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O Natal para as crianças que vivem em abrigos

Para a maior parte das pessoas, o Natal é a época de reunir a família, trocar presentes, fazer uma ceia farta e, principalmente, celebrar os sentimentos bons. A data é ainda mais interessante e atrativa para as crianças, que esperam ansiosamente pelo Papai Noel carregado de presentes. Porém, muitas delas não têm a sorte de poder passar um dia tão importante com familiares, tampouco de ganhar presentes.

São as crianças que vivem em instituições à espera de uma família ou, quem sabe, de um amigo que vá ao menos lhes dizer uma palavra positiva e lhes dar um pouco de esperança de uma vida melhor. É aí que entram em cena os padrinhos e madrinhas que nesta época do ano normalmente levam seus apadrinhados para casa ou para viajar.

Para essas crianças, a possibilidade de passar o Natal em família sequer traz expectativa de bons momentos. “Eu até poderia passar o Natal com o meu pai, mas não vou porque ele sai para usar drogas na rua e me deixa sozinho”, diz W.G.S, de 12 anos. A mãe dele morreu. O menino vive na Chácara Meninos de Quatro Pinheiros, que abriga crianças em situação de risco, no município de Mandirituba.

Ele conta que tem um casal de padrinhos que prometeu levá-lo para passear no feriado. Para o menino, nada melhor poderia acontecer. “Eles servem como pai e mãe”, comemora. R.O., também de 12 anos, terá a mesma sorte: pela primeira vez vai passar o Natal com a madrinha. Os pais morreram por conta das drogas e, por isso, ele vive na chácara. O garoto conta que nunca ganhou um presente de Natal e passar o feriado com uma “família” diferente está sendo uma novidade bastante positiva. “Ela deixa eu jogar videogame com o filho dela e me dá um montão de presentes”, comemora.

Enquanto algumas crianças estão felizes com a idéia de ter alguém para lhes dar atenção nesta época de confraternização, outras que vivem em abrigos nem sabem como vai ser o Natal. A.M.R., de 15 anos, passou quatro anos morando nas ruas e usando drogas. Hoje ele vive na Meninos de Quatro Pinheiros e não tem nem idéia de como será seu feriado, já que o padrinho quase não visita o local. “Eu passei quatro natais na rua. Era divertido, eu roubava um monte. Mas hoje eu gostaria de passar o Natal com meu padrinho”, revela. Já G.H.S., de 12 anos, vai ficar na instituição hoje. Faz quatro anos que ele vive lá.

O menino também tem padrinhos e conta que já viajou para a praia com eles. Mas o que ele acha melhor não são os presentes ou a viagem. “Eles substituem minha mãe, que não pode cuidar de mim porque é doente. Mas o que eu mais gosto são os conselhos que eles me dão. Eu até gostaria de passar o Natal com a minha família, mas não onde ela mora hoje. Lá é muito perigoso, dá tiroteio”, teme.

A mãe de G.H.S., a diarista Maria Inês Correia, até vai visitá-lo com autorização da Justiça, pois já perdeu a tutela do filho. Mas seu Natal talvez será o mais triste de todos. “Passo o Natal sozinha todos os anos”, lamenta. Ela tem outros filhos e todos vivem em abrigos. A coordenadora da Associação Cristã de Assistência Social (Acridas), Regina Mendes – a associação mantém cerca de 90 crianças abrigadas -, tem uma afilhada e diz que percebe o quanto a criança se apegou a ela, já que vê na madrinha a possibilidade de um futuro depois dos 18 anos, quando não puder mais ficar na instituição. “São crianças que não têm muitas chances de adoção, pois a maioria dos casais prefere bebês”, diz.

Vínculo presente o ano inteiro

Os padrinhos não devem entrar em ação apenas no final do ano. O conceito do apadrinhamento é o carinho, o companheirismo e o apoio durante o ano todo. Afinal, as crianças vêem no novo amigo um “porto seguro”, uma esperança no futuro. Esse é o conselho da psicóloga Ana Maria Caval,cante, que trabalha no Projeto Recriar -Família e Adoção. “Os padrinhos não devem lembrar delas só nas datas festivas. O apadrinhamento deve ocorrer o ano todo, com a proposta de um vínculo afetivo lento, mas permanente”, ressalta. Já a doutora em Serviço Social e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Solange Fernandes, vê com ressalvas o apadrinhamento. “Se olharmos pela ótica do sentimento de pertença que a criança necessita desenvolver para poder se relacionar de maneira mais segura com o mundo que a cerca, essa atitude é um desastre total, pois não oferece a segurança que ela precisa”, avalia. Porém, as experiências também podem ser positivas. “Alguns apadrinhamentos podem resultar em adoções bem-sucedidas, pois funcionam como uma espécie de estágio de convivência entre adotante e adotado”, ressalva.

Para a professora, as instituições fazem de tudo para que as crianças tenham uma boa vivência, mas o melhor seria que elas passassem o Natal por lá mesmo. “Se o padrinho quer realmente fazer algo diferente, que passe a noite de Natal no abrigo. Assim não se cria expectativas e o padrinho ainda será sensibilizado com a realidade vivida pelas crianças”, aconselha. (MA)

Apadrinhar pode gerar laços permanentes

Quando o assunto é apadrinhamento, os especialistas se dividem. Afirmam que algumas crianças se sentem bem em ter um amigo ou uma família para se apegar, enquanto outras ficam muito tristes em voltar para as instituições após passarem alguns dias com os padrinhos. Porém, de um modo geral, os próprios padrinhos, psicólogos, assistentes sociais e coordenadores de abrigos acreditam que
a experiência é bastante positiva, tanto para padrinhos como para apadrinhados.

A Associação Cristã de Assistência Social (Acridas) também possui o programa de apadrinhamento. No total, o local abriga cerca de 90 crianças no sistema de casas-lares – quando há uma mãe social que cuida delas -, mas apenas 15 têm padrinhos. Para a coordenadora do abrigo, Regina Mendes, o apadrinhamento tem vantagens e desvantagens. “Eu temo que as crianças criem expectativas, apesar dos padrinhos serem bem preparados. Mas o lado bom é que as crianças gostam muito, todas querem ser apadrinhadas”, conta.

Na Chácara Meninos de Quatro Pinheiros há cerca de 50 crianças apadrinhadas. O coordenador do local, Fernando Góis, diz que o importante não é que os padrinhos entreguem presentes caros no Natal. “Nós queremos a presença deles aqui, pois os meninos precisam.
O apadrinhamento é um suporte para eles. Abrigamos crianças que, se não fossem os padrinhos, estariam mortas”, revela. Segundo ele, é visível a mudança de comportamento das crianças apadrinhadas. “A auto-estima e até os resultados na escola melhoram”, afirma Góis.

A presidente do Projeto Recriar -Família e Adoção, Eliana Salcedo, vê com bons olhos o apadrinhamento. O projeto atua na oferta de cursos para “candidatos” a padrinhos. “Em alguns casos, o apadrinhamento é uma porta de entrada para uma futura adoção. Sem falar que os padrinhos criam um vínculo afetivo com essas crianças que as deixam mais seguras. Elas voltam renovadas para o abrigo”, garante.

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