Você certamente já leu ou ouviu em algum lugar que o TDAH “é uma doença
inventada pelos laboratórios farmacêuticos” ou que é uma “medicalização” de
comportamentos de indivíduos que são simplesmente diferentes dos demais. Então
vamos aos fatos:
1) O que hoje chamamos de TDAH é descrito por médicos desde o século XVIII
(Alexander Crichton, em 1798), muito antes de existir qualquer tratamento
medicamentoso. Não existia sequer aspirina... No inicio do século XX, aparece
um artigo científico publicado numa das mais respeitadas revistas médicas até
hoje, The Lancet, escrita por George Still (1902). A descrição de Still é quase
idêntica a dos modernos manuais de diagnóstico, como o DSM-IV da
Associação Americana de Psiquiatria. Se fosse uma doença “inventada” ou
“mera conseqüência da vida moderna”, você acha que seria possível
atravessar quase dois séculos com os mesmos sintomas?
2) Os sintomas que compõem o TDAH são observados em diferentes culturas: no
Brasil, nos EUA, na Índia, na China, na Nova Zelândia, no Canadá, em Israel,
na Inglaterra, na África do Sul, no Irã... Já chega? Pois se fosse meramente um
comportamento secundário ao modo como as crianças são educadas, ou ao
seu meio sociocultural, como é possível que a descrição seja praticamente a
mesma nestes locais tão diferentes?
3) Se o TDAH fosse meramente “um jeito diferente de ser” e não um transtorno
mental, por que os portadores, segundo os dados de pesquisas científicas, têm
maior taxa de abandono escolar, reprovação, desemprego, divórcio e acidentes
automobilísticos? Por que eles têm maior incidência de depressão, ansiedade
e dependência de drogas?
4) Se o TDAH fosse “uma invenção da indústria farmacêutica”, você esperaria que
a Organização Mundial de Saúde – órgão internacional máximo nas questões
relativas à saúde pública sem qualquer vinculação com a indústria
farmacêutica – listaria o transtorno como parte dos diagnósticos da
Classificação Internacional das Doenças não só na sua última versão (CID-10)
como nas anteriores (CID-8 e CID-9)? Pois é, ele está lá no capítulo dos
transtornos mentais – vide o site
http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm
5) Se o TDAH fosse secundário ao modo como os pais educam seus filhos, por
que motivo as famílias biológicas de crianças com TDAH que foram adotadas
têm prevalências (taxas) de TDAH bem maiores do que aquelas encontradas
nas suas famílias adotivas? A única explicação possível: é um transtorno com
forte participação genética.
6) Quantos artigos científicos você acha que já foram publicados demonstrando
alterações no funcionamento cerebral de portadores de TDAH? Mais de 200
(você leu certo). Vale também lembrar que os achados mais recentes e
contundentes são oriundos de centros de pesquisa como o National Institute of
Mental Health dos EUA impossibilitados de qualquer contato com a indústria
farmacêutica. O fato de não termos uma alteração cerebral que seja “marca
registrada” do TDAH não invalida nem a sua base neurobiológica, muito menos
a sua existência. Se fosse assim, não existiria a Esquizofrenia, o Autismo, a Depressão, o Transtorno de Humor Bipolar entre outros, já que nenhum desses
tem uma alteração que seja “marca registrada” da doença.
E como você pode acreditar em todas estas informações descritas acima?
Muito fácil: estão em artigos científicos publicados em revistas sérias que exigem rigor
científico e passam pelo crivo de vários profissionais antes de serem publicados. E
todos estes artigos são públicos. (por exemplo: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed)
E quanto aos conflitos de interesses de quem escreve artigos?
Eles existem frequentemente e são de dois tipos. O primeiro deles é o chamado
conflito de interesses financeiro, onde o autor de um artigo científico (ou um
palestrante) recebe verba de alguma instituição em empresa farmacêutica para suas
pesquisas ou ainda como consultor. Nestes casos é exigido que ele informe
claramente aos leitores de seu artigo (ou aos participantes de uma palestra) os seus
potenciais conflitos para que todos possam ler o artigo (ou ouvir sua palestra) sabendo
dos mesmos, antecipadamente. Isto é obrigatório nas revistas científicas e em quase
todas as associações médicas; no Brasil isto é exigência da ANVISA. Este
procedimento garante que nenhum resultado de pesquisa seja apresentado sem que
todos possam considerar a possibilidade destes conflitos financeiros; ou seja: exige
que o pesquisador apresente dados com a devida transparência.
O segundo tipo de conflito de interesses é o não-financeiro. Este é também
extremamente comum e, infelizmente, a sua informação aos leitores ou ouvintes ainda
não é exigida por lei. São exemplos: pertencer a uma determinada escola de
psicoterapia ou religião que pregam o tratamento através de suas práticas e não
através de medicamentos, cargos políticos ou administrativos (que permitem
economizar no tratamento de uma doença caso se considere que ela “não existe” ou
que “não é necessário usar medicamentos”, etc.)
Quando você ouve alguém falar que “TDAH é uma doença inventada”, por mais
eloqüente que seja o autor desta opinião sem qualquer base científica, ou mesmo a
sua titulação (a incapacidade e leviandade sempre foram democráticas: também
acometem médicos, psicólogos, etc.), pesquise sobre a veracidade (e a origem) do
que está sendo dito.
Sempre existiram indivíduos com pouco espírito crítico embora bem intencionados e
espertos mal intencionados na história da medicina. Apenas para enfatizar: até bem
pouco tempo atrás havia quem bradasse aos quatro cantos que a AIDS não era
causada pelo HIV. Outra: que as vacinas para sarampo causavam autismo nas
crianças. Ou ainda pior, que condenavam as mães pelo Autismo de seus filhos:
chamavam-nas de “mães geladeiras” numa alusão de que era a sua frieza nas
relações inicias com seus filhos que criava o autismo na criança!
Os resultados?
Aumento absurdo das mortes por AIDS e de crianças com seqüelas neurológicas
irreversíveis por conta de sarampo, uma doença facilmente prevenida. E uma
enormidade de mães levianamente culpadas que se viam ainda mais fragilizadas para
acolher um(a) filho(a) com uma condição delicada como o autismo.Mediante ao texto acima você tem recursos para acessar fontes realmente seguras e
científicas sobre o TDAH. Portanto, dê um basta no discurso vazio! Siga o conselho do
poeta Dickens: “não aceite nada pela aparência, só pela evidência”.
No nosso caso, a evidência científica é implacável: o TDAH é um dos transtornos mais
bem estudados da medicina e com mais evidências científicas que a maioria dos
demais transtornos mentais.
O texto acima foi redigido por:
Paulo Mattos – Presidente do Conselho Científico da ABDA – Psiquiatra
Luiz Augusto Rohde – Vice-presidente do Conselho Científico da ABDA -
Psiquiatra