segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Código do Consumidor e o Caos da Telefonia

Código do Consumidor e o Caos da Telefonia

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Anna Laura Pereira

Advogada

O Brasil, ao inaugurar o novo sistema de telefonia, no dia 3 de julho de 1999, jamais imaginou que provocaria um caos para os consumidores, em virtude do sistema ter entrado em um colapso totalmente inesperado e inimaginável.

Conforme noticiou a imprensa, no Estado do Pará, 40% das ligações DDD – Discagem Direta à Distância não foram realizadas, e, no primeiro dia útil em que o sistema moderno entrou em funcionamento, este apresentou falhas na proporção de aproximadamente 70%, em relação ao seu funcionamento total. Nas declarações de um dos presidentes da empresa prestadora de serviços, tais falhas decorrem exclusivamente da culpa dos usuários, por não saberem utilizar o novo sistema implantado, apesar da divulgação constante pelos meios de comunicação.

Será que empresas de mercado de capitais, turismo, escritórios, instituições financeiras entre outras, estariam despreparadas e desavisadas para a utilização deste novo sistema? Ou, na realidade, e o mais esperado, é que as empresas prestadoras de serviços não esperavam um bug, que não foi do milênio, pelo congestionamento das chamadas telefônicas?

A empresa Telemar culpa a Embratel pela catástrofe ocorrida, em virtude desta ser a proprietária do Sistema de Fibra Ótica e de Satélite, já que qualquer ligação que for realizada pelo 31 terá que ser jogada no sistema da Embratel.

O Consumidor não está interessado, e nem poderia estar, no problema operacional da empresa prestadora. Deseja é que o serviço prestado seja de qualidade e atenda as suas expectativas. As empresas de telefonia esquecem que o seu principal objetivo é este: proporcionar um serviço de qualidade, com rapidez, cativando, assim, os consumidores e levando-os a utiliza-la. Ao menos, esta foi a posição tomada pelo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações-Anatel, em defesa da nova postura das prestadoras de serviços de telefonia, para o qual, as mesmas precisam “correr atrás do cidadão, saber o que ele quer e trata-lo como uma pessoa especial e não como usuário”.

A Anatel admite punir as empresas pela falha no planejamento das mudanças no sistema de ligações ocorrida, com o montante equivalente a até R$40.000.000,00. E, lógico que, devido ao alto valor da multa, as mesmas desejam atribuir a culpa e o ônus da prova aos consumidores, responsabilizando-os pela comprovação do dano causado e da determinação do quantum relativo ao seu prejuízo.

O Código de Defesa do Consumidor, lei n° 8.078/90, é cristalino em dispor, em seu art.14, que os fornecedores de serviços respondem, independentemente da culpa existente, pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos defeitos oriundos da sua prestação de serviços. E, mais ainda, inclusive por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição e riscos.

Assim, e ainda de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade por danos ao consumidor abrange tanto o fato do produto, quanto o fato do serviço. E esta responsabilidade, decorre, nos dizeres de Zelmo Denari ¹. “da exteriorização de um vício de qualidade, vale dizer, de um defeito capaz de frustrar a legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição”. (grifo nosso).

Devido a não exigência de culpa por parte dos usuários, ou seja, os consumidores, no do dano causado, observa-se que a responsabilidade adotada pelo Código do Consumidor Brasileiro, é a responsabilidade objetiva, devendo, desta forma, o fornecedor de serviços indenizar os prejuízos causados, mesmo que não se demonstre a culpa subjetiva do usuário.

As empresas prestadoras de serviços de telefonia, somente estarão isentas de tal responsabilização, no caso em questão, se provocarem que defeito não existiu ou, ainda, que a culpa pela não realização das ligações foi exclusivamente dos usuários.

Neste aspecto, importante mencionar o Art.6°., VII do Código de Defesa do Consumidor, o qual determina a inversão do ônus probandi, ou seja, são os fornecedores que deverão provar que o defeito não existiu ou que não são responsáveis pelo mesmo.

Justamente por tais disposições legais, é que se vê a tentativa desesperada de imputação de culpa por parte da Telemar na Embratel, e, também, a afirmação por parte dos representantes daquela, de que a falha ocorreu em virtude de os usuários não terem conhecimento de como utilizar o novo sistema para a realização das ligações, e não por falha do mesmo.

Inicia-se, agora, uma luta de gigantes entre operadores, cada qual se acusando mutuamente, tentando isentar a sua obrigação de pagar a multa estabelecida pela Anatel e de indenizar consumidores lesados. Espera-se, ao menos, que desta disputa não saia perdendo somente o lado fraco da questão, os consumidores, os quais, provavelmente, e, mais uma vez, ficarão sem reparação pelos danos sofridos.

¹Denari, Zelmo et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro. Ed.Forense Universitária, 1998, p.139

Publicação: “Jornal O Diário do Pará. Belém, 10 de julho de 1999. Mercantil”.

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