quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)

                                                
                                                    

                                                      11º capítulo


            Havia um rancho de campo num fundão de corredor onde volta e meia o andarilho estava de cruzada; ali morava um casal de campesinos e seus filhos. O homem era um domador à moda antiga, a mulher, uma dessas donas gaúchas que vivem pra o marido e pros filhos, sempre na volta de uma hortinha, uma criação de galinhas, enfim...
O andarilho percebeu que vez por outra,  as crianças que brincavam tranqüilas na volta do rancho saiam num “trotezito” miúdo no rumo inverso da estrada, como quem vai se esconder meio as pressas e pra não deixar isso claro tenta disfarçar. Certamente que isso acontecia quando as crianças lhe enxergavam.
            Lá, certa feita, o andarilho cismado com o que acontecia, resolveu chegar como quem não quer nada e sondar aquele movimento. Bateu palmas em frente á cancela... de pronto a dona do rancho saiu para atendê-lo:
          -“Buenas tardes” senhora! Disse o andarilho.
          -“Buenas tardes”! Lhe respondeu a mulher.
          Assim, feito quem não quer nada, indagou a ela, que desconfiada respondeu sobre onde estaria seu esposo.
           -Foi buscar uma potrada aqui na estância dos fundos, mas já deve estar chegando. Disse ela.
           -“Bueno”... mil gracias. Respondeu o andarilho.
           Foi quando a dona lhe perguntou se queria deixar recado, fazendo que não sabia que aquele era um andarilho; mas, de vereda, ouviu da boca dele que não, que iria esperar ali mesmo, pelo corredor, para falar com o domador. Sentou-se em meio ao macegal que tomava por conta um barranco beirando a estrada, e ficou tranqüilo “no más” esperando. As crianças já não voltaram a brincar ali pela frente, retoçavam no terreiro, entre o rancho e um “galpãozito” de madeira.
             Lá pelas cansadas se ouviu ainda longe o badalar de um cincerro que aos poucos foi se aproximando somado ao bater de cascos dos potros que vinham por diante, acolherados; eram os potros da tal estância dos fundos que o domador tinha ido buscar. A mulher, acostumada ao movimento de seu esposo, saiu a passos largos para abrir a porteira grande , e depois rumou pra o corredor onde volta e meia fazia um fiador
atacando os potros para que entrassem na direção da mangueira. “Bueno”...cruzou de a cavalo pro lado do galpão, e boleou a perna sem nem notar que o andarilho estava sentado no meio do macegal; foi quando a mulher se aproximou do domador que tirava os arreios do lombo de um bragado tronqueira, e acomodava sobre um cavalete no oitão do “galpãozito”, e lhe disse que havia um andarilho esperando na beira do corredor, pois havia chegado em frente ao rancho e perguntado por ele; como não estava, resolveu sentar lá pelos barrancos e esperá-lo, sem pedir absolutamente nada.
           Mesmo antes de sacar os potros da “acolhéra”, o domador descalçou as botas, arremangou as bombachas e saiu pisando firme lá pra frente.
           -O que poderia estar querendo, além de um pouso?! Pensou o domador.
            Muito bem, ao avistar o andarilho que veio em sua direção, num “saludo” recíproco se deu uma prosa simples e objetiva. O andarilho por vaqueano pediu um canto pra descansar e seguir viagem no outro dia; pouso concebido.
        Ali, na simplicidade daquele rancho, reluzia a nobreza espiritual de pessoas simples, que fazem dos princípios morais da sua gente um motivo para tratar sem nenhuma indiferença o seu igual. Pegou a cair a tarde. O domador e a dona do rancho sentaram na sombra de um paraíso bem copado que sombreava o oitão e chamaram o andarilho pra perto, mandando que se abancasse para matear também. Sem demora ele veio de onde estava, e as crianças a essas alturas lhe espiavam pelas frestas do galpão, entre sussurros e cochichos.
        O domador puxou conversa, e o assunto não poderia ser outro, senão saber de onde vinha o andarilho, e sobre andanças, domas e gauchadas. Foi aí que ele, por vaqueano, ganhou a chance de descobrir o porquê do medo das crianças ao lhe avistarem.Lembrou dos tempos de moço quando ainda atacava um pouco nos galopes de potros quando haviam revisadas pra carreiras e provas de redomão;foi um homem firme nos arreios.
         Entre um mate e outro, a prosa foi se estendendo até que o domador lhe pegou de ajudante por uns três, quatro dias, até que a potrada estivesse sujeita, afinal, toda ajuda sempre é bem vinda. Caiu a noite, a janta foi servida, chegava a hora do descanso para se refazer do dia que cruzara, e preparar-se para o dia seguinte. As crianças já tinham ido dormir, “cedito”.
         No outro dia, bem cedo (tempranito), o andarilho nem bem botou os ossos de ponta (levantou-se), e já fez fogo, um mate “bueno”, e repontou os potros pra mangueira, depois, veio o domador pra tomar uns mates e empessar o dia, ainda de “madrugadita”; já tomando o mate do estribo o domador pediu ao andarilho que desse uma engraxada num maneador de couro de touro, e n’outras cordas de doma que estavam penduradas no “galpãozito” de madeira, enquanto ele ia tirando leite, apojando a vaca mansa; rumaram, cada um pra fazer a parte que lhe tocava.
         Entretido com o engraxar de cordas, o andarilho de repente ouviu um “bom dia seu, o senhor sabe onde “tá” meu pai”?!  Num tom de voz que mesclava inocência e insegurança; virou-se devagarzinho e respondeu:
         -“Buenos dias”, vi sim; ele “tá” tirando leite; já deve estar chegando”.Disse o andarilho.
          Puxou assunto com o menino que foi se amansando aos poucos, e já não demonstrava mais desconfiança. “Bueno”... passaram os dias, chegava a hora de pegar a estrada novamente, e pra felicidade do andarilho que fez um costado pro domador por uns três ou quatro dias, ele ouviu o menino dizer para os outros que aquele homem que cruzava na estrada volta e meia, não era o “véio” do saco coisa nenhuma, e não pegava as crianças como os mais velhos diziam, pois conversou com ele e notou que aquele era um ser humano como qualquer outro, e que estava por ali pedindo nada mais, nada menos que um canto pra descansar, e ofertando em troca uma ajuda ao seu pai.
          Num “saludo”, o andarilho despediu-se, e seguiu com léguas por diante desejando que DEUS abençoasse a todos.
           

Um comentário:

  1. zeca que lindo esses causos , só que tem campo nas veias pode narrar um fato desses, tão verdadeiro em nossa campanha, e tão esquecido muitas vezes, parabens de muito FUNDAMENTO,um abraço da nossa SANTANA

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