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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Quelimane: os carnavais da minha memória

Por Lo-Chi



Antes de mais importa recordar, que antecedendo aos carnavais dos grandes salões ou dos ocorridos em campos gino-desportivos, toda criança tinha o seu carnaval de bairro, quer fosse o bairro Kansa, o Vila Pita, o Sinacura, o Brandão, o Moreira, o Torrone, o Sangalivera, ou mesmo o Saguar ou o Mapiesua, em que os seus putos se juntavam em grupos de malta amiga, mascaravam-se, sem grandes requintes, e deambulavam pelo bairro cantando e dançando, muitas vezes, extasiando espectadores transeuntes, de tal jeito que, acabavam dando uns trocos aos petizes de então. Podemos situar essa actividade até ao princípio da escolaridade, na altura designada de ciclo preparatório, que seria hoje o primeiro e segundo anos do ensino secundário, claro com um matulão desocupado, normalmente descolarizado, como chefe de equipa e guardião do grupo. Lá para os quinze e dezasseis anos, mais crescedinhos e com o thymos despontando em alta, não nos permitíamos esse despojamento. O assunto tomava outro rumo: era o carnaval dos adultos. Aliás, convém recordar que muitos dos adolescentes, começavam a ter autorização do controlo apertado dos pais, de sair a noite e voltar de madrugada a partir dos carnavais. E aí começava o lassar do controlo. Nesta senda, não é de admirar que muito dos pequenos e pequenas viravam meio adultos, perdendo a virgindade nesse periodo de folia e muita libertinagem.

Dos carnavais, pode-se recordar que se centravam nos clubes, e deles os mais badalados foram os da Associação Africana, os de Sporting com pouca expressão, porque estes esquecendo-se de que o carnaval é essencialmente uma festa popular, tentaram fazer um carnaval de elite que resultou num redundante fracasso. O carnaval que conseguiu êxito retumbante, quando no momento completamente popular, foi o Carnaval do Benfica, sem dúvidas.

                                              Pavilhao do Benfica

O clube, neste propósito o Benfica, organizava o Carnaval, solicitando não apenas a participação popular dos bairros da cidade, bem como das grandes empresas de renome na província, que davam o suporte financeiro e aproveitavam a deixa para publicitar o seus produtos, principalmente no chamado corso da inauguração e do enterro do carnaval, onde nas viaturas expunham os seus produtos publicitavam as suas actividades. As pessoas organizadas em grupo suportadas pelas empresas, outras por iniciativas particulares, eram os chamados grupos foliões, dos quais me recordo o da Padaria Nacional, o da Manica, o da 2M, o da Companhia da Zambézia, os do Bailinho, os Metralhas, os Chaves, os dos bairros ja referidos, etc., etc..  A princípio, o Benfica um pouco no sentido de permitir o envolvimento de todos, mas com pouca mistura, na hora do baile durante a semana de carnaval, promovia dois bailes em simultâneo, um dentro do salão de festas do clube - no local onde hoje se encontra o chamado cinema  Estudio 222 - e o baile onde a população dos bairros se divertia à brava no pavilhão gino-desportivo. Os conjuntos chamados a animar, eram, por um lado os da elite, The Blue Twiters, Os Idavoli à meio termo, e por outro, salvo omissão, Os Cometas que actuavam no gino-desportivo, aliás este passou a ser o conjunto-mor e símbolo do som carnavalesco, com o exímio viola solo Bébé Temporário e o inesquecível baterista Cassamo, que numa daquelas então crónicas falhas de energia, pôs-nos, sozinho, sambando para cima de 45 minutos, aguentando com o tranco. 
                                                    Conjunto Armindo Amaral

A animação de fora, era de tal intensidade que os de dentro não resistiam e vinham para fora. Até que num desses finais, o Carlos Beirão, que também era vocalista de um dos conjuntos de dentro, chamou a realidade dos factos aos organizadores em pelo micro-fone, advinhando que o carnaval unificado teria outra dimensão. Escutado que foi o apelo pelos organizadores, unificaram; no carnaval do ano seguinte em diante passou a acontecer exclusivamente no pavilhão. Teve um salto de qualidade e intensidade emocional inefável; a sua fama saltou as fronteiras da cidade e viajou pelo país, ganhou outra vertingem. Nos anos subsequentes as romarias de outras cidades para participação no carnaval da cidade de Quelimane, foi explosiva; passou a figurar nos assuntos da temporada, com repórteres especiais dos orgãos de informação a deslocarem para a cidade, para descrever a folia dos zambezianos, a miscegenação, não apenas de culturas cores e raças, bem como dos diversos extractos sociais num convívio particularmente interessante, fazendo dessa festa uma academia de convivência. Quem não se recorda das grandes reportagens do João de Sousa, da RM, fazendo jus a fama ganha pela festa de marca quelimanense, como também as reportagens, quer fotográficas, como escritas, da revista Tempo, altamente conceituada na altura?! E isso, sem falarmos da culinária única, que era posta nessa montra em que a cidade se transformava. Recordo-me, por exemplo, do grupo de foliões organizados vindos de Nampula, pertencentes a casa Guida, salvo erro. Bem como sambistas exímios na arte de mexer o esqueleto como o famoso Aligy, que com uma simulação pôs um guerilheiro recentemente chegado das matas, no carnaval imediatamente antes a independência, num histórico tombo com a sua Kalich nikov a tiracolo. No último dia de cada carnaval reinava a ansiedade de saber afinal quem seriam; o rei e a rainha, e qual o grupo mais folião.

Aconteceu a independência, com todas as suas mutações e matizes, mas a essência carnavalesca da cidade ficou, ainda que em estado latente. Passados os complexos próprios de um país criança, a festa de carnaval foi retomada com as devidas e necessárias adaptações, numa nova miscelânea de sons e ritimos, e passando pelos trajes.  Desde o Pio Matos até ao presente mandato do Mano Mané, o município assumiu a gestão e organização do carnaval, e é feito na rua, no jeito do sambódromo do Rio de Janeiro, numa festa eminentemente popular, onde a criatividade e habilidade dos bairros é posta a prova. Para mim o senão, está decididamente no som, que não consegue ter a potência requerida, bem como pelo facto de não cobrir todo o percurso da área de dança, com colunas estrategicamente localizadas. Outro  senão, ao que me disseram, já resolvido, isso porque este ano estive ausente, era o facto de a área dos comes e bebes estar distante da área da folia. O combustível dos foliões é a bebida e a comida. Parabéns pelo facto. Mas resolva-se o óbice som e ver-se-à a qualidade daí advinda. Explodir-se-à de novo, a outros níveis, para o gáudio de todos.




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