quarta-feira, 11 de julho de 2007

A Influência da Evolução dos Transportes na Paisagem Urbana

A Influência da Evolução dos Transportes na Paisagem Urbana (1900-1940)

Ao longo das três primeiras décadas deste século, arquitetos e urbanistas procuraram um estilo que fosse apropriado às máquinas e aos edifícios onde seriam instaladas. Acabaram por decidir que os estilos geométricos de linhas puras e uniformizadas do modernismo pareciam corretos, e depois passaram as três décadas seguintes a tentar convencer toda a gente disso. Entretanto, uma paisagem inteiramente diferente, orientada para a máquina, já tinha sido criada ao longo das ruas da cidade e das estradas. Eram estilos arquitetônicos ad hoc, comerciais, confusos, cheios de postes, fios e sinais. Não havia nada de pretensiosamente moderno; era obra de homens de negócios independentes em resposta às exigências populares e de engenheiros municipais que tentavam oferecer um ambiente público seguro. Era uma paisagem vulgar ou comum, isto é, uma paisagem que as próprias pessoas constroem ou mandam construir como uma coisa prática e progressiva e que é considerada um dado adquirido, como pano de fundo do quotidiano.
Próximo do virar do século, as técnicas de produção em massa foram aplicadas aos bens de consumo duradouros, como os aspiradores, torradeiras, máquinas de lavar roupa, telefones e automóveis; a sua operação requeria centrais elétricas, fios de transmissão e postes, sinais de tráfego e novos tipos de estradas e de auto-estradas mecânicas.

Vias Parqueadas e Vias Rápidas

Embora fosse claro que o favorecimento das invenções tecnológicas no final do século XIX traria grandes alterações às condições de vida, não era de modo algum evidente, na altura, exatamente que mudanças seriam. Esperava-se que a utilização da eletricidade produzisse cidades limpas e descentralizadas, mas foi dada pouca atenção aos possíveis efeitos dos automóveis. As vantagens dos veículos práticos, como os carrinhos e autocarros, cedo foram compreendidas, quanto mais não fosse porque poupariam às municipalidades os grandes custos de remoção do estrume e dos cavalos mortos dos centros das cidades. Os carros, contudo, eram considerados pouco mais do que brinquedos.
Foi nesse contexto que a Bronx River Parkway foi concebida em 1906 como uma via principal para uso exclusivo de automóveis, a primeira a ser desenhada. A construção da Parkway (via parqueada) fazia parte do aperfeiçoamento geral do Bronx River Valley em Nova Iork, de forma a combater a degradação e a poluição, que não só não era saudável nem agradável à vista como ameaçava o bem-estar dos animais do jardim zoológico de Bronx (Tunnard e Pushkarev, 1963, pp. 161-162). A via tinha curvas longas e suaves apropriadas às velocidades dos automóveis; os cruzamentos eram feitos sobre viadutos, os proprietários dos terrenos contíguos não tinham direito de acesso e havia uma cuidada paisagem envolvente (daí parkway). Tudo isso foi concebido para uma condução de caráter recreativo, calma, num tempo em que havia apenas 105 000 veículos automóveis registrados na América; portanto, apesar de ser um empreendimento progressista, certamente que não era um empreendimento muito populista.
A idéia da via rápida só para veículos automóveis foi concebida cedo, mas levou muito tempo até se tornar realidade. De fato, a Bronx River Parkway só foi totalmente aberta ao público em 1924, altura em que o parque automóvel da América atingia os milhões; os métodos de produção em série de Henry Ford encontravam-se em plena atividade e os modelos Ford T pareciam estar por todo o lado. Já em 1920 os acidentes de automóvel e o congestionamento de tráfego tinham-se tornado motivo de grande preocupação para os municípios. Na América, mais de trinta mil pessoas morriam todos os anos nas auto-estradas, e um inquérito realizado em Manhattan em 1921 indicou que a velocidade média dos veículos era de 18 km/h, inferior à atingida durante o período caótico da tração a cavalo em 1900. A Parkway era uma solução óbvia, não apenas para os acidentes e o congestionamento, mas também para viagens regionais mais rápidas.
Contudo, a mais perfeita realização da nova auto-estrada antes de 1940 surgiu na Alemanha. Em 1919, uma via rápida de 10 km com quatro faixas separadas tinha sido concebida na floresta de Grunewald e aberta ao trânsito. Foi uma experiência que só foi capitalizada com a subida ao poder dos nacionais-socialistas nos anos trinta; entre 1935 e 1941, quando os trabalhos foram abandonados, 3700 km de Autobahn estavam completados. Eram verdadeiras estradas nacionais, interurbanas, com espessos pavimentos em betão e uma faixa separadora; passavam ao lado das áreas urbanas, foram concebidas para uma velocidade de 160 km/h e estabeleceram o padrão internacional para construção de vias rápidas e estradas nacionais depois da Segunda Guerra Mundial.

Ruas Mecânicas e Paisagem Municipal

Em 1940 o automóvel começara a tecer uma teia de betão e asfalto através da Europa e da América do Norte. Como geralmente acontece, este foi um passo relativamente lento para a mudança da paisagem – os caminhos-de-ferro tinham tido um impacto muito superior nos primeiros quarenta anos da sua utilização, mas isso porque os comboios não podiam funcionar em estradas previamente existentes. Os veículos automóveis podiam, embora cedo tivessem começado a introduzir nelas toda a espécie de pequenas alterações. Algumas destas fazem de tal forma parte do nosso mundo quotidiano que se torna difícil imaginar que têm origens específicas. A vulgar superfície de estrada de asfalto, por exemplo, foi introduzida a partir de 1890, em grande parte devido à pressão de organizações de ciclistas que desejavam superfícies lisas para poderem circular; tornou-se uma necessidade com o advento dos automóveis, porque os carros levantam muito mais pó das estradas de terra batida do que bicicletas ou cavalos e carroças.
Nos princípios do século, a maioria das estradas, mesmo nas cidades, eram pouco mais do que largos carreiros, grandemente afetadas pelo tempo, poeirentas no Verão e lamacentas no tempo de chuva, com escassos sinais de trânsito ou indicadores de direção. Dos 2,6 milhões de quilômetros de auto-estradas existentes na América em 1904, apenas 230 km eram empedrados ou asfaltados, embora nas cidades muitas ruas tivessem sido pavimentadas com betão na década anterior (Rae, 1971, p. 31). A partir daí, por todo o lado, os municípios começaram a pavimentar e a alargar as ruas, tornando-as espaços mecânicos dos nossos dias. Em 1916 as superfícies em asfalto eram um lugar comum; o asfalto veio permitir a marcação de faixas para separar filas contrárias de trânsito, uma idéia provavelmente sugerida pelos veículos que seguiam carros elétricos para conseguirem avançar no meio do trafego congestionado. As marcações foram introduzidas provavelmente em Michigan em 1911 e os sinais STOP foram usados pela primeira vez em Chicago em 1915 ou 1916. Com o rápido crescimento do numero de veículos e o conseqüente congestionamento, tornou-se urgente a necessidade de controlar a corrente de tráfego nos cruzamentos por meio de sinais. Os primeiros sinais eram braços mecânicos, conhecidos por semáforos, onde as palavras STOP e GO estavam inscritas. Nas décadas seguintes o sistema de luzes elétricas verde, amarelo e vermelho foi amplamente adotado. Um sistema integrado de sinais luminosos instalado na Quinta Avenida, em Nova Iorque. Nos princípios dos anos vinte tinha luzes em vinte e seis cruzamentos que eram mudadas simultaneamente por um único agente da policia instalado numa torre de tráfego equipada com três sinais montados na horizontal, um relógio ornamentado e decorações do Segundo Império. Em 1924, a General Eletric aperfeiçoou sinais luminosos automaticamente regulados e, poucos anos depois, já a maior parte da ornamentação tinha sido retirada e os sinais foram instalados na vertical, num poste, ou suspensos em cabos no estilo utilitário que desde então prevaleceu.
Nos anos vinte, os automóveis já estavam a causar sérios problemas de estacionamento e os municípios tomaram medidas para controlá-los. Nova Iorque e Filadélfia proibiram o estacionamento nas ruas principais em 1922 e muitas outras cidades da América do Norte seguiram o exemplo. Durante a década de vinte muitos sistemas de pintura de linhas e curvas foram utilizados para desenhar áreas de estacionamento proibido, mas só com a invenção dos parquímetros o controle se tornou eficaz. Sem duvida que os parques de estacionamento datam dessa mesma altura, mas são elementos paisagísticos tão simples que ninguém parece ter-lhes prestado grande atenção. Sinais de direção e números de estradas foram também introduzidos por volta dessa época, sobretudo como resposta as pressões de organizações de motoristas como a Good Roads Association (Associação para as Boas Estradas), cujos membros utilizavam os seus carros para passear longe do território familiar e se perdiam irremediavelmente com grande regularidade.
Assim, no período entre 1900 e 1930, o veiculo moderno, ou rua mecânica, foi primeiramente desenvolvida através de um número de invenções e de ações independentes. Estas eram necessárias para acomodar o rápido crescimento do número de veículos automóveis, mas também era uma expressão dos poderes crescentes dos governos municipais.
Muitas realizações foram possíveis graças as novas tecnologias da época e tornaram-se necessárias sobretudo devido à pressão dos problemas causados pelos automóveis – e desejáveis devido as exigências de aperfeiçoamento de caráter cívico expressas pelas centenas de sociedades locais que tinham despontado no alvorecer do movimento da Cidade-Bela e de outros movimentos iniciais de planejamento urbano e que queriam que tudo, desde a plantação de arvores nas ruas ao alinhamento dos passeios, incluindo o movimento e o comportamento dos peões fosse ordenado. Nos anos vinte foram avançadas propostas serias, mas, não foram postas em pratica, de pintar linhas e proibir à paragem nos passeios, de forma a regular o fluxo de peões. Nesta vaga de expansionismo foram feitas tentativas para impor normas morais (afinal, esta era uma época de proibições) e, em muitas comunidades, surgiram regulamentos que restringiam o uso de fatos de banho, exceto em determinadas praias e piscinas; pedia-se aos cidadãos que usassem um casaco sobre o fato de banho enquanto conduziam o seu Ford T até à praia pública, ao longo das novas estradas mecânicas.
Do ponto de vista da paisagem urbana, o que é surpreendente em todas estas melhorias municipais no aspecto das ruas é que eram visualmente discretas. Era como se as características principais da rua mecânica não fossem desenhadas para chamar a atenção, mas tão só para ser um fundo cinzento de postes, superfícies e sinais de direção inócuos – um contexto funcional para uma cidade eficiente. Embora talvez não fosse esse o objetivo, contrastando com este fundo neutro, os exóticos edifícios comerciais e os sinais de trânsito adquiriram uma proeminência dramática.

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