dos santos preferidos do Padre Anchieta. A origem da Lapa, zona oeste, é bem parecida com a da Luz. Um português construiu uma gruta para a santa e a comunidade se desenvolveu em volta. O advogado e pastor da Igreja Batista da Lapa, José Siqueira Dutra, um dos moradores mais antigos do bairro, acha curioso que alguém tão religioso como ele não conhecesse ainda a origem do nome da Lapa. "Fui uma das pessoas mais atuantes do bairro. Houve uma época que cheguei a conhecer todos os mendigos que moravam aqui, e mesmo sendo um pastor não sabia dessa história", admite.

Assim como o pastor José Siqueira Dutra e outros moradores da Lapa, a maioria das pessoas não sabe a origem do nome do bairro onde mora. Mas para aqueles que moram em lugares que têm nomes de países ou bairros famosos fica mais fácil entender o porquê. É o caso de bairros como Brooklin, em homenagem ao bairro de Nova York; Indianópolis, que deveria ser como a cidade norte-americana de Indianapolis; Campos Elíseos, em homenagem à famosa avenida parisiense Champs Elysées; Pompéia, cidade italiana destruída pelo vulcão Vezúvel; Jardim Califórnia, Jardim Flórida, Jardim Los Angeles, Vila Nova Manchester, todos estados norte-americanos; Vila Portugal e Jardim França, lembrando países da Europa e Jardim Riviera em homenagem à orla francesa.

Nomes indígenas são os mais incompreendidos de todos. Pacaembu, por exemplo, quer dizer arroio das pacas. Butantã, ao contrário do que muitos podem imaginar, não tem nada a ver com cobras, quer dizer terra dura em tupi-guarani. Jabaquara é morada dos índios e Pirituba se refere às plantações de junco que havia ali.

Para alguns moradores, o significado dos nomes dos bairros em que vivem perderam a coerência com o tempo. "Nasci em Pinheiros e apenas na minha infância vi algumas árvores", conta o alfaiate José da Glória. "Na minha opinião o bairro deveria se chamar paineira, pois ela sim tinha de monte, apesar de não restar mais nenhuma", conclui.

Higienópolis, por exemplo, foi projetado pelos comerciantes alemães Martino Burchad e Victor Nothmann para ser um bairro limpo e arborizado. Assim como os alemães queriam construir o bairro perfeito, por volta de 1915 urbanistas ingleses compraram loteamentos para construírem casas com jardins na frente, separando-as da calçada. Daí vieram os nomes Jardim Europa, Jardim Paulistano e Jardim América, este em homenagem a uma das esposas dos ingleses.
Bairros como Liberdade (da comunidade japonesa), Saúde (pelo clima bom) e Perdizes (por causa das aves) são mais fáceis de entender. Mas além de nomes óbvios, alguns bairros ganharam apelidos. A Freguesia do Ó nasceu de Nossa Senhora do Ó. Os portugueses costumavam rezar na véspera do Natal uma oração e no meio havia uma ladainha que dizia "Ó Nossa senhora, protegei-nos", e como essa parte era muito repetida, no século XVII o bairro acabou batizado de Nossa Senhora do Ó. "Quem morava na Nossa Senhora do Ó costumava ir comprar limões no sítio de um italiano, onde depois surgiu o bairro do Limão", conta a aposentada Gisela Helena Zaremba. "Como iam sempre, o italiano dizia: 'lá vem a freguesia do Ó', e o apelido acabou pegando".

O nome de batismo da Bela Vista veio da bela paisagem que se descortinava para quem via o bairro de onde é hoje a Praça da Bandeira. Já o apelido de Bexiga tem duas explicações: a primeira é que um português chamado Antônio Bexiga vendia lingüiças pelo bairro. A segunda é sobre um alojamento para doentes de varíola, que eram chamados de "bexiguentos".
O que se pode observar é que, ao contrário dos bairros atuais da capital paulista, que em sua maioria não possuem histórias para seus nomes, os bairros antigos têm sempre um significado para suas designações. Isso permite que se preserve mais facilmente a história de suas origens, o que, de certa forma, cria uma identidade especial entre seus moradores.


(Texto: Tatiana Kinoshita / Foto: Igreja Nossa Senhora da Consolação, Centro. Por Roberta Aflalo)

3 comentários:

Unknown disse...

Gostei bastante do Blog. Com certeza vai virar referência para moradores e amantes de Sampa.
Esta matéria do nome dos bairros deu um trabalhão para fazer, mas aprendi um bocado a respeito da cidade. Morando longe, hoje resido em Floripa, é que a gente percebe o quanto não conhece a própria cidade. Ainda mais Sampa que cresce desvairadamente.
Boa sorte galera. Tenho tb uma matéria sobre a diferença de gírias paulistanas. Como ela tem uns dez anos, é capaz de ninguém entender mais o que se dizia na época! hahaha. Smpa é asssim mutante.

Daniel Cohen disse...

Cara Clarissa e companheiras.

Vcs estão absolutamente de parabéns! Que lindo trabalho. Um texto limpo e de extremo interesse, aliado a uma plasticidade exuberante!
Se um dia pensarem em abrir um espeço de gastronomia, terei orgulho em colaborar.

Desejo sucesso!

Unknown disse...

Acho legal ter gastronomia no blog já que Sampa é a capital brasilera da boa comida!