O que se vê nas fontes de Ibirá, uma pequena cidade no interior
paulista, era hábito na vida dos gregos e dos romanos, antes
mesmo do nascimento de Cristo. O uso de águas termais para curar
os males do corpo faz parte dos registros da história do homem.
Nestes nossos tempos, todos os dias, as cenas se
repetem em Ibirá. A cidade recebe multidões. Muita gente vem de
longe e viaja horas de carro até chegar às fontes de águas
minerais. As pessoas levam garrafas, garrafões, e carregam o
quanto podem das fontes de Ibirá.
“Eu venho buscar essa água, porque dizem que é
muito bom para o estômago e que faz muito bem para a gente”,
comenta um rapaz.
“A água é diurética, é boa para o colesterol, para
diabetes. E é relaxante também nos banhos de imersão”, diz uma
senhora.
Durante os três dias em que o Globo Repórter ficou
em Ibirá, todas as pessoas que a equipe de reportagem encontrou
diziam que a água dessa pequena cidade no interior paulista tem
poderes milagrosos.
“Eu lavo o rosto com essa água, porque ela é boa
para a pele, para tudo”, aposta uma senhora.
Os primeiros foram os índios. Depois, chegaram os
tropeiros. Mais de 200 anos já se passaram, e o segredo continua
se espalhando. As águas de Ibirá, no interior de São Paulo,
guardam um mistério. Deixam a pele mais bela, aumentam o vigor
físico. Para muitos frequentadores, na cidade existe um santo
remédio.
“Essa água é um milagre. Muitas pessoas têm até
esperança de curar até certos tumores”, conta um rapaz.
Com nascentes privilegiadas, as águas de Ibirá
estão na segunda maior reserva de água doce do mundo: o Aquífero
Guarani, uma riqueza brasileira. Ao todo, 70% de toda a sua água
estão no Brasil, presentes no subsolo de oito estados. É uma
reserva que tem capacidade de fornecer água potável ao mundo por
200 anos. Mas, na pequena Ibirá, o valor destas fontes vai além.
Beber vários copos de água fresca muitas vezes ao
dia ou se banhar a uma temperatura de 36ºC ou 37ºC é a receita
infalível de muita gente, inclusive da dona de casa Marilene
Tomé Martins. Fazer o tratamento ficou mais fácil para ela que é
moradora de Ibirá. Toda a água que usa para cozinhar vem das
fontes naturais.
“Ao tomar, a água não tem gosto de nada. Só na
fonte mesmo é que tem gosto forte. ela também cheira a ovo”,
comenta a dona de casa.
O cheiro não é mesmo dos melhores, por causa do
sulfato. Mas Marilene insiste e continua o tratamento. Há 20
anos, ela sofre de psoríase, uma irritação na pele que pode se
espalhar por todo o corpo e virar feridas.
Há oito anos, a dona de casa vive em Ibirá.
“Quando eu vim para cá, eu não podia nem sentar. Se sentasse,
não levantava, eu me sentia mal, por causa das feridas da
psoríase, nos pés, nas mãos, na orelha, em parte do corpo e da
cabeça”, conta.
Marilene também toma medicamentos para reumatismo
e diabetes. “Acho que é o conjunto dos remédios que tomo com a
água que faz efeito. É uma melhora de 80%”, aposta.
São fontes que jorram saúde ou crença? O Globo
Repórter pesquisou as substâncias que formam a água. Bicarbonato
e sulfato ou enxofre podem fazer bem à saúde, mas quem faz a
fama no caso das fontes de Ibirá é o vanádio, descoberto por
acaso em 1801, na França.
Um fabricante de cosméticos usou a água da cidade
de Vichy para fazer compressas em ferimentos e se curou
depressa. Então, ele passou a usar a água da fonte nos cremes
que fabricava. Vinte anos mais tarde, outro francês batizou a
substância de vanádio, em homenagem à Vanadis, deusa da beleza
na Escandinávia.
A ciência não reconhece o efeito do vanádio no
tratamento de doenças, mas o professor João Roberto Antônio, da
Faculdade Medicina São José do Rio Preto (SP), que é da
Sociedade Brasileira de Dermatologia, acredita nos poderes do
vanádio.
“Os banhos de imersão levam a um ressecamento da
pele e a uma posterior descamação”, destaca o professor.
Ele fez uma pesquisa com 50 pacientes, 28 deles
com psoríase. Durante 21 dias, eles beberam e se banharam com a
água de Ibirá. “Associado a isso, essas pessoas ficaram longe do
seu ambiente de estresse”, ressalta João Roberto Antônio.
O professor alerta que os tratamento com águas
termais podem auxiliar no combate a certas doenças, mas não
substituem os remédios.
“As doenças que nós encaminhamos para cá têm mais
controle do que promessas de cura, como no caso da psoríase, por
exemplo. Mas as águas ajudam demais”, reconhece o professor João
Roberto Antônio, da Faculdade Medicina São José do Rio Preto
(SP).
As águas estão ajudando Marina, de 5 anos. Só há
menos de dois anos, a família soube do diagnóstico de psoríase,
por motivo de fundo emocional.
“Quando ele me entregou a receita, ele mandou que
ela tomasse banho nas termas de Ibirá”, conta Marlene Bernardi,
tia da menina.
A tia é rigorosa: cada banho dura 40 minutos e são
pelo menos três imersões por semana.
“Antes, coçava muito. Conforme ela coçava,
sangrava e passava para outros lugares, porque é uma doença que
não transmite, só pra ela mesma”, diz Marlene. “Na semana em que
ela toma banho com essas águas, parece que ela não tem mais
nada”, revela Marlene Bernardi.
“O Brasil é um país riquíssimo em águas
medicamentosas”, afirma Marcos Untura Filho, da Comissão Federal
de Recursos Hídricos.
O doutor Marcos Untura Filho estuda as águas
termais há 27 anos. Reumatologista, ele já cuidou de muitos
doentes que melhoraram com o tratamento. Hoje, ele faz parte da
comissão federal que cuida dos recursos hídricos.
“Nós estamos atrasados praticamente 40 anos em
pesquisa”, ressalta Marcos Untura Filho, da Comissão Federal de
Recursos Hídricos.
“Nós temos um tesouro que não é usado. Nós temos
ouro em água que não é usado”, diz a médica Maria Celina de
Mattos, do SUS.
Desde maio de 2006, uma portaria do Ministério da
Saúde autoriza os tratamentos termais na medicina complementar.
Mas, sem pesquisas que comprovem a eficácia das águas termais,
os médicos nem sempre receitam o tratamento para os pacientes.
“Não há como receitar, porque não existe gente
qualificada para isso. Somos poucos”, Marcos Untura Filho, da
Comissão Federal de Recursos Hídricos.
“O primeiro dia em que eu vim eu saí daqui ótima”,
conta a aposentada Maria Dora dos Santos.
Maria Dora dos Santos sofre de artrose e artrite
faz muito tempo. As dores fortes nas articulações já estavam
insuportáveis. Mas, depois do primeiro banho, ela se sentiu
melhor e agora está encantada com o resultado.
“Há uma disposição maior, uma leveza, uma
disposição para andar e o raciocínio. Tudo muda. É muito bom”,
diz a aposentada. “Quando estou na banheira, penso em quem criou
essa água, no Criador”.