Percival Puggina

22/05/2024

 

 

Percival Puggina

         Existem medicamentos que são usados para abortar nascituros em condições de viver fora do útero materno. O nome técnico desse procedimento hediondo é assistolia fetal e sua prática é proibida pelo Conselho Federal de Medicina para gestações acima de 22 semanas. A desnorteada e desnorteante Organização Mundial da Saúde recomenda o procedimento para abortos a partir da 20ª semana. O PSOL concluiu disso tudo que maligna e injustificável é a decisão do CFM e apelou ao "progressismo" do STF... A ação (ADPF 1141) foi acolhida pelo ministro Alexandre de Moraes em decisão que vai a plenário virtual a partir do próximo dia 31.

Ao rejeitar a decisão do Conselho profissional dos médicos, o ministro afirmou: "Verifico, portanto, a existência de indícios de abuso do poder regulamentar por parte do Conselho Federal de Medicina ao expedir a Resolução 2.378/2024, por meio da qual fixou condicionante aparentemente ultra legem (ultrapassando o que determina a lei) para a realização do procedimento de assistolia fetal na hipótese de aborto decorrente de gravidez resultante de estupro".

Se não há um limite para o assassinato de bebês, se não houver um mínimo de bom senso, se a prática da Medicina não tiver barreiras éticas naturais e racionais que imponham um non possumus! (não podemos), a mulher pode estar na sala de parto, com contrações para um parto normal e ainda ali será permitido não fazer o parto e matar o bebê. Na lógica seguida pelo ministro, impedir o procedimento seria “uma restrição de direitos não prevista em lei, capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres". Apresse-se, então, a equipe para realizar a assistolia fetal antes do parto porque se o mesmo bebê for morto instantes depois, será vítima de um infanticídio brutal, criminoso, cujo conhecimento causará comoção a qualquer indivíduo com sentimentos humanos.

Parabéns ao Conselho Federal de Medicina! As barreiras éticas são da natureza e da razão. Não são próprias para exercícios de salto com vara.  

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

21/05/2024

 

Percival Puggina

         Em 1883, Sir Francis Galton criou o termo eugenia para definir “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente". Nas décadas seguintes, com o desenvolvimento dos estudos sobre genética e sua aplicação ao aprimoramento de plantas e animais, cresceu a literatura científica e romanceada envolvendo a ideia de uma sociedade de super-homens geneticamente construídos. Malgrado a resistência ética e a abolição da escravatura em Cuba e no Brasil, os dois últimos países da América que ainda a mantinham, não demorou muito para Hitler promover o confisco de bens, o trabalho escravo e o holocausto do povo judeu com o alegado intuito de promover a “pureza racial” do Terceiro Reich.

Ao ler estas linhas, tenha em mente o que acontece no ambiente político e social brasileiro a partir da difusão dos escritos de Gramsci nos Cadernos do Cárcere e de seus estudos sobre hegemonia e conquista do poder na “longa marcha através das instituições”. Some a isso o que sabe a respeito de Goebbels, a importância política da repetição obsessiva do que se quer impor às mentes e o uso de todos os meios culturais para esse fim.

Veja agora aonde nos leva isso se, em vez de nazismo raiz com suástica e tudo, pensarmos no esquerdismo militante convencendo seus agentes de que tal condição acresce importantes polegadas à sua estatura moral, induzindo-os a olhar a divergência de cima para baixo. Cada um deles se vê como o novo Adão progressista. Em recente artigo, escrevi que esse personagem distópico, “nas suas ocupações e atividades profissionais, coloca a missão acima da função. Seja ele professor, jornalista, padre, pastor, artista, militar, burocrata, empresário – o que for – antes de tudo é um esquerdista empenhado no papel transformador e revolucionário que lhe cabe na construção da nova humanidade, bem ali, no lado esquerdo do palco das ideias”.      

A composição das ideias de Gramsci com a técnica do “publicitário” Goebbels proporciona ignição espontânea ao crescimento explosivo dessa eugenia ideológica. Dê uma olhada nas postagens e comentários de esquerdistas nas redes sociais e verá como fazem lembrar as imagens que retratam a turba apreciando execuções na Revolução Francesa. Eis o motivo que fez sumir do discurso político da esquerda e dos comentários da Globo e congêneres qualquer menção à “direita”. No vocabulário do esquerdismo militante (ou governista por amor ao caixa) só existe extrema direita antidemocrática e fascista, objeto de repressão, perseguição e punição sem muito lero-lero.

Nossos novos Goebbels de extrema esquerda, então, já andam por aí em intensa atividade. Atacam a oposição com o peito inflado de uma superioridade moral fajuta que os autoriza a impor rótulos, restrições e sanções àqueles a quem atribuem a condição de extrema direita por serem conservadores, liberais ou antiesquerdistas.

“É uma estratégia política, qual o problema?”, talvez diga o leitor. O problema está nas já nítidas consequências da suposta superioridade moral. É visível que dela deriva um desconhecimento de direitos fundamentais à opinião divergente. Instala-se uma desigualdade de direitos, torna-se comum silenciar e perseguir cruelmente os desafetos; a injustiça deixa de ser percebida e se torna-se socialmente tolerada ou, mesmo, aplaudida; uma mesma lei não vale para todos.

Conhecer o adversário, entender o que o mobiliza e sua consequente estratégia são condições indispensáveis para vencê-lo dentro das regras do jogo, que é como deve ser no tablado da política.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

18/05/2024

 

Percival Puggina

         No dia 30 de abril, o Rio Grande já afundava sob as águas. Contavam-se mortos e desaparecidos quando o governador Eduardo Leite usou o Twitter para pedir ao presidente da República socorro da máquina federal:

“Presidente Lula, por favor envie imediatamente todo o apoio aéreo possível para o RS. Precisamos resgatar já centenas de pessoas em dezenas de municípios que estão em situação de emergência pelas chuvas intensas já ocorridas e que vão continuar nos próximos dias".

O episódio, ocorrido há quase três semanas, tem o ineditismo que acompanha essa tragédia, tanto de modo negativo quanto positivo. O governador gaúcho usando o Twitter para atrair a atenção do presidente num desastre climático de tão tenebrosas perspectivas? Duas semanas depois, após digressões sobre um nome melhor do que Plano Marshall para as reconstruções no Rio Grande do Sul, sugerido por Eduardo Leite, Lula retornou, com pompa e circunstância, para apresentar sua versão desse plano. Ele atende, agora, pelo apelido sinistro de “intervenção federal”. Intervenção branca, dizem os mais benevolentes; intervenção linha dura, antevejo. Afinal, o ministro designado para a função tem deixado claro que análises, interpretações e opiniões desagradáveis são imprudências que podem resultar em incômodos a quem se atreva. O toque de silêncio que vem sendo imposto à sociedade pela cúpula do Judiciário deu tom para os corneteiros do Executivo fazerem o mesmo.

Juristas já se têm manifestado contra a Medida Provisória que dispõe sobre a nova função considerando que ela viola o pacto federativo. Tanto é assim que o protagonismo das ações futuras já passou para a esfera federal.

Na vida real, ao longo de todos esses dias, milhões de brasileiros agem de modo silencioso e persistente, provendo atenção às vítimas da tragédia com suas mãos, seus braços, seus bens e seus dons. Falam quase nada e fazem muito. Frequentemente, têm que se haver com ações equivocadas dos poderes de Estado. As vidas de todos estarão, doravante, indelevelmente ungidas pelas lágrimas da própria emoção e pela atuação voluntária nos acontecimentos deste outono gaúcho de 2024. Bem perto de nós – mas tão distante em espírito! – a trupe federal se reuniu em São Leopoldo para a performance habitual, com vaivéns sobre o palco, e para a retórica política e eleitoral exibida de modo escancarado pelo próprio Lula. Tendo o presidente do STF como muda testemunha, ele lascou esta frase para a História Mundial da Bravata:

"Eu vou viver até os 120 anos, eu vou demorar. Já falei para o homem lá em cima: não estou a fim de ir embora. Preciso disputar umas dez eleições, mais uns 20 anos. O Lula de bengala disputando eleição".

Não contente, enquanto prometia novos mundos e poucos fundos, Lula quis se creditar da solidariedade que o povo gaúcho e a nação brasileira vêm demonstrando com exuberância nestes dias. Segundo ele, esse protagonismo da sociedade seria impossível no governo anterior... Falou em invulgar tom manso, supondo que ninguém perceberia a pilhagem.

Lula só poderia dizer o que disse e fazer o que fez, sob aplausos, no ambiente controlado em que ocorreu o evento. Longe – muito longe – dos voluntários cujos méritos e virtudes quis transformar em brasa para seu assado.

Por favor, senhores do poder! Pensem menos em política e em eleições. Esse Estado dos marqueteiros e da politicagem é fake! Deixem-se possuir pelo drama dos seres humanos que tiveram seus entes queridos e seus bens levados pelas águas! Há que reconstruir a infraestrutura do Estado, seus meios de produção danificados ou perdidos, sem esquecer, um instante sequer, a urgente reconstrução da dignidade de tantos irmãos nossos. Cuidado! Não podemos preservar em nosso cenário a chaga dos abrigos, como esses campos de refugiados que marcam, mundo afora, as fronteiras do abismo político e social.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

14/05/2024

 

Percival Puggina

       Sou católico e respeitoso com todas as demais religiões e manifestações exteriores de fé. Tenho alguma dificuldade, porém, em relação à fé religiosa que vejo muitos dedicar ao Estado e a seus dignitários. Essa devoção tem teologia própria, muito severa e intolerante: o único Estado que merece reverência é aquele onde eles mesmos mandam e os outros se calam.

A tragédia do outono gaúcho abriu espaço para o proselitismo dos devotos do Estado, notadamente coletivistas e estatistas. É claro que sem o apoio da União será muito mais difícil enfrentar o conjunto de problemas que restarão quando as águas retornarem ao seu nível. Há, porém, um outro lado dessa moeda: a autofagia do Estado. Ao consumir em si mesmo parcela descomunal das receitas numa luxuosa Versailles federal, tão ciosa de seus privilégios quanto ociosa em seus deveres, ele empobrece investimentos como os que amenizariam os efeitos das águas.

Os devotos do Estado dão por esquecido que, ao longo de décadas, suas ideias, alinhamento político e perfil de quadros dirigentes respondem pelas permanentes agruras nacionais. Agora, sem maiores explicações ou justificativas, aproveitam-se da crise gaúcha para cantar vitória: “Viram como o Estado é bom e generoso?”. A resposta é não! O que tenho visto é a sociedade, com recursos mínimos, fazer muito mais do que o máximo, de modo virtuoso, com cada um dando de si e a si mesmo.

Isso Estado nenhum faz!

Estado nenhum faz o que o Instituto Ling fez com apoio do Instituto Floresta e da Federasul, lançando em Nova Iorque um fundo para levantar recursos destinados às reconstruções no Rio Grande do Sul.

Cuidarei sempre de alertar sobre algo facilmente intuído pelo cidadão comum: o Estado é um ente político desalmado, que precisa ser controlado. Não o será pelos que vivem em fervorosa contemplação aos pés do sacrário do Tesouro, benzendo-se penitentes cada vez que se referem à “extrema direita”, mas pelos conscientes de que é com o produto do trabalho da sociedade que o Estado se agiganta para submetê-la a seus excessos e à sua mão pesada.

Nos últimos dez anos, no sentido inverso ao que propagam esses devotos, a expressão “poder público” adquiriu um sentido cínico. Que raios de “poder” é esse? Socorra-me o leitor: em que sentido esse poder se diz “público”? Aqui, de onde eu o vejo, esse poder instituiu uma suposta democracia contramajoritária, jamais leva em conta a opinião pública. O povo, nas ruas e praças, fala aos ventos.

Se a vida civilizada nos obriga a custear o Estado e a conviver com ele, é de todo recomendável que seja útil ao público. Isso significa que o Estado deve gastar menos consigo mesmo e mais com a sociedade, para que obras, equipamentos e serviços tenham a qualidade necessária.

A autofagia dos recursos “públicos” na sua própria cadeia de consumo responde por vários aspectos da tragédia que a nação vive a cada solavanco da natureza.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

Percival Puggina

11/05/2024

 

Percival Puggina

      Meu amado berço sulino vive sua hora mais amarga sob o múltiplo bombardeio das águas. Num repique da enchente que o vitimou, elas ainda caem enquanto escrevo. Penso no Rio Grande geográfico, com a sedutora Serra Gaúcha e sua riqueza hídrica, nos rios do planalto e da planície ... cobertos de água e lama. Penso no Rio Grande da história e no povo gaúcho. As guerras e revoluções do passado influenciaram muito o tipo humano que agora terá que se haver com as consequências da tragédia.

Subitamente, já no ocaso da minha existência, estou testemunhando a esperança nascer ante a face mais virtuosa desse caráter. A reação da sociedade gaúcha está registrando uma nova epopeia para a história desse povo. E o faz em poucas palavras, mas em tantas imagens quantas a tecnologia hoje permite.

Acionados pelo nobre impulso interior da solidariedade se moveram e se comoveram. Tudo aconteceu tão de repente quanto subiam as águas. Foi como se todos dissessem – “São meus irmãos, é a nossa gente, sitiada e levada pelas águas. Agora é conosco, pessoal!”. Quase se ouvia o zumbido nas redes sociais febricitantes nos grupos de WhatsApp e de toda parte já chegavam os botes à água, os abrigos abriam. Com o que podiam trazer, vinham médicos, enfermeiros, maqueiros, viaturas, motoristas, jipeiros e os preciosos trilheiros. Água potável, lanches, lâmpadas, lanternas! Utilidades chegavam e continuam a chegar, demandando verdadeira multidão de “estivadores” para a faina diuturna de carregar e descarregar pacotes de doações.

Ninguém! Ninguém ali invoca qualquer tipo de identidade racial, sexual, social lá o que seja tão determinante para os ídentitaristas. A mão estendida não tem cor nem conta bancária. Os helicópteros particulares e os óbolos das viúvas são expressão do mesmo amor ao próximo.

A brava gente do Rio Grande há muito tempo não chorava tanto diante das imagens que nos chegam diariamente mostrando que essa solidariedade mobilizou o país inteiro. Ela viaja em abençoados caminhões provenientes de empresas e municípios dos quais, muitas vezes, nunca ouvimos falar. E se mobilizaram por nós! Por nós, distantes! É tão flagrante serem essas cargas puro amor em fardos que os caminhões em comboio partem ao som de canções motivadas por corações felizes, cantadas com vozes embargadas.

Que Deus proteja a todos vocês e os gratifique por tão expressivo bem feito. Está valendo muito, pessoal!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

09/05/2024

 

Percival Puggina

 

         Escrevo baixinho, quase sussurrando as letras no papel, com todo cuidado para que nada escape pelas margens. Preciso falar muito reservadamente sobre o sigilo que, ele sim, ostensivo e ruidoso, bateu portas e cerrou janelas em nossa vida republicana.

Eu tinha uma ideia diferente sobre como deveria ser a vida numa democracia representativa, de modo especial num período privilegiado em que os meios de comunicação e informação estão na palma da mão dos cidadãos.

A alegada e justa preocupação com o direito dos eleitores à livre opção política e eleitoral tem levado a um impertinente e antinatural controle das opiniões que, por todas as razões, parece descrer das capacidades do eleitor e ser alérgica à liberdade de expressão.

Por exemplo. Foram inseridos no TSE, sem aprovação legal, mecanismos estranhos ao Poder Judiciário e à Justiça Eleitoral. Um deles investiga o que está sendo dito nas redes sociais e o outro delibera sobre o que pode e o que não pode nelas ser publicado. Tudo muito estranho numa época em que, loquazes, ministros do STF replicam com desenvoltura, o vocabulário empregado pelo governo para atacar a oposição.

Ao mesmo tempo em que convivemos com a censura por aleatórios discursos de ódio, desordem informacional, desinformação, desestabilização das instituições e sei lá mais quê, convivemos com sigilos impostos sobre tudo que possa gerar desconforto à oligarquia: agendas, pautas de reuniões entre personalidades dos poderes, viagens, estranhos eventos, jatinhos, inquéritos e processos de cunho político.

Nossa “democracia” está cada dia mais circunspecta e ensimesmada. Calado, o povo observa.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

08/05/2024

 

Percival Puggina

 

       Apesar da importante sugestão no sentido de que o lucro de 3 bilhões proporcionados pelas operações de Itaipu binacional fossem destinados ao Rio Grande do Sul, Lula anunciou apenas R$ 534 milhões, ao mesmo tempo em que mandou R$1,3 bilhão ao governo parceiro do Pará. Ao mesmo tempo, a ministra do Planejamento disse que o Rio Grande não precisava de dinheiro porque com as cidades submersas não dava para saber o que estava destruído pelas águas.

Agora, o governo uruguaio quis mandar uma aeronave com drones, lanchas e apoio técnico e Lula dispensou, alegando que não teria onde pousar... A pista de Canoas está em operação e há ainda outros aeroportos do Estado que poderiam receber a aeronave uruguaia, que foi comprada do Brasil, reformada e está em uso. Causou péssimo efeito no Uruguai a afirmação de que o Brasil tem aeronaves maiores em uso (aqui).

O site Aeroin, informa que a Argentina também ofereceu um avião, três helicópteros e uma equipe de busca com cães, que igualmente foram recusados por Brasília, mas sem justificativa oficial.

Haja “narrativa” para explicar toda essa animosidade do governo federal em relação ao Rio Grande do Sul. Ideologia em estado bruto.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

06/05/2024

 

Percival Puggina

 

Senti vontade de dizer ao Guaíba como Fernando Pessoa disse ao mar das Grandes Navegações: Quanto de tuas águas são lágrimas do Rio Grande do Sul!

       Era madrugada de domingo 5 de maio em Porto Alegre. Fui acordado por novas trovoadas que antecederam a forte chuva que sobreveio. Olhei para o relógio. Quatro horas da manhã. Levantei-me para verificar se a casa estava bem vedada e pus-me a pensar sobre o sofrimento de tantos gaúchos neste que é o quarto desastre climático que se abate sobre o Rio Grande do Sul em menos de 12 meses e é o maior de sua história. Impiedosa, prosseguia a chuva no que parecia um líquido e aéreo bombardeio. Vem daquelas reflexões noturnas o conteúdo deste artigo.

O fotogênico Guaíba – que sempre foi rio, mas era um estuário e modernamente, juram os geólogos, é um lago – em complô com os cinco rios que a ele contribuem, expandiu seus domínios sobre todos os baixios rurais e urbanos no seu entorno.

Penso sobre o Estado e o tal “poder público” – tão pouco público! De modo sistemático, ao longo de décadas e em todo o país, o dinheiro da sociedade, pagadora das contas, vem sendo usado, preferencialmente, para robustecer a máquina e para os projetos de poder político (quando não, também, “otras cositas mas”). Já pensaram o montante a que chegaríamos capitalizando apenas 20% disso ao longo de décadas? Como resultado, a potência do poder público se dissipa em si mesmo e ele fica sem meios para atender suas atividades fins. O resultado se expressa em ações insuficientes, obras raras e “baratas”, tecnicamente modestas e frágeis. O dinheiro é escassíssimo até para prevenir, inspecionar e conservar o que já se tem, mas para o núcleo da máquina, não.

Seria impossível não escrever sobre a tragédia que se estendeu por todo o Rio Grande do Sul. Até agora, 340 de seus 497 municípios são vitimados por ela. Nesta manhã de segunda-feira 6 de maio, contam-se 83 mortos, 101 desaparecidos, 120 mil pessoas desalojadas de suas moradias. Porto Alegre inundada numa proporção e extensão simplesmente inimaginável. As cenas exibidas pelos noticiários parecem captadas de alguma distopia barrenta.

Vivo aqui desde 1959, ou seja, cheguei quando passavam 18 anos da maior enchente já registrada, a de 1941. Nela, o Guaíba, esplêndido lago que abraça Porto Alegre, alcançou a cota de 4,75 metros. Alguns prédios do centro da cidade tinham na parede a marca do nível então alcançado pelas águas.

No início dos anos 70, como arquiteto, participei do projeto de um porto, no Rio Taquari, cujo cais ficava a poucos metros da rodovia que hoje aparece submersa. Prolongados estudos de hidrologia foram feitos sobre uma possível repetição da enchente de 1941, que tangenciaria o nível das instalações portuárias que projetávamos. Conclusão: aquela enchente teria um período de recorrência de cem anos. Ou seja, havia a possibilidade de que uma enchente, por século, atingisse o cais do porto que estudávamos. Provou-se bem ajustado o trabalho dos nossos peritos de então: transcorreram 83 anos até que esta nova enchente atingisse e derrubasse a marca de 1941 – lamentavelmente para ultrapassá-la em mais de meio metro.

No bairro onde moro, estamos numa cota bem superior à da área de inundação. Mas, como a maior parte da cidade, estamos e estaremos nos próximos dias vivendo o drama comum e fazendo a experiência dos camelos, sem água tratada para qualquer aproveitamento humano.

Acima da imprudência no gasto do Estado, acima da imprudência das ocupações ribeirinhas, acima dos erros de engenharia, acima de quatro tragédias de origem climática em menos de 12 meses, ergue-se, gigantesca, a solidariedade. Em comovente mobilização, o Rio Grande inteiro, o Brasil e os países vizinhos acorreram para a atenção às vítimas. As benditas redes sociais, essas mesmas que tanta indignação causam aos espíritos que apreciam o povo silencioso, têm sido instrumento importante para levedar e ampliar a extensão da solidariedade que mobiliza a todos em torno do drama gaúcho.

Há uma multidão silenciosa que gostaria de repercutir seu agradecimento e pede orações e apoio para reconstrução de suas vidas.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

03/05/2024

 

Percival Puggina

 

         “Devemos condenar publicamente a ideia de que homens possam exercer tal violência sobre outros homens. Calando o mal, fechando-o dentro do nosso corpo para que não saia para o exterior, afinal semeamo-lo.” Soljenitsyn

         Quem diria!? Nós temos nossos gulags.

A experiência humana mostra que os mais mal tratados criminosos da história sempre foram os acusados de crimes políticos. Desagradar ao monarca ou, a quem encarnasse o Estado, custava caro. Pior ainda se o desagradado cuidasse do réu e da pena. Tal situação cobrava seu preço concentrando sobre o acusado os piores sentimentos do julgador. Não era incomum que orgulho, vaidade, medo, desejo de vingança cobrassem reparação que se cumpria nos padecimentos impostos ao réu e se prolongavam na condenação. Tudo tão medieval quanto perene...

Os gulags (campos de trabalhos forçados surgidos na Rússia tzarista com o nome de kengires) foram reintroduzidos pelo stalinismo e rapidamente se multiplicaram pelo país, povoados por presos políticos. O conhecimento sobre seus horrores chegou ao Ocidente com a obra de Alexsandr Soljenitsyn, ele mesmo um sobrevivente dessas instituições penais. Recentemente a editora Avis Rara entregou aos leitores o livro de outro russo que conseguiu sair vivo dessa sina – Wladimir V. Tchernavin, autor de “Nos campos de concentração soviéticos”. Em certo momento, quando iniciava sua trajetória em direção ao arquipélago de Soljenitsyn, ele descreve o próprio abandono ao perceber que seu destino e sua vida estavam inteiramente entregues à animosidade e ao total desprezo de um agente do Estado.

Instituições análogas foram ou ainda são habituais nos países comunistas.  Em Cuba se chamavam UMAPs (Unidades Militares de Ajuda à Produção), atrás de cujos arames farpados homossexuais, lésbicas, cristãos e opositores ao regime eram recolhidos para trabalho e correição. Esses campos foram pedidos a Fidel pela União dos Jovens Comunistas que não toleravam conviver com colegas não revolucionários. Que novidade! Muito piores, claro, eram os campos de concentração e de aplicação da “solução final” durante o nazismo.

Por que o título deste artigo fala em “nós e os gulags”? O que temos nós com isso? Trato, aqui, de uma analogia que me veio à mente ao pensar sobre o que acontece nos registros da história quando a sensação de superioridade moral, revolucionária, intelectual ou política leva ao desprezo da condição humana do divergente ou diferente. A escravidão veio daí e muita prisão política vem daí.

Uma universidade, por exemplo, pode se transformar num gulag onde se encarcera até a morte autores inconvenientes e se promove a extinção do pensamento divergente. Note bem: há todo um imenso “arquipélago gulag” na educação brasileira pós Paulo Freire. O identitarismo progressista, por seu turno, criou arquipélago próprio, de falsos amores e verídicos rancores.

Há inquéritos de gênese política abertos no STF cujos bolos de aniversário já contam diversas velinhas e se desdobram em outros inquéritos que já formam gulags e se assemelham a arquipélagos. Quem entra sofre uma espécie de morte cívica. Ali, no interior da cerca farpada dos sigilos, centenas de brasileiros entendem o sentimento que o russo Tchernavin descreveu.

Um pingo de sensatez não resolve mais o estresse institucional do Brasil. De tutores e mentirosos crônicos estamos fartos. Nada podemos esperar dos profissionais da isenção nem dos que transformam o diploma de seu mandato em alvará de empreendimento comercial para venda de votos, nem dos que, sendo menos lúcidos que Pirro, ainda festejam vitória. É com os outros que podemos contar para as lições e a prática da sensatez e da justiça, para as nossas liberdades e para a retificação de um estado de direito que anda bem torto. Sei que não nos faltarão em número e em inspiração. Que Deus os ilumine e guie seus passos.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.