Uma Homenagem

Peço licença para publicar um texto diferente. Prometo que em seguida, volto para o que faço sempre…

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O que nos torna um indivíduo? Nossos corpos? Nossas atitudes? Nossos pensamentos? Quem somos nós, afinal?

Recentemente, minha avó de 91 anos faleceu. Várias pessoas tentaram me consolar afirmando que a vida é assim mesmo, ela já estava “velhinha”, foi o fim do sofrimento; comparavam perdas, citando seus entes queridos que já se foram. Foi a primeira vez que perdi alguém tão próximo, tão presente. Desde que nasci, ela estava lá cuidando de mim – e apesar do que falam das pessoas que foram criadas com os avós, acho que ela fez um bom trabalho ajudando minha mãe…

Tive medo de vê-la no velório. Mas vi. Olhava para ela, inerte, torcendo para que se movesse. Ela não se moveu. Percebi, então, que ela não estava mais lá. Mas quem era ela? Um corpo? Não, bem mais que isso, ela foi a pessoa que me ensinou muitas coisas, que esteve presente em quase todos os momentos da minha vida. Ela estudou, chorou, brincou; era filha, irmã, mãe, avó, bisavó; gostava de sorvete, gordura de carne, peito de frango; era a cama onde dormia, o perfume que usava, as orações que fazia. Um conjunto de coisas que somadas davam uma idéia do que ela representa. Não queria ter como última imagem seu corpo parado. Esquecia, porém, que uma imagem não apaga 28 anos de carinho.

Percebi, no meio da tristeza e de tantas tentativas nobres e boas, porém insuficientes para cobrir a perda (e elas sempre serão, infelizmente), que existe, pelo menos para mim, uma fala que funciona. Sempre vi as pessoas falando que se lembrarmos do ente, ele não morrerá. Achava isso uma tentativa fraca para o consolo, mais uma medida paliativa em um momento sem volta – uma atitude romântica, um clichê. No entanto, no velório, pegava-me sempre pensando nos momentos que tive ao seu lado, tanto antigos quanto recentes. Nesses momentos, sentia-me bem, normal; o problema ocorria quando parava de lembrá-los. Vinha, então, a tristeza novamente. Conclui que o fato de pensar nos momentos bons realmente me fazia esquecer que ela falecera; sentia-me inteiro, como se ela ainda estivesse comigo.

Nós não vemos as coisas, vemos a luz refletida nelas. Em comunicação, aprendemos que não existem fatos, existem representações dele. Portanto, as coisas existem através de suas representações. Se algo não é visto, sentido, percebido, ele realmente existe ou sua existência é importante?

Senti-la, lembrar dela, pensar nela, torna-a tão real quanto um filme, uma notícia de jornal, uma foto, uma imagem vista através da janela. Apesar do falecimento corpóreo, as representações da minha avó continuam existindo e, com elas, todo o carinho e amor que possuo.

Independente de seu falecimento, minha avó é tudo aquilo que eu me lembro dela. E o fato de lembrar, para mim, simplesmente a torna tão viva quanto antes.

Faço esta homenagem, pois mesmo agora, ela me ensinou mais uma coisa sobre a vida.

Obrigado, Vovó Anita, que não morreu, mas dormiu aqui e acordou no Céu.

5 Respostas to “Uma Homenagem”

  1. Sonia Says:

    Guto, cada vez mais eu me orgulho de ser sua tia; se ao ler o que vc escreveu eu me emocionei, imagine se a vovó Anita lesse isso… Ainda bem que ela não leu, senão, ela morreria pela segunda vez e, desta vez, do coração, pela emoção de ter um neto igual a você. Com certeza, onde ela estiver, ela estará lhe abençoando, guiando seus passos e fazendo o sinal da cruz em sua testa.
    Deus te abençoe

  2. André Artilheiro Says:

    Cara, po, foi mal, nem sabia.
    Perder alguém proximo, é foda.

    Não interessa o quanto o ser humano é diferente, como alguns são mais maduros, outros menos. Não interessa a idade, a história, no final, todos sofrem os mesmos “sintomas” em perder alguém.

    Foi impressionante, ler isso e, não só lembrar, mas também, sentir de novo tudo que passei quando perdi meu pai. Lembro do velório, toda hora tentando parecer forte, mas era impossível, como você,m também olhava achando que ele se mexeria, que em algum momento ele iria acordar. Infelizmente isso não aconteceu.

    É muito difícil, mas como você mesmo diz, Audi. Com o tempo, a dor perde lugar para a felicidade, para as lembranças boas, para os 28 anos de alegria.

  3. MCarmo Says:

    Querido,
    Hoje, consegui ler mais uma vez essa homenagem feita p/ vovó. Chorei de novo e acho que sempre que lê-la vou molhar a bancada de lágrimas.
    Vc é um dos meus orgulhos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    • Fernanda Says:

      Essa resposta é para a Dna MCarmo… A senhora tem que se orgulhar mesmo, criou um tesouro. Estou lendo o Simples de Lembrar há pouco tempo mas já sei que o Gustavo é especial! Parabéns.

  4. Ellem Says:

    eu tinha uma avó { todos nós temos,
    eu chorei pq ta perto do natal e mais uma vez ela n ta perto de mim.
    eu queria tanto ela aqui 😦
    eu queria tanto dizer ; te amo ;
    eu amei a homenagem eu chorei.

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