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ANTOLOGIA POÉTICA DE VINÍCIUS DE MORAES

Vinícius de Moraes (1913 – 1980)

Poeta, compositor, diplomata, jornalista, artista, boêmio e amante desesperado e apaixonado pelas mulheres.

No final da década de 50, Vinícius de Moraes era funcionário da Embaixada Brasileira em Montevidéu, no Uruguai, e estava novamente apaixonado, dessa vez por Lucinha Proença, provavelmente o grande amor da sua vida. Vinícius, com  um ofício, pede transferência para o Rio de Janeiro, onde Lucinha vivia, fazendo uso destes argumentos: “Preciso de fato voltar ao Rio. Não é um problema material, de dinheiro, ou de status profissional. Tudo isso é recuperável. É um problema de amor, pois o tempo do amor é que é irrecuperável”.

Da transcendência espiritual ao amor sensual

Como poeta, situa-se entre o grupo de poetas religiosos que se formou no Rio de Janeiro entre os anos 30 – 40.

Quando publicou sua Antologia Poética, em 1955, Vinícius de Moraes advertiu que sua obra consistia em duas fases: “A primeira, transcendental, frequentemente mística, resultante de sua fase cristã, termina com seu poema ‘Ariana, a mulher’, editado em 1936”. Na segunda fase “estão nitidamente marcados os movimentos de aproximação do mundo material, com a difícil mas consistente repulsa ao idealismo dos primeiros anos”.

A exemplo de outros poetas de sua geração, a primeira fase da poesia de Vinícius é marcada pela preocupação religiosa, pela angústia existencial diante da condição humana e pelo desejo de superar, por meio da transcendência mística, as sensações do pecado, culpa, desconsolo que a vida terrena lhe oferecia.

Os poemas dessa fase geralmente são longos, com versos também longos, em linguagem abstrata, alegórica e declamatória

A poesia sensual e social

Cinco Elegias (1943) é a obra que marca, na poesia de Vinícius, a passagem para uma fase de maior proximidade com o mundo real e material. O poeta passa a interessar-se por temas cotidianos, pelas coisas simples da vida e explora com sensualismo os temas do amor e da mulher. A linguagem também tende à simplicidade: o verso livre passa a ser mais empregado, a comunicação torna-se mais direta e dinâmica.

Pode-se dizer que Vinícius de Moraes adere às propostas modernistas tardiamente, embora sempre fizeram parte de sua poesia certa dicção clássica e o gosto pelo soneto. Contudo, em suas mãos, o soneto ganha uma roupagem diferente, mais moderna e real, fazendo uso de vocábulos do cotidiano, pouco comuns nesse tipo de composição. Até o erotismo é recriado a partir de uma forma clássica e de uma linguagem crua e direta.

Além da poesia sensual, Vinícius também se interessou pela poesia social. O poema ‘Operário em Construção’ (1956) é o melhor exemplo dessa preocupação; por meio de linguagem simples e direta, quase didática, o poeta manifesta solidariedade às classes oprimidas e almeja atingir a consciência daqueles que o leem ou ouvem.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA PRIMEIRA FASE:

  • Poesia mística, de tom bíblico-romântico, de espiritualidade católica e visionária, daí a expressão “o sentimento do sublime”.
  • Poesia transcendental: resultante de sua fase cristã”; elevação espiritual mística (participação em grupo simbolista).
  • Poesia solene, de inspiração bíblica; religiosidade vista de maneira angustiada e duvidosa; linguagem alegórica; derramamento declamatório povoado de visões estranhas e presságios. (fruto da ligação do poeta com um grupo de poetas neo-simbolistas, religiosos e metafísicos).
  • Expressão contraditória: a experiência amorosa e a mulher amada são vistas de maneira contraditória, entre a transcendência e o apelo físico, a espiritualidade e a materialidade.
  • Dúvida existencial: sentimento de pecado; constante e angustiada interrogação da existência; expressão de sofrimento e inconstância; aproximação de opostos (antíteses e paradoxos).
  • Consciência torturada pela precariedade da existência: busca de superação pela transcendência mística.
  • Linguagem abstrata e alegórica, solene, altissonante; “versos parágrafos” que se desdobram em largos movimentos. Adjetivação farta, tendência para enumeração. Tom declamatório e teatral.
  • Imagens criadas a partir de impressões sensoriais, carregadas de intenso sensualismo sempre em contraste com o sentimento religioso.
  • Amor: elemento negativo que prende ao mundo terreno e que impede a libertação espiritual. Concepção de vida como pecado e tortura insuportável.

Veja alguns poemas:

Purificação

Eu, Senhor, pobre massa sem seiva

Eu caminhei

Nem senti a derrota tremenda

Do que era mau em mim.

A luz cresceu, cresceu interiormente

E toda me envolveu.

A ti, Senhor, gritei que estava puro

E na natureza ouvi a tua voz.

Pássaros cantaram no céu

Eu olhei para o céu e cantei e cantei.

Senti a alegria da vida

Que vivia nas flores pequenas

Senti a beleza da vida

Que morava na luz e morava no céu

E cantei e cantei.

A minha voz subirá até ti, Senhor

E tu me deste a paz

Eu te peço, Senhor

Guarda meu coração no teu coração

Que ele é puro e simples

Guarda a minha alma na tua alma

Que ela é bela, Senhor.

Guarda o meu espírito no teu espírito

Porque ele é minha luz

E porque só a ti ele exalta e ama.

Inconsoláveis

Desesperados vamos pelos caminhos desertos
Sem lágrimas nos olhos
Desesperados buscamos constelações no céu enorme
E em tudo, a escuridão.
Quem nos levará à claridade
Quem nos arrancará da visão a treva imóvel
E falará da aurora prometida?
Procuramos em vão na multidão que segue
Um olhar que encoraje nosso olhar
Mas todos procuramos olhos esperançosos
E ninguém os encontra.
Aos que vêm a nós cheios de angústia
Mostramos a chaga interior sangrando angústias
E eles lá se vão sofrendo mais.
Aos que vamos em busca de alegria
Mostramos a tristeza de nós mesmos
E eles sofrem, que eles são os infelizes
Que eles são os sem-consolo…

Quando virá o fim da noite
Para as almas que sofrem no silêncio?
Por que roubar assim a claridade
Aos pássaros da luz?
Por que fechar assim o espaço eterno
Às águias gigantescas?
Por que encadear assim à terra
Espíritos que são do imensamente alto?

Ânsia

Na treva que se fez em torno de mim

Eu vi a carne. Eu senti a carne que me afogava o peito

E me trazia à boca o beijo maldito.

Eu gritei. De horror eu gritei que a perdição me possuía a alma.

E ninguém me atendeu.

Eu me debati em ânsias impuras

A treva ficou rubra em torno de mim

E eu caí! As horas longas passaram.

O pavor da morte me possuiu.

No vazio interior ouvi gritos lúgubres

Mas a boca beijada não respondeu aos gritos.

Tudo quedou na prostração.

O movimento da treva cessou ante mim.

A carne fugiu.

Desapareceu devagar, sombria, indistinta,

Mas na boca ficou o beijo morto.

Alba

Alba, no canteiro dos lírios estão caídas as pétalas de uma rosa cor de sangue

Que tristeza esta vida, minha amiga…

Lembras-te quando vínhamos na tarde roxa e eles jaziam puros

E houve um grande amor no nosso coração pela morte distante?

Ontem, Alba, sofri porque vi subitamente a nódoa rubra entre a carne pálida ferida

Eu vinha passando tão calmo, Alba, tão longe da angústia, tão suavizado

Quando a visão daquela flor gloriosa matando a serenidade dos lírios entrou em mim

E eu senti correr em meu corpo palpitações desordenadas de luxúria.

Eu sofri, minha amiga, porque aquela rosa me trouxe a lembrança do teu sexo que eu não via

Sob a lívida pureza da tua pele aveludada e calma

Eu sofri porque de repente senti o vento e vi que estava nu e ardente

E porque era teu corpo dormindo que existia diante de meus olhos.

Como poderias me perdoar, minha amiga, se soubesses que me aproximei da flor como um perdido

E a tive desfolhada entre minhas mãos nervosas e senti escorrer de mim o sêmen da minha volúpia?

Ela está lá, Alba, sobre o canteiro dos lírios, desfeita e cor de sangue

Que destino nas coisas, minha amiga!

Lembras-te, quando eram só os lírios altos e puros?

Hoje eles continuam misteriosamente vivendo, altos e trêmulos

Mas a pureza fugiu dos lírios como o último suspiro dos moribundos

Ficaram apenas as pétalas da rosa, vivas e rubras como a tua lembrança

Ficou o vento que soprou nas minhas faces e a terra que eu segurei nas minhas mãos.

TRANSIÇÃO

  • Passagem do sublime ao cotidiano: a partir de Novos poemas, de 1938, observa-se um novo tom poético; nova linguagem, novas formas e temas; substituição paulatina da linguagem solene (pedante) por uma linguagem mais coloquial (Soneto de Intimidade).
  • Desejo de transcendência cede, aos poucos, lugar a aceitação da imanência: a angustia a insatisfação e o desespero deixarão de ser problemas místicos e metafísicos para se incorporar experiência de vida direta.
  • A mulher cresce como foco de interesse: ocupa lugar primordial ainda envolvida em misticismo; a mulher e a experiência amorosa vão, aos poucos , substituindo a crença e a religiosidade.
  • Divinização da mulher: ser superior para onde convergem as formas elevadas da existência;
  • Amor experiência limite: síntese do platonismo amoroso medieval (trovadores), do amor espiritualizado dos românticos e do “amor louco” dos surrealistas, concebido como valor supremo acima mesmo da moral e da religião.
  • Sensualismo e erotismo: dimensão integrada aos apelos espirituais (e não mais como “perdição da carne”; fusão carne e espírito: poemas sensuais, realistas com espontaneidade e fluência.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA SEGUNDA FASE:

  • A segunda fase (ou como se costuma dizer: o segundo Vinícius) tem início em Cinco Elegias, de 1943. As mudanças observadas desde 1938 intensificam-se e diversificam-se nos livros posteriores – Poemas, sonetos e baladas (1946) e Novos poemas II (1959).
  • Apelo ao cotidiano, à aparente banalidade da existência diária aproveitando os estímulos da realidade circundante, a pátria e as questões sociais
  • Linguagem eclética: incorporação da conquistas da geração de 22: linguagem coloquial e enxuta mais simples e direta; espontaneidade, jogos verbais, estilo engenhoso, poder de síntese e concisão. Mescla de tradições (sonetilhos).
  • Experimentações formais: verso livre, incorporação da linguagem modernista (“A última elegia”, os versos em forma de serpente).
  • Linguagem tradicional: verso curto, tradição medieval, sonoridade e musicalidade herdada da cantiga;
  • Exploração da sonoridade: rima, figuras de linguagem sonoras, sugestões musicais, inclusive nos títulos.
  • Neologismos: invenção de palavras; utilização de estrangeirismos; linguagem oral e maliciosa.
  • Abandono da superstição e do purismo, presentes na primeira fase; direcionamento para uma atitude mais bem humorada, descontraída e amorosa perante a poesia, daí o nome “O encontro do cotidiano pelo poeta”.
  • Passagem do metafísico para o físico, do espiritual para o sensual, do sublime para o cotidiano: o poeta retoma sugestões românticas (lua, cidade, samba).
  • Poesia Erótica: refugia-se no erotismo: há contemplação do amor, poemas “sobre a mulher” e adoração panteística da natureza.
  • Poesia Social: compôs também poemas de indignação, crítica e denúncia social, cujos exemplares são: “Balada dos mortos dos campos de concentração”, “O operário em construção” e “A rosa de Hiroshima”.

Síntese sobre a obra de Vinícius de Moraes

As suas duas fases não são totalmente distintas. Encontraremos características da segunda na primeira e desta na segunda. Elas se completam e se relacionam intimamente com grande lirismo nos versos desse poeta de todas as sutilezas possíveis, principalmente no que tange a figura da mulher em seus poemas.

Na verdade, na obra de Vinícius, a mulher é a realização e a materialização da obra divina.

Veja alguns poemas:

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vive-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar  meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão,  fim de quem ama…

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito, enquanto dure.

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

Soneto da devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo!  uma cadela
Talvez…  mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

A rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada

A pêra

Como de cera
E por acaso
Fria no vaso
A entardecer

A pêra é um pomo
Em holocausto
À vida, como
Um seio exausto

Rubras, contentes
A pobre pêra:
Quem manda ser a?

Entre bananas
Supervenientes
E maçãs lhanas

A um passarinho

Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui!

Allegro

Sente como vibra
Doidamente em nós
Um vento feroz
Estorcendo a fibra

Dos caules informes
E as plantas carnívoras
De bocas enormes
Lutam contra as víboras

E os rios soturnos
Ouve como vazam
A água corrompida

E as sombras se casam
Nos raios noturnos
Da lua perdida.

OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

Era Ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia…
Mas fosse comer o tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, Cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que a sua marmita
Era o prato do patrão
Que a sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que o seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que a sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
-“Convençam-no” do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
E o operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca da sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! -disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem pelo chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Por Professor Daniel Welber

(DanDan)


11 Respostas to “ANTOLOGIA POÉTICA DE VINÍCIUS DE MORAES”


  1. 1 dhenne
    dezembro 12, 2009 às 14:08

    obra maravilhosa sem duvida os mais lindos ‘sdoneto de fidelidade” e “operario em construção'”….

  2. 2 Diair
    abril 16, 2010 às 23:03

    Professor, preciso de uma interpretação completa da poesia “Pátria Minha”, de Vinicius de Moraes.
    Obrigada

  3. 4 ricardo
    maio 14, 2010 às 09:36

    Professor, gostaria de receber no meu e-mail a interpretação da poesia “A um passarinho”. Tenho dúvidas quanto ao verso “Nem venho de Assis”. A que Assis exatamente ele se refere? Machado de Assis, por se referir anteriormente à prosa ou Francisco de Assis, o santo que “proseava” com os animais.
    Obrigado desde já.

  4. 5 djalma péres jr
    junho 9, 2010 às 20:34

    professordaniel50, há alguns anos vi em um programa de tv Fernanda Montenegro interpretando o poema Patria Minha, mas não encontrei nenhum registro sobre este fato, ficarei muito feliz se puder receber sua interpretação do poema, abraços djalma

  5. 6 Wal
    julho 25, 2010 às 14:39

    Professor, adorei esta página e adoro Vinícius,preciso fazer um artigo sobre seu seu interesse pelas poesias infantis.Fico no aguardo.
    Obrigada!

  6. 7 lucas
    setembro 22, 2010 às 20:00

    Muito loko mano achei radical essa parada ae, é disso que o Brasil gosta

  7. 8 Felipe Fav
    novembro 3, 2010 às 16:49

    Parabens professor, muito bom artigo, com as características de cada fase separada e tudo

    muito bom

  8. 9 Ale
    novembro 16, 2010 às 21:27

    obrigado, você me ajudou, porque eu tenho uma prova sobre o livro, e apesar de ter lido uma parte (não tive tempo de ler tudo), é um pouco complexo

  9. 10 jj.teles
    dezembro 3, 2010 às 15:59

    Professor preciso da analise do poema um operario em construção, pois terei que fazer um ensaio sobre ele. É URGENTE

  10. 11 jj
    dezembro 6, 2010 às 16:03

    Preciso da analise do poema “O operário em construção” do Vinicios de Morais, pois terei que fazer um ensaio. É URGENTE.


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