Verbo de ligação


carta a josé miranda
07/11/2011, 19:16
Filed under: Carta

Desculpa, José Miranda.

Eu não soube te reconhecer.

Eras tão bom, que eu não soube te receber. Eu não tinha sido treinada para ser feliz. Não sabia o que fazer com o carinho, com a gentileza que sempre tinhas reservados pra mim.

Éramos amigos desde pequenos. E, adolescente, me olhavas apaixonado. Eu te achava bonito e gostava de ti, da tua companhia.

Mas era tão nova e tão tola! Alimentava-me de mentiras. A felicidade não podia ser tão descomplicada assim, tão acessível – justo com meu amigo? Precisava de muito mais carga dramática. Precisava ser cinematográfica, trágica, talvez. Precisava de pirotecnia.

Por isso, eu não entendia a tua simplicidade. Não podia avaliar o que significava a tua falta de motivos para se mascarar. Tua espontaneidade em ser o que era e mostrar o que sentia. Entendi isso como insipidez, sinal de fraqueza ou de falta de inteligência. E passei a te desprezar.

Pra mim, força era algo agressivo, invasivo, escandaloso. Algo brusco.

Assim, desejei ser amada pelos estridentes; esses, sim, pareciam-me merecedores da minha atenção. Por eles, fiz das tripas coração.

Jogos de competição, insultos e rejeição: refiz esse espinhoso caminho inúmeras vezes, ao longo de décadas. Nele apostei todas as minhas fichas. Feri e fui ferida. Naturalmente, felicidade não encontrei. E um dia, dei-me conta de que estava estraçalhada. Pois no coração dos vaidosos não há lugar para ninguém. Nem para si próprios.

E, quando me questionei se a vida não poderia ser de outro jeito, curioso: uma noite sonhei contigo.  Olhando pra ti, chorei de  tristeza, compreendendo claramente o valor do que me ofereceste.

Meu Deus, era ouro! E eu desprezei. Eu te deixei ir. Magoei teu coração puro com minha futilidade. E te perdi no mar da minha ignorância, na névoa do passado.

No dia do arrependimento, percebi o quanto precisava da tua bondade, da tua aceitação, do teu amor sincero. Ah, foi alto, meu amigo, o preço que paguei para começar a descobrir o que vem a ser “poder”. Uma qualidade de muito mais permitir do que querer.

Mas não me culpo. Pois que outro destino tem o portador da ilusão – todos os humanos – senão se desiludir? Apenas lamento.

Sozinha, choro de madrugada, de saudades da tua ternura, da tua brandura, da tua calma em me amar.

Já vai longe nossa infância doce, nos nossos quintais. Tu já deves ser avô, ou quase. – Deus permita que nunca tenhas te tornado amargo.

E, enfim, manifesta-se em mim o amor que sempre esteve comigo, mas não pôde florescer, por falta de água, de fé. Agora posso declarar: eu te amo, José.

Eu te sou grata pelo amor que um dia fizeste a caridade de dirigir a mim. É meu tesouro, e o guardo com carinho.

E se um dia eu te encontrar de novo, meu querido, nesse teu corpo ou em outra feição, com teu nome ou algum diferente, prometo: não te deixo escapar.

Um grande abraço da tua

Lúcia.

Onides Bonaccorsi Queiroz


2 Comentários so far
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Simplesmente….lindo!

Comentário por Marco

Perfeito, Onides. Quantas Lúcias existem, nesse mundo de Deus, que não são capazes de reconhecer a tempo o valor que os Josés têm. Lindo demais.

Comentário por Isis Veras




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