Um dos poemas mais belos de Murilo Mendes. Não sei por qual razão sempre o associo ao quadro O nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli.
- Esta noite eu te encontro nas solidões de coral
- Onde a força da vida nos trouxe pela mão
- No cume dos redondos lustres em concha
- Uma dançarina se desfolha.
- Os sonhos da tua infância
- Desenrolam-se da boca das sereias
- A grande borboleta verde do fundo do mar
- Que só nasce de mil em mil anos
- Adeja em torno de ti para te servir,
- Apresentando-te o espelho em que a água se mira,
- E os finos peixes amarelos e azuis
- Circulando nos teus cabelos
- Trazem pronto o líquido para adormecer o escafandrista
- Mergulhamos sem pavor
- Nestas fundas regiões onde dorme o veleiro,
- À espera que o irreal não se levante em aurora
- Sobre nossos corpos que retornam às águas do paraíso.
Basta analisar tecnicamente este poema para perceber porque ele é tão belo: seleção vocabular. Observe: solidões, coral, sonhos, infância, borboleta, mar, verde, amarelos, azuis, peixes, adormecer, veleiro, irreal, aurora e águas. Em minha modesta opinião, são as palavras mais poéticas que existem na língua portuguesa.