quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O CRISTIANISMO NÃO FALHOU: AINDA NÃO FOI TENTADO

Por Pedro Arruda

Um dos maiores erros da igreja, embora pouco admitido, porque os homens convivem muito bem com ele, é a divisão ou a falta de unidade. Já assistimos muitas vezes a cristãos morrerem por causa das mais diversas doutrinas. Em muitos casos, essa defesa da doutrina atropelou a unidade. Considerar a unidade significa perda, pois implica aceitar aquilo que não está dentro de nós e, consequentemente, qualquer concessão a ser feita resultará numa redução da liberdade própria. Infelizmente a história da igreja tem sido também a história da divisão.

Esta situação intenta diretamente contra a oração de Jesus, registrada em Jo 17.21: “Para que todos sejam um, como eu e tu, ó Pai, somos um, para que o mundo creia”. Se dar realidade à oração feita de acordo com a vontade de Deus é uma ação do Espírito Santo, podemos concluir que impedir a sua concretização é uma ação de Satanás, conforme o observamos em Dn 10. Assim, cada vez que agimos impedindo que a unidade dos cristãos pedida por Jesus se realize, estamos a serviço de Satanás. Isto é forte, mas é verdade. Quando Pedro foi repreendido por Jesus, ao tentar demovê-lo da intenção de morrer na cruz, ficou claro que ele estava cogitando das coisas dos homens a serviço de Satanás. Esta situação pode ser um bom exemplo do que atrapalha a unidade: são intenções humanas – às vezes boas –, porém a serviço de Satanás. Creio que Pedro não tinha consciência desta gravidade, como também não tem a maioria dos cristãos. Mesmo quem admite falhar com a unidade, pensa tratar-se de uma deficiência humana, apenas uma carnalidade sem grande importância.

Paul E. Billheimer, em seu livro “O Amor Cobre Tudo”, expõe que nada adianta acertar na doutrina e errar no espírito. A inerrância bíblica não é mais importante que o espírito correto. Ainda mais, diz ele, o pecado contra a unidade é o mais nefasto de todos para a Igreja.

Jesus não é polígamo

Unidade não é um ecumenismo, entendido como resultado duma convenção política entre as instituições, baseado no que um pode fazer pelo outro, mas sim, como se referiu Dietrich Bonhoeffer, “no que Cristo fez por ambos”. Para usar a expressão de Watchman Nee, o “cristianismo organizado” tornou-se uma máquina de produzir divisão em série, numa velocidade cada vez maior. Parece que cada denominação traz em si o gene da divisão, transmitido de geração em geração. O mundo cristão, a princípio dividido apenas entre romanos e orientais, depois se separou entre católicos e protestantes, pentecostais e conservadores, carismáticos e tradicionais, e assim por diante. Se há algo bom nisso, é o fato de que quanto mais proliferam as denominações, mais elas perdem a importância – bebem do próprio veneno.

Não podemos nos conformar em estar impossibilitados de fazer algo, como se isso fosse um destino inexorável, e a oração de Jesus ficasse sem resposta, ou adiada para se cumprir somente após a morte do último cristão. Ora, o fato é que Jesus tem apenas um corpo, irá ter apenas uma noiva e apenas uma esposa. Jesus não é polígamo, muito embora seja esse conceito que se propague quando cada igreja prepara apenas a sua noiva particular.

Precisamos reconhecer o erro e admiti-lo. Não encobri-lo com explicações, por mais teológicas que sejam, aprendendo com a história para não repetir os caminhos errados. Estas coisas precisam ser iniciativas do coração de cada um.

Se a vontade de Deus não é desejada, não há unidade

Uma das razões que desencadeou o processo de sucessivas divisões foi a mudança de foco do cristianismo. A princípio, a Igreja apenas reunia aqueles que tinham em comum o serviço ao senhor Jesus Cristo. O importante era o reino de Deus; a salvação e outros benefícios eram consequências desse engajamento. Com o passar do tempo, especialmente depois de cessadas as perseguições, a relação entre custo e benefício alterou-se drasticamente em favor dos benefícios, especialmente os materiais. Nos dias atuais, as pessoas são motivadas a participarem das igrejas pelos benefícios pessoais que podem obter; primeiramente os materiais, seguidos dos espirituais, e, somente depois é que se consideram as coisas que dizem respeito à vontade de Deus, interesse que certamente poucos entendem e ao qual dão mínima atenção.

Portanto é necessário restabelecer que a igreja existe para atender aos propósitos de Deus. Os benefícios obtidos por servir a Ele, inclusive a salvação, são consequências. Se isso é verdade, é incorreta a atitude de procurar a melhor igreja, à qual eu melhor me adapto, pois com isso estou buscando aquilo que é melhor para mim, o meu conforto, e não preocupado com o reino de Deus. Mudar de igreja pode ser uma atitude que depõe contra a unidade, pois ao rejeitar uma em favor de outra, estou contribuindo para a ideia de que há algumas melhores que outras e que elas são concorrentes e independentes, isto é, não fazem parte de um mesmo organismo. Nestes casos, o correto seria ficar onde estou e lutar para suprir aquilo que julgo ser deficiente e não buscar aquele ambiente que não precisa desta colaboração.

Deus, ao criar o homem, não fez da unidade um acessório, mas uma questão principal. O plano de Deus permite que os homens desfrutem da unidade com seu Criador e entre si, daí Deus não ter criado dois seres nem mesmo dois corpos, mas um só. “Se andarmos na luz como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado” (1 Jo 1.7). O pecado age diretamente contra essa unidade, e fora da unidade com Deus não há vida, mas morte. Lúcifer se separou de Deus, o homem também fez o mesmo, estando sob condenação mortal.

O preço da Unidade

Deus insiste na restauração dessa unidade, em dar vida novamente ao homem. Lutar pela unidade causa sofrimento, do qual o próprio Deus não se poupou. Quão difícil foi para Jesus aprender humanamente a obediência pelo sofrimento e, por meio dele, se aperfeiçoar, para aperfeiçoar a outros. Jesus experimentou os sofrimentos físicos que culminaram na sua morte de cruz, sem um momento sequer desobedecer ao Pai. Sofreu ainda as consequências de nossa morte no inferno, tudo por causa de nossos pecados. Também foi muito angustiante ao Pai virar o rosto e abandonar o seu Filho à morte de cruz. Tudo para restituir-nos a unidade. Ele nos deu de graça, tornando-se exemplo para seguirmos em favor da manutenção da nossa comunhão com aqueles pelos quais pagou este alto preço. A unidade entre os filhos alegra Deus, pois torna compensador o sacrifício do seu Primogênito.

Foi nesse mesmo espírito que Moisés agiu ao deixar o palácio real e preferir viver como o hebreu que de fato era. Daniel assim também procedeu, pois, apesar de manter uma vida íntegra diante de Deus, expressou-se em oração como um pecador responsável pela deportação de seu povo. Esdras também se sentiu como um dos culpados pelos pecados que fizeram abater a tragédia sobre os judeus. Muitos outros exemplos ainda há de pessoas que se fizeram como erradas em seu coração para se habilitarem a estar entre os culpados e Deus. O contraexemplo foi apresentado pelos escribas e fariseus, quando Jesus expôs a arrogância deles ao se excluírem do povo. Acusavam os pais de terem assassinado os profetas, fazendo-se melhores e afirmando que não procederiam da mesma forma, ao mesmo tempo em que estavam dispostos a fazerem pior com o Filho de Deus. Hipocritamente atualizavam o pecado dos pais e, ao invés de buscar misericórdia de Deus, apresentavam-se como bons (Mt 23.29).

Certa ocasião, Moisés recebeu uma denúncia de que havia pessoas profetizando no arraial, sem conhecimento dele. Semelhantemente, os zelosos discípulos de Jesus também se adiantaram a proibir a expulsão de demônios por pessoas que não os acompanhavam. Os discípulos de João Batista também se sentiram extorquidos quando souberam dos batismos feitos pelos discípulos de Jesus. As atitudes de Moisés e de João Batista foram iguais à de Jesus, pois estavam sendo conduzidos pelo espírito de unidade. O ciúme é um dos grandes males causadores de divisão, porque age no coração das pessoas. Ele faz oposição ao amor e está presente nos denunciantes bem-intencionados em defender o líder e o grupo ao qual pertencem, embora, nos casos bíblicos mencionados, não tenha havido correspondência por parte dos líderes – que responderam com base no amor. Infelizmente, esta visão menor impregnou, nos dias de hoje, de tal forma a igreja que nem mesmo os líderes conseguem ter a atitude de Moisés, João Batista ou de Jesus.

Em Efésios 4, vemos que preservando a unidade do Espírito que nos foi dada, devemos prosseguir em busca da unidade da fé. Temos, entretanto, assistido a uma caminhada em que os homens estão destruindo a unidade do Espírito, admitindo mais de um Senhor, mais de uma fé, mais de um batismo, mais de um corpo...

Publicado originalmente no livro “Mãe de muitos filhos”, de Maurício Bronzatto, Edições Incenso.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O MINISTÉRIO DA RECONCILIAÇÃO: UM BASTA À HERANÇA DE DIVISÕES



Testemunho de Matteo Calisi*

Reproduzimos, a seguir (com pequenas adaptações que a modalidade escrita exige), a mensagem que o católico Matteo Calisi (veja ao final um breve resumo de sua atuação ministerial) compartilhou na Comunidade Evangélica Carisma em Osasco SP, no dia 19 de outubro de 2009.

O que estes dois católicos estão fazendo numa igreja evangélica? – é o que muitos devem estar se perguntando. O que está acontecendo hoje neste local é simplesmente a resposta de Deus Pai àquilo que Jesus já orou em João 17.22 [citação livre]: “a mesma glória que tu deste a mim, deste a estes para que sejam um, como eu e tu o somos”. Não se trata de uma denominação incluir a outra e criar uma unidade humana, mas de responder à vocação que todos temos de, em Cristo, sermos uma só igreja, uma só realidade, não importa a que denominação pertençamos.

A busca da unidade não é uma opção à igreja de Jesus. A unidade é uma escolha da soberania de Deus e está no coração do próprio Evangelho. E o ministério de Jesus é um ministério de reconciliação. Ele veio para nos reconciliar com o Pai e com nossos irmãos. E isso se deu na cruz, quando ele livremente se ofereceu ao Pai. Por essa razão, nenhum cristão tem o direito de chamar a Deus de seu Pai se não se dispuser a amar os outros como irmãos.

O batismo no Espírito Santo e o encontro com David du Plessis

Nos anos 70, tive uma forte experiência com Jesus Cristo como meu salvador pessoal, quando fui batizado no Espírito Santo. Na época, eu sabia que essa experiência era muito comum entre vários cristãos que viviam em outras igrejas. Apesar desse batismo, algo ainda me inquietava, pois eu percebia que um pecado permanecia entre nós: o pecado da divisão. Muitos cristãos daquele tempo aceitavam esse pecado na igreja como se fosse alguma coisa normal.

Naqueles dias, eu tive a alegria de encontrar um pastor evangélico muito famoso, líder mundial, chamado David du Plessis, que ficou conhecido como “Senhor Pentecostes”. Falava-se muito dele, do seu testemunho, e eu estava bastante impressionado com a obra desse pastor que, até então, conhecia apenas dos livros.

Este homem, nascido na África do Sul, havia recebido a seguinte profecia do missionário inglês Smith Wigglesworth: o batismo no Espírito Santo não era apenas para as igrejas pentecostais. Estas iriam se surpreender, ele disse, porque um dia esse batismo seria derramado na Igreja de Roma. E foi de fato o que aconteceu nos anos seguintes. Em 1975, acontecimento inédito, a basílica de São Pedro, no Vaticano, recebeu um grande congresso mundial de carismáticos católicos: foi a primeira vez que as pinturas de Michelangelo escutaram pessoas cantando em línguas estranhas. Mas era só o início. Se até o final dos anos 60, pouquíssimos católicos haviam recebido o batismo no Espírito Santo, hoje eles são cerca de 150 milhões no mundo provando ou buscando essa experiência. O próprio Papa, além de reconhecer oficialmente a Renovação Carismática na Igreja, também a apoia e sustenta.

É uma alegria ser uma testemunha dessa primavera de Pentecostes na Igreja Católica Romana. Mas deixem-me contar como tudo começou. Quando tive minha primeira experiência carismática, estava estudando em Roma, na Universidade Pontifícia Gregoriana, considerada oficialmente a Universidade do Papa. Desde o meu ingresso, encontrei ali padres e irmãs que oravam em línguas e também dançavam. Eu pensei: “Essa gente não é católica”. Poucos fazem ideia da importância que teve esse grupo carismático lá dentro daquela Universidade. Muitos padres que por lá passavam, participavam dos retiros de oração, recebiam o batismo no Espírito Santo e depois voltavam para seus países e continentes, já formados, levando essa experiência adiante. Assim, esse movimento se espalhou como um incêndio, colocou fogo em várias nações.

Quando encontrei pessoalmente o pastor David du Plessis, ele me falou dos sofrimentos que vinha experimentando em virtude de estar sendo mal compreendido por acompanhar os irmãos católicos nessa mesma experiência do Espírito Santo. A liderança de sua igreja [ele era das Assembleias de Deus] chegou ao ponto de retirar-lhe todas as credenciais de pastor. Mas era o preço que tinha que pagar para Deus o usar para “tocar” milhões e milhões de pessoas em muitos países. Ele fez de seu pastorado um ministério de perdão e reconciliação. David du Plessis levava um botom de metal na lapela do paletó com a inscrição 70 x 7, que recordava a advertência de Jesus sobre a necessidade de perdoar, se preciso, 70 x 7 vezes a cada dia, o que significa sempre. De fato, quando o encontrei, ele tinha esse botom no paletó. Para minha surpresa, ele pegou esse botom e o prendeu na minha camisa. Depois disse: “Filho, que você também possa ser um embaixador de reconciliação nas igrejas”.

Católicos e evangélicos lavam os pés uns dos outros

Naquela época, eu não tinha muita clareza sobre o que fosse pentecostal, evangélico ou carismático. Eu ignorava tudo isso. Bem, a primeira decisão que tomei, depois dessa palavra, imaginando que todas as portas à minha frente iriam se abrir, foi de visitar uma igreja evangélica pentecostal que havia na minha cidade. Mas quando me vi diante do pastor e me apresentei como católico carismático, ele simplesmente se recusou a me receber.

Na Itália sempre foi bastante complicada a relação entre católicos e evangélicos. Já tivemos muita competição. Fomos muito arrogantes uns com os outros. Produzimos feridas entre nós, fizemos muitas invenções circularem. Por isso tudo, de nossa parte, como católicos, queremos dizer a vocês hoje aqui presentes: “Perdoem-nos, porque não levamos a sério nem consideramos devidamente o projeto de Deus e a glória de Jesus na vida de vocês, evangélicos”.

O Senhor, naqueles tempos, começou a me inspirar até mesmo em sonhos, dando-me muitas visões sobre a reconciliação dos cristãos. Eu era apenas um jovem de 18, 19 anos que sonhava durante a noite com situações completamente estranhas e desconhecidas. Somente depois de muitos anos fui perceber que o Senhor estava me chamando ao ministério de reconciliação na sua igreja.

Até o final dos anos 70, não aconteceu muita coisa. Mas no início dos anos 80, um pastor chamado Giovanni Traettino me procurou. Ele me disse: “Eu escutei muito falar da sua comunidade, Matteo, a Comunidade de Jesus, e vim aqui para verificar as possibilidades de nós trabalharmos juntos”. Entendi que a profecia do pastor David du Plessis começava a se cumprir. Mas esse caminho de proximidade, de reconciliação entre católicos e evangélicos não era bem visto pelas autoridades das igrejas. De fato, a hierarquia das igrejas olhava isso com muita suspeita.

Um dia, porém, eu tomei a decisão de convidar o pastor Traettino a pregar numa assembleia de católicos carismáticos. Era no estádio de futebol da minha cidade, Bari, onde estavam 20 mil católicos da Renovação adorando a Deus. Pela primeira vez na Itália, um pastor evangélico ministrava a Palavra na presença de um grupo católico. Naquele dia, aconteceu um verdadeiro Pentecostes. Ao final da pregação do primeiro dia, o pastor aproximou-se de mim e disse: “O Senhor está me inspirando a um gesto de reconciliação. Matteo, esta tarde eu quero lavar os pés de um irmão que represente a igreja católica”. Não pude deixar de lhe dizer: “Atenção, Giovanni, é melhor ter prudência. O que os seus irmãos evangélicos vão pensar? Essa tarde, se fizer isso, você vai pagar um preço muito alto”.

Mas ele levou esse desejo para o hotel. Como não conseguisse dormir e transpirasse acima do normal, passou aquela noite em oração. Uma voz forte, a mesma que Pedro havia escutado depois de ter visto descer do céu aquele lençol cheio de animais impuros, falou com Giovanni: “Mata e come! Porque aqueles que você pensa que são impuros, eu os tornei puros para mim mesmo”. Ele percebeu que Deus o chamava para inaugurar um tempo de reconciliação na igreja cristã na Itália. Na manhã seguinte, novamente presente ao estádio de futebol onde o Congresso prosseguia, com muita humildade o pastor Traettino se ajoelhou diante de um padre da Igreja Católica e lavou-lhe os pés. Naquele momento no estádio, eu senti o sangue de Jesus lavando todos os presentes. Num único gesto de humildade, o Senhor curou anos de ressentimentos, de mentiras, de ódio, de dissensão, de distanciamento.

A história do evangelismo na Itália é muito triste, cheia de perseguições, algumas delas muito violentas, sobretudo durante o período da ditadura de Mussolini, em que, segundo a lei, as comunidades evangélicas eram consideradas ilegais, clandestinas. É óbvio que era um regime social, fascista, e a Igreja Católica não queria isso. Mas ao mesmo tempo a Igreja Católica não tinha tido forças de elevar a voz para defender os irmãos evangélicos. Quando o pastor Traettino lavou os pés de um representante católico, Deus lavou o ressentimento de muitos anos de exílio, de perseguições, de expulsões de pastores evangélicos, tribulação com a qual, em parte, os católicos haviam contribuído ao se omitirem e não defenderem o direito dos irmãos evangélicos. Naquele momento, no estádio, enquanto o irmão Traettino perdoava aos católicos, o sangue de Jesus estava inaugurando um relacionamento novo, inédito entre um e outro grupo.

Depois de alguns meses, esse mesmo gesto de lavar os pés, de reconciliação, foi retribuído ao pastor. Estávamos num congresso carismático católico com 60 mil fiéis. Os bispos, e até mesmo cardeais, que tinham vindo para o evento se ajoelharam na presença do pastor e, em fila, um a um, beijavam-lhe os pés. Naquele momento, o sangue de Jesus, com sua força, veio e nos ligou, depois de curar muitas feridas. E esse mesmo espírito de reconciliação, desde então, foi-se difundindo em outras nações. E é um grande milagre do Espírito Santo o que nós hoje percebemos como um movimento de reconciliação entre os cristãos em toda a América Latina.

A reconciliação avança

Vimos o início desse mesmo mover da graça na Argentina, de modo surpreendente. Um servo de Deus, o pastor Jorge Himitian, foi escolhido para iniciar e levar adiante esse ministério de reconciliação entre católicos e evangélicos. Por seu intermédio, Buenos Aires viu pela primeira vez um católico sendo convidado para ministrar a Palavra num congresso de líderes evangélicos. E de lá pra cá, criou-se um movimento, uma corrente de reconciliação que está avançando com muita velocidade naquele país. Os católicos e evangélicos da Argentina se encontram não só para adoração, mas também para se colocarem firmemente juntos em favor de ações sociais que ajudem a erguer um povo muito sofrido por causa da pobreza.

O mais interessante nessa história é o envolvimento do cardeal-bispo de Buenos Aires. Uma vez por mês, ele recebe os pastores evangélicos para um momento de oração em comum e de intercessão uns pelos outros. Descobrimos, recentemente, que um dos assessores da equipe de serviço do bispo é pastor evangélico. E, fato ainda mais curioso, num andar do palácio episcopal de Buenos Aires, o líder católico reservou um espaço que vem sendo considerado uma “capela evangélica”.

Nesta capital argentina, já tomamos parte em cinco encontros que reuniram 7 mil católicos e evangélicos. Todos os eventos tiveram a participação desse bispo. Num deles, ele foi com muita humildade ao palco, ajoelhou-se e pediu oração. Pastores e líderes evangélicos impuseram as suas mãos e profetizaram sobre o bispo. Para muitos, aquilo foi um escândalo. Que era aquilo de um bispo católico se permitir que evangélicos lhe impusessem as mãos e orassem por ele?! Todos esses sinais foram muito fecundos na esfera espiritual, sobretudo levando em conta que muitos cristãos deixaram de ignorar a verdade de que tinham irmãos e irmãs em outras igrejas.

Esse ministério de reconciliação continua avançando. Em 2006, o Movimento Pentecostal Mundial celebrou nos EUA, na Rua Azusa, os 100 anos desde a primeira manifestação carismática, e eu fui convidado a estar entre os organizadores. Em abril de 2010, o convite se repetirá para a organização de um congresso na Oral Roberts Univesity, em Oklahoma, cujo objetivo será orar pela manifestação do Espírito Santo sobre as novas gerações de cristãos. Esta será a primeira vez que uma representação oficial da Renovação Carismática Católica estará entre os participantes desse congresso. A explicação é que líderes mundiais de linha pentecostal já consideram os católicos carismáticos como membros da mesma família.

Esse movimento de reconciliação está mudando o clima espiritual a nível mundial. Para o 3º Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial (Lausanne III, movimento que teve como fundador o evangelista Billy Graham), previsto para acontecer no final do mês de outubro de 2010 na Cidade do Cabo, África do Sul, lideranças evangélicas convidaram o Vaticano a estar representado, um fato simplesmente inédito.

Um basta à herança de divisões

Todos esses acontecimentos mostram um fato: o pecado da divisão entre nós cristãos está ficando para trás. E mais: existem cristãos e cristãs da geração presente, homens e mulheres de Deus, que estão tendo a coragem de dizer: “Basta, não queremos mais essa herança de divisão das gerações anteriores”. O pecado da divisão da igreja é algo tão diabólico que sua perpetuação levou cristãos a se considerarem diferentes entre si, aceitando isso como algo normal. Mais que um pecado, a divisão é um demônio surdo e mudo, que deve ser desmascarado, amarrado aos pés da cruz do Senhor. Nós precisamos libertar nossas comunidades desse demônio tão teimoso porque esta divisão é um pecado que contraria a vontade de Deus.

Jesus foi claro ao orar: “Pai, que eles sejam um para que o mundo creia”. Se nós não nos unirmos, se não deixarmos os pecados de divisão, o mundo não será salvo. Parece um paradoxo, mas o mundo está pronto e querendo ouvir o Evangelho, aguardando a manifestação dos filhos de Deus. Nós é que não estamos prontos para este anúncio por estarmos tão divididos. O mundo se vira para nós e diz: “Vocês, cristãos, primeiro se coloquem de acordo entre vocês, depois venham pregar o que pensam para nós”.

Se continuarmos desunidos, o mundo não vai dar crédito a nossa pregação. E esta é a nossa decisão: não queremos cometer os mesmos erros das gerações anteriores, mas, antes, interceder por uma profunda purificação, o perdão de todos estes pecados, uma cura de todas as memórias feridas para que entremos na herança de uma nova geração de uma igreja unida. Como Jesus pediu ao Pai: “Pai, a glória que tu me deste, eu quero dar a estes para que sejam um só comigo como eu e tu somos um só” [citação livre de Jo 17.22).

Desde aqueles tempos que mencionei, tenho visto esses gestos de perdão e reconciliação se multiplicarem em nível mundial. Cada vez mais, igrejas católicas fazem a partilha do púlpito, acolhendo ministros evangélicos para ministrarem a Palavra. Em comunidades evangélicas, acontece a mesma coisa, à medida que ministros, leigos e missionários católicos são convidados para ministrarem a Palavra. Eu já estou há 26 anos nesse ministério; 80% do tempo dedicado a ele eu exerço em comunidades evangélicas e pentecostais. Também na cidade de Bari, na Itália, onde eu vivo, temos uma comunidade católica. É uma comunidade de vida reconhecida oficialmente pelo bispo e pelo Papa, que recebe contribuições importantes que ministros de diferentes igrejas trazem para nós: evangélicos, pentecostais, ortodoxos, não denominacionais, carismáticos, anglicanos e até mesmo hebreus messiânicos. Isso é muito claramente um novo Pentecostes.

É claro que não é um projeto humano. Estamos conscientes de que algo assim só pode ser plano de Deus. De fato, a unidade dos cristãos não é produto humano, não é fruto de um esforço nosso. E também não é só fazer declarações doutrinais conjuntas, mas trata-se, sobretudo, de um dom que devemos receber de Deus. A comunhão de todos os cristãos vive no coração da Trindade, no próprio Deus. Lá é a sua casa. O Pai, o Filho e o Espírito Santo já vivem em si essa unidade em comunhão. A unidade da igreja será uma realidade quando pedirmos ao Espírito Santo que vive na Trindade que venha morar em nós e, a partir de nós, realize essa unidade.


* Matteo Calisi, casado, dois filhos, é líder leigo internacional da Renovação Carismática Católica (RCC), fundador e presidente da Comunidade de Jesus, radicada em Bari, na Itália, e presidente internacional da Fraternidade Católica de Comunidades de Aliança. Juntamente com outros comissionados, serve a Cristo em muitos países trabalhando pela reconciliação entre cristãos de correntes separadas. No Brasil, vem sendo conhecido por seu envolvimento com o Encristus (www.encristus.com.br), movimento iniciado em 2008 com o objetivo de favorecer a aproximação entre católicos e evangélicos.

sábado, 8 de janeiro de 2011

UNIÃO ATRAVÉS DE COMUNHÃO








Kokichi Kurosaki

É com profunda tristeza que reconhecemos o quanto dividida a igreja hoje se encontra! Embora cada uma de suas muitas secções não ouse abertamente se declarar a única verdadeira eclésia (termo traduzido por “igreja” na edição portuguesa das Escrituras Sagradas), ainda assim muitas delas agem como se fossem de fato o único corpo de Cristo. Estas seitas e denominações, a maior parte sem nenhum escrúpulo ao “roubar” ovelhas de outros rebanhos, parecem estar mais preocupadas em converter homens a seu próprio grupo do que a Cristo.
Para acabar com a confusão atual e mostrar como os cristãos podem viver como um em Cristo, é necessário redescobrir o verdadeiro centro do cristianismo.

O centro do cristianismo ao longo da história

Quando Jesus ascendeu para estar com o Pai, pediu-lhe que enviasse o paráclito, o Espírito Santo. Depois disso, a vida dos discípulos se uniu àquela do seu Senhor ressurreto pela habitação do Espírito neles, e passaram a viver uma vida de koinonia (palavra grega que significa “comunhão”) com ele e com todos os outros crentes. O centro da vida de fé para os discípulos não era o batismo, os ensinamentos dos apóstolos, o partir do pão e as orações de casa em casa, as maravilhas e os sinais que se seguiam. Tudo isso era importante para a igreja primitiva, porém não o centro de sua fé, que se achava no Cristo. Sua união viva com ele era o centro de suas vidas e, por conseguinte, da eclésia.
Não havia cargos na eclésia, mas funções reconhecidas com base nos dons que o Espírito distribuía entre os que criam. A autoridade nesta igreja não era legal ou institucional; tinha, antes, uma base espiritual, percebida pela convicção do Espírito no coração dos homens.
Os cristãos na idade apostólica nunca pensaram em fazer de uma organização institucional o centro da eclésia, nem em colocar o serviço humano ou a autoridade terrena no lugar da atividade e autoridade do Espírito no meio deles.
Quando Constantino, no início do século IV, transformou o cristianismo em religião oficial do império, favoreceu o desenvolvimento de um sistema institucionalizado que se tornou mais e mais centralizado, até que o bispo romano foi constituído “Pai” de toda a Igreja romana. A autoridade imperial, derivando seu poder, a partir de então, da união política e eclesiástica, podia declarar cristão e membro da igreja institucional todo e qualquer cidadão do estado. Como resultado disso, a verdadeira natureza da eclésia, como o corpo vivo de Cristo, se perdeu nesta instituição religiosa, agora apenas um corpo legal regido por deliberações eclesiásticas em vez de pelo Espírito. A fé, como as leis do estado, foi reduzida a um credo, formulado para ser lembrado pelos membros comuns da igreja. Aqueles que não aceitavam o credo, como os que não obedeciam à lei, eram declarados hereges e punidos.
Quando o cristianismo foi transformado em tal instituição legal, não se podia esperar mais que a comunhão, ou koinonia, com Deus e com Cristo fosse o centro da eclésia. A eclésia espiritual foi substituída pela igreja terrena institucional cujo centro era o Papa. Nesta igreja a comunidade de cristãos não era mais o corpo de Cristo que mantém união vital com ele, e Cristo não era mais o cabeça que governa seu corpo, a eclésia.
Com o estabelecimento da igreja institucional, a adoração a Deus em espírito e em verdade morreu e foi substituída por adoração ritual e formal. Não mais podiam ser aplicadas aos cristãos as palavras de João: que “a unção [do Espírito] que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine, mas, como a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas...” (1 Jo 2.27). Os membros da igreja agora eram ensinados apenas pelos oficiais ordenados pela Igreja. Esta era a Igreja Romana, que insistia que fora da sua comunhão não poderia haver salvação e que, como instituição, tornou-se o centro do cristianismo.
Com o advento do Protestantismo, porém, o Papa romano e a instituição romana perderam sua posição como centro exclusivo do cristianismo. As Escrituras passaram a lhes fazer concorrência. Em virtude dos conflitos violentos daqueles primeiros tempos da Reforma, foi natural que os reformadores procurassem a segurança de um padrão objetivo para enfrentar o poder político-eclesiástico aparentemente ilimitado de Roma. Substituindo o Papa, a Bíblia se tornou o centro do cristianismo nas igrejas protestantes.
A redescoberta por Lutero da grande doutrina bíblica de “salvação por fé somente” foi um dos maiores eventos da história humana. No entanto, tornou-se necessário, agora no protestantismo, como ocorreu no catolicismo, fazer uma distinção bem clara entre fé ortodoxa e herética, e excluir os hereges da igreja nova e purificada. Como resultado, os protestantes se viram obrigados a despender grandes esforços formulando os seus próprios credos. Embora todas estas confissões fossem valiosas em si, mesmo assim nenhuma delas poderia ser considerada o padrão absoluto da fé, esta um sinônimo da vida plena em Cristo que nunca poderia ser confinada em determinados sistemas ou credos sem provocar novas divergências.
Vale destacar que três dos principais expoentes dos primórdios da Reforma – Lutero, Zwinglio e Calvino – tornaram-se desde o início, como a história demonstra, exemplos de sectarismo e naturalmente foram seguidos ou imitados pelos seus sucessores, dando origem a divisões sem fim que se estendem indefinidamente até os nossos dias.

Pontos de divisão

Poderíamos pensar que com a Bíblia como centro do cristianismo, a unidade dos cristãos seria efetuada com facilidade. Infelizmente isso não tem ocorrido. A Bíblia é a expressão da vida e obra de Deus, e já que a “vida” é superior à sua manifestação, ela não pode ser inteiramente expressa por meio de qualquer forma lógica ou teológica. Por isso não se pode evitar que a Bíblia seja compreendida de muitas maneiras diferentes. Assim vemos como, na sabedoria de Deus, é impossível na prática fazer das Escrituras o fim, ou a autoridade final, em si próprias, pois elas apenas expressam a autoridade de Deus àqueles que vivem em comunhão com o Espírito. Devemos procurar, na dependência da operação do Espírito, entrar num relacionamento pessoal com Cristo, que é a Verdade, através da Bíblia. Pois, fora da palavra escrita e também do Espírito vivificador, não há nenhum conhecimento real da Palavra viva de Deus.
A interpretação particular das Escrituras, ou a ênfase que se dá a determinados textos, logicamente em detrimento de outros, tem sido causa frequente de divisões. As doutrinas tornam-se uma base de comunhão dentro do círculo limitado daqueles que passam a se reunir em torno delas.
Uma igreja se separa das outras, por exemplo, por causa das diferenças de opinião com respeito à forma do batismo; um outro grupo por divergências quanto à questão do uso do órgão nas suas reuniões; outro por causa da necessidade aparente das mulheres de cobrirem as suas cabeças quando oram; uns insistem em guardar a lei sobre alimentos puros e impuros. Os exemplos se multiplicam. Em comum, na origem de todos eles, vemos questões triviais com respeito a ritos formais produzindo separações. No momento seguinte, cada seita condena as demais, frequentemente denominando-as de hereges.
A igreja protestante está tão dividida que parece ser impossível realizar a sua unificação. Esta situação surgiu por causa da perda do verdadeiro centro do cristianismo e sua substituição por teologia, dogmas, credos, a Bíblia, instituições, rituais ou cerimônias. E o que é ainda pior: as divisões foram fortalecidas pela ideia, herdada da Igreja Romana, de que apenas o “grupo da gente” é que tem a fé ortodoxa, e que todos os outros grupos devem ser perseguidos por serem errados. Assim, muitos têm despendido ação vigorosa em refutar a doutrina de outras seitas e em arrastar crentes destas seitas para o seu próprio grupo.
Por que nós, cristãos, não reconhecemos o pecado desta condição e não nos arrependemos?

O verdadeiro centro do cristianismo

Compreendendo o erro do estado atual das igrejas e procurando solucionar tal situação, muitos têm tentado formar uma aliança entre todas elas, criando uma igreja ecumênica. Porém esse movimento também está obviamente destinado a fracassar. A própria tentativa de unir as igrejas provavelmente terminará apenas na formação de mais uma grande seita ou denominação, a não ser que na base dessa proposição esteja a preocupação de restabelecer o verdadeiro centro do cristianismo.
A eclésia é o corpo de Cristo (cf. Ef 1.22-23; 4.15-16; 5.23-27,32; Cl 1.18; 2.19). Como cabeça, Cristo governa, comanda e dirige seu corpo, composto de muitos membros com diferentes dons ou funções. Cada membro é ligado à cabeça diretamente, e assim todos os membros gozam comunhão uns com os outros através de sua relação com ele. Como o corpo humano não pode viver quando dividido em partes, assim também o corpo de Cristo não pode viver quando é seccionado. Uma igreja dividida não é igreja de maneira alguma no sentido neotestamentário.
O centro do cristianismo não é uma instituição nem uma organização. Nem é a própria Bíblia, como queriam os reformadores, pois a eclésia existia antes da formação do cânone do Novo Testamento. Os cristãos tinham comunhão com Deus e uns com os outros, centrando a sua fé em Cristo, muito antes de a Bíblia com a conhecemos hoje existir.
Somente há um centro no cristianismo, e este centro é comunhão espiritual com Deus por meio de Cristo – união viva com Deus em Cristo. Onde houver esta koinonia, há o corpo de Cristo, a eclésia. Onde não houver koinonia com Deus, não há eclésia, porque falta o elo vital da vida, não importa que haja excelentes líderes, muitos edifícios elegantes, muitos dogmas e credos sábios.
Somente esta união com Deus em Cristo pode ser o centro do cristianismo. As Escrituras confirmam isto, porque esta comunhão é o tema da Bíblia inteira, de Gênesis a Apocalipse. De fato, a relação entre o Pai e o Filho na eternidade, sem dúvida, era precisamente esta comunhão. E foi pensando nela que Deus criou o homem à sua própria imagem, portanto ela é o centro do relacionamento entre Deus e o homem. Privado dessa comunhão, depois da queda, Deus não hesita em enviar o seu Filho, por meio de quem a comunhão pôde ser restabelecida. Em Cristo, todos podemos ter koinonia diretamente com Deus e compartilhar da sua própria vida. Este é realmente o centro do cristianismo, e fé nada mais é do que o estado de ter esta união viva com Deus. Ou seja, fé é apenas um outro nome para comunhão.
Isso explica por que a causa primária das divisões é o institucionalismo das igrejas, que ao invés de promoverem a vida dos crentes que nelas estão, abafam-na e a expelem. O resultado é a produção de meras instituições mortas no lugar da eclésia viva. Os cristãos que tiverem realmente vida em Cristo não podem existir em tal cadáver e geralmente saem dele. Mas, lamentavelmente, na maioria dos casos, aqueles que deixam as instituições mortas simplesmente empreendem a construção de uma instituição “melhor” ou abraçam outros rituais e cerimônias, desta forma repetindo o mesmo erro. Ao invés de voltar a Cristo como o seu centro, eles procuram outra vez encontrar comunhão e segurança espiritual na mesmíssima base que já falhara.
Até mesmo o nosso entendimento do próprio Cristo não pode ser a base da união, pois ele é grande demais para ser entendido plenamente por uma só pessoa ou grupo. Nossos entendimentos limitados nem sempre coincidem. Um enfatiza este aspecto de Cristo; o outro, aquele, e isto se torna mais uma vez a causa de divisão.
A nossa comunhão com Deus em Cristo é o “propósito eterno” do Pai, e ele não pode descansar até que o veja cumprido. Quando todos os cristãos virem esta verdade, a mudança será surpreendente. Nossas práticas, evidentemente, não serão as mesmas, porque as ordens de Deus variam de acordo com os diferentes dons e chamamentos. Mas ainda que cada um seja diferente no seu modo de desempenhar a sua parte da vontade de Deus, já que o objetivo de Deus é único, todos os membros da eclésia serão unidos porque estarão fazendo a vontade do mesmo Deus, cumprindo juntos um grande propósito.

O único caminho à união

A conclusão de que a comunhão com Cristo é o centro do cristianismo pode levantar um problema na mente de alguns cristãos a respeito da importância que deve ser atribuída às doutrinas. Sondemos esse assunto observando a natureza da fé.
A fé, como é apresentada pelas Escrituras, não quer dizer fé nesta ou naquela doutrina, mas na pessoa do Cristo crucificado e ressuscitado. E tal fé no Senhor nada mais é que esta comunhão com ele, pelo Espírito que habita nos crentes. Não é apenas uma convicção, mas um relacionamento estabelecido.
Ao Juiz dos vivos e dos mortos não importa o entendimento teológico ou a exatidão doutrinária dos homens – sua obediência de coração revelará se tinham ou não fé em Deus. O Senhor os julgará unicamente pelo que eles são e pelo que fizeram, não pelo que eles conheciam e confessavam, exceto naquilo em que a confissão revela o coração.
Se doutrina for tomada como o centro, ela se torna a causa de divisões, porque ela cria a tendência de julgar a fé dos outros pelo nosso próprio entendimento. Deus deu o seu Filho na cruz não para tornar a sua redenção – ou o entendimento dela – uma condição da salvação, mas para que ela fosse a base da salvação, que é comunhão viva com ele mesmo. Se a doutrina fundamental da Redenção não deve ser transformada no centro da fé cristã, muito menos qualquer outra questão teológica.
Além disso, as doutrinas não poderão, tampouco, garantir a comunhão horizontal. A comunhão com outros cristãos é inteiramente um resultado da comunhão com Cristo, e desta forma esta koinonia com ele é verdadeiramente o centro da fé. Quando os cristãos estiverem unidos nesta simples base neotestamentária, tolerarão as diferenças de opinião e de prática em assuntos secundários. Amarão uns aos outros com o amor de Cristo, e neste amor veremos a esperança daquela unidade de todos os cristãos, a qual tanto almejamos.
A união legal da organização humana, que é frequentemente governada por homens escolhidos por métodos humanos, é substituída na eclésia pela união espiritual. Se não acharmos a satisfação através de comunhão com Deus – para a qual fomos criados – então, invariavelmente, tentaremos achar realidade e satisfação no “sistema eclesiástico” de instituições, formas e doutrinas. Faltando “vida” espiritual, viramo-nos à “religião” – o cadáver inerte.

Variedade essencial: unidade com diversidade e diversidade na unidade

Não devemos negar nem procurar evitar o fato da variedade em assuntos doutrinais e práticos. O homem é uma criação de Deus, e Deus não cria à moda de uma fábrica, por produção em massa. Por que é que pensamos que a divisão é sempre a única alternativa à uniformidade ou igualdade? As ênfases diferentes de muitas denominações não estão erradas em si. Estas mesmas diferenças beneficiariam todo o corpo se cada grupo fosse suficientemente humilde para reconhecer o valor dos demais, ao invés de fazer das suas diferenças a base de exclusivismo e separação. Ao invés de condenar ou excluir aqueles cujo conhecimento ou entendimento seja diferente do nosso, devemos amá-los, agradecendo a Deus pelo que ele nos deu através deles. No entanto, ao invés de perceber o quanto precisamos da contribuição que pode trazer à nossa fé quem é diferente de nós, temos feito das nossas próprias diferenças o ponto de união – colocando a nossa expressão particular do cristianismo no lugar de Cristo, como centro da nossa fé e comunhão. Em todo lugar vemos os crentes colocando seus próprios irmãos para fora da sua comunhão e rejeitando, condenando e desprezando aqueles em quem Cristo habita. Quão terrível aos olhos de Deus é o pecado da desobediência da ordem divina de amar todos os cristãos, não apesar das suas diferenças, mas por causa delas.

Conclusão

Sendo a eclésia um organismo, não existe um método humano capaz de produzi-lo. Vida como organismo tem sua fonte na própria vida e não numa organização. Enquanto os cristãos pensarem de si mesmos em termos de uma instituição, nunca haverá unidade em Cristo. As igrejas no seu estado atual nunca podem se unir, porque sua própria existência se baseia no princípio de divisão a fim de limitar a comunhão e distinguir visivelmente quem tem a fé de quem não a tem.
A eclésia não precisa se unir, pois sua própria existência é baseada no fato de uma unidade já existente. Essa unidade é a unidade gloriosa de todos nós formando um corpo em Cristo, o qual, pela sua própria vida, está em comunhão constante com o Cristo vivo. Se vemos essa verdade simples e maravilhosa, ousemos abandonar tudo o mais a fim de experimentá-la.

Compilado e adaptado do livro “União através de Comunhão”, de Kokichi Kurosaki, Worship Produções. Para pedidos acesse www.revistaimpacto.com

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A REFORMA DA UNIDADE DA IGREJA*








Por Pedro Arruda*

A herança mais horrível que recebemos no decorrer da história e que se acentuou depois da Reforma, chegando a ponto de desenfrear-se, foi a divisão entre os cristãos. As famosas 95 teses de Lutero, de certa forma, perderam a importância até mesmo entre seus muitos seguidores, que praticam de maneira descarada aspectos que foram nelas denunciados. Penso que uma única afirmação poderia ser pregada na porta de todos os templos cristãos, denunciando o maior erro da igreja: “Sede perfeitos em unidade para que o mundo creia”. Quando alcançarmos esta prática, o ciclo de Reforma estará completo.

No entanto, jamais devemos considerar a unidade como um elemento que podemos produzir por nós mesmos, pois ela tem o caráter e a natureza divinos, e, como tal, só Deus pode produzi-la em e entre nós. Ela é resultado de comunhão, e esta só pode ser encontrada na prática de uma só vontade: a de Deus. Assim, a prática da vontade de Deus gera a comunhão, que, por sua vez, produz a unidade.

A volta de Jesus – o maior acontecimento de toda a história ainda por vir – clama pela unidade da igreja. Temos de deixar de ser como a família em que irmãos brigados entre si visitam o pai em momentos alternados ou o procuram em lugares distintos para não correrem o risco de se encontrarem. Nestes casos, ainda que o pai trate cada um como seu filho e se mostre grato pela demonstração de carinho, não significa que esteja satisfeito com a situação de rompimento entre eles. Pelo contrário, faria tudo para vê-los unidos. Quando consideramos essa ilustração, fica mais fácil entender por que Jesus ensinou que a reconciliação entre os irmãos precede e valida a oferta a Deus (cf. Mt 5.23-24).

Viver a comunhão entre os contemporâneos de nossa geração é algo muito importante e deve ser buscado, contudo ainda é insuficiente. É necessário que se resgate a comunhão intergeracional a que se referiu Malaquias quando profetizou a “conversão do coração dos pais aos filhos e dos filhos aos pais” (Ml 4.5-6) como premissa à volta de Jesus. Muitas das divergências históricas que marcaram o cristianismo não fazem o menor sentido nos dias de hoje, já que suas razões foram há muito superadas, mas os efeitos da divisão permanecem até hoje machucando as pessoas no corpo de Cristo. Há, então, a necessidade de uma geração curada que se perceba como tal. Ela deve ter a grandeza de, com a luz maior que tem da revelação de Deus nos dias de hoje, compreender e perdoar aos pais. Assim, estará apta também a compreender seus filhos e a evitar a aparente necessidade destes de virem a praticar o rompimento geracional que tem marcado a história.

Com os corações convertidos uns aos outros, poderemos somar as conquistas das revelações e transmiti-las sadiamente de uma geração à outra, sem que neste processo se inocule o vírus da separação, malefício que sugere a necessidade de rompimento para que o novo seja praticado pela geração que o recebeu, o que invariavelmente acaba se tornando objeto de desprezo por parte da geração anterior. “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17.20-21). Nesta oração, Jesus pediu pela comunhão entre as gerações, pois rogou por aqueles que estavam naquele momento com ele e também pelas sucessivas gerações que viessem a crer através da mesma palavra, conciliação que daria a uns e outros um só coração numa unidade histórica.

Ouso dizer que a razão para a existência da igreja é a de manifestar a comunhão da Trindade entre os homens: “Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.22-23).

Trabalhar a favor da unidade alicerçada na comunhão é próprio da natureza de Deus. Quando ela prevalece, a vitória é do Senhor. Entretanto, sempre que permitimos que a divisão se estabeleça, não há outro vitorioso a não ser o diabo, pois isso é próprio de sua natureza demoníaca.

Ainda que consideremos que possamos exercer um ministério mais dinâmico e com produtividade muito maior, isso não serve de justificativa para a divisão. Ora, o próprio Deus, que poderia fazer tudo mais rapidamente, preferiu fazer junto. Assim, a natureza da igreja não é fazer mais, mas fazer junto. Ou seja, uma prática constante de comunhão.

Há quatro coisas básicas que foram se perdendo ao longo do tempo, nas quais a igreja nascente de Jerusalém perseverava: doutrina dos apóstolos, comunhão, partir do pão e oração. A Reforma Protestante revalorizou a Palavra; o Movimento Pentecostal, a oração, especialmente a coletiva; agora é o tempo de a comunhão ressurgir e ser cristalizada como um elemento distinto e presente em todas as atividades para que o partir do pão sobre a mesa do Senhor se torne o alimento da nossa unidade. Seremos um com o Senhor e o mundo terá, então, em que crer!

* O texto integral, sob o mesmo título, de onde o presente artigo foi retirado, figura nas conclusões do recém-publicado “A comunhão nossa de cada dia: a reforma da unidade da igreja”, CCC Edições. Para adquiri-lo, acesse www.gruponews.com.br.


Importante: Este e os próximos posts, originalmente publicados na edição do jornal Grupo News de dezembro de 201o abordarão, como tema principal, a necessidade de aproximação entre segmentos do Corpo de Cristo hoje separados. Por conseguinte, uma palavra, ainda que em alguns momentos apenas indiretamente inferida, é quase incontornável: “ecumenismo”. Para dirimir qualquer eventual equívoco que venha a provocar, em virtude de associações censuráveis que costuma trazer à lembrança dos cristãos, antecipamos o sentido com que está sendo considerada, sobretudo relacionada aos ministérios de Matteo Calisi e padre Marcial Maçaneiro: descreve o esforço para unir, com base em comunhão, pessoas de diferentes denominações que centralizam sua fé em Cristo Jesus e, consequentemente, relegam a um segundo plano posições doutrinárias não essenciais que são normalmente o motivo de sua separação. Não se objetiva uma união institucional em que diferentes comunidades confundam-se ou absorvam-se reciprocamente, mas uma convergência em Cristo que favoreça a partilha fraterna do discipulado do Evangelho, tendo claro que a unidade do Corpo de Cristo é um dom do Espírito para a Igreja, a expressão da natureza da Trindade Eterna e, consequentemente, a grande fomentadora de fé nos que ainda não creem.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A vaca prenhe dá lugar a filhas leiteiras e anima produtores pobres do Paraná





Estou com minha família - esposa e 3 filhos adultos, estudantes -, na Colônia Witmarsum, PR, a 60 km de Curitiba. É uma colônia de agricultores menonitas de origem alemã, que imigraram ao Brasil e chegaram em 1930, expulsos da Rússia, para onde tinham imigrado antes e vencido as dificuldades daquele país, nas estepes. Ali, perseguidos por Stalin, foram divididos e partiram para poucoas países, como Canandá, Brasil e Paraguai. Aqui chegaram 1.200 famílias, como agricultores cristãos. Assim como tinham vencido as dificuldades centenas de anos antes, na Holanda, construindo os famosos diques, também venceram no Brasil, por meio de muito trabalho, de forma cooperativa, em pequenas propriedades agrárias, procurando manter suas tradições anabatistas, de reforma radical, ainda que hoje estejam um tanto distantes disto, é verdade.
O trabalho social dos menonitas aqui me chama a atenção. Ele foi iniciado pelo pastor Peter Pauls, que há cerca de 30 anos, passou a servir pessoas e famílias, com alimentos e roupas. O envolvimento de outros anabatistas - de origem alemã, suiça, holandesa, canadense, americana e alguns brasileiros - somado, sobretudo à graça de Deus, fez o trabalho ser multiplicado e hoje atende 22 municípios apenas no Planalto Central do Paraná, com ramificações em outras regiões do País.
Além dos trabalhos comuns, como cuidado em creches, participação da comunidade no auxílio a famílias, ajudando-as a reformar ou construir novas casas que tomam o lugar de precários barracos, trabalho com creches, etc, ensinam famílias rurais de trabalhadores pobres em treinamento em técnicas agrícolas e ajudam-nos a caminhar com suas próprias pernas, depois de lhes presentear, por exemplo, uma vaca leiteira prenhe. Com o tempo, assim que a vaca leiteira venha a parir o segundo filhote ou o filhote cresça e tenha o filhote, a vaca inicial é devolvida à associação e o agricultor passa a ter seu próprio animal que vai parindo outros bezerros com o tempo. Hoje, já há grupos de famílias com dez ou mais animais e leiterias em pleno funcionamento. No meio disto, além da gratidão, há conversões também.
Estou animado com isto.
Temos feito alguns passeios também, e trilhas. Temos comido comidas típicas e gostosas. Estamos hospedados na casa do pastor Miguel Lopes e Adela. Amanhã teremos um café colonial (eba).
Escreverei mais coisas depois, vou dormir agora.
(Luiz Montanini)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Das afeições desordenadas




Todas as vezes que o homem deseja alguma coisa desordenadamente, torna-se logo inquieto. O soberbo e o avarento nunca sossegam; entretanto, o pobre e o humilde de espírito vivem em muita paz. O homem que não é perfeitamente mortificado, facilmente é tentado e vencido, até em coisas pequenas e insignificantes. O homem espiritual, ainda um tanto carnal e propenso à sensualidade, só a muito custo poderá desprender-se de todos os desejos terrenos. Daí a sua freqüente tristeza, quando dele se abstém, e fácil irritação, quando alguém o contraria.
Se, porém, alcança o que desejava, sente logo o remorso da consciência, porque obedeceu à sua paixão, que nada vale para alcançar a paz que almejava. Em resistir, pois, às paixões, se acha a verdadeira paz do coração, e não em segui-las. Não há, portanto, paz no coração do homem carnal, nem no do homem entregue às coisas exteriores, mas somente no daquele que é fervoroso e espiritual.

(Tomás de Kempis, capítulo 6 do livro Imitação de Criosto, Editora Vozes.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

¨Que opinião tendes de vós mesmo?¨










Tomás de Kempis


O devoto Frei Rufino, em uma visão que teve da glória a qual chegaria o grande São Francisco, por sua humildade, fez-lhe esta pergunta: ¨Meu caro pai, eu vos suplico dizer-me na verdade que opinião tendes de vós mesmo¨. E o santo lhe disse: ¨Na verdade eu me considero o maior pecador do mundo e aquele que menos serve a Nosso Senhor¨. ¨Mas, replicou Frei Rufino, como podeis dizer isto de verdade e em consciência, uma vez que muitos outros, como se pode ver claramente, cometem muitos pecados graves, dos quais, graças a Deus, estais isentos?¨.

Ao que São Francisco respondeu: ¨Se Deus tivesse favorecido esses outros, dos quais falas, com tanta misericórdia como me favoreceu, estou certo de que, por maus que sejam agora, eles teriam sido muito mais reconhecidos pelos dons de Deus do que eu, e o serviriam muito melhor do que eu. E se meu Deus me abandonasse, eu cometeria mais maldades do que nenhum outro...¨.

Excerto do capítulo 2 (¨Do humilde pensar de si mesmo¨) do livro Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis, Editora Vozes

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Da utilidade das adversidades













Tomás de Kempis

Bom é passarmos algumas vezes por aflições e contrariedades, porque frequentemente fazem o homem refletir, lembrando-lhe que vive no desterro e, portanto, não deve por sua esperança em coisa alguma do mundo. Bom é encontrarmos às vezes contradições, e que de nós façam conceito mau ou pouco favorável, ainda quando nossas obras e intenções sejam boas. Isto ordinariamente nos conduz à humildade e nos preserva da vanglória. Porque, então, mais depressa recorremos ao testemunho interior de Deus, quando de fora somos vilipendiados e desacreditados pelos homens.

Por isso, devia o homem firmar-se de tal modo em Deus, que lhe não fosse mais necessário mendigar consolações às criaturas. Assim que o homem de boa vontade está atribulado ou tentado, ou molestado por maus pensamentos, sente logo melhor a necessidade que tem de Deus, sem o qual não pode fazer bem algum. Então se entristece, geme e chora pelas misérias que padece. Então causa-lhe tédio viver mais tempo, e deseja que venha a morte livrá-lo do corpo e uni-lo a Cristo. Então compreende também que neste mundo não pode haver perfeita segurança nem paz completa.

Acho que, entre todas as vantagens da tribulação, que não são poucas, umas das mais excelentes é que ela nos faz voltar ao Nosso Senhor. Quando estamos vivendo na prosperidade, frequentemente o esquecemos, mas na adversidade recorremos a ele como único refúgio.

Como o suco de uva, se o deixarmos no cacho durante muito tempo, deteriora e apodrece, assim a alma, se a deixarmos em seus prazeres e volúpias, em seus desejos e aspirações, ela se corrompe; mas se for oprimida pela tribulação, dela sai o doce licor de penitência e de amor.

(Excerto do cap 12, do livro Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis - Editora Vozes)

domingo, 2 de janeiro de 2011

Aquele a quem o Filho o quiser revelar


Todas as coisas me foram entregues por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. (Mt 11:27)

Como é gostoso descobrir coisas novas em textos antigos. Lembrei agora da história bíblica de Mt 13:52, onde Jesus afirma que “todo escriba instruído acerca do reino dos céus é semelhante a um pai de família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”. Isto sim é que é verdadeiro baú da felicidade.

Voltando à coisa nova do texto ali em cima, surgiu-me algo novo na noite de hoje e aqui compartilho, em linguagem bem simples.:

A fala de Jesus em Mt 11:27 é uma ode à graça de Deus, repartidor por natureza. Primeiro vemos que todas as coisas foram dadas ao Filho e ele repartiu conosco. Isto é graça multiplicada.

Depois vemos que o Filho é conhecido do Pai e o Filho conhece o Pai. Mas o intrigante e maravilhoso, que nos enche de gratidão nisto é nossa inclusão neste processo de conhecer ao Pai e ao Filho, por causa tão somente da vontade de Jesus Cristo em nos introduzir à presença do Pai e ao seu conhecimento. “Aquele a quem o Filho o quiser revelar” é frase significativa.

Sabemos de cor uma frase tão importante quanto esta acima, do próprio Jesus, a que nos informa que Ele é o caminho e que ninguém vai ao Pai senão por Ele (Jo 14:6). Ao juntar estas duas frases bíblicas vemos que Jesus é quem nos dá acesso ao Pai, porque Ele, Jesus, é quem quer, mas nada de forma predestinada, uma vez que se apresenta como caminho e convida a todos para segui-lo... ou não, como queiram. Ou seja, quem o segue no caminho será automaticamente apresentado ao Pai, porque Jesus é o caminho que leva à vida, ao Pai. Quem não o segue, andará em trevas. Isto é, caminhará também, mas por outro caminho, escuro.

O Filho, portanto, quer nos levar ao Pai e reparte essa comunhão, essa maravilhosa possibilidade de conhecê-lo, através Dele.

O caminho do conhecimento do Pai está aberto, cabe a nós entrarmos por ele.

(Luiz Montanini)

sábado, 1 de janeiro de 2011

Retomada

O original deste texto (Gestação Silenciosa) foi escrito e impresso em papel no extinto Jornal Hoje – A Igreja em Ação há 12 anos. Como me parece atual, decidi republicar a parte final do texto, editada e atualizada. Aos interessados no texto na íntegra, enviem email ou peçam pelo blog que o mando também por email.

Publicar este texto foi a forma que escolhi para retomar a publicação deste blog, ao qual desprezei nos últimos dois anos e por cuja falta peço perdão aos meus irmãos e leitores. Segue, então, o texto:

Luiz Montanini

Gestação silenciosa


Boa parte da igreja atual – e eu e você fazemos parte dela – não reflete a vida de Cristo e isto tem afastado a muitos da Porta do Reino. O texto de abertura do livro "Maravilhosa Graça", de Philip Yancey, publicado no Brasil pela Editora Vida, ilustra nossa arrogância. No livro, Yancey repete uma história verídica, ouvida de um amigo:

- Uma prostituta veio falar comigo em terríveis dificuldades. Entre soluços e lágrimas, contou que estivera alugando sua filha de dois anos de idade a homens interessados em sexo pervertido. Tinha de fazê-lo, dizia, para sustentar o vício das drogas... eu não tinha idéia do que dizer àquela mulher. Finalmente, perguntei a ela se nunca havia pensado em ir a uma igreja pedir ajuda. Nunca me esquecerei do olhar assustado que perpassou seu rosto. "Igreja"!, ela exclamou. "Por que iria a uma igreja? Eu já me sinto terrível o suficiente. Eles vão fazer com que eu me sinta ainda pior".

Esta é a imagem que o mundo tem da Igreja: uma turma de santarrões, dedo em riste. Bons demais para se misturar. Um grupo de pessoas que se esqueceu rapidamente de onde tem sido tirado. Em vez de atrair as pessoas com seu perfume, espanta-as com inseticidas.

Uma turma que age exatamente da forma contrária a de Jesus, que tinha facilidade enorme em atrair pecadores. Jamais compactuava com seus pecados — mas os amava profundamente, a ponto de ser descrito na Bíblia como "amigo de pecadores". Sabia como ninguém odiar o pecado e amar o pecador.

A hipocrisia entrou sutilmente na Igreja e hoje é bicho de estimação. Irmãos em Cristo agem como estranhos. Poucos se atrevem a admitir fracassos, tentações, incredulidade, falta de amor, falta de perdão. A vida da igreja se resume a exclamações sem vida de aleluia e glória a Deus.

A situação parece mesmo difícil, escura. Um caos, diria o mais cético. Mas graças a Deus que o próprio parece ter especial predileção em trazer vida da morte, em ordenar o caos, em brilhar luz nas trevas espessas. Foi assim na criação do mundo, na morte de Jesus e será assim na vida da Igreja.

Acaso poderia nascer uma nação em um só dia? Acaso a iniqüidade desta Terra poderia ser tirada em um só dia? As respostas a estas perguntas bíblicas são dois sonoros sim. Algo de novo começa a surgir na vida da Igreja. A mulher está sendo chamada às recâmaras. A Igreja começa a sentir um desejo profundo por conhecer a Cristo. Começa a reconhecer que pouco sabe a respeito de Deus e de todo seu plano e quer entrar em sua intimidade. Está pronta a conceber. A mesma palavra dita a Maria está sendo repetida em larga escala, agora para a Igreja: descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te envolverá.

Uma gestação silenciosa acontece na Terra. E está para vir à luz, ainda que demorem séculos. Num só dia, Deus tirará toda a iniqüidade da vida da igreja e fará nascer uma nação que preparará o caminho do Senhor para sua segunda e definitiva volta à Terra. Não nos esqueçamos, contudo, que após a gestação chega a hora do parto. É para estas dores de parto que temos sido chamados..

Luiz Montanini