Como se deu a formação das línguas românicas e do português?

Uma breve apresentação da formação das línguas neolatinas
……………………………………………………………………………………………………………………………..
Por Miquéias Vitorino

Em primeiro lugar deve considerar como cada região da România foi ocupada pelas colônias (militares e civis), como se desenvolveu o comércio e o aparelho burocrático. Também se deve considerar em que época e por quanto tempo foi a ocupação romana e daí podemos identificar as heranças lingüísticas. Bassetto, destaca algo importante em seu livro “Elementos de Filologia Românica”[1]: a latinização não foi uniforme em todas as partes em que esteve o Império e que as línguas neolatinas vão se desenvolver dependendo principalmente de fatores políticos e sociais. Tendo isso em vista, podemos analisar a formação das línguas neolatinas, em particular o português, a partir de três camadas: o substrato pré-romano, que é a língua do povo vencido, que tende a ceder espaço à língua do dominador, restando-lhe poucos traços ou apenas alguns vestígios; o superstrato ‘bárbaro’, que são as línguas germânicas que tomaram conta da Europa românica por alguns séculos, embora estas línguas bárbaras tenham sido romanizadas; e o adstrato árabe, que coexistiu na península ibérica a partir do século VIII, junto à língua local recebendo esta uma vasta contribuição da língua estrangeira vizinha;
As transformações nas línguas não são imediatas, podendo levar alguns séculos para que sejam visíveis mudanças no vocabulário e fonética das línguas neolatinas. No caso da Lusitânia, essas mudanças começam a partir da chegada dos romanos, no século III. Com o passar do tempo, o latim vulgar toma formas típicas da região da Lusitânia, habitada outrora por povos celtas e ibéricos. As mudanças mais visíveis nesta camada no português são as fonéticas, como, por exemplo, a perda do ´l´ e do ´n´ entre vogais de palavras como ´luna´. A contribuição no vocabulário das línguas pré-românicas no português não é extensa: são aproximadamente 30 palavras herdadas (como cerveja, lousa e sapo).
Com a decadência do Império Romano do Ocidente, os povos germanos adentram a península ibérica, estabelecendo-se como dominadores a partir do século V. Embora sejam os bárbaros os dominadores, preferiram adotar a língua românica como “oficial” principalmente pelo fato da maioria absoluta da população falar o latim vulgar e pela herança cultural da língua latina. Embora essa decisão tenha mantido as línguas românicas em circulação, estas sofreram também algumas mudanças, principalmente inclusões vocabulares e empréstimo de alguns sufixos. Na península ibérica, os superstratos suevo, vândalo, e godo não contribuíram tanto como em outros lugares da Europa românica porque esses povos já vinham sendo romanizados durante suas andanças pela România até o caminho da Lusitânia e proximidades. Palavras como ‘guerra’ e ‘broa’ e nomes próprios como Guilherme (vindo de Wilhelm) compõem a contribuição de aproximadamente 300 palavras do superstrato bárbaro em quase três séculos de dominação.
A partir de 711 d.C. uma grande ‘invasão’ árabe sobreveio a Península Ibérica e outras ilhas e territórios mediterrâneos. Apesar de não fazer parte das elites romances e nem governar os territórios que ocuparam, os árabes conviveram quase oito séculos ao lado de cristãos latinizados e influenciaram bastante na língua, na cultura e na ciência. O que caracteriza o adstrato árabe é o bilingüismo; falantes de línguas distantes convivem num mesmo espaço, desenvolvendo a capacidade de falar as duas línguas e estas sofrem influências uma da outra, apenas enriquecendo, sem sobreposição de uma em relação à outra. Esse enriquecimento da língua sem degeneração se confirma com a expulsão da última leva de mouros da Península Ibérica, que verificou-se que mesmo sem a presença árabe os vestígios desta permaneceram nas línguas neolatinas ibéricas. No português, o adstrato árabe contribuiu generosamente em oito séculos com cerca de 1000 vocábulos, usados até hoje; maioria das palavras portuguesas que têm origem árabe têm alguns traços bem característicos, como a presença do artigo ‘al’ no início das palavras (álgebra, algazarra, almofada, alfaiate, alfafa, alicate).
O primeiro registro da língua portuguesa que se tem conhecimento é o testamento de D. Afonso II, datado de 1214, mesmo ano em que foram expulsos os árabes de Portugal.
_______________________
[1] BASSETTO, Bruno. Elementos de filologia românica. São Paulo: Edusp, 2001. Pg. 152-176

Sobre miqueiasvitorino

Graduado em Letras (PT-IN) pela Universidade Federal da Paraíba, Mestre em Linguística Aplicada pelo Proling/UFPB, membro do Grupo de Estudos em Letramentos, Interação e Trabalho (GELIT), professor da rede estadual de ensino do estado da Paraíba (SEEPB) e tutor à distância da UFPB Virtual, na disciplina de Semântica da Língua Portuguesa.
Esse post foi publicado em filologia, historia do portugues. Bookmark o link permanente.

Seu comentário