Programa de TV realizado por reeducandas dentro da Cadeia Pública Feminina de Votorantim/SP



quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Folha de Votorantim

terça-feira, 27-10-2009

Capa
Produção de um programa
de TV mobiliza presas
da cadeia pública


Depois do programa de rádio, que se transformou no premiado documentário “Povo Marcado”, as presas da cadeia pública de Votorantim se aventuraram em novo projeto. Quatro detentas estão envolvidas diretamente na produção do programa “TV Cela”, que ontem teve seus dois primeiros entrevistados, o delegado José Augusto Pupin e o deputado estadual Hamilton Pereira. A proposta é exibir o programa em emissoras comunitárias do Estado. O programa é um projeto do 3º setor, executado por duas entidades, com o apoio da Ceunsp (Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio), que irá editar os programs, e da SoroMídia. Página 3

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Detentas produzem
 programa de TV na cadeia


"TV Cela" deverá ser exibido nas emissoras
 comunitárias do Estado; delegado e
deputado petista foram os primeiros entrevistados



Matheus Casagrande

Se por um lado a Cadeia Pública Feminina de Votorantim possui dois processos de interdição (um administrativo e outro judicial, além do pedido de interdição parcial, de autoria do Ministério Público), consequência da precária estrutura e da superlotação da unidade (atualmente são mais de 140 presas, sendo que a capacidade é para 48), por outro, ela foi mais uma vez espaço de um projeto inédito no país. As detentas da unidade estão produzindo, há cerca de dois meses, o seu próprio programa televisivo.

"TV Cela" tem o objetivo de retratar e discutir a atual situação da vida em cárcere, em especial das que estão na unidade de Votorantim. Com duração de 30 minutos, cada programa terá um entrevistado, além de cenas do dia-a-dia das detentas de Votorantim, feitas por elas mesmas. Ontem, foram entrevistados dois convidados: o delegado titular do município, José Augusto de Barros Pupin, na parte da manhã, e o deputado estadual Hamilton Pereira (PT), à tarde. O cenário das entrevistas é improvisadamente montado em uma gaiola de segurança da unidade, na entrada para o pátio.

Diretamente, quatro pessoas produzem o programa: Iara Fernanda de Mello, 25 anos, é a apresentadora; Edicleusa Gomes, 29, opera as câmeras; Camila Redini de Freitas, 22, estudante, e Bianca Celi Sanches Lopes, 32, farmacêutica, são as produtoras. Indiretamente, outras dez mulheres estão envolvidas. As próprias presas são responsáveis pela escolha dos entrevistados, construção de pauta, produção e apresentação do programa. Segundo Iara, os entrevistados do programa são sempre pessoas que possuem ligação com a vida carcerária.

O programa é um projeto do 3º setor, executado por duas entidades criadas pelo secretário municipal de Cultura, o jornalista Werinton Kermes: a Associação Cultura Votorantim e a Associação Audiovisual de Votorantim Francisco Beranger. O projeto tem ainda o apoio da Ceunsp (Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio), que irá editar os programas, e da SoroMídia.

De acordo com a jornalista Luciana Lopez, que faz parte da equipe voluntária que coordena o projeto, a meta inicial é a produção de dez programas. "Depois, iremos avaliar a possibilidade de gravar mais dez, mesmo porque a cadeia passa por um processo de interdição", afirma. Os programas serão exibidos na TV Justiça, no canal 10 da Supermídia, na TV COM, de Sorocaba, e em outras emissoras comunitárias do Estado ("aproximadamente 40", segundo Werinton Kermes). Além de Werinton Kermes e Luciana Lopez, são coordenadores do "TV Cela" J.Valério, Míriam Cris Carlos e Mônica Marsal.

O projeto é uma continuação do programa de rádio realizado na cadeia em 2007, o "Povo Marcado", também inédito no país e que gerou o documentário, de mesmo nome, também dirigido por Kermes e Luciana, premiado em diversos festivais, incluindo o de Gramado, mês passado. "Hoje eu estou tranquilo, mas já chorei tanto aqui", comenta Kermes, durante as gravações. "São muitas histórias. Mas com o tempo a gente vai calejando. É ruim isso, porque a gente perde essa sensibilidade."

Kermes visitou a unidade pela primeira vez em 2002, dias depois de uma rebelião. Na ocasião, havia lá 230 mulheres, conforme ele se recorda. "Foi aí que tivemos a ideia de realizar projetos culturais, para amenizar o ambiente."

Proposta

"A ideia do projeto é justamente dar voz para as pessoas que não têm voz", diz Werinton Kermes. Próximo de deixar o cargo de secretário nos próximos dias, ele destaca o fato de o projeto ser elaborado pelo terceiro setor. "A sociedade civil às vezes tem mais condições do que o poder público de abraçar projetos sociais, por ter mais envolvimento com a comunidade. É um setor que te dá muito mais liberdade de ação, muito mais autonomia."

Entre outras ações, a Associação Cultura Votorantim vai promover, em dezembro, uma festa de Natal para as crianças carentes, com doação de brinquedos e calçados. "Pretendemos atender mais de 700 crianças", comenta Mônica Marsal, irmã de Werinton Kermes e presidente da entidade. "Na verdade, a associação trabalha há 18 anos, mas ainda não estava estabelecida."

Ressocialização


Edicleusa Gomes, 29, está há um ano e cinco meses na Cadeia Pública Feminina de Votorantim. Das atuais 143 presas abrigadas na cadeia, seis estão na unidade desde que ela chegou. Ela aguarda pelo julgamento das acusações de porte ilegal de arma de fogo e tráfico de entorpecentes.

Além de operar as câmeras nas gravações de ontem, Edicleusa fica com uma câmera durante 24 horas, com a qual ela grava todo o cotidiano das presas, além de coletar depoimentos de algumas delas. "Coletei uns dez depoimentos até agora. Eu ligo a câmera e elas falam. Algumas gostam de falar, vão falando. Já as outras não muito, aí eu vou fazendo umas perguntas", ela explica.

Vendedora autônoma e mãe de três filhas, de 12, 9 e 6 anos, ela já vislumbra outras possibilidades com essa nova experiência. "Hoje eu penso, quando sair daqui, em trabalhar na área. Seja com eles ou em qualquer outro lugar que dê a oportunidade."

Camila Redini de Freitas, 22, estudante, detenta há quatro meses na cadeia pública, já fez curso de teatro, na adolescência, para "desinibir". Por isso, ela acredita que tem um pouco de afinidade com a área de comunicação.

Escolhida pelas companheiras, ela é integrante da produção da "TV Cela" desde o último sábado (a outra que desempenhava a função deixou a unidade). Ela auxiliou na elaboração das perguntas para Pupin e Hamilton Pereira e também nas gravações. "Esse projeto é bom para a gente ter algo com o que fazer. É muito ruim a gente passar o tempo aqui sem fazer nada", comenta Camila, que está presa junto da mãe. Ambas são acusadas de associação ao tráfico.


Um comentário:

  1. GRANDE TRABALHO!!!! PARABENS A TODAS E A TODAS, AOS QUE TRABALHAM E AOS QUE AJUDAM A TRABALHAR!!! TRATA-SE ESTIMULAR AS POTENCIALIDADES, ABRIR PORTAS, AMPLIAR HORIZONTES, DESTRUIR BARREIRAS, CONSTRUIR PONTES, ENFIM, FORTALECER OS VALORES DEMOCRATICOS, A CIDADANIA E OS LAÇOS DE SOLIDARIEDADE QUE DEVEM PREVALECER NA SOCIEDADE!!!

    MARIO
    SOCIOLOGO - FUNAP

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