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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Coitadinho -- O sentido das palavras I

por Lo-Chi

Não; não tem haver com aquele programa da Rádio Moçambique. Aqui vamos procurar a lógica ou ilógica do sentido da palavra, no caso, coitadinho. Na minha juventude tinha um amigo, cuja graça era Sozinho Acompanhado, que pura e simplesmente abominava a palavra coitado. Coitadinho menos ainda. Quisesses, o chamasses de desafortunado, azarado, infeliz, aí não havia problema nenhum. E nós nunca o compreendemos. Contudo a aversão ao sufixo inho do coitadinho, a partida inimaginável, já que o seu nome tinha esse sufixo, eu compreendia, posto que ele é ambivalente na significação, já porque algumas vezes serve para manifestar carinho, afecto, bem como outras vezes serve para indicar desprezo, diminuição de qualidade. Sendo, compreendia a lógica do meu amigo, de não querer ouvir ser chamado de coitadinho, correndo o risco de estar a ser diminuido. E já que estamos com a mão na massa, vamos esmiuçar a palavra coitado que é o objecto desta nossa conversa.

Coitado, tem a sua derivação da palavra coito, que significa cópula, cujo significado é relação sexual, isso para reduzirmos a quinhenta e ficarmos todos sem dúvida nenhuma, e no mesmo patamar de entendimento. Vamos funcionar no processo com aquelas duas palavras: coito e cópula. O substantivo cópula originou o verbo, copular, acto de cópula. Logicamente que o substantivo coito tinha que, nessa linha, dar o verbo coitar, que teria que ter o mesmo significado, e do verbo na sua conjugação, lógica e paralelamente, já que o verbo copular deriva o particípio passado copulado, o coitar vai dar ao particípio passado coitado. Foi aqui onde comecei a entender o meu estimado amigo Sozinho Acompanhado. Porém, aqui estamos em termos de lógica. Como o português muitas vezes está destituido de lógica, lá fui aferir as minhas conclusões ao dicionário*; resultado: confirmadíssimo! Cópula, dá origem ao verbo copular que significa relações sexuais. Porém o substantivo coito fica sem verbo, ou melhor o verbo coitar, acaba diferentemente do copular, tendo um significado quase que antónimo da lógica, significando, proibir o ingresso numa propriedade, vedar; quando o coito necessariamente implica intrusão, acesso; e quando verbo transitivo, é-lhe arbitrado o significado de, molestar. Que raio de absurdo! Foi a minha primeira reação. Mais calmo e menos surpreso, indo a idiossincrassia dos portugueses, fiquei com a impressão que o linguista, na hora h, sofreu de um espasmo de pudor, típico, em determinados ambientes, e de repente não foi capaz de chamar as coisas pelo próprio nome, ficando influenciado por aquela prática frustrante, de que a relação sexual, traz consigo, na vez do prazer, dor; deveria estar a imaginar uma mulher sofrendo de vaginismo, ou provavelmente, as reminiscências da infância reprimida acabaram determinando. Lembram-se decerto quando crianças, das vezes em que nos diziam que tinha dentes. Porém, isso é matéria para outro fórum, dos discípulos de Freud em companhia. No entretempo, continuei na minha senda, fui encontrar como significado do termo coitado; infeliz, miserável, (pleb), aquele que foi traido pela esposa. Aí percebi melhor ainda o Sozinho Acompanhado. Mas o ter percebido ou encontrado as causas da sua aversão ao termo, não me satisfazia. Porque, segundo o dicionário, conferiu-se significado de coitadinho; marido a quem a mulher engana. No caso, não era o coitado, na origem etimológica ou se quisermos, lógica do termo, já que esse marido não participou no coito. Os coitados foram, sujeitos activos, ou sendo, a mulher e o transfuga. Onde é que ele, o marido, entra para ser coitado? Dúvida legítima. Mais ainda, o coito é uma acção recíproca, actividade de dois; mas há uma errada tendência de se conferir ao macho ou homem, a autoria do acto; quiçá por uma indução anatómica. Verdade porém, é um acto de reciprocidade: de intrusão recíproca, de prazer recíproco. A minha experiência, assim me dita. Por isso, não há um coitado, há pares que se coitaram: há coitados. Fiquemos claros; e aí dou razão ao Sozinho Acompanhado, meu prestimoso amigo. Coitado nem pensar, menos ainda coitadinho! Coitado, dizia ele, fui uma vez, quando me deram o nome de Sozinho Acompanhado!

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Nota do autor: para aqueles mais duros da cabeça, ou preferindo aquele termo da periferia social, podem introduzi-lo no lugar de coitar. Não fico zangado por isso.

* Dicionário da Língua Portuguesa por J. Almeida e Costa e A. Sampaio e Melo-Porto editora 5ª.edição


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