terça-feira, 18 de outubro de 2011

Domínio público internacional: breve estudo.

Neste domingo, exaustivamente, procedi às minhas anotações corriqueiras sobre direito internacional público. Gastei tempo lendo textos normativos e doutrina, e, por algum motivo, quis publicar o escrito aqui.


DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL

Introdução. Denomina-se domínio público internacional os espaços físicos cuja utilização é interessante a mais de um Estado soberano ou a toda a comunidade internacional, incluídos aí o mar, os rios internacionais, o espaço aéreo, o espaço sideral e a Antártida. O polo norte não suscita grandes controvérsias, por isso, assim como a Antártida, seguindo a linha de Rezek, será tratado em breves linhas neste mesmo tópico.
Ao invés do continente antártico, o polo norte não possui terra, no mais puro sentido da palavra. Trata-se apenas de uma imensa porção d’água do mar congelada, com condições absolutamente inóspitas para o povoamento humano e desprovida de riquezas. Por essas simples razões, ninguém é dono daquela região, tampouco se interessa muito por ela fora da questão das rotas aéreas dela sobrevoadoras. Cuida-se, com efeito, de águas internacionais congeladas.
No que tange à Antártida, ninguém a domina. Em Washington D.C., no ano de 1959, celebrou-se um tratado (aberto à adesão) a regulamentar o continente, estabelecendo que seria usado apenas e tão somente para fins pacíficos, tais como pesquisa científica e preservação de recursos biológicos, proibido o estabelecimento de bases ou fortificações , as manobras militares, os testes com armas de qualquer natureza e o lançamento de resíduos radioativos.[1]

O MAR

Fontes do direito do mar. Durante séculos, a exemplo de outros ramos do DIP, o direito do mar tinha base essencialmente costumeira. Celebraram-se em Genebra, 1958, diversas convenções sobre os assuntos atinentes ao direito do mar, as quais, infelizmente, mostraram-se em descompasso com a realidade a evoluir. No ano de 1982, em Montego Bay, Jamaica, firmou-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificada pelo Brasil em dezembro de 1988, entrando em vigor em 16.11.1994, quando o quórum mínimo de sessenta Estados ratificantes se efetivou. Doravante, chamaremos esse texto apenas de Convenção de Montego Bay.

Águas interiores. Consideram-se águas interiores as situadas no interior da linha de base do mar territorial de um Estado, que é a  linha de baixa-mar ao longo da costa. Exemplificam-se como águas interiores as contidas na baía de Guanabara. Sobre essas águas o Estado exerce sua soberania de forma absoluta, não existindo, nelas, direito de passagem inocente. Para adentrar a águas interiores, tanto os navios mercantes quanto militares devem pedir autorização ao Estado que lhes detém o poder.
Não se considera águas interiores os rios, lagos e mares internos do Estado, já que esses pertencem a sua soberania naturalmente, não necessitando o direito internacional pensar sobre eles.

Mar territorial e zona contígua. Chama-se de mar territorial a porção de água contígua ao território do Estado, sobre a qual exerce sua soberania, na forma do direito internacional. Sua extensão pode ser definida pelo Estado, desde que não ultrapasse o limite de 12 milhas marítimas (22,224 Km), contados a partir das linhas de base.[2]
As ilhas, de igual forma, devem dispor de mar territorial que as circunde, a menos que se trate de baixios a descoberto.

1. Um ‘baixio a descoberto’ é uma extensão natural de terra rodeada de água, que, na baixa-mar, fica acima do nível  do  mar,  mas  que  submerge  na  preia-mar.  Quando  um  ‘baixio  a  descoberto’  se  encontre,  total  ou parcialmente, a uma distância do continente ou de uma ilha que não exceda a largura do mar territorial, a linha de baixa-mar desse baixio pode ser utilizada como linha de base para medir a largura do mar territorial.
2. Quando um ‘baixio a descoberto’ estiver, na totalidade, situado a uma distância do continente ou de uma ilha superior à largura do mar territorial, não possui mar territorial próprio.[3]

Tratando-se de ancoradouros, ainda que fora do limite do mar territorial, são considerados parte deste, nos termos do art. 12 da Convenção de Montego Bay. Os Portos, por sua vez, não contam para delimitação da linha de base do mar territorial, sendo considerados parte da costa.
Na existência de dois Estados adjacentes ou confrontantes, para fins de delimitação do mar territorial, salvo disposição deles em contrário, vigora o princípio da equidistância. Imagine-se que os Estados A e B possuam entre eles uma distância de 9 milhas náuticas (sinônimo de milhas marítimas): não pode A nem B estipular seus mares territoriais em 12 milhas, sob pena de invadir o território um do outro. Logo, dispõe-se que cada um estabeleça seu mar territorial em apenas 4,5 milhas marítimas, tornando equidistante a linha que divide os dois mares.
Zona contígua é uma zona posterior ao mar territorial, de igual largura deste e contada a partir do seu termo, na qual “o Estado costeiro pode tomar medidas de fiscalização em defesa de sue território e de suas águas, no que concerne à alfândega,  à imigração, à saúde, e ainda à disciplina regulamentar dos portos e do trânsito pelas águas territoriais”.[4]

Direito de passagem inocente. Talvez por uma antiga tradição internacional, a Convenção de Montego Bay assegura a todos os navios o direito de passagem inocente, algo que de certa forma restringe a soberania no mar territorial. De acordo com o art. 19 do citado estatuto, entende-se por passagem inocente a navegação pelo mar territorial não prejudicial à paz, à boa ordem ou a segurança do Estado Costeiro, delimitando o que pode se considerar contrário a esses requisitos. Disciplinam-se especialmente os submarinos, que, no mar territorial estrangeiro, devem navegar na superfície e com o pavilhão (bandeira) arvorado (art. 20).
É dado ao Estado costeiro regulamentar a passagem inocente, podendo elaborar normas públicas sobre as seguintes matérias (art. 21): a) segurança da navegação e regulamentação do tráfego marítimo; b) proteção das instalações e dos sistemas de auxílio à navegação e de outros serviços ou instalações; c) proteção de cabos e dutos; d) conservação dos recursos vivos do mar; e)  prevenção  de  infrações  às  leis  e  regulamentos  sobre  pesca  do Estado costeiro; f)  preservação  do  meio  ambiente  do  Estado  costeiro  e  prevenção, redução e controle da sua poluição; g) investigação científica marinha e levantamentos hidrográficos; h) prevenção das infrações às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários do Estado costeiro. Ademais, pode o Estado costeiro traçar rotas  marítimas de observância obrigatória à passagem inocente (art. 22).
Estabelece-se como ilícito ao Estado costeiro impor óbices ou dificuldades à passagem inocentes, aí incluindo a discriminação de navios, assim como impor aos navios estrangeiros obrigações que tenham na prática o efeito de negar ou dificultar o direito de passagem inocente, seja lá o que esse abertíssimo conceito do art. 24 da Convenção signifique.
Dentre os direitos do Estado costeiro, insere-se o de tomar as medidas necessárias para impedir toda passagem que não seja inocente. Também é lícito, em prol da segurança do Estado estrangeiro, suspender essa passagem em certas regiões, desde que todos sejam devidamente avisados previamente.
Quanto às taxas, não podem  ser  impostas a um  navio  estrangeiro  que  passe  pelo  mar  territorial  a  não  ser  como remuneração  de  determinados  serviços  prestados  a  esse  navio.  Estas  taxas  devem  ser  impostas  sem discriminação. Por conseguinte, é vedada a imposição de taxas a título exclusivo de pedágio, isto é, apenas pela passagem do navio (art. 26, nº 1)

Zona econômica exclusiva (ZEE). A zona econômica exclusiva é uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, podendo ser de tamanho regulado pelo Estado costeiro a quem pertence, desde que não vá além de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial. Na zona econômica exclusiva, o Estado costeiro tem (art. 56): a) direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins econômicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos; b) jurisdição no que se refere a: i) colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas; ii) investigação cientifica marinha; iii) proteção e preservação do meio marinho.
Sendo uma região não abrangida pela suprema soberania estatal, conferem-se certos direitos à comunidade internacional na ZEE, tais como os de livre navegação, sobrevoo, colocação de cabos e dutos, “bem  como  de  outros  usos  do  mar  internacionalmente  lícitos” (art. 58, nº 1).

Plataforma continental e fundos marinhos. Nos termos do art. 76 da Convenção de Montego Bay, a plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a  partir  das  quais  se  mede  a  largura  do  mar  territorial,  nos  casos  em  que  o  bordo  exterior  da  margem continental não atinja essa distância. Trata-se daquela faixa de subsolo inclinada suavemente até alcançar o grande abismo do talude continental, onde o mar ruge em profundidade.
No geral, o bordo exterior da margem continental, isto é, o limite da área dos fundos marinhos, encontra-se justamente a duzentas milhas marítimas da linha base do mar territorial. Quando isso não ocorre, a plataforma continental se estende até que alcance o bordo, desde que não ultrapasse o limite de 350 milhas náuticas.
 











Sobre a plataforma o Estado costeiro exerce seus direitos de soberania em relação à exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais. Ainda que o Estado não exerça tais direitos, a ninguém é dado explorar a plataforma continental sem a anuência do costeiro, ao contrário do que ocorre com a ZEE, onde os Estados sem plena capacidade para sua exploração devem tornar os excedentes acessível a outros Estados, mediante acordos bilaterais ou regionais.
O leito dos fundos marinhos é chamado pela Convenção de Montego Bay de área, constituindo-se em patrimônio comum da humanidade. Para administração da área, instituiu-se uma entidade chamada autoridade internacional dos fundos marinhos, integradas pelos Estados-partes do tratado, e, ademais, para sua exploração, de acordo com o deliberado pela autoridade, tem-se a empresa internacional dos fundos marinhos.

Alto mar. No alto-mar, porção de águas internacionais não pertencente à soberania de nenhum Estado, vigora o princípio da liberdade dos mares, aí incluídas as liberdades de navegação, sobrevôo, colocação de cabos e dutos submarinos, construção de ilhas artificiais e congêneres, pesca e investigação científica. Todos os Estados podem exercer essas liberdades, mesmo aqueles sem litoral, desde que seus navios, públicos ou privados, arvorem sua bandeira.
Como restrições a toda essa liberdade, impõe-se que a utilização do alto mar se dê para fins pacíficos, proibindo-se, destarte, seu uso para fins de guerra. Igualmente, é imposta a todos a colaboração para preservação dos recursos vivos do mar, mesma sorte quando à repressão do tráfico de escravos, tráfico de drogas, pirataria e das transmissões não autorizadas a partir do oceano. [5]
No que toca à disciplina da navegação em alto mar, em especial à nacionalidade dos navios, é mister, em todo navio, a presença da bandeira de uma nação, devendo haver um "vínculo substancial" navio-nação. Justifica-se pelo fato da jurisdição em alto mar ser exercida de acordo com o pavilhão de cada embarcação, vale dizer, o Estado representado pela bandeira exerce jurisdição sobre o navio correspondente.
É lícitos aos navios de guerra exercer autoridade sobre mercantes de sua mesma bandeira, mas, para que possa constranger um navio mercante (nunca de guerra) de pavilhão diverso, é necessária a existência de fundada suspeita de que esse navio mercante seja responsável por pirataria, tráfico ou transmissões clandestinas, ou, então, de que a bandeira hasteada não represente a nacionalidade verdadeira do barco.
Assegura-se ao Estado costeiro o direito de perseguição contínua (hot pursuit) , que é a prerrogativa dos navios de guerra do Estado costeiro perseguir navio mercante que tenha cometido ilícitos em seu mar territorial ou zona contígua. Para ser lícita, a hot pursuit deve ter termo inicial na soberania do Estado costeiro, não ser interrompida e não adentrar a mar territorial d'outro Estado.

Estreitos e canais. Nos estreitos, muito embora costumem pertencer sempre a um ou mais mares territoriais, a Convenção de Montego Bay (art. 38) assegura sempre o direito de passagem em trânsito a navios e aeronaves, civis ou militares, de qualquer bandeira. A diferença básica entre a passagem inocente e a em trânsito é que nesta última são favorecidas também as aeronaves no espaço aéreo do estreito, o que não é abrangido pela simples passagem inocente.
Os canais, que se diferem dos estreitos pela sua artificialidade, possuem regimes singulares, de acordo com o Estado ao qual pertencem. Os mais famosos canais do mundo moderno são os de Kiel, na Alemanha; de Suez, estremando África e Ásia e pertencendo ao Egito; de Panamá, ligando a O Atlântico ao Pacífico por meio de uma brecha na América Central. No de Kiel, assegura-se a livre navegação, percebendo a Alemanha pequenas taxas. Nos outros dois, Suez e Panamá, vigora o mesmo princípio, pagando-se (gordas) taxas a esses dois Estados.

RIOS INTERNACIONAIS

Tópico único. Diz-se internacional um rio que banha mais de um Estado soberano. Limítrofes, contíguos, ou de fronteira, são os cursos d'água que servem como linha divisória entre duas soberanias; sucessivos são aqueles cujo curso começa num Estado e passa por outro. Esses dois tipos não se excluem: pode muito bem haver um rio internacional sucessivo que, em certa área, também sirva como fronteira entre dois Estados.
O texto a regular os rios internacionais é a Convenção de Barcelona, de 1921, estatuindo os princípios de liberdade de navegação e igualdade no tratamento de terceiros. Não obstante, os Estados ribeirinhos podem decidir como administrar o rio, da maneira que lhes convenha, desde que não criem óbices à navegação.
Anote-se que a Convenção de Barcelona não é a única carta a disciplinar os rios; existem tratados bilaterais, principalmente na América do Sul, regulando a matéria.

ESPAÇO

Espaço aéreo. Sobre a coluna de ar adjacente a seu território, contando-se, inclusive, o mar territorial, exerce o Estado sobre sua soberania plena, como se ali terra fosse. Inexiste norma ou costume internacional a garantir a passagem inocente  de aeronaves por sobre o segundo céu de um Estado, sendo necessária, para a passagem de qualquer máquina voadora, a permissão do Estado via tratado ou de modo avulso, seja o avião civil ou militar. Frise-se que essa soberania só vai até o limite da atmosfera, a partir da qual cessa.
No espaço aéreo acima do alto mar, aplicam-se as mesmas liberdades que concernem a este, vez que o alto mar é a terra da liberdade.

Espaço extra-atmosférico. Além da atmosfera, no espaço cósmico ou sideral, como chamam alguns, não existe dono nem soberania. Regula-se pelo tratado sobre o espaço exterior, celebrado no âmbito da Assembleia Geral da ONU, Nova Iorque, 1967. Determinou-se que todo o espaço e os corpos celestes são de acesso livre, para fins pacíficos, insuscetíveis de apropriação ou anexação a qualquer Estado. Ademais, dispõe-se que seu uso e exploração devem ser feito em benefício coletivo, com acesso geral às informações colhidas.


[1] REZEK. Op. cit., p. 293.
[2] Os arts. 6º e 7º da Convenção de Montego Bay definem os critérios para o estabelecimento das linhas de base.
[3] Art. 13 da Convenção de Montego Bay.
[4] REZEK. Op. cit., p. 302.
[5] De acordo com o art. 101 da Convenção de Montego Bay, pirataria se define como “Todo ato ilícito de violência ou de detenção ou todo ato de depredação cometidos, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma aeronave privados, e dirigidos contra: i) um navio ou uma aeronave em alto mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos; ii) um navio ou uma aeronave, pessoas ou bens em lugar não submetido à jurisdição de algum Estado; b) todo ato de participação voluntária na utilização de um navio ou de uma aeronave, quando aquele que o pratica tenha conhecimento de fatos que dêem a esse navio ou a essa aeronave o caráter de navio ou aeronave pirata; c) toda a ação que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um dos atos enunciados nas alíneas a) ou b)”.
Por “transmissões não autorizadas”, entenda-se (art. 109): “transmissões de rádio ou televisão difundidas a partir de um navio ou instalação no alto mar e dirigidas ao público em geral com violação dos regulamentos internacionais, excluídas as transmissões de chamadas de socorro”.

Referência bibliográfica: REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002; anotações de aula.


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