É bom saber…

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As medidas políticas após a abolição, causou sérias consequências, que se refletem nos dias de hoje. Saiba +.
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Uso da legislação de combate ao racismo no Brasil

A prática tem demonstrado que às vítimas de discriminação racial se deparam com muitas dificuldades para levar adiante casos de racismo ou mesmo de injuria qualificada por conotação racial. As vitimas de racismo e injuria qualificada via de regra sofrem uma dupla discriminação, a primeira o fato em si perpetrado pelo ofensor que pode ser inclusive um representante do Estado ou ainda em casos mais comuns perpetrado por um particular.

É fato que ao buscarem a tutela jurisdicional do Estado muitas vítimas sentem-se humilhadas e menosprezadas com o atendimento que lhes é dispensado nos distritos policiais, posteriormente pelo Ministério Publico e mais tarde pelo próprio judiciário, eis que infelizmente não se da a importância necessária aos crimes de racismo, acreditamos que por esta razão o governo do Estado de São Paulo tenha recriado a Delegacia Especializada em crimes raciais DECRADI.

Muito embora o racismo seja considerado crime inafiançável e imprescritível pela constituição Federal de 1988 na pratica são delitos considerados de menor potencial ofensivo.

Tanto a lei 7716/89 quanto o artigo 140 paragrafo 3˚ do Código Penal, trazem penas de reclusão de 1 a 3 anos. Os artigos definem que atos como impedir ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões ou clubes sociais (art. 9°); em salões de cabeleireiros, bares, termas ou casas de massagem (art. 10); ou impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores (art. 11), bem como a transportes públicos como aviões, navios, barcos, ônibus, trens e metrô (art. 12) constituem obstáculos que impedem o tratamento igualitário, e causam constrangimento as vitimas. Além disso, a Lei prevê que os estabelecimentos comerciais nos quais forem praticados quaisquer atos discriminatórios poderão ter suas atividades suspensas por até três meses.

A Lei deixa evidente que recusar ou impedir acesso de alguém a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (art. 5º) devido à sua cor, etnia, religião, raça ou procedência nacional é crime de discriminação racial. Ainda, se alguém, por motivos discriminatórios, impedir o acesso ou recusar hospedagem de pessoa em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar (art. 7º), ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público (art. 8º) estará praticando crime de discriminação.

A igualdade no acesso ao serviço militar também é destacada, sendo proibido impedir ou dificultar por motivos preconceituosos o acesso de pessoa a qualquer ramo das Forças Armadas (art. 13).

Ainda, para proteger o convívio familiar e social dos cidadãos, garantindo a liberdade de relacionamento amoroso entre os indivíduos, a lei dispõe que impedir ou dificultar o casamento ou convivência familiar e social, devido ao reconceito, é crime de discriminação (art. 14).

Por fim, a lei criminaliza a prática a incitação e a persuasão de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, inclusive quando feito nos meios de comunicação, como por exemplo, televisão, rádios ou jornais (art. 20).

O Estado brasileiro entende que a repreensão aos crimes previstos na Lei 7716/89 interessa não só à vítima, mas a toda a sociedade. Nesse sentido a ação penal que visa à punição daquele que cometeu um ato discriminatório é pública, ou seja, cabe ao Ministério Público oferecer a denúncia ao Poder Judiciário, mas nada impede que a vítima uma vez representada por advogado/a, atue como assistente de acusação, iniciando assim a ação penal publica subsidiaria.

E certo que a vitima pode simultaneamente ajuizar ação civil buscando a reparação moral e material, atribuindo a responsabilidade civil a quem deu ensejo ao fato. Ressaltamos que esta não e pratica do SOS Racismo que em regra aguarda o inicio da instrução processual penal e após analise do conjunto probatório colhido, define-se se e cabível ou não o pedido de dano moral e material.

Rodnei Jericó – Coordenador da Acessoria Jurídica para vítimas de discriminação racial do Geledés.

fonte:  http://www.geledes.org.br

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Leia materia completa: Procedimentos a serem adotados em Crimes de Discriminação Racial | Portal Geledés

INSTITUTO PALMARES

DIA DO ASSOPRA AS CINZAS

11 DE AGOSTO, 18:30H. AVENIDA MEM DE SÁ 39.

O INSTITUTO PALMARES DE DIREITOS HUMANOS/CASA BRASIL-NIGÉRIA SOFREU UM INCÊNCIO NO DIA 10 DE JULHO PASSADO, QUE DESTRUIU TODO O TELHADO O TERCEIRO ANDAR E PARTE SIGNIFICATIVA DO ACERVO BIBLIOGRAFICO E ICNOGRAFICO.

O IPDH FOI INTERDITADO PELA DEFESA CIVIL E TEVE QUE SUSPENDER SUAS ATIVIDADES DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO: PRÉ-VESTIBULAR, CURSOS DE IDIOMAS, CINEMA NO IPDH, RECITAIS DE POESIAS E REUNIÕES DE DIVERSOS SEGMENTOS DO MOVIMENTO NEGRO.

O CONSELHO EXECUTIVO DO INSTITUTO PALMARES DE DIREITOS HUMANOS AGRADECE AS DIVERSAS MANIFESTAÇÕES DE SOLIDARIEDADE RECEBIDAS DE INSTITUIÇÕES DO MOVIMENTO NEGRO E MOVIMENTOS SOCIAIS, MILITANTES, EX-ALUNOS E COLABORADORES.

 

ASSOPRA AS CINZAS

CONVIDAMOS TODOS PARA PARTICIPAREM DIA DO ASSOPRA AS CINZAS, 11 DE AGOSTO, QUARTA-FEIRA, A PARTIR DAS 18:30H, NA RUA DA LAPA 39, SEDE DO IPDH, PARA INFORMARMOS SOBRE OS DANOS E PROVIDÊNCIAS QUE ESTÃO SENDO TOMADAS, INICIARMOS UM BANCO DE APOIOS E IDÉIAS, ESCUTAR E FALAR POESIAS, COMBATER O RACISMO E FORTALECER A LUTA PELA CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA.

 

ESTAMOS JUNTOS!

U B U N T U

Ubuntu é uma ética ou ideologia de África (de toda a África, em particular a palavra é de origem Bantu. É uma filosofia Africana que existe em vários países de África) que foca nas alianças e relacionamento das pessoas umas com as outras. A palavra vem das línguas dos povos Banto; na África do Sul nas línguas Zulu e Xhosa. Ubuntu é tido como um conceito tradicional africano.

Uma tentativa de tradução para a Língua Portuguesa poderia ser “humanidade para com os outros”. Uma outra tradução poderia ser “a crença no compartilhamento que conecta toda a humanidade”.

Uma tentativa de definição mais longa foi feita pelo Arcebispo Desmond Tutu:

Uma pessoa com ubuntu está aberta e disponível aos outros, não-preocupada em julgar os outros como bons ou maus, e tem consciência de que faz parte de algo maior e que é tão diminuída quanto seus semelhantes que são diminuídos ou humilhados, torturados ou oprimidos.

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Dia 13 de maio


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Assembléia do RJ APROVA o Dia do Ativista em homenagem a Abdias Nascimento.

Dia do Ativista será em homenagem ao líder e pensador Abdias Nascimento e será comemorado no dia de seu nascimento: 14 de março

A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro votou e aprovou, em 25/8, projeto do deputado Paulo Ramos, líder do PDT, que cria o Dia do Ativista.

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De acordo com a justificativa, a propositura – que, agora, segue para a assinatura do Sr. Governador – objetiva homenagear um dos maiores ativistas sociais do Brasil, Abdias do Nascimento, e a todos os ativistas brasileiros. O líder do movimento negro sempre se definiu como um ativista, ou seja, alguém que dedica a vida à ação e às práticas social e política, e expressa compromisso verdadeiro com a transformação da sociedade. (Ver o projeto).
JUSTIFICATIVA > A imprensa por vezes usa o termo ativismo como sinônimo de manifestação ou protesto. Nas ciências políticas também pode ser sinônimo de militância, particularmente por uma causa. Usualmente, ativismo pode ser entendido como militância ou ação continuada com vistas a uma mudança social ou política, privilegiando a ação direta.A propositura objetiva homenagear um dos maiores ativistas sociais do Brasil: Abdias do Nascimento, e a todos os ativistas brasileiros.
Abdias do Nascimento nasceu em Franca no dia 14 de março de 1914. É um dos maiores defensores da defesa da cultura e igualdade para as populações afrodescendentes no Brasil, intelectual de grande importância para a reflexão e atividade sobre a questão do negro na sociedade brasileira. Teve uma trajetória longa e produtiva, indo desde o movimento integralista, passando por atividade de poeta (com a Hermandad, grupo com o qual viajou de forma boêmia pela América do Sul), até ativista do Movimento Negro, ator (criou em 1944 o Teatro Experimental do Negro) e escultor. Após a volta do exílio (1968-1978), insere-se na vida política (foi deputado federal de 1983 a 1987, e senador da República de 1997 a 1999), além de colaborar fortemente para a criação do Movimento Negro Unificado (1978). Em 2006, em São Paulo, criou o dia 20 de Novembro como o dia oficial da consciência negra. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília. É autor de vários livros: “Sortilégio”, “Dramas Para Negros e Prólogo Para Brancos”, “O Negro Revoltado”, e outros. Foi Professor Benemérito da Universidade do Estado de Nova York e doutor “Honoris Causa” pelo Estado do Rio de Janeiro, grande militante no combate à discriminação racial no Brasil.

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Benin – Africa do sul – Brasil | por Viviane Brignes (jornalista e consultora de moda)
Você já dançou ao som de soukous e chimurenga ?
Já foi a festa Makula ?
Já vestiu um boumba ?
Se você ainda não fez nada disso, aposto que em 2010 vai fazer.
Esse é o ano da ÁFRICA no Brasil!
Pode ser influência da copa do Mundo na Africa do Sul ou não, mas a cada dia a cultura do continente Africano está mais presente no nosso dia-a-dia.
Angolano e Nigerianos são muitos no Rio de Janeiro. Agora é a vez dos originários de BENIN invadirem o Rio e nos mostrarem o melhor da sua cultura. Como o Mensah Hubert da foto com a sua Boumba original. Essa roupa de algodão com estampa colorida é a cara do Rio e do Brasil. Linda! Adorei.
E a gente só sai ganhando com esse intercâmbio cultural. Os Sul africanos falam inglês, os angolanos português e os Benienses francês. O Hubert está no Brasil para fazer medicina na Uni-Rio e para sobreviver ele e os amigos de república dão aulas de francês. Eu já garanti minhas aulas particulares com o Giresse, que está no Brasil há 2 anos, estudando medicina na UniRio. Enfim, vou falar francês!
Enquanto a copa não chega, vamos nos divertindo ao som da música africana.
No próximo dia 26 tem festa Makula, no bar Mofo, da Lapa e o site da Radio Gruta também toca o melhor da Makula.
É só acessar: http://www.radiogruta.com
Aulas de francês :: Giresse Acakpovi :: gacakpovi@yahoo.fr

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Escravidão,
um passado para esquecer?

O Brasil teve, na sua curta história de 501 anos, 350 anos de regime escravocrata e apenas 100 anos de trabalho livre. Não levamos em consideração os primeiros 50 anos, quando praticamente o único trabalho era carregar nossa riquezas naturais para fora. Em 1817, o Brasil tinha 3,6 milhões de habitantes e 1,9 milhão de escravos, ou seja, mais da metade da população. Em 1850, esse número pulou para 3,5 milhões.

No total, nosso país trouxe da África 4 milhões de escravos, quase a metade importada por todo o continente americano.
Com os números acima, pode-se afirmar que o Brasil foi fundado e teve o seu desenvolvimento e a sua economia baseados no trabalho escravo, o que não deixa ninguém orgulhoso, muito pelo contrário. Só no Rio de Janeiro, entre os anos de 1790 e 1830, chegaram 700 mil escravos trazidos por cerca de 1600 navios. Em Salvador, segundo maior importador de escravos, também nessa época, os trabalhadores forçados representavam mais de 40% da população.

Neste dia 20 de novembro, o Movimento Negro reverencia o dia da morte de Zumbi dos Palmares, o líder do maior levante de escravos do país, o Quilombo dos Palmares, que tinha aproximadamente 20 mil negros (Leia no box ao lado). Esta data é considerada, pela consciência negra, mais importante que a de 13 de maio, dia em que a Princesa Isabel, há 113 anos, assinou a Lei Áurea que aboliu a escravatura. Alegam os líderes do movimento que a data da abolição é uma “data branca que reflete benevolência”.

Segundo Roberto Pompeu de Toledo, em artigo na Revista Veja, “trocou-se um mito pelo outro, o da senhora bondosa, que gentilmente concede a liberdade aos súditos negros, pelo do negro rebelde e audaz, herói do inconformismo. Entre ambos, fica a realidade dura, cotidiana, suarenta, diversa, complexa – e, fora do círculo dos especialistas, ignorada”. É a mais pura verdade: no Brasil de hoje não se fala muito no regime escravocrata, parece que existe um acordo tácito para esquecer o assunto.

Rugendas: Navio Negreiro

Como tudo começou

Depois do Descobrimento, Portugal deixou o Brasil praticamente abandonado durante 30 anos, o território sendo disputado entre corsários franceses, holandeses e ingleses. Com o declínio do comércio com as Índias, o Rei D. João III resolveu iniciar a colonização e mandou uma expedição comandada por Martin Afonso de Souza, que aportou na Bahia em 13 de março de 1531. Começou aí a ser escrita a triste página da escravidão no Brasil. Segundo Francisco Adolfo Varnhagem – Visconde de Porto Seguro, Martin Afonso desembarcou na Bahia alguns escravos encontrados na Caravela Santa Maria do Cabo, um navio que foi aprisionado e incorporado a sua frota. O mesmo expedicionário teria levado alguns escravos quando fundou a Vila de São Vicente, onde introduziu a cultura da cana-de-açúcar e construiu o 1º engenho, em janeiro de 1532.

Em setembro de 1532 foi adotado o sistema de Capitanias Hereditárias, que dezesseis anos depois mostrou-se ineficiente. Coube então a Pernambuco o nada honrável título de primeiro porto brasileiro de desembarque de escravos africanos comercializados. Isso porque Duarte Coelho, o primeiro donatário de Pernambuco, importou os primeiros escravos quando da sua chegada. A verdade é que em 1546 já existiam 76 escravos na colônia.

Com o fim das Capitanias, o Rei resolveu, então, criar o Governo Geral, baseado na Bahia. Em Portugal já existia, desde 1448, um comércio regular de escravos. Os portugueses tentaram escravizar os índios, mas não deu certo, sendo eles considerados indolentes, avessos ao trabalho e sem resistência às doenças do homem branco, o que é estranho, pois o mesmo se dizia do negro. O fato é que o início da produção de açúcar coincidiu com a chegada dos escravos africanos ao Brasil. Em 1590, eles já eram 36 mil escravos e depois passaram a ser usados, também, na lavoura do café, sendo submetidos às mais duras condições de trabalho.

Os portugueses, e depois os brasileiros, fizeram do negro africano uma valiosa mercadoria. Os traficantes de escravos da Bahia se abasteciam mais na África Ocidental, na região do Golfo de Benin, e os cariocas na África do centro-sul, onde ficam o Congo e Angola, e depois na costa oriental, em Moçambique. Não pensem os leitores que para trazer escravos da África, era necessário entrar no mato para caçá-los. As próprias tribos africanas vendiam aos traficantes outros negros de outras tribos, prisioneiros de guerra ou simplesmente capturados para serem negociados. Vendiam não, faziam escambo: trocavam por farinha, feijão, carne seca, cachaça, rolos de fumo, sal, arroz, tecidos, armas de fogo, facas, navalhas e até espelhos e bugigangas.

Castigos – Frederico Guilherme Biggs, circa 1845-1853
Desembarque de escravos

Mais Escravos

Quem mais trouxe escravos para o Brasil foi o Rio de Janeiro, seguido de perto pela Bahia. Em 1808, a Corte portuguesa se instalou no Rio, fazendo a sua população crescer muito e consequentemente aumentar a necessidade de mão de obra.

Isso significava mais escravos, pois segundo a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, “Os escravos carregavam tudo nesse Brasil, onde homens de qualidades se recusavam a levar o mais ínfimo pacote”. O ouro das Minas Gerais também ajudou a transformar o porto do Rio de Janeiro no mais importante da colônia, pois no início do século XIX o Rio era responsável por cerca de 40% das importações e exportações do Brasil, contra 30% da Bahia.

Com a economia baseada principalmente na agricultura, Minas Gerais, Rio e São Paulo estavam necessitando cada vez mais de escravos, primeiro nas plantações de cana-de-açúcar e nos engenhos, e depois na lavoura do café que iniciava seu impressionante crescimento. Os traficantes de escravos abasteciam, não só a região Norte-Fluminense com seus engenhos, como o Vale do Paraíba dos barões do café, sendo responsáveis também pela remessa de escravos para São Paulo, Minas e a região Sul do País. Não foi à toa que o Rio de Janeiro comandou o mais importante fluxo de escravos do mundo, uma das maiores operações de transferência forçada de pessoas na história da humanidade.

A penosa viagem

No tráfico de escravos eram utilizados diversos tipos de navios, sendo os mais comuns o bergantim e a galera. Na média, cada embarcação trazia 440 escravos e a travessia do atlântico durava cerca de 43 dias se o ponto de partida fosse o centro-sul da África, e até o dobro desse tempo se os escravos fossem embarcados em Moçambique. “A história dos navios negreiros é a mais comovente epopéia de dor e de desespero da raça negra: homens, mulheres e crianças eram amontoados nos cubículos monstruosamente escuros dos navios, onde iam se misturando com o bater das vagas e o ranger dos mastros na vastidão dos mares. A fome e a sede, de mãos dadas com as doenças, não lhes ceifavam sempre a vida, concedendo-lhes perdão e misericórdia que não encontravam aconchego nos corações daqueles homens severos e maus de todas embarcações que só se preocupavam com o negócio rendoso que a escravaria oferecia.

A taxa de mortalidade de escravos nessas viagens variava de 6% a 9%, quando vinham do Congo e Angola, e o dobro quando partiam de Moçambique. Nada que se possa comparar à mortandade de escravos na própria África: Segundo o estudioso Joseph Miller, 40% dos escravos capturados em Angola morriam durante a marcha forçada até o litoral e outros 10% a 20% morriam nos armazéns onde ficavam esperando para serem embarcados. Ou seja, mais da metade dos negros escravizados morriam em seu próprio país, nas mãos dos seus pares. As causas das mortes eram doenças, maus tratos, alimentação insuficiente, superlotação de navios. O recorde negativo de morte de negros em viagem de navio é da galera São José Indiano, que em 1811, no caminho entre Cabinda e o Rio de Janeiro, perdeu 121 dos 667 escravos que transportava.
É importante ressaltar que, além de fornecer escravos para os traficantes, os próprios africanos também se utilizavam do trabalho forçado. No Congo, por exemplo, depois de uma guerra, os vitoriosos usavam os inimigos como escravos. Em outros países a guerra era feita justamente para capturar escravos, que eram trocados por mercadorias com os traficantes. O curioso é que no Brasil, o ex-escravo também tinha escravo, justamente para mostrar à sociedade a sua atual condição. A história registra até casos de escravo que tinha escravo! Na verdade, dependendo da safra, o negro era uma mercadoria barata e qualquer pobre podia ter um, até mesmo para alugar, ou prostituir, se fosse mulher.

Debret, 1825
Quilombo dos Palmares e ZumbiA formação dos quilombos se deu como uma forma coletiva e organizada de rebeldia por parte dos negros escravos, que não se conformavam com sua situação e desejavam a liberdade. Os primeiros apareceram na Bahia já no final do século XVI, período em que a implantação do trabalho escravo no Brasil ainda estava em seu início. Com o grande aumento do tráfico de escravos para o Brasil, cresceu também o número de fugas de negros. Eles procuravam se refugiar em locais de difícil acesso, sertão adentro e lá formavam mocambos, um conjunto de casas. O conjunto de mocambos era chamado quilombo. Cada quilombo tinha um chefe militar, denominado zumbi e os habitantes eram os quilombolas. Eles trabalhavam pela própria subsistência: cultivavam lavouras, caçavam, faziam artesanato e até chegavam a praticar transações comerciais para conseguirem ferramentas e tecidos.
Sem dúvidas, o maior e mais famoso quilombo foi Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas. Surgiu no início do século XVII e ganhou grandes proporções já em 1630. Chegou a contar com mais de 20 mil escravos fugidos. Os pequenos produtores brancos, que também se sentiam prejudicados pelos grandes senhores de engenho, passaram a apoiar os negros de Palmares e com eles estabeleceram sólidas relações comerciais, o que era duramente criticado pela Coroa. Em 1665 nasceu no quilombo aquele que ficaria conhecido como o heróico Zumbi. Mas ele foi levado de lá por um padre. Aprendeu latim e português e foi coroinha, mas fugiu em 1670, retornando a Palmares. Após passar por muitas provas de coragem tornou-se um mito, sendo escolhido para chefe das armas.
A metrópole tentava reagir de todas as formas e, depois de fracassar em muitas tentativas de atacar Palmares, o governo de Pernambuco contratou os serviços do bandeirante Domingos Jorge Velho, em 1694. Com homens, armas e mantimentos, Portugal começou a repressão assassina. Roupas contaminadas eram usadas para disseminar doenças nos quilombolas, enfraquecendo-os, para depois intensificar os ataques. Os comandados de zumbi dos Palmares resistiam bravamente e as perdas foram muito numerosas para ambos os lados. Só que o Rei Zumbi estava sitiado e não tinha como repor suas armas. Foi então que Domingos Jorge Velho conseguiu entrar no mocambo dos Macacos em Palmares e destruí-lo totalmente. Os sobreviventes, doentes e com fome, eram caçados pelas matas e muitos foram presos. Zumbi atirou-se num penhasco com seus guerreiros como forma de resistência. Preferia a morte a se entregar.Um grupo bem menor continuou resistindo, com um novo Rei Zumbi, sobrinho do anterior. Mas no final de 1695 ele foi traído por um companheiro, sendo capturado e morto no dia 20 de novembro. Sua cabeça foi cortada e levada a Recife e exibida à público para servir de exemplo aos escravos que tivessem pretensão de fugir.

A mercadoria

Depois de receber os escravos do comerciante local, o capitão do navio atravessava o oceano e ao chegar no porto do Rio com a mercadoria (assim eram tratados), pagavam os direitos alfandegários e os negros eram levados para os mercados de escravos da Rua do Valongo, onde eram expostos. Ás vezes eram oferecidos de porta em porta. A maioria, entretanto, ia direto para as fazendas do interior. Mas eram realmente tratados como mercadoria: o escravo podia ser vendido, trocado, emprestado, alugado, doado e dentro do Direito, podia ser penhorado, servir de embargo, seqüestro, depósito, adjudicação, etc. O escravo só era considerado gente quando cometia um crime, quando então lhe aplicavam o Código Penal. Em função disso, escreveu Jacob Gorender: “O primeiro ato humano de um escravo é o crime.”

Era longo o caminho do escravo, desde os florestas africanas até o interior do Brasil. Entre a sua captura nas savanas africanas e o desembarque aqui no país, considerando também o tempo em que ficavam esperando os navios nos armazéns africanos, poderiam se passar até 160 dias. Os que chegavam vivos, eram então submetidos ao vexame de serem expostos, como mercadoria, nos armazéns de escravos, até aparecer o comprador. Começava aí outra longa viagem até a fazenda onde ia trabalhar, no interior do Rio, São Paulo ou Minas Gerais.

Os escravos no Brasil, ao contrário do que muita gente pensa, não eram unidos, não se consideravam iguais. Provinham de diferentes países, de diferentes raças, de diferentes tribos, tinham costumes e línguas diferentes. E ainda existia o criolo, nascido aqui, que se considerava diferente do negro africano. Existia rivalidade entre os escravos, o que era incentivado pelo homem branco, pois a ele não interessava um bom entendimento entre os negros, dentro daquela máxima “dividir para governar.” Um viajante inglês, Robert Walsh, escreveu que a massa negra tinha “oito ou nove castas diferentes e se empenhavam em lutas e batalhas”. Por causa disso, levou algum tempo até que os negros realmente se rebelassem contra o branco opressor, que além do trabalho forçado, lhe impingia castigos terríveis

Detalhe da obra Boutique de la rue du Val-Longo, de Debret, 1825

Castigos

Protegidos por uma brutal legislação negra que permitia castigos, penas e maus tratos ao escravo, os fazendeiros e donos de engenho abusavam do direito de maltratar o negro, sendo eles chicoteados, presos a correntes de ferro a um cepo, obrigados a usar um colar de ferro (caso dos que tentavam fugir), etc. Na sua primeira fuga, o negro era castigado com cinqüenta chicotadas, e na segunda, com cem. Vários eram os instrumentos de punição: cangas, correntes, botas de ferro, colares e anjinhos, segundo Debret “um instrumento que servia para esmagar os polegares e de que se serviam os capitães-do-mato para fazer o negro confessar o nome e o endereço do seu senhor.” Continua o viajante francês: “O colar de ferro, que tem vários braços em forma de ganchos, é o castigo aplicado ao negro que tem o vício de fugir. A polícia tem ordem de prender qualquer escravo que o use, e encontrado à noite, deixá-lo na cadeia até o dia seguinte. Avisado então, o dono vai procurar o seu negro ou o envia à prisão dos negros do Castelo.” No julgamento dos negros que fugiram com Manuel Congo (condenado à morte), sete escravos foram condenados a 650 açoites cada um – 50 por dia – conforme mandava a lei e obrigados a andar três anos com o colar de ferro no pescoço.

Privação da liberdade, trabalho forçado e duros castigos são apenas alguns dos motivos que levavam os escravos a se rebelarem. Os primeiros levantes de escravos ocorreram na Bahia, em Salvador e no Recôncavo Baiano. A revolta dos Malês, em 1835, que ensangüentou as ruas da capital baiana, envolveu 1500 negros. Em 1789, houve uma fuga de escravos criolos na Fazenda Santana, em Ilhéus, na Bahia. Eles deixaram escritas suas reivindicações e ficaram dois anos escondidos no mato. Entre outras coisas, disseram: “Meu senhor, não queremos guerra, queremos paz.. Queremos permissão para trabalhar nas nossas roças nas sextas e no Sábado e no Domingo até brincar, folgar e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos impeça e nem seja preciso licença.”

Em novembro de 1838, liderados por Manuel Congo, 80 escravos fugiram da fazenda Freguesia, em Vassouras – RJ, pertencente a Manuel Francisco Xavier. Era a primeira fuga na região envolvendo grande número de escravos. Mas, para ao fazendeiros, o pior estava por vir: na noite seguinte os fugitivos invadiram outra fazenda do mesmo senhor, a Maravilha, e levaram outros escravos, ferramentas e mantimentos. Depois seguiram para a fazenda de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar e fizeram a mesma coisa. O número de escravos rebelados chegava agora a cerca de 400. Eles foram perseguidos e liquidados por uma milícia comandada pelo coronel chefe da Guarda Nacional na região, Francisco Peixoto de Lacerda Verneck, que também teve fazendas e escravos. Dos sobreviventes, 16 foram a julgamento.

Os primeiros quilombos, que a princípio foram reduzidos, de poucos negros, muitos dos quais famintos, e doentes, que fugiam dos engenhos, das fazendas e dos eitos, só foram possíveis graça a associação que o negro efetuou com o índio na causa da resistência a escravidão, e no século XVIII foi o de grandes protestos da raça africana, quando se formaram os maiores e mais tremendos quilombos que tantas apreensões causaram aos colonos e ao governo. O Maior quilombo foi o de Palmares, em Alagoas. O quilombo era, sem dúvida, a última fase de protesto – pois o negro na sua aflição de liberdade, não sentia dificuldades nem hesitava em privar-se da vida para se livrar de seus sofrimentos e por isto só restava ao escravo a fuga para as montanhas.

Em 1807, a Inglaterra aboliu seu tráfico de escravos e passou a reprimir o tráfico dos outros países, inclusive Portugal (leia Para Inglês ver no box ao lado). Para reconhecer a Independência do Brasil, a Coroa inglesa exigiu o fim do comércio de escravos e o Brasil assinou um acordo, em 1827, comprometendo-se a acabar com o navio negreiro. Mas esse acordo não seria cumprido, o que não é de se entranhar neste país, e o tráfico continuou até 1850. Neste ano encerrou-se o tráfico oceânico, mas continuou internamente, o Sudeste comprando escravos do Nordeste do país. O movimento abolicionista foi crescendo, e depois de várias leis paliativas, finalmente foi promulgada a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, que acabou com a escravidão no Brasil. Acabou?
O que talvez leve o Movimento Negro a desdenhar a data de 13 de maio, que encerrou oficialmente uma página triste da nossa história, foi a forma como ela foi feita. De uma “penada” acabaram com a escravidão tipo assim: vocês estão livres, agora se virem. Com o fim do regime, não houve um assentamento de colonos negros em terras, não lhes deram as mínimas condições para desenvolverem um trabalho. Os escravos ficaram meio perdidos, sem saber direito o que fazer com a tão sonhada liberdade, tanto que muitos deles continuaram trabalhando no mesmo local, em um regime de semi-escravidão. Outros se aglomeraram em cortiços, cabeças-de-porco, nas periferias e morros das cidades. O resultado disso está aí, para todo mundo ver… e sentir.

Rugendas: Habitações de escravos

Os excluídos

Não vamos nos aprofundar no assunto racismo, que não cabe aqui, mas a verdade é que nem todos os problemas entre as classes sociais do Brasil estão ligados à escravidão. Segundo o historiador Flávio dos Santos Gomes, “É problemático pensar em continuidades. Se há no Brasil um sistema racial opressivo, não é necessariamente porque aqui houve escravidão. A explicação do racismo também se encontra no que ocorreu depois da abolição. É comum ouvir falar hoje em relações escravistas ou semi-escravistas no campo. Quando se diz isso, pensa-se que num modelo que não é generalizante. Houve vários tipos de relação com escravos no Brasil. Houve, por exemplo, escravos a quem era permitido manter pequenas roças, fazer um pequeno comércio ou receber por dia. Ora, relação que hoje são tachadas de escravistas podem na verdade ser piores que certos modelos que vigoraram na escravidão”. Continua Manolo Garcia Florentino: “A escravidão foi a base a partir da qual se fundou uma civilização… E ao fazê-lo, viabilizou um projeto excludente, em que o objetivo das elites é manter a diferença com relação ao restante da população”. E para complementar, diz Luiz Felipe Alencastro: “A escravidão legou-nos uma insensibilidade, um descompromisso com a sorte da maioria que está na raiz da estratégia das classes sociais mais favorecidas, hoje, de se isolar, criar um mundo só para elas, onde a segurança está privatizada, a escola está privatizada e a saúde também”.
Segundo ainda o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, “Falar do legado da escravidão, hoje, no Brasil, é falar da pobreza. Da miséria. Ou, para usar uma palavra mais atual – e apropriada -, da exclusão.” E cita Manolo Garcia Florentino, que afirma: “O tráfico foi o maior negócio de importação brasileiro até 1850. Comprar pessoas para estabelecer diferenças foi o empreendimento deste país.”

O Brasil não é o único país do mundo a esquecer, ou tentar esquecer, certos acontecimentos do passado. O incrível é que, no nosso caso, estamos falando de um passado recente, de pouco mais de 100 anos. O dia da Abolição e o dia de Zumbi dos Palmares são datas que devem ser comemoradas. Entretanto, o mais importante é a permanente consciência do que somos, pois sem a exata noção dos acontecimentos que nos informam a respeito da nossa existência, sem saber de onde viemos e o que fomos, não saberemos para onde ir.

Para inglês verEm 1807, Portugal já tinha perdido a supremacia dos mares, tanto que a família real, em fuga para o Brasil, veio escoltada por navios de guerra ingleses. Os portugueses fugiram por causa da invasão do país pelas tropas napoleônicas, justamente por não aderir ao bloqueio continental contra o Reino Unido decretado pelo imperador francês. Nesse mesmo ano, a Inglaterra aboliu o seu tráfico de escravos e passou a pressionar os demais países, inclusive Portugal, a fazer a mesma coisa.Os ingleses não só condenaram os navios negreiros, como passaram a exercer permanente vigilância nos mares, seus vasos de guerra parando as embarcações procedentes da costa africana. Quando encontravam um navio carregando escravos, soltavam os presos e afundavam a embarcação.
Os traficantes portugueses, que não pretendiam parar com esse lucrativo comércio, bolaram uma forma de enganar os ingleses. Mandaram construir um fundo falso nos navios e embaixo deste colocavam os negros africanos. Entre esse fundo falso e o convés – primeira coberta do navio – carregavam mercadorias. Quando eram abordados no mar pelos britânicos, mostravam-lhes a carga que transportavam sem provocar desconfiança. A verdadeira e lucrativa mercadoria, estava embaixo do fundo falso. A mercadoria de cima, era para inglês ver… Foi assim que surgiu esse provérbio.

Gamboa
Rua do Valongo e Rua da Harmonia na história da escravatura

A Gamboa e Saúde constituem hoje bairros que abrigam uma população de baixa renda. Situados adjacentes ao centro da cidade, por trás da Central do Brasil e entre esta, o cais do porto e o Morro do Valongo (Conceição). A ocupação destas áreas data do século XVI, quando o local ainda era atingido pela praia. Além de ter o cemitério mais antigo da cidade, o dos Ingleses (1815), na Gamboa ficava também o cemitério dos escravos, inicialmente improvisado e depois definitivamente implantado, com capela dedicada a São Jorge e São João. Também no bairro ficava o cais para desembarque dos mortos vindos dos navios negreiros. Ali foi erguida, entre 1702 e 1719, a quarta paróquia da cidade, a Igreja de Santa Rita. À sua frente, em 1765, por serem deficientes os terrenos destinados ao sepultamento de escravos, mandaram abrir covas na rua e nela lançaram os cadáveres. Nos “autos de homens de negócios e mercadores de escravos”, de 1758 a 1768, lê-se, ao lado de uma certidão do vigário de Santa Rita, comentário a respeito, lançado por “um advogado adverso dos possuidores de escravos”. E comenta Noronha Santos: “Forte impiedade: enterrar na rua, por onde andam os povos e os animais a despedaçar os cadáveres. Que desconhecimento de Humanidade!”

Rua do Valongo (Atual Rua Camerino)

A Rua Camerino começou a ser aberta em 1741. Inicialmente denominada Rua do Valongo, tirou o seu nome da zona em que se originava, isto é, o Valongo, que compreendia trecho entre Saúde e a Gamboa. A partir de 1779, por ordem do Vice-Rei Marques do Lavradio, nela se localizou o mercado de compra e venda de negros – depósitos e armazéns de escravos – tendo em vista evitar que os escravos desembarcados transitassem pelas ruas nus, doentes, com aspectos de bichos, de “tal maneira que as pessoas honestas não se atreviam a chegar às janelas e os inocentes, vendo-os, aprendiam o que ignoravam” (depoimento do Marquês do Lavradio). A partir de 1843, por ocasião da chegada da Imperatriz D. Tereza Cristina, esposa de D. Pedro II, e por ter ela percorrido a Rua do Valongo, passou a denominar-se Rua da Imperatriz, até 1890, quando recebeu o nome atual em homenagem ao sergipano Francisco Camerino de Azevedo, herói da guerra do Paraguai.

Augustus Earle, detalhe da obra Slave market at Rio de Janeiro

Caminho do Cemitério – Rua da Harmonia (atual Pedro Ernesto)

A Rua Pedro Ernesto era conhecida em 1750 como caminho da Gamboa, fazendo a ligação com a praia do mesmo nome. Mais tarde, chamou-se Rua do Cemitério, pois ali eram enterrados em valas comuns muitos dos escravos chegados doentes da Costa da África. O cemitério de Santa Rita, que era destinado aos negros recém chegados da África que morressem nos depósitos onde ficavam aguardando os compradores. Funcionou regularmente, até que o mercado de escravos fosse transferido da Rua Direita (atual Primeiro de Maio) para o Valongo. Depois o cemitério dos “pretos novos” foi transferido para as proximidades do mercado, facilitando assim o transporte dos corpos dos que lá morriam.

Em 1814-1815, um viajante que esteve no Brasil, G.W. Freireyss, citado por Mary Karasch -, esteve no cemitério do Valongo e o descreveu como tendo, na entrada um homem em vestimentas de padre, que lia orações para as almas dos mortos, enquanto alguns negros próximos a ele tapavam “seus compatriotas” com um pouco de terra. No meio do cemitério estava uma montanha de terra e de corpos despidos em decomposição, parcialmente descobertos pela chuva. Segundo o viajante, o “mau cheiro” era insuportável, o que fez supor que os mortos eram enterrados somente uma vez na semana, e que de tempos em tempos a “montanha” de cadáveres era queimada. Os negros vivos, segundo ele, ficavam localizados tão perto do cemitério de seus companheiros que eles também deveriam ter visto os corpos. Em 1853 a rua recebeu o nome de Harmonia (!?). Em 1863 ali foi criado o Teatro de Amadores, que depois virou a escola José Bonifácio e hoje é o Centro Cultural José Bonifácio dedicado a Cultura afro-brasileira. Em 1946, receberia sua denominação atual em homenagem a Pedro Ernesto.

Litiere C. Oliveira, Monique Cardoso e Mercedes Guimarães.


Fontes: Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret; Das cores do Silêncio, de Hebe Maria M. de Castro; Em Costas Negras, de Manolo Garcia Florentino; Negros, Estrangeiros, de Manuela Carneiro da Cunha; Negociação e Conflito, de João José Reis e Eduardo Silva; História de Quilombolas, de Flávio dos Santos Gomes; site Trafico de escravos, revista Veja e História do Brasil de Luiz Kochiba.

 

UNIPALMARES | Faculdade Zumbi dos Palmares
A Faculdade Zumbi dos Palmares dá mais uma chance àqueles que têm interesse em formação superior qualificada e de preços acessíveis. Até o dia 20 de fevereiro podem ser feitas as inscrições para provas agendadas dos cursos de Direito, Administração, Pedagogia e Tecnólogo em Transportes Terrestre. A inscrição pode ser feita aqui pelo site ou, presencialmente, na secretaria da faculdade na Av.: Santos Dumont, 843 – Armênia (Clube de Regatas Tietê). As provas acontecem nas dependências da faculdade todas as terças e quintas das 19h às 22h, e aos sábados das 9h às 12h.

Origem da palavra SAMBA.
Manoel dos Reis Machado – o Mestre Bimba (1899,1900). Em 1932 fundou a primeira academia especializada em capoeira regional. Num tempo onde era ainda proibida e reprimida Danças. O jongo é uma dança trazida pelo povo bantu, do mesmo tronco do batuque, ambos ancestrais do SAMBA. O SAMBA é a principal forma de música de raízes africanas surgida no Brasil, este nome originou-se da palavra “SEMBA”, que significa umbigo em quimbundo (língua de Angola).

Lei 10.639/2003 No dia 9 de janeiro de 2003 foi decretada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A Lei 10.639 que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileiras nas escolas brasileiras, tem como um dos objetivos o combate ao racismo e a discriminação.Dentro da mesma Lei, o calendário escolar incluiu o dia 20 de novembro como o “Dia Nacional da Consciência Negra”

Origem da BLACK MUSIC
Um pouco sobre a Black Music. Nos anos 60 a música negra tornou-se conhecida quando os cantos religiosos gospel começaram a ser divulgadas nas rádios, passando a ser conhecidas como Soul (alma). Com o seu desenvolvimento alguns cantores começaram a se destacar como Cheryl Lynn, One Way, Anita Becker e o famoso James Brown. Este, com seu estilo único de tocar guitarra acelerou o ritmo do Soul, surgindo o Soul ritmado mais conhecido como Funk Soul. Das rádios, o Funk foi para os bailes e assim começaram a ser desenvolver as danças, em suas várias versões. Dos anos 70 até hoje, a Black Music sofreu algumas evoluções enquanto ritmo e também enquanto dança. A Black Music contém muitas variações mas só alguns marcaram realmente época em sua história: Funk Soul: Retrata bem a década de 70, o som psicodélico de James Brown de origem a uma dança com estilo incomparável de deslizar os pés no chão com muita ginga e agilidade. Flash Back Os anos 80 ficaram conhecidos como a época do passo marcado. Após os sucessos dos Jackson Five, nos bailes dançava-se pequenas coreografias criadas pela alegria e empolgação do momento. Charm A melodia rítmica de Érika Badu, R Kelly e Black Street ficou conhecida como Charm que originou o Floreado ou a famosa “lenta” quando dançada a dois em meados dos anos 80. R&B A mistura do Charm com o ritmo contagiante do rap norte americano dos anos 90 fez com que Usher, Snop Dog, Beonce, Nelly e outros lançassem um ritmo envolvente que, quando dançado, revela toda arte e magia de dançar a dois com um contato visual bastante rico e cheio de alegria.

– “Precisamos de uma nova mentalidade negra”  diz Obama em discurso memorável.

Barack Obama, afirmou, que é necessária uma “nova mentalidade” aos negros americanos, durante um discurso na Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP, pela sigla em inglês).
“Os programas do governo isolados não levarão nossas crianças à terra prometida, precisamos de uma nova mentalidade, de novas atitudes”, disse o presidente durante o jantar de comemoração de 100 anos da organização de direitos civis.
O líder americano disse que as comunidades afro-americanas possuem “um grupo de limitações internalizadas” e “esperam tão pouco do mundo e de nós mesmos”. Segundo ele, “muitas barreiras ainda permanecem” .
Obama afirmou que os negros “devem recapturar o espírito do movimento dos direitos civis de meio século atrás para resolver problemas que afetam os afro-americanos de maneira desproporcional, desemprego, altos custos de saúde e a Aids”.
Segundo ele, os pais precisam forçar as crianças a deixarem os video games de lado e afirmou que a “educação é o caminho para um futuro melhor”.
“Quero que nossas crianças desejem ser cientistas e engenheiros, médicos e professores, não apenas jogadores de bola ou rappers. Quero que eles queiram estar na Suprema Corte de Justiça, que queiram se tornar presidentes”, afirmou.
O presidente, filho de uma mãe branca do Estado americano do Kansas e de um pai negro, do Quênia, disse que seu caminho poderia ter sido outro, não fossem os pedidos de sua mãe.
Esse foi o primeiro discurso com enfoque no tema racial desde que Obama assumiu a Presidência, em janeiro.

 

História – O destino dos negros após a Abolição Imprimir
2011 . Ano 8 . Edição 70 – 29/12/2011

Para Todos nº 458, 24 de setembro 1927
Morro da Favela (atual Providência), em 1927. Após a Lei Áurea, os negros libertos foram buscar moradia em regiões precárias e afastadas dos bairros centrais das cidades. Uma grande reforma urbana no Rio de Janeiro, em 1904, expulsou as populações pobres para os morros

Gilberto Maringoni – de São Paulo

A campanha abolicionista, em fins do século XIX, mobilizou vastos setores da sociedade brasileira. No entanto, passado o 13 de maio de 1888, os negros foram abandonados à própria sorte, sem a realização de reformas que os integrassem socialmente. Por trás disso, havia um projeto de modernização conservadora que não tocou no regime do latifúndio e exacerbou o racismo como forma de discriminação
A campanha que culminou com a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, foi a primeira manifestação coletiva a mobilizar pessoas e a encontrar adeptos em todas as camadas sociais brasileiras. No entanto, após a assinatura da Lei Áurea, não houve uma orientação destinada a integrar os negros às novas regras de uma sociedade baseada no trabalho assalariado.

Esta é uma história de tragédias, descaso, preconceitos, injustiças e dor. Uma chaga que o Brasil carrega até os dias de hoje.

Uma das percepções mais agudas sobre a questão foi feita em 1964 pelo sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995). Em um livro clássico, chamado A integração do negro na sociedade de classes, ele foi ao centro do problema:

“A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (…) Essas facetas da situação (…) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel”.

As razões desse descaso ligam-se diretamente à maneira como foi realizada a libertação.

Várias causas podem ser arroladas como decisivas para a Abolição, algumas episódicas e outras definidoras. É possível concentrar todas numa ideia-mestra: o que inviabilizou o escravismo brasileiro foi o avanço do capitalismo no País. Longe de ser um simplismo mecânico, a frase expressa uma série de contradições que tornaram o trabalho servil não apenas anacrônico e antieconômico, mas sobretudo ineficiente para o desenvolvimento do País. Com isso, sua legitimidade passou a ser paulatinamente questionada.

ACELERADA TRANSFORMAÇÃO O Brasil das últimas três décadas do século XIX era uma sociedade em acelerada transformação. A atividade cafeeira vinha ganhando o centro da cena desde pelo menos 1840. O setor exportador torna-se o polo dinâmico da economia, constituindo-se no principal elo do País com o mercado mundial. Havia outras atividades de monta ligadas à exportação, como a borracha e a cana. Mas, a essa altura, a supremacia do café era incontestável.

A partir de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870), a agricultura de exportação vive uma prosperidade acentuada. Um expressivo fluxo de capitais, notadamente inglês, foi atraído para as áreas de infraestrutura de transportes – ferrovias, companhias de bonde e construção de estradas – e atividades ligadas à exportação, como bancos, armazéns e beneficiamento, todos garantidos pelo Estado.

O período marca a supremacia incontestável do império britânico. A expansão da economia internacional e a demanda crescente por matérias primas por parte dos países que viviam a Segunda Revolução Industrial resulta em um ciclo de investimentos nos países periféricos. O historiador inglês Eric Hobsbawm assinala o seguinte em seu livro A Era dos Impérios:

“O investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos nos anos 1880, quando a extensão da rede ferroviária argentina foi quintuplicada, e tanto a Argentina como o Brasil atraíram até 200 mil imigrantes por ano”.

A CAMPANHA ABOLICIONISTA Embora rebeliões, fugas e a organização de quilombos já existissem no Brasil desde o século XVI e várias rebeliões regionais já tivessem a emancipação dos cativos em pauta, uma campanha organizada só acontece nas últimas décadas do século XIX.

A questão entra na agenda institucional a partir do final de agosto de 1880, quando é fundada a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Começavam, no Parlamento, os debates sobre o projeto de libertação geral, apresentado pelo deputado pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910).

Uma intensa pressão popular resulta na libertação dos negros no Ceará, em 1884. Uma aguda crise na lavoura e reflexos da seca de 1877, além da ação de grupos urbanos, inviabilizaram o regime de cativeiro na região. Incentivado por esse desenlace, o abolicionismo toma ares de movimento em diversas províncias, como Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Pará, Rio Grande do Norte, Piauí e Paraná.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni
Desenho de Ângelo Agostini, Revista Illustrada nº. 427 (18 de fevereiro de 1886)

A essa altura, a libertação total dos escravos já era uma possibilidade real. A perda de legitimidade da escravidão acentuava-se especialmente nas grandes cidades. A reação vinha de setores da oligarquia cafeeira, temerosos de um solavanco nos negócios com a previsão de perda de seu “capital humano” da noite para o dia. Como as evasões tornavam- -se frequentes, aumentou a repressão contra escravos fugidos em vários municípios da província do Rio de Janeiro.

ESCRAVIDÃO E MODERNIDADE A escravidão concentrava-se nas partes mais modernas da economia e tornara-se menos relevante nos setores atrasados ou decadentes. Em 1887, o Ministério da Agricultura, em seu relatório anual, contabilizava a existência de 723.419 escravos no País. Desse total, a Região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo), produtora de café, abarcava uma população cativa de 482.571 pessoas. Todas as demais regiões respondiam por um número total de 240.848.

Ao mesmo tempo, o País passara a incentivar, desde 1870, a entrada de trabalhadores imigrantes – principalmente europeus – para as lavouras do Sudeste. É um período em que convivem, lado a lado, escravos e assalariados. Os números da entrada de estrangeiros são eloquentes. Segundo o IBGE, entre 1871 e 1880, chegam ao Brasil 219 mil imigrantes. Na década seguinte, o número salta para 525 mil. E, no último decênio do século XIX, após a Abolição, o total soma 1,13 milhão.

A implantação de uma dinâmica capitalista – materializada nos negócios ligados à exportação de café, como casas bancárias, estradas de ferro, bolsa de valores etc. – vai se irradiando pela base produtiva. Isso faz com que parte da oligarquia agrária se transforme numa florescente burguesia, estabelecendo novas relações sociais e mudando desde as características do mercado de trabalho até o funcionamento do Estado.

Para essa economia, o negro cativo era uma peça obsoleta. Além de seu preço ter aumentado após o fim do tráfico, em 1850, o trabalho forçado mostrava-se mais caro que o assalariado. Caio Prado Jr. (1907-1990), em seu livro História econômica do Brasil, joga luz sobre a questão:

“O escravo corresponde a um capital fixo cujo ciclo tem a duração da vida de um indivíduo; assim sendo, (…) forma um adiantamento a longo prazo do sobretrabalho eventual a ser produzido. O assalariado, pelo contrário, fornece este sobretrabalho sem adiantamento ou risco algum. Nestas condições, o capitalismo é incompatível com a escravidão”.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni
“O escravo corresponde a um
capital fixo cujo ciclo tem
a duração da vida de um
indivíduo; assim sendo, (…)
forma um adiantamento a
longo prazo do sobretrabalho
eventual a ser produzido. O
assalariado, pelo contrário,
fornece este sobretrabalho
sem adiantamento ou risco
algum. Nestas condições, o
capitalismo é incompatível com
a escravidão”João Manuel Cardoso de Mello,
economista

O economista João Manuel Cardoso de Mello escreve em seu O capitalismo tardio que:

“O trabalho assalariado se tornara dominante e o abolicionismo, a princípio um movimento social amparado apenas nas camadas médias urbanas e que fora ganhando para si a adesão das classes proprietárias dos Estados não-cafeeiros, na medida em que o café passara a drenar para si escravos de outras regiões, recebera, agora, o respaldo do núcleo dominante da economia cafeeira. Abolicionismo e Imigrantismo tornaram-se uma só e mesma coisa”.

CARA E OBSOLETA Esta condição – da escravidão ser uma relação de trabalho obsoleta – acentuou a necessidade de sua superação, tanto no plano econômico quanto no social e político.

A Abolição não era apenas uma demanda por maior justiça social, mas uma necessidade premente da inserção do Brasil na economia mundial, que já abandonara em favor do trabalho assalariado, mais barato e eficiente.

Um artigo publicado no semanário abolicionista Revista Illustrada, em 30 de abril de 1887, argumenta que a economia brasileira àquela altura já não dependia majoritariamente do trabalho servil:

“Pelos dados do Ministério da Agricultura, calcula-se que a cifra dos escravizados não chegue a 500 mil. Tirem-se as mulheres (50%), tirem-se os escravos das cidades, que nada produzem, e ver-se-á que o que fica para auxiliar a produção nacional é uma cifra tão irrisória, que podemos, com orgulho, afirmar, que a produção do nosso país já é devida aos livres”.

Os números não são exatamente iguais aos do Relatório do Ministério da Agricultura, já mencionado. Mas o comentário é digno de nota.

O fim do regime de cativeiro em São Paulo, em fevereiro de 1888, por exemplo, é ilustrativo. Às rebeliões de escravos ao longo da década de 1880 vieram se somar o formidável fluxo de mão-de-obra imigrante que chegava para a lavoura e para a incipiente indústria, inaugurando o regime de trabalho livre. A província já iniciara uma arrancada econômica – com a construção de ferrovias, instalação de casas bancárias e aumento das exportações – que a colocaria, na segunda década do século XX, na dianteira do desenvolvimento nacional. A libertação não representou nenhum abalo de monta para a economia regional.

A situação era diversa na província do Rio de Janeiro. A região enfrentava uma crise, com vários produtores rurais endividados em bancos. A libertação poderia representar um sério abalo. Com isso, os fazendeiros fluminenses ficaram contra a libertação.

LIMITES DO ABOLICIONISMO Apesar da ênfase abolicionista de setores das camadas médias e mesmo das elites em alguns centros urbanos, a pregação libertária tinha limites. Eles tornam-se perceptíveis quando examinamos que tipo de campanha os ideólogos da elite pretendiam realizar. Vale a pena conhecer as ideias do mais importante intelectual da emancipação, Joaquim Nabuco. Como deputado, ele liderou a jornada no parlamento.

Um trecho de sua obra mais importante, O abolicionismo, escrita em 1882, é esclarecedor. Nesta, Nabuco alega ter um “mandato da raça negra” (embora escravos não votassem):

“O mandato abolicionista é uma dupla delegação, inconsciente da parte dos que a fazem, (…), interpretada pelos que a aceitam como um mandato a que não se pode renunciar. Nesse sentido, deve-se dizer que o abolicionista é o advogado de duas classes sociais que de outra forma não teriam meios de reivindicar seus direitos, nem consciência deles. Essas classes são: os escravos e os ingênuos. Os motivos pelos quais essa procuração tácita impõem-nos uma obrigação irrenunciável não são puramente – para muitos não são mesmo principalmente – motivos de humanidade, compaixão e defesa generosa do fraco e do oprimido”.

Rico, filho do senador José Tomás Nabuco de Araújo (1813-1878), o parlamentar é membro de uma importante família pernambucana que teve entre seus membros altos funcionários do Império. Sigamos suas concepções:

“A propaganda abolicionista (…) não se dirige aos escravos. Seria uma covardia, inepta e criminosa e, além disso, um suicídio político para o partido abolicionista, incitar à insurreição, ou ao crime, homens sem defesa e que a lei da Lynch, ou a justiça pública, imediatamente, haveria de esmagar”.

Por que Nabuco pensa assim? Acompanhemos:

“A escravidão não há de ser suprimida no Brasil por uma guerra servil, muito menos por insurreições ou atentados locais. (…) A emancipação há de ser feita entre nós por uma lei que tenha os requisitos, externos e internos, de todas as outras. É, assim, no Parlamento, e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e nas praças das cidades que se há de ganhar ou perder a causa da liberdade”.

Sintetizemos: para Nabuco, o negro não tem consciência nem voz. Precisa de alguém para defendê-lo. É natural que quem o faça seja um branco, culto e influente. Mesmo assim, o negro não pode participar das mobilizações que visem mudar sua sina, sob pena de termos um cenário imprevisível.

Mesmo José do Patrocínio (1853-1905), tido como um abolicionista radical, não apresenta visão muito distinta. Pregava, no entanto, a necessidade de a campanha ganhar as ruas. O chamado Tigre da Aboliçãofalava em “revolução”. Mas apontava ressalvas, dizendo ser necessária uma “aliança do soberano com o povo”:

“É uma revolução de cima para baixo. O povo não teria força por si só para realizar a abolição da escravidão”.

LEGALIDADE MONÁRQUICA As pregações de Nabuco e de Patrocínio envolviam duas vertentes principais.

A primeira é que o abolicionismo deveria ser conduzido nos estreitos limites da legalidade monárquica e escravocrata, no Parlamento e, no máximo, em salões e saraus. Deveria ser fruto de uma solução negociada entre o Estado e os fazendeiros, no espaço institucional e não no espaço social e público, sem risco de perda de controle.

A segunda é que os negros seriam sujeitos passivos nesse conflito. A essência da campanha abolicionista da chamada elite branca era clara: a emancipação deveria libertar os cativos sem tocar na ordem econômica vigente, centrada no latifúndio. Para isso, havia ao receio de que o movimento ganhasse as ruas, envolvendo seus principais interessados, os negros, e tivesse contornos de desobediência civil.

Em seu livro Onda negra, medo branco, Celia Maria Marinho de Azevedo chama a atenção para algumas decorrências dessa situação:

“Tudo se passa, enfim, como se os abolicionistas tivessem dado o impulso inicial e dirigido os escravos nestas rebeliões e fugas (…).Quanto aos escravos, tem-se a impressão de que são vítimas passivas, subitamente acordadas e tiradas do isolamento das fazendas pelos abolicionistas; ou então (…) a ideia que se passa é a de que o negro, apesar de toda a sua rebeldia, estava impossibilitado de conferir um sentido político às suas ações”.

Foi com esse caldo de cultura que se preparou a Abolição como uma intervenção restrita à libertação, sem medidas complementares, como reforma agrária, ampliação do mercado de trabalho, acesso à educação, saúde etc.

O que estava em jogo para a elite branca não era principalmente uma reforma social, mas a liberação das forças produtivas dos custos de manutenção de um grande contingente de força de trabalho confinada. A escravidão, no final do século XIX, tornara-se um obstáculo ao desenvolvimento econômico.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni
O negro e o membro da elite. O primeiro, descalço, tira o chapéu, em respeito. O segundo parece alheio a quem está ao seu lado. A legenda da foto em Fon Fon nº 6, 18 de maio 1907 é: “Príncipe Dom Luiz [de Orleans e Bragança (1878-1921)] com o banhista Sant’Anna que o ensinou a nadar na praia do Flamengo”. A Abolição manteve libertos em posição subalterna na sociedade

A LIBERTAÇÃO Em maio de 1888 veio a Lei Áurea e, 16 meses depois, como consequência direta das contradições que vivia o País, a República.

Com a abundância de mão de obra imigrante, os ex-cativos acabaram por se constituir em um imenso exército industrial de reserva, descartável e sem força política alguma na jovem República.

Os fazendeiros – em especial os cafeicultores – ganharam uma compensação: a importação de força de trabalho europeia, de baixíssimo custo, bancada pelo poder público. Parte da arrecadação fiscal de todo o País foi desviada para o financiamento da imigração, destinada especialmente ao Sul e Sudeste. O subsídio estatal direcionado ao setor mais dinâmico da economia acentuou desequilíbrios regionais que se tornaram crônicos pelas décadas seguintes. Esta foi a reforma complementar ao fim do cativeiro que se viabilizou. Quanto aos negros, estes ficaram jogados à própria sorte.

A esse respeito, Celia Maria Marinho de Azevedo lembra que:

“A força de atração destas propostas imigrantistas foi tão grande que, em fins do século, a antiga preocupação com o destino dos ex-escravos e pobres livres foi praticamente sobrepujada pelo grande debate em torno do imigrante ideal ou do tipo racial mais adequado para purificar a ‘raça brasílica’ e engendrar por fim a identidade nacional”.

AS TEORIAS DO BRANQUEAMENTO A libertação trouxe ao centro da cena, além do projeto de modernização conservadora para a economia, o delineamento social que a elite desejava para o País. Voltemos a Joaquim Nabuco, em O abolicionismo:

“O principal efeito da escravidão sobre a nossa população foi africanizá-la, saturá- -la de sangue preto. (…) Chamada para a escravidão, a raça negra, só pelo fato de viver e propagar-se, foi se tornando um elemento cada vez mais considerável na população”.

Nabuco não pregava no deserto. O mais importante defensor da imigração como fator constitutivo de uma “raça brasileira” foi Silvio Romero (1851-1914). Republicano e antiescravocrata, ele notabilizou-se como crítico e historiador literário. Romero preocupa-se em relacionar fatores físicos e populacionais do País ao desenvolvimento da cultura. Segundo ele, no Brasil, desde o período colonial, se formou uma mestiçagem original. Este seria um fator decisivo para a superação de nosso atraso, através da futura constituição de uma “raça” brasileira, com supremacia branca. Daí a necessidade da imigração europeia. Vamos às suas palavras, em 1885, na introdução do livro Contos populares do Brasil (1885):

“Das três raças que constituíram a atual população brasileira a que um rastro mais profundo deixou foi por certo a branca segue-se a negra e depois a indígena. À medida, porém, que a ação direta das duas últimas tende a diminuir, com o internamento do selvagem e a extinção do tráfico de negros, a influência europeia tende a crescer com a imigração e pela natural tendência de prevalecer o mais forte e o mais hábil. O mestiço é a condição dessa vitória do branco, fortificando-lhe o sangue para habilitá-lo aos rigores do clima”.

Essas opiniões evidenciam o pensamento dos abolicionistas sobre a composição étnica pretendida para o País. Membros das camadas médias e altas urbanas, cultos, cosmopolitas, alguns ligados diretamente à oligarquia rural – caso de Nabuco – e em sua maioria defensores do “progresso” (os positivistas) ou do “desenvolvimento” (os liberais), a eles interessava sobretudo a modernização do país, a equiparação de hábitos de consumo aos correspondentes das camadas mais altas dos países ricos e a integração do Brasil, tanto econômica, como política e ideologicamente, aos parâmetros do liberalismo.

Não havia contradição, em fins do século XIX, em alguém se apresentar como um acendrado abolicionista e, ao mesmo tempo, manifestar um racismo ou um elitismo acentuado. Não há vínculo entre ambas as coisas, assim como não havia compromisso algum entre a grande maioria dos abolicionistas e os negros cativos. O mais importante era não tocar na ordem institucional, que tinha como pilar central a grande propriedade da terra.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni
Desenho de Ângelo Agostinina Revista Illustrada nº 427, de 18 de fevereiro de 1886: denúncia crua da escravidão


RAÍZES DO RACISMO
 O preconceito racial abolicionista tinha raízes dentro e fora do País. A propalada superioridade da raça branca era parte constitutiva da ideia de “progresso”, lembra o historiador Eric Hobsbawm.

No século XIX, os maiores países europeus passam a ser, com hierarquias variadas, centros de poder imperial, conquistando colônias na África e na Ásia. Havia um nó teórico a ser desatado: como regimes liberais, lastreados nas ideias da Revolução Francesa (1789), poderiam colonizar nações inteiras, subjugando povos e culturas a seus desígnios?

É nesse ponto que surgem as primeiras teorias racialistas para justificar a superioridade intelectual, física e moral do europeu branco. O primeiro grande formulador foi o conde francês Joseph-Arthur Gobineau (1816–1882).

Diplomata, poeta, romancista e escultor, Gobineau tornou-se conhecido após a publicação de seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1855). Se os outros povos eram inferiores, como poderiam ter os mesmos direitos dos europeus?

A noção de superioridade racial passara a ser legitimadora da ordem imperial, na qual o fornecimento ininterrupto e a bom preço de matérias primas era o combustível para o funcionamento da economia internacional. As teorias raciais surgiram para legitimar uma concepção de mundo que pregava liberdade, igualdade e fraternidade entre brancos e que justificava a superexploração de outras etnias.

E a ideologia do racismo passou a existir dentro de cada país, mesmo nos da periferia do sistema, como explicação determinista para a dominação de classe, o desnível social e a europeização acrítica de suas camadas dominantes.

INDESEJADOS DOS NOVOS TEMPOS Os ex-escravos, além de serem discriminados pela cor, somaram- -se à população pobre e formaram os indesejados dos novos tempos, os deserdados da República. O aumento do número de desocupados, trabalhadores temporários, lumpens, mendigos e crianças abandonadas nas ruas redunda também em aumento da violência, que pode ser verificada pelo maior espaço dedicado ao tema nas páginas dos jornais.

Escrevendo sobre esse período, Lima Barreto (1881-1922) ressalta que:

“Nunca houve anos no Brasil em que os pretos (…) fossem mais postos à margem”.

A descrição do historiador Luiz Edmundo (1878-1961), em seu livro O Rio de Janeiro do meu tempo, sobre morro de Santo Antônio e suas moradias e vielas miseráveis, poucos anos depois, mostra um pouco da cartografia humana da então capital:

Foto: Acervo Gilberto Maringoni
Joaquim Nabuco, o principal teórico do movimento
abolicionista (Renascença nº 4, junho de 1904)


“Por elas vivem mendigos, os autênticos, quando não se vão instalar pelas hospedarias da rua da Misericórdia, capoeiras, malandros, vagabundos de toda sorte: mulheres sem arrimo de parentes, velhos que já não podem mais trabalhar, crianças, enjeitados em meio a gente válida, porém o que é pior, sem ajuda de trabalho, verdadeiros desprezados da sorte, esquecidos de Deus…(…) No morro, os sem- -trabalho surgem a cada canto”.

O novo regime, apesar das promessas, não viera para democratizar a sociedade ou possibilitar uma maior mobilidade social. Por suas características acentuadamente oligárquicas, a República brasileira chegara para manter intocada uma estrutura elitista e excludente.

Por conta disso, as autoridades logo voltam-se para a repressão a diversas manifestações populares. A partir de 1890, são impiedosamente perseguidos os capoeiras, valentões, predominantemente negros e pobres, que praticavam essa modalidade de luta pelas ruas do Rio de Janeiro.

LARGADOS À PRÓPRIA SORTE Em que pesem alguns episódios específicos, a base fundamental da campanha abolicionista movida por setores da elite econômica dos anos 1880 estava longe de ser um humanitarismo solidário aos negros, ou a busca de reformas sociais democratizantes. Isso tornou-se evidente com o passar dos anos, apesar de um discurso contraditório de setores das classes dominantes, simpáticos à libertação. Havia, por exemplo, o caso do projeto abolicionista de Joaquim Nabuco. Rejeitado pela Câmara dos Deputados, em fins de 1880, o texto manifestava alguma preocupação social. Seu artigo 49 definia:

“Serão estabelecidas nas cidades e vilas aulas primárias para os escravos. Os senhores de fazendas e engenhos são obrigados a mandar ensinar a ler, escrever, e os princípios de moralidade aos escravos”.

E havia mais. O historiador Robert Conrad assinala que:

“Os abolicionistas radicais, como Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, Antonio Bento, Rui Barbosa, Senador Dantas e outros esperavam que a extensão da educação a todas as classes, a participação política em massa e uma ampliação de oportunidades econômicas para milhões de negros e mulatos e outros setores menos privilegiados da sociedade brasileira viessem a permitir que estes grupos assumissem um lugar de igualdade numa nação mais homogênea e próspera”.

O mesmo pesquisador assinala ainda o fato de que “durante os anos abolicionistas, a reforma agrária foi proposta frequente e urgentemente”. E lembra do plano de André Rebouças, no qual grandes proprietários venderiam ou alugariam lotes de terras a libertos, imigrantes e lavradores. Trata-se de uma modalidade de reforma que prescinde da democratização fundiária, restringindo-se às regras do mercado então vigentes.

Quando a campanha abolicionista tomou vulto, tais propostas foram pouco a pouco sendo deixadas de lado.

Quais as razões disso? Voltemos a Florestan Fernandes. Talvez a resposta esteja sintetizada neste trecho de seu livro já citado:

“A preocupação pelo destino do escravo se mantivera em foco enquanto se ligou a ele o futuro da lavoura. Ela aparece nos vários projetos que visaram regular, legalmente, a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, desde 1823 até a assinatura da Lei Áurea. (…) Com a Abolição pura e simples, porém, a atenção dos senhores se volta especialmente para seus próprios interesses. (…) A posição do negro no sistema de trabalho e sua integração à ordem social deixam de ser matéria política. Era fatal que isso sucedesse”.

A história que se seguiu confirmou essas palavras.

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