28 de mai. de 2008

Passando a limpo

28/04/06
A Guerra
(Ludimila Tôrres)

Papelão, bidê, caixa de isopor, uns canos velhos, pano pra pique-nique, refrigerante quente, pipoca, biscoitos, ki-sucos de todos sabores, copos sujos, brigadeiro de panela... Havia de quase tudo naquele barranco vermelho atrás das garagens.

_Calma! Não pisa aí que tem lodo.
_Eu vo chiá!
_Peraê então que eu to subindo
_Bi-bí! Bi-bí!!
_Trouxe mais bala pro cofre

E o sujinho de terra vermelha, descalço e de cabelos molhados por causa do banho de mangueira que levara do batizado coloca a munição na caixa secreta de isopor; duas fôrmas de gelo. Somando 24 unidades à caixa de munição, ou melhor, 18 unidades. Cismamos de chupar gelo, colocar gelo no refri, no suco e dirá até na pipoca.
Mais ou menos 12 garotos, meninos e meninas, integravam o clubinho do F1. É que no apartamento a brincadeira não era bem vinda, tratamos então de construir um forte alímesmo, atras das garagens no alto do barranco de terra vermelha.
Para entrar no clube era preciso se batizar, mas eram feitas exigências: Não ser espião do G, morar no F1 e tomar um banho gelado de mangueira depois de jurar as leis.
Era dia de guerra: sabado!

_Me ajuda a guardar isso aqui.
_Tá, a gente enrola tudo no pano e depois lavamos e devolvemos.
_Ops! Não esquece que a vasília rosa é minha!
_Tá, cadê o Thiago?
_Foi buscar papelão?
_E Aristeu?
_Tá com ele.
_Tem que trazer mais gelo e pedra.
_Fala com Bruno
_Ele tá de guarda, é a vez dele.
_Então fala com Douglas, uai. E pega esse trem direito senão vai cair.
_Ui!
_Isso, agora coloca alí que Lelé pega lá embaixo e leva pra lavar.
_Tá.
_Toma, vai tirar poeira.
_E você, faz o que?
_Eu limpo o mato aqui né, depois pode vir cobra, formiga lava pé, ai eu quero ver!
_Pede Bruno pra subir na garagem e mandar o treco.
_Tá bom.

E assim continuava o preparo trabalhoso da vingança contra o clubinho do G, que nos atacaram de surpresa no dia anterior e destruiram nossa estrutura de tijolos. Os garotos chegaram com mais gelo, muita pedra e papelão. Os tijolos da antiga estrutura dão espaço a um improvisado fogãozinho. Todos estavam reúnidos, o plano começou a ser executado:

_Pronto, vai lá chamar eles.
_E o que eu falo?
_Convida pra lanchar com a gente.
_Ta, então vou finjir que sou amiga.
_Vai! (Todos em coro)

O sinal foi dado, Bruno havia assobiado do morro, todos posicionados. Nossa soldada chegou, antecipada do batalhão inimigo.

_Espera chegar todo mundo (Sussurros)
_Esconde aí, Thiago!
_Chiiii!
_Cala a boca!

De repente apareceram os garotos, armados com pedras escondidas nos bolsos. Nós tinhamos mais pedra. E gelo.

_Pega ele!
_Ele ta fujindo!!
_Taca alí agora!
_Vamos pegar eles!!

_Ai!!!

_Empurra!

Até que todos pararam num só momento. Um grito escandalosamente agudo tomou conta do Juca Batista.

_Quem que tacou?
_Foi ele! (Respondeu o menino, chorando e com a testa sangrando)

Um cubo de gelo. A ferida parecia uma cratera mas sabíamos que ele estava chorando de sacanagem.
Mais uma vitória do G1, que contou com a ajuda de nossas mães e acabou com a farra do nosso clubinho.

_Guerra não é brinquedo.

Então resolvemos brincar de guerrinha de balão d'água...

Passando a limpo

11/04/06
Bodas
(Ludimila Tôrres)

Sentir o peso do tempo
Como tecido comprado novo
Que necessita agora um remendo.
Conhecido novo, sem marcas
Sujar, lavar, passar o tecido
Qué tecido de tempo, tempo
Qué aranha faz bonito
Ceda cedosa macia dum lado
Áspera, feia, miucha doutro
Qué delicado cuidado
Merece aparência de novo
Merece tempo e tempos
Pra apreciar o trabalho
Do casal de aranha, arainhas
Qual delicada beleza
Não pesa o peso do tempo
Nem junta tecido e tristeza.

(Pros meus pais)

27 de mai. de 2008

Passando a limpo


24/08/2005

Meu Caderno

(Ludimila Tôrres Narcísia)


No meu caderno eu coloco todos os meus dias e tudo que eu quero

Nele ninguem opina nem proíbe nada

Porque ele é só meu, de mais ninguém

Eu gosto de Raul Seixas e acredito em magia

Não sei se acredito no mesmo Deus que você

Tenho mil defeitos, mas duzentas mil curiosidades

Sou feita de pedra e de vidro

Tenho bala na língua

E a enorme razão dos jovens

E a coragem dos fortes

Sou o meu limite

Na minha vida tudo acontece

Eu procuro e acho

O que eu quero eu sempre acabo conseguindo

Eu sonho e acontece

Eu vejo mas não acredito

Eu queria ser política também mas não seria boa opção

Eu queria que deixassem de ser burros de carroça

Vou abalar a Terra

Eu sei do que você não sabe e sou o que você teme

Faço o que me vale

Faço o que me dá vontade

Talvez eu vire hippie

Talvez uma Jeca mesmo

Pra que me preocupar?

Eu sei escolher com o que vou ficar

Se não tenho motivos para sorrir, dou risada sem motivo

Sou louca

Terrível!

Sou eu no meio de tantas fantasias

Tenho 500 anos mas estou inteirinha

Eu gosto de cinema

Mas na minha cidade o cinema está em reforma

Gosto de ler

Gosto de sair com meus amigos

Acredito em uma sintonia no lugar da felicidade

Da alegria com a tristeza

Do homem com a mulher

Da vida com a morte

Do mau com o bom

Da verdade e da mentira

Tenho coragem de sobra

Vou chegar mais longe, então vou chegar primeiro

Tenho um caderno verde

Nele sou eu mesma, sou o que quiser

Meu caderno verde-verdade

Quem ele ler, nunca saberá quem eu sou

Ninguém saberá

Mas pode ser que um dia eu me canse

E me mostre

Talvez

Enquanto isso não acontece vou ficando pelo clube, escola, pela última poltrona no coletivo, na minha casa, pela noite e no meu esconderijo...

E um dia vai apagando o outro enquanto o agora ja virou ano passado

Então depois vou comer, escovar meus dentes e dormir

Para amanha o dia esconder a noite e eles se encontrarem ao entardecer

Eu não sei o que será amanhã ou ano que vem

Mas vou sonhar



26 de mai. de 2008

Classificados

PROCURA-SE: O dono de si
(Ludimila Tôrres)

Capaz de colocar ordem no caos do dia-a-dia, que tem o tempo que for preciso para se relaxar na poltrona e ler as noticias do dia ou um bom livro... Espera o transito andar, responde a e-mails, prepare o jantar, saia para se divertir com os amigos. Seja feliz, não se deixe influenciar, pense só. Que quando estiver triste, pegue uma folga no trabalho e vá deitar a grama deixando o sol ou a chuva acariciar seu rosto. Procura-se o Dono de si, uma pessoa diferente, que não siga a moda de vestir, a moda de pensar e a moda de viver correndo. Uma pessoa que brinque, tenha amigos, não se preocupe em falar dos outros. Uma pessoa que não se preocupe. Não importa a idade, uma pessoa jovem. O dono de si, da própria paz, da própria alegria para governar o ministério do interior humano, vítima de corrupção em massa como no planalto.
Tratar com Ludimila M.T

Comentada


(Ludimila Tôrres)


Uma mente brilhante

O que seria de uma verdadeira mente brilhante não inventar a própria vida, exatamente da mesma maneira com que sonhara ser vivida? Assim vive John Nash, gênio matemático Dom Quixote que foge da monotonia solitária de um jovem sonhador criando a sua própria realidade. Sua vida ganha sentido quando conhece seu novo companheiro de quarto, que o ajuda com seus empreendimentos revolucionários no mundo da matemática. Suas anotações nada normais dos movimentos dos pombos impressas nas vidraças, seu emprego novo pelo qual tanto sonhara, ajudando seu país a se livrar de uma imensa conspiração russa planejando eliminar milhares civis americanos, nos remete ao mais belo de todos os loucos da literatura mundial, perseguidor de moinhos de vento e matador exércitos de ovelhas perigosas. John inventa a sua vida por vários anos até que sua esposa e companheira o traz a realidade. Uma realidade banal, mas promissora para o nosso Dom Quixote; que faz da loucura um caminho para a genialidade. Curado ou quem sabe apenas acordado, John já velho reconhece que o seu prazer é imaginar e até sonhar; e quem sabe todas as suas ilusões tenham se traduzido em realidade ao perceber que suas conquistas haviam sim, ao contrario do louco admirável da literatura, sido reconhecidas e por mérito premiadas. Mas o mais interessante na loucura de John, e o que mais intriga o espectador é que a sua mente brilhante resolveu a própria equação da sua cura: “É somente nas misteriosas equações do amor que alguma lógica pode ser encontrada”. Assim o filme nos intriga a pensar: “Aquele que foi chamado o mais encantador dos loucos, não foi também dos seres humanos o mais sábio?”.

27/12/2005

(Ludimila tôrres)


To acostumada a fugir,
Fujo sempre que me é a opção
Não enfrento nada
Passo dali
Passo por cima não
Passo por baixo
Pelos cantinhos...
Não conto nada
Não faço barulho
Eu fujo de gente de coisas
Fujo de casa de mãe
Fujo pro sistema
Pra fora
Pra dentro
Pra longe...
To sempre fugindo
Sempre escondida
Sempre falo muito
Não digo nada
Fujo pro sistema
Pra cima
Fujo porque senão não vivo
Morro aqui dentro
Fujo porque senão me prendem
Me prendem de novo dentro aqui de mim
E eu não quero ficar mais presa
Não conto nada
Falo muito
Não falo
Fujo sempre
Sempre atrás da escada
Mas eu volto
Eu sempre volto
Mostro
Escondo
Saio
E volto
Desde pequena eu fujo
Eu sempre fujo,
Vou fugir,
Vou voltar
Eu sempre fujo
Sempre me procuram,
Nunca acham
Eu volto sozinha
Eu sempre volto...
Conto nada não
Fujo, finjo
Volto...



Hospício
(Ludimila Tôrres)

Não tão normal como você,

Acho que a minha fissura não tem limite
Minha vergonha se perdeu;
Eu não tenho conceitos.
Já fui
Atriz,
Líder,
CDF,
Amiguinha,
Doidinha,
Vampira,
Princesa,
Não quero nada e o que eu quero não está no meu limite
Vou tomar um conhaque e aliviar minha tensão
Sem regras eu me prometi: vou fazer meu coração sofrer...
Sabendo que isso vai me doer,
Mas preciso sair desse tédio insuportável,
Quem já provou do mel deseja o néctar
Preciso trair os meus valores, minhas crenças idiotas...
Preciso te ver mais uma vez e saber o que eu vou sentir depois...
Há muitas formas de me ver no espelho,
Não sou igual a nenhuma mocinha regrada.
Sou desigual até de mim mesma
Vou pintar o cabelo de uma cor diferente
Colorir minha pele
Caçar novos horizontes, novas ruas.
Buscar a expansão...
Vou curtir com a cara dele
Vou ser má e boazinha
Branca de neve e madrasta
Não tenho pra onde ir, mas não quero ficar aqui...
Vou roubar da carteira do meu pai
Há quanto tempo desejo teu abraço e tua voz no meu ouvido novamente
Há quanto tempo nem me lembro mais...
Estou no mais fundo poço
Olho a minha cara no espelho, o vinho no copo e o cigarro a queimar.
E esse tédio a me arruinar
Meus olhos nem querem olhar,
Minha voz não quer sair
Nem os meus ouvidos querem ouvir...
Indiferença eu faço de tudo
Nada consegue me afetar
Tenho que sofrer mais do que isso, pra minha tensão aliviar.
Já cortei meu braço, chorei e bati minha cabeça no teto...
Mas eu preciso sentir no coração,
Vou trair minha milésima paixão...
Minha primeira traição.
Essa decadência e essa carência de carinho vão mudar.
Alivio imediato
Proteção,
Abrigo,
Um lugar em que não exista nenhum são
Vou pra um hospício!!!

25 de mai. de 2008

Perfil






CABARÉ
Ludimila Machado Tôrres




“Era um homem muito inteligente,
mas muito levado.”
(Angélica Barbosa Machado)

Ambientada no século XIX, tendo como cenário principal Itabira do Mato Dentro, a trama que aqui se desenrolará tem como protagonista Ocarlino Machado da Costa Lage (1890-1968). Enquanto na coxia, a coadjuvante Clotilde de Teixeira Lage (1902-1958) sofria de ansiedade, lá estava Ocarlino brilhando nos palcos da madrugada.

Pai de nove filhos, Ocarlino não era o que se espera de um pai ou esposo exemplar, nem ao menos deixou a eles bens materiais dos quais era farto; mas deixou um legado, uma lembrança de sua gula pela vida.

Jogos, mulheres, o cheiro da noite, a cachaça mineira. Talvez por essas paixões foi dono de um cassino chamado Cabaré, onde também funcionava uma casa de tolerância – nome simpático dado aos prostíbulos naquele tempo. Eram dois alqueires de terra onde hoje funciona o Itabira Plaza.

Por conseqüência do Cabaré, o túnel do Colégio Nossa Senhora da Dores foi criado. Para que as mocinhas do internato e as freiras não testemunhassem a imoralidade.

Após dez anos, nosso personagem estava endividado. Vendeu suas posses, pagou suas dividas e com o restante do dinheiro comprou um estoque de sardinha. Perdido.

Para Clotilde, o drama não acabava ali. Depois da venda do cassino, seu marido passou a viver viajando. Conseguiu licenças falsas de odontologista e médico. Também era parteiro nas horas vagas. Freqüentava festas, bailes, carnavais sempre em diferentes cidades. Fez diversos partos, diagnosticava e receitava medicamentos.

Certa vez foi à casa de uma mulher para colocar uma dentadura; depois de algum tempo a boca dela estava inchada e dolorida. Os empregados da casa não sabiam o que fazer e chamaram o Dr. Ocarlino de volta para consertar o estrago:

-Saiam do quarto, isso é normal.

Pegou um saca-rolhas do seu material de trabalho. Quando ela menos esperava o Dr. Furou sua boca com o instrumento e o pus armazenado espirrou para todo lado.

-Está vendo? Não falei que dou conta do meu trabalho.

Clotilde saiu de cena.

Agora com 74 anos, nosso protagonista se casa novamente e vai morar na cidade de Belo Horizonte. dona Dudu o acolheu e com ele teve um filho.

Mas não pense que ele parou por aqui; ainda fazia partos e se reaproximou do filho: José Acácio Machado(1924-1990). Morou seis meses com ele e a nora: Angélica Barbosa Machado, de 73 anos. Ela conta que seu sogro era um personagem terno, apesar de sem juízo. Quando tinha dinheiro comprava acessórios para decorar a casa. Cozinhava muito bem. “Um homem muito inteligente, via solução pra tudo”, ela conta.

Antes de morrer, estava muito fraco, então cheio de idéias amarrou uma correia na cama para se levantar. Devido aos vícios adquiridos durante a vida malandra, e um enfisema pulmonar, deixou os palcos da vida aos 78 anos de idade.