CONCEITO BOBATH NA ESPASTICIDADE DECORRENTE DA ESCLEROSE MÚLTIPLA


Introdução
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença desmielinizante caracterizada pela destruição da bainha de mielina no sistema nervoso central, promovendo alterações na condução do impulso nervoso, e conseqüentes sinais e sintomas dependendo da região atingida. O curso e o quadro clínico desta doença podem trazer para o paciente grandes dificuldades físicas e psicológicas, sobretudo quando há espasticidade.

A espasticidade é uma alteração motora caracterizada por uma hiperatividade do reflexo miotático, diretamente relacionada à velocidade de estiramento do músculo e secundária à lesão do neurônio motor superior, tendo como causa principal, um desequilíbrio na modulação dos neurônios motores alfa e gama, levando a dificuldades funcionais e complicações secundárias.

O tratamento cinesioterapêutico, através do Conceito Bobath apresenta uma visão global do ser humano e tem como objetivos inibir os movimentos patológicos e influenciar os normais, promovendo uma melhora na funcionalidade, reduzindo a espasticidade e favorecendo movimentos automáticos e voluntários pré-funcionais.

A pesquisa realizada é bibliográfica, do tipo exploratória, foi utilizada documentação indireta, e tem como método de abordagem o dedutivo.

O objetivo deste estudo é investigar, através da literatura, os benefícios proporcionados pelo Conceito Bobath aos pacientes portadores de espasticidade decorrente da EM.

Esclerose Múltipla
A EM é uma doença crônica, degenerativa, desmielinizante e sem cura, caracterizada pela perda da bainha de mielina que envolve e isola a fibra nervosa. Esta doença é a causa mais importante de incapacidades por doenças neurológicas em adultos jovens e de meia idade (NOGUEIRA; SANTOS-FILHO, 2002; SANTIAGO, 2000).

Segundo Esclerose Múltipla (2003) no Brasil a estatística desta doença é de 10 casos para cada 100.000 habitantes.

A prevalência da esclerose múltipla pode variar quanto à idade, que segundo Burleigh-Jacobs (2000) e O'Sullivan (2004) apresenta-se entre 20 e 40 anos de idade; sexo, apresentando predominância no sexo feminino, conforme O'Sullivan (2004) e Rudick (2001); raça, segundo Miller (2002) a raça branca apresenta um risco aumentado em comparação com os asiáticos e a raça negra.

Sua etiologia ainda não está totalmente esclarecida. Acredita-se que a esclerose múltipla seja causada por uma susceptibilidade genética, resposta auto-imune ou infecções virais (MILLER, 2002).

A esclerose múltipla tem como característica a formação de lesões desmielinizantes, disseminadas pela substância branca do SNC (FRANKEL, 1994).

Existem áreas com certa predileção para a ocorrência das lesões escleróticas, que são: o nervo óptico, as regiões periventriculares cerebrais, os pedúnculos cerebelares, os tractos corticoespinhais e o cordão posterior da medula espinhal (O'SULLIVAN, 2004).

O processo inflamatório agudo da doença ocorre pela infiltração de células imunológicas no parênquima do SNC (GRIGGS, 2002; RUDICK, 2001). Após este processo agudo, a lesão pode evoluir para uma remielinização pelos oligodendrócitos sobreviventes, ou progredir para a formação das cicatrizes fibrosas (gliose fibrosa) nas regiões onde há perda de mielina (VARGAS; MORAIS; BAUER, 2002).

Os sinais e sintomas do portador de EM são bastante variáveis de acordo com seu caráter, intensidade e duração. Essa variação ocorre de um paciente para outro dependendo da área do SNC onde aconteceu a desmielinização. Os sinais e sintomas apresentados pelo portador de EM podem ser: disfagia, redução da resistência cardiorrespiratória, comprometimento da marcha e sexuais, problemas cognitivos e comportamentais (O'SULLIVAN, 2004).

Também podem ocorrer complicações ópticas, parestesias, ataxia, vertigem, dismetria, fadiga, fraqueza muscular, alterações vesicais, perturbações mentais e emocionais, e a espasticidade muscular, que traz para o paciente grandes dificuldades, principalmente na marcha e na realização das atividades de vida diária (GRIGGS, 2002).

De acordo com Frankel (1994) e Santiago (2000), o curso clássico da EM é o de exacerbação e remissão, onde há um início súbito dos sintomas durante as exacerbações e um desaparecimento parcial ou completo dos mesmos nas remissões. Callegaro (1991) acrescenta que este tipo de curso ocorre em cerca de 85% dos portadores de EM.

A expectativa de vida para esses pacientes é em torno dos 35 anos, a partir do início dos sintomas, e os fatores que contribuem para a morte dos pacientes são: a sépsis, o decúbito prolongado no leito, a pneumonia e o suicídio (RUDICK, 2001).

Espasticidade
O comprometimento dos tractos piramidais ou do córtex motor na EM apresenta sinais e sintomas da síndrome do neurônio motor superior, como: espasticidade, paresias, reflexos exagerados, espasmos flexores e extensores involuntários, clônus e sinal de Babinsk. A fraqueza muscular vai desde leves paresias, até paralisias totais de membros que se inicia, ou é mais evidente, nos inferiores. A espasticidade, que é comum, ocorre em 90% dos casos de EM (O'SULLIVAN, 2004).

A espasticidade é uma alteração motora caracterizada por uma hiperatividade do reflexo miotático, diretamente relacionada à velocidade de estiramento do músculo (SUREIRA NETO; SINELLI; MOTA, 2003). O estiramento súbito de um músculo periférico dá origem a uma contração reflexa desse músculo, caracterizando assim, o reflexo de estiramento ou miotático (ESPASTICIDADE, 2003).

A espasticidade pode ser leve ou grave, e geralmente, atinge os membros inferiores comparando-se com os superiores (O'SULLIVAN, 2004). Este sinal ocorre devido a um desequilíbrio entre os motoneurônios alfa e motoneurônios gama presentes nos cornos anteriores da medula espinhal. Esses neurônios motores inervam as fibras musculares esqueléticas, o alfa é responsável pela contração muscular, e o gama participa do controle da contração muscular. Na espasticidade a lesão das vias supra-espinhais inibitórias promove um aumento na atividade dos neurônios motores gama. Com isso, o músculo fica mais sensível ao estiramento e há uma potencialização pré-sináptica dos motoneurônios alfa. Outro fator relacionado com a espasticidade é uma alteração na inibição recíproca realizada pelos neurônios internunciais (que fazem conexões uns com os outros e diretamente com os neurônios motores anteriores) inibitórios, havendo uma co-contração agonista-antagonista, aumentando a dificuldade dos movimentos (ESPASTICIDADE, 2003).

Em certos pacientes há uma distribuição irregular do tônus muscular. Pacientes com EM geralmente têm certos grupos musculares que apresentam uma maior tendência a desenvolver a espasticidade, além disso, deve-se lembrar que freqüentemente quando um grupo muscular apresenta espasticidade, seus antagonistas estão com tônus reduzido. Esse desequilíbrio muscular contribui para a formação de contraturas e deformidades (DESOUZA; BATES; MORAN, 2000).

Atuação da fisioterapia
De Souza, Bates e Moran, (2000) afirmam que a fisioterapia, no caso da EM, não atua diretamente sobre o processo patológico, e sim no nível das limitações e incapacidades apresentadas por cada paciente.

Segundo Chaves (2003) uma avaliação global e minunciosa do paciente com EM é importante para o direcionamento da conduta fisioterapêutica adequada em cada caso, e também para acompanhar a evolução do paciente.

Os pontos para a avaliação de paciente com EM são: alterações no tônus muscular; cognição; comportamento afetivo; sensibilidade; visão; dor; nervos cranianos; amplitude de movimento; postura; fadiga; motricidade; marcha e equilíbrio; capacidade aeróbica; alterações cutâneas; funcionalidade; e qualidade de vida (O'SULLIVAN, 2004).

Vargas, Morais e Bauer (2002) afirmam que as metas e o tratamento fisioterapêutico para cada paciente devem ser direcionados a partir de suas capacidades e necessidades no momento, levando em consideração os limites do paciente.

A atuação da fisioterapia pode estar presente na fase de exacerbação, com o objetivo de manter o paciente em repouso e dar orientações, e durante o período remissivo com os objetivos de manter as ADM's e a independência pelo maior tempo possível e prevenir a atrofia muscular e outras complicações secundárias (Santiago, 2000; Xhardez, 2001).

Ao tratar a espasticidade o fisioterapeuta deve considerar o grau dos reflexos, da hipertonicidade e dos movimentos anormais presentes no paciente. O posicionamento adequado no leito e na cadeira de rodas, a fim de normalizar a postura e o tônus muscular, também deve ser realizado (FRANKEL, 1994).

Conceito Bobath
O Conceito Bobath apresenta uma visão holística do ser humano. Surgiu na década de 40 com fisioterapeuta Berta Bobath e o neuropediatra Karel Bobath, e apresenta como objetivos inibir os movimentos patológicos e influenciar os normais, reduzindo a espasticidade e favorecendo movimentos automáticos e voluntários pré-funcionais. Sendo assim, o Bobath excita as reações de estiramento promovendo um melhor controle de cabeça, tronco e reações de equilíbrio, onde o paciente é movido ou mantido em uma posição por pontos precisos (pontos-chave) obtendo-se reações desejadas. O tratamento com o Bobath dá ao paciente a possibilidade de ganhar experiência sensório motora normal dos movimentos basais, e tem como base as reações estático cinéticas, que são as de endireitamento, e as reações de equilíbrio e reação de proteção, que produzem adaptações posturais a um certo movimento (ROSA FILHO, 2004; ALVES; ALVES; BARONI, 2004).

A abordagem do Conceito Bobath surgiu como tratamento de crianças com paralisia cerebral, baseando-se no desenvolvimento motor normal, onde este seria um processo seqüencial e progressivo (BOWER, 1993 apud PLANT, 2000).

O Conceito Bobath apresenta como princípios a obtenção de um padrão muscular mais normal possível, a utilização de posturas de inibição reflexa, impedir a instalação de padrões anormais de movimento, fornecer o máximo de informações proprioceptivas e esteroceptivas, realizar um atendimento individual e tratar o paciente de forma global (ROSA FILHO, 2004).

Alves, Alves e Baroni (2004, p. 1) relatam que, "no método Bobath, o paciente aprende a sensação do movimento, e não o movimento em si."

O Bobath consiste em movimentos passivos e ativos, onde apenas estes oferecem sensações para que o paciente aprenda os movimentos voluntários. Dentre as indicações para o método estão: melhorar o controle postural e a simetria corporal, alongar músculos, dar maior propriocepção articular, adequar o tônus muscular, estimular reações de proteção e de equilíbrio, realizar a dissociações de cinturas e aprimorar a deambulação (ALVES; ALVES; BARONI, 2004).

Bobath (1970 apud DAVIES, 1996) afirma que o SNC é um órgão de reação e não de ação, ou seja, ele responde a partir dos estímulos internos e externos ao corpo que lhe são oferecidos. Uma ação é escolhida a partir de circuitos já existentes e que são aprendidos e controlados no interior do cérebro.

As células do SNC podem tanto excitar quanto inibir uma determinada atividade, facilitando atividades úteis e impedindo movimentos indesejados. O processo de aprendizagem e a prática na reabilitação terão resultados a partir da estimulação, inibição ou facilitação. Sendo assim, a plasticidade do SNC e a eficácia no tratamento de reabilitação serão maiores quanto maior for a capacidade de aprendizagem do indivíduo (DAVIES, 1996).

Os circuitos de controle do SNC que permitem realizar determinadas atividades são facilitados por repetições, e armazenadas. Como o SNC percebe mais do que produz, o ser humano depende da repetição de estimulações sensitivas, mas se houver dificuldades nessa percepção podem ocorrer dificuldades em situações de comunicação e desenvolvimento adicionais. Quando um movimento é repetido, ocorre uma redução na resistência sináptica onde passam os potenciais elétricos necessários para a realização do mesmo. Sendo assim, o movimento é facilitado e as fibras nervosas que não foram solicitadas para esse determinado movimento são inibidas, ocorrendo um armazenamento da função que estará disponível para um processo automático ou voluntário posterior. Como o paciente com lesão cerebral apresenta uma interrupção nos circuitos de controle da reserva de hábitos e experiência, o tratamento dos mesmos deve estar direcionado para desbloquear os circuitos que ainda não foram atingidos pela doença através de atividades que o paciente já realizava antes da lesão facilitando a lembrança do movimento (DAVIES, 1996).

O tratamento com o Bobath varia de acordo com a condição em que o paciente se encontra, flácido ou espástico. Para ajudar o paciente a realizar o movimento normal o fisioterapeuta mantém um contato manual através dos pontos chaves, que geralmente encontram-se próximos a união dos esqueletos apendicular e axial, a fim de facilitar o estímulo aferente normal e o tônus postural, tendo como conseqüência os padrões de movimentos normais (PLANT, 2000).
Alguns equipamentos podem ser utilizados no tratamento dos pacientes através do Bobath como a bola suíça, rolo, andador e espelho. A escolha desses irá depender do quadro apresentado por cada paciente (ALVES; ALVES; BARONI, 2004).

As posturas inibitórias do Conceito Bobath podem ser usadas para a redução do tônus muscular em portadores de EM que apresentam espasticidade (O'SULLIVAN, 2004). Os exercícios de facilitação, como dissociação de cinturas e trabalhos de endireitamento com a bola de suíça, podem ser úteis no tratamento das paresias e nas alterações cerebelares para melhorar o equilíbrio dos pacientes (XHARDEZ, 2001).

A redução do tônus muscular em pacientes com espasticidade deve sempre ser realizado com muito cuidado, apresentando uma finalidade clara e um benefício funcional que possa ser atingido, pois um tônus muscular alto às vezes é útil para manter a posição ortostática, nas transferências ou na marcha. Já para outros pacientes, a espasticidade é prejudicial para sua motricidade e aumenta o esforço necessário para a realização das atividades. Neste caso, a diminuição do tônus muscular pode ser feita (DESOUZA, 1990 apud DESOUZA; BATES; MORAN, 2000).

Alguns exemplos de exercícios do Conceito Bobath são:
- Paciente em decúbito dorsal, colocar as pernas sobre uma bola de suíça. O fisioterapeuta estabiliza os MMII e realiza movimentos rotacionais de forma lenta.
Considerações finais
Observou-se que a utilização do Conceito Bobath pode ser indicada como um recurso para o controle da espasticidade, contribuindo para a melhora dos portadores de esclerose múltipla, pois mantêm as habilidades existentes e retardam complicações secundárias por um maior tempo. Enfatiza-se ainda, que há a necessidade de associação deste recurso com outras modalidades fisioterapêuticas para incremento dos resultados finais almejados.

AUTORES:FABÍOLA MARIANA ROLIM DE LIMA; ANDRÉIA QUEIROGA LIMA PELUSO; FLÁVIO BERNARDO VIRGÍNIO

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