Sobre a Batalha de Okinawa, a história de um povo, a banalização do mal e a insustentável busca pela paz numa base militar.

Quando se está em Okinawa, mal se pode imaginar o que este povo, seus mares e cavernas viram acontecer por aqui. Digo povo, mares e cavernas, porque poucas construções sobraram para contar essa história.
A Batalha de Okinawa foi talvez a mais sangrenta em terra que se passou no eixo do pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, pouco sabemos sobre ela. Segundo escrito nos livros do colégio e nas apostilas do cursinho, o Japão, também fortemente influenciado por uma política imperialista e fascista, foi aliado da Alemanha e da Itália durante a II Guerra.

Foi no mês de abril de 1945 que a já empobrecida ilha de Okinawa foi invadida pelos Estados Unidos da América.
Com sua superioridade militar as tropas americanas rapidamente causaram um grande estrago na pequena ilha e o já enfraquecido exército japonês teve que recuar para o sul de Okinawa.

Neste processo, a cidade foi praticamente inteira destruída. Como muitas casas por aqui eram feitas de madeira e palha, em pouco tempo, Okinawa se tornou um grande incêndio e a destruição em cidade. Durante a batalha, que durou pouco mais de dois meses, o exército japonês teve mais de 100.000 baixas, o americano mais de 12.000. Mas, claro, quem sofreu mais com essa história foram os civis. Mais de 150.000 okinawanos perderam suas vidas.

Com suas casas destruídas e com a guerra (literalmente) pegando fogo, os okinawanos que sobreviviam aos ataques americanos tinham que se refugiar nas cavernas da ilha ou nos túmulos (ohaka) típicos de Okinawa (ainda preciso escrever sobre o ohaka).
No entanto, com o agravamento da situação e com o abandono das tropas japonesas pelo próprio governo japonês, a população local passou a temer não só os americanos, mas também o exército japonês. Com a escassez de alimentos, os soldados japoneses não só roubavam a pouca comida que estes sobreviventes conseguiam, mas também obrigavam-lhes a cometer suicídios coletivos e coisas do tipo.

Não são poucas as histórias de pessoas que viram seus entes queridos morrerem de fome ou malária, ou mesmo os que tiveram que conviver (ou seria con-morrer) com os corpos em decomposição dentro destas cavernas.

No último fim de semana, fomos visitar o “Okinawa Prefectural Peace Memorial Museum” ( http://www.peace-museum.pref.okinawa.jp/english/index.html), na cidade de Itoman, dedicado à memória dos mortos na batalha.
É um lugar de tristeza e também de muita reflexão.

Okinawa Prefecture Peace Memorial Museum

Lembrei-me imediatamente do Jüdisches Museum Berlin na Alemanha, dedicado ao povo judeu. Na saída deste museu, havia uma instalação de um artista plástico de quem não me lembro o nome em que caminhávamos num corredor amplo e escuro e tínhamos que pisar em mais de 1,2 milhões (mesmo número de judeus mortos na guerra) placas de metal em forma de rostos humanos em desespero. Nunca esqueci o som triste e obscuro que aquela caminhada fazia.
E o ouvi por dentro ao caminhar pelo parque do Okinawa Memorial. Não porque eram okinawanos os nomes ali escritos. Nem porque certamente alguns familiares se foram nestas condições. Eu, que sempre me sou tão okinawano em Okinawa, neste dia me vi judeu, alemão, árabe, japonês, brasileiro, vietnamita, americano, iraquiano, afegão. … enfim, um ser humano.

Na última seção deste memorial, há uma declaração do governo da província sobre como Okinawa, contando a história desta triste batalha, quer dizer ao mundo uma mensagem de paz.

É um texto bonito, desses que, mesmo não sendo Miss Universo, te fazem querer a paz mundial mais do que tudo.
Mas na recuperação da reflexão, passei a me perguntar quanto vale uma mensagem de paz num lugar que até hoje hospeda as principais bases militares americanas da Ásia.
Talvez, a banalização do mal que se passou por aqui e na Europa, como já disse Hannah Arendt sobre a modernidade, nunca tenha acabado. Talvez a Batalha de Okinawa nunca tenha acabado.

Pulando os mais de 25 anos de história em que Okinawa ficou sob administração americana e serviu de base para as Guerras da Coréia e do Vietnam, daqui de Okinawa, mesmo contra a vontade de muitos okinawanos, saem até hoje tropas americanas que rumam para o Afeganistão e para o Iraque. Sem contar os casos de estupro e violências decorrentes da presença militar por aqui.

De modo geral, o governo japonês e a parte da população local que crê que a as bases militares são essenciais para a economia okinawana apóiam a continuação das bases por aqui. Mas, para além da já trágica participação indireta de Okinawa nas guerras do oriente médio, me pergunto o que acontecerá por aqui se algum dia novamente cair uma bomba sobre esta terra. Penso que o cara lá da Coréia do Norte se um dia quiser de fato atacar o ocidente, jogaria uma bomba aqui em Okinawa. É pertim de lá e ele atacaria os Estados Unidos e o Japão de uma só vez.
O que têm os okinawanos a ver com essa história eu não sei, mas também não sei o que eles tinham a ver quando viveram (ou morreram) a Batalha de Okinawa.

3 Respostas to “Sobre a Batalha de Okinawa, a história de um povo, a banalização do mal e a insustentável busca pela paz numa base militar.”

  1. Sobre a Batalha de Okinawa, a história de um povo, a banalização … – americanas Says:

    […] https://okinawabrasil.wordpress.com/2010/01/27/sobre-a-batalha-de-okinawa-a-historia-de-um-povo-a-ban…Com sua superioridade militar as tropas americanas rapidamente causaram um grande estrago na pequena […]

  2. okinawabrasil Says:

    Realmente Victor, muitos okinawanos acreditam ainda que os americanos lhe conferem proteção, principalmente pelo trauma que passaram com a guerra, mas a presença americana torna Okinawa antes um alvo pelo domínio militar da região.

  3. edson Says:

    nossa, bom ver o relato de quem está na cidade. à procura sobre a batalha, achei sites que se referiam a uma igualdade entre as forças do Japão e dos EUA. Sem falar que a maioria dos sítios visitados não tocou no suicídio em massa.

    abraço

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