Arlequim entrou na Caverna com sua Lamparina na mão para encontrar o Velho Zeitgeist. Nessas tantas cirandas da vida, nosso Arlequim havia adoecido, fraquinho pelas picadas do mundo, quase tinha morrido, coisas da juventude e de unir um exército de anti-corpos para proteger seu veículo, mas que havia lhe abatido um cadinho, suficiente para lhe causar um medinho de morte, perder toda aquela chance de vivenciar tudo isso, daí, seu Anjo o guiou até o Velho Zeitgeist que vivia na Pedra do Sapo, naquela Caverna do Alto da Montanha, para onde quem tinha Medo da Morte sempre ia para se isolar e lá foi nosso Andarilho...
Lá chegando, percebeu que a Caverna era uma espécie de bunker, abrigo anti-nuclear, herança da Guerra Fria, onde havia de tudo um pouco, menos cheiro de vida, um Lar Protegido, mas distorcido, onde um velhinho vivia com seu Cachimbo de Faz de Conta sendo aquecido por uma Fogueira de imagem refletida numa TV de tubo, preto-e-branco.
Arlequim o saudou e falou, com aquele misto de quem precisa falar algo para parecer agradável socialmente:
- Sua casa é muito aconchegante - mas ele mentia, o cheiro de mofo era forte, e o velho acumulava tanta coisa em sua estante: pilhas de conhecimento nunca compartilhado, livros nunca emprestados, música nunca curtida com outras pessoas, filmes em vídeo e CD que o velho nunca tinha assistido com alguém que não ele mesmo.
* Você está mentindo - disse o velho - diga a verdade se quiser o meu carimbo.
* Carimbo? - perguntou nosso Palhaço Abatido
* Sim, para continuar a sua viagem, você precisa do meu carimbo te dando permissão.
Arlequim quis dizer que não precisava da permissão de ninguém para continuar sua trilha, mas em seu passaporte, havia um lugar, onde ele viu escrito "Carimbo/Visto do Zeitgeist". Como mesmo abatido, ele queria seguir viagem, se sentou numa poltrona cheia de poeira, Ácaro e cheiro de tudo aquilo que havia passado e nunca havia sido experimentado.
- Você está Medo de Morte?
- Não sei se é isso, mas tenho receio de prosseguir essa jornada e me machucar, me frustrar com o que sonho, ter meu coração partido por quem não me ama.
- Ahhh... disse o Velho... Mas você terá seu coração partido, terá sonhos frustrados, vai adoecer, vai sofrer e vai se dar muito mal nessa vida...
- Foi o que pensei...
- Mas quem disse que também o contrário não pode ocorrer, as mesmas chances de algo dar errado são as mesmas chances de algo dar certo. Você também será amado, terá sonhos realizados, vai viver em saúde plena e vai rir de alegria. Sua jornada na dimensão dual tem um, tem dois, tem branco, tem preto, e se você for esperto, também terá o 3, que é você no MEIO.
Arlequim não aceitou aquilo muito bem, todo aquele discurso era o tipo de fala de quem ensina tudo e não aprendeu nada, “faça o que digo, não faça o que eu faço” estilo e já que o velho queria que ele dissesse a verdade, o nosso Palhaço disse:
- Não me leve a mal, mas não acredito nesse discurso. Tenho dores inimagináveis, pensamentos que me açoitam, frustrações e desilusões suficiente para saber que o mundo é cruel e temos que sobreviver, e não brincar de viver apenas – ao dizer aquilo, nem o Arlequim acreditou no que falava, não parecia ser ele, parecia que eram as suas dores que falavam por ele.
- *RESPEITO!* – Gritou o velho enfurecido. Eu não fui até você, você veio a mim e já que veio até aqui, APRENDA! Tem professor que ensina bem o que nunca aprendeu e tem professor que ensina melhor aquilo que viveu. Qual professor você quer ser? Eu só ensino o que posso ensinar, e se você não quiser terminar os seus dias numa caverna com todo esse conforto de quem foge da vida, assuma: você não está com Medo da Morte, você tem MEDO DA VIDA!
- Eu...
- MEDO DE VIVER nos afasta das pessoas, do mundo, das experiências, de tudo – disse o velho – Muito fácil é se isolar numa caverna como eu fiz, juntar tudo aquilo que lhe dá segurança, regurgitar o seu saber acumulado se achando a pessoa mais sábia do mundo, difícil é dar colo, cultivar os frutos para compartilhar com o mundo, esse é o cultivo, essa é a Cultura do Servir a todos, ao povo, ao popular, entendendo a linguagem do mundo e contribuindo com as suas espadas para que seu conjunto de ideias se una com a tradição do mundo e sirva como tapete voador para quem precisa ter os pés no chão, pois se não fizer isso, não vai “sobreviver”. Não caia nas *Armadilhas da Matéria*, e não use a vehice, a doença, as duas dores, a falta de dinheiro, o seu suor e seu cansaço como desculpa - Quem tem o privilégio de ter acesso a espiritualidade e ao conhecimento, tem o dever de ser cultura para o mundo, mas tudo é uma escolha. Guarde tudo para si e termine sendo culto para as paredes; compartilhe e seu CULTIVO alimentará quem tem fome de conhecimento e saciará a sede de quem tem sede de sabedoria. Sabedoria é...
- Saber Doar!!!
- *Matnis!*
- Desculpe! O senhor está certo, não quis ...
- Ofender?
- Sim!
- Me ofendeu, mas estou o velho o suficiente e não sou mais afetado por ofensas, palavras desencontradas impermeadas de sentimentos mal resolvidos em copas imaturas. Estou vacinado contra essas picadas, você também será vacinado, desde que não se submeta as regras, rótulos, crenças limitantes e dogmas do mundo. Tudo é dual tanto para o bem quanto para o mal. Portanto, me dê o seu passaporte.
Arlequim entregou ao velho o documento, e recebeu dele, um carimbo com um símbolo. O velho então devolveu o passaporte ao nosso Palhaço, mas antes falou:
- Observe a Linguagem do Mundo, aprenda a Falar como o mundo fala, a escutar como o mundo ouve, Sinta o sentimento do mundo e espalhe as suas ideias de uma maneira que todos possam Sentir esse algo mais profundo e sagrado que você trás em seu sorriso, mas sempre sendo um palhaço do meio, nesse equilíbrio sutil entre as duas bandas. Vai viver, menino, vai brincar de viver... e isso é muito sério!
Arlequim pegou seu passaporte e sentiu o Zeitgeist. E quando estava saindo da caverna, viu a sua própria foto na parede...
*MATNIS*
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