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ALM CREVE

UM RETRATO DAS GENTES DE CARÇÃO

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Ficha técnica

Propriedade:
Associação Cultural dos Almocreves de Carção
Capa:
Casa de Trabalho Dr. Oliveira Salazar
Impressão e paginação:
Casa de Trabalho Dr. Oliveira Salazar
Dep. Legal:
183993/02
Tiragem:
1000 exemplares
Ano:
Agosto de 2009
Contactos para informações e colaboração:
966197194/966510938
Associação Cultural dos Almocreves de Carção
Bairro S.to Estêvão, Rua A, n.º14
5230-124 Carção - Vimioso
E-mails:
geral@almocreve.pt
paulolopes78@hotmail.com
paulolopes@almocreve.pt
leonel@almocreve.pt
Site:
www.almocreve.pt Índice
Editorial...................................................................................... 2
Mensagem do Presidente da C.M. Vimioso ............................................. 5
Mensagem do Presidente da J.F. Carção . .............................................. 7
Fado; Ser Carçonense ..................................................................... 8
Saudade; Gentes ........................................................................... 9
Carção, no reverso do meu mundo; Mês de Agosto.................................... 10
Carção, minha musa inspiradora . ....................................................... 11
Voltar às Origens; Desta casa vou sair… ................................................ 12
Pai Nosso pequenino; Oração da Manhã de Natal ..................................... 13
Ode ao Futebol.............................................................................. 14
Tânia Afonso – Campeã Nacional de Kicboxing......................................... 15
Rota Almocreve ............................................................................. 16
As Gavetas da Memória – Doutor Manuel M. Lopes . .................................. 19
Doutor Sidónio .............................................................................. 21
A saga de um carçonense pelo mundo afora ........................................... 22
Uma Maria da Fonte Carçonense ........................................................ 25
Carção, anos 60 – Epopeia duma noite sem luar ...................................... 27
Breve cronologia sobre a Casa do Povo de Carção .................................... 33
Azulejos na Fachada – devoção, saudosismo ou afirmação de outra realidade? . 35
Carção – Identidade e Memória .......................................................... 38
Carção – Preservação de uma arquitectura anímica .................................. 41
Encomendar as Nossas Almas ............................................................. 47
Origem da palavra “Marrano” ............................................................ 53
Um interessante documento sobre Fábrica de Cola em Carção .................... 57
Casas típicas do concelho de Vimioso dos séculos XIX e XX ......................... 59
Jorge Lopes Henriques, de Carção e alguns familiares processados pela
Inquisição . .................................................................................. 65
Cartoon “Museu em Carção” ............................................................. 74


Caros leitores!
Escrever o editorial de mais um número da António J. Andrade/M.ª Fernanda Guimarães
revista é particularmente gratificante! e “Carção, um pedacinho do Reino Maravilho-
Após oito anos de muita determinação so” da autoria de Sofia Jerónimo. Aos autores
no sentido de se criar um meio informativo destas duas obras deixamos o nosso agradeci-
abrangente na nossa povoação, a revista Al- mento pelo excelente contributo para o enri-
mocreve é já uma realidade consolidada. quecimento histórico e cultural de Carção.
Claro que projectos como este têm os seus Ainda este ano, a nossa Associação adqui-
custos e dificuldades. Os meios financeiros são riu um domínio para o novo SITE da Almocreve
limitados e as condições técnicas e humanas (www.almocreve.pt) para desta forma divul-
representam entraves difíceis de superar. Tais gar a nossa povoação e manter actualizados
limitações regem o ritmo e a escala do nosso todos aqueles que, por razões diversas, se en-
trabalho, que não é tão célere ou tão exten- contram longe da terra que os viu nascer.
so como desejaríamos. No entanto a imensa Outro dos projectos que ambicionávamos e
generosidade das pessoas enquanto colabo- que finalmente concretizamos, foi a aquisição
radores, patrocinadores, leitores, receptores de uma casa, sita na Praça David dos Santos,
e transmissores de palavras, rapidamente se com o objectivo de a recuperar e transformar
tornam em redes de comunicação tremen- num espaço onde funcionará o Museu e a sede
damente eficazes. A participação de todos da nossa associação.
permite ultrapassar muitas das dificuldades, Para o ano de 2009, a Almocreve pretende
fazendo com que este projecto prospere e dar continuidade à organização da Feira de Ar-
evolua. tesanato (será a III) e apoiará a apresentação
Ao longo destes anos, a revista Almocreve do livro “Carção, Sonho e Alma” da autoria de
tem-nos apresentado muitos dados históricos António P. Jerónimo.
e culturais que provavelmente de outra for- Para que a publicação da sétima edição
ma jamais poderíamos conhecer e preservar. da revista Almocreve e a realização de outros
Por outro lado, vai testemunhando as nossas eventos por nós organizados fossem possíveis,
vivências presentes, tornando-se um instru- foram necessárias diversas contribuições de
mento precioso para os nossos vindouros, já muitas pessoas amigas, a quem deixamos um
que imortaliza muito do actual património profundo agradecimento.
cultural da nossa região. Assim, e em primeiro lugar, agradecemos a
Outra das vertentes que este projecto tem todos aqueles que nos enviaram os seus arti-
conseguido realizar é a divulgação histórico- gos, deixando-nos mais um contributo para a
cultural local um pouco por todo o país assim recolha e preservação da nossa história, nome-
como também no estrangeiro. adamente a ADCMC, Adriano C. Filho, António
O almocreve é uma figura típica da nossa J. Andrade, António P. Jerónimo, António R.
aldeia conhecida em toda a região do nordes- Mourinho, David L. Levisky, M.ª Fernanda Gui-
te transmontano. Até o grande Camilo Castelo marães, Fernando Pereira, Francisco C. An-
Branco a ele se refere num dos seus mais im- drade, Inácio Steinhardt, José Cavaleiro, Luís
portantes romance “Amor de Perdição”. Hoje Cardoso, Luís Vale, Manuel Cardoso, Manuel
em dia, a revista Almocreve, embora numa C. Andrade, Pedro Jerónimo, Sara Afonso, Se-
outra dimensão, continua a divulgar o nome rafim João, Sofia Jerónimo e Teresa Minga.
de Carção. Estendemos ainda o nosso agradecimento a
Esta edição apresenta vários artigos de todos os patrocinadores, nomeadamente pro-
grande qualidade, demonstrando a grande prietários de estabelecimentos comerciais,
importância de Carção no passado e presente cujas generosas contribuições foram essen-
no panorama cultural da região. ciais para superar os custos desta edição.
Além da revista, a associação Almocreve Gostaríamos de manifestar também o nos-
tem promovido e desenvolvido outros eventos so reconhecimento à Junta de Freguesia de
de forma a dinamizar um pouco mais a povo- Carção pela assistência na elaboração de mais
ação. O ano de 2008 foi a prova disso mesmo, esta edição.
com a organização da II Feira de Artesanato e Do mesmo modo, exprimimos a nossa gra-
a publicação e apresentação dos livros “Car- tidão à Câmara Municipal de Vimioso que mais
ção, a Capital do Marranismo” da autoria de uma vez contribuiu valorosamente na publi-


cação de mais um número da
revista, assim como noutros
projectos que temos vindo a
realizar.
Agradecemos também ao
Sr. António Santos. Além de
amigo, conselheiro e entusias-
ta da cultura do nosso povo, é
a ele que recorremos em mo-
mentos de maior dificuldade.
O seu apoio, não só financeiro
mas sobretudo moral, transmi-
te-nos confiança e é veículo de
grande incentivo e inspiração.
Do mesmo modo, deixamos
o nosso reconhecimento ao Sr.
Érico Vaz. Não podemos igno-
rar todo o incentivo que nos
tem disponibilizado para po-
dermos realizar todos os nos-
sos sonhos.
O maior agradecimento vai
para si, amigo leitor. Ao ad-
quirir este exemplar, temos
consciência mais uma vez que
o principal objectivo foi con-
seguido em pleno, comunican-
do e deixando-lhe mais uma
mensagem de grande orgulho
e estima pela cultura da nossa
povoação.
Agora só falta o amigo lei-
tor comunicar connosco, par-
ticipando assim activamente
na edição de 2010.
Por último, deixamos um
pedido de desculpas a todas as
pessoas que nos enviaram arti-
gos que não foram publicados.
Não foi a qualidade textual
que esteve em causa, mas a
falta de espaço nesta edição.
Inserir mais artigos tornar-se-
ia financeiramente insuportá-
vel para a Associação. No en-
tanto, fica já a promessa que
os mesmos serão publicados
na próxima edição.
Um abraço amigo,
Paulo Lopes
(Presidente da Associação
Almocreve)


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Mensagem do Presidente
da Câmara Municipal de Vimioso

A pedido da Associação Almocreve, a quem agradeço o simpático convite, dirijo-me a todos


os munícipes, em geral, e aos carçonenses, em particular, sem esquecer todos aqueles que, não
podendo estar connosco, trazem a sua terra e o seu concelho no coração e os defendem orgu-
lhosamente.
Saúdo, de forma especial, os responsáveis pela Associação Almocreve que, para lá de todo um
conjunto de iniciativas, têm mantido a edição desta Revista que se assume, cada vez mais, como
uma referência cultural, pela qual esperamos, ano após ano, e com a qual já nos identificamos.
Permitam-me uma palavra acerca do trabalho autárquico.
Apesar da crise em que vivemos e que nos afecta, principalmente porque somos um município
pequeno, tudo temos feito para minorar e até superar os efeitos da mesma.
Não obstante todos os atrasos na abertura de candidaturas ao novo Quadro Comunitário
(QREN), temos estado muito atentos, o que nos tem permitido apresentar várias candidaturas,
todas elas aprovadas, e que nos possibilitam dar continuidade aos investimentos que geram di-
nâmica e qualidade de vida ao concelho.
O Parque Ambiental, a Zona Industrial, as termas, aliados a outros investimentos já realiza-
dos, permitirão, com toda a certeza, criar postos de trabalho.
Mas o trabalho autárquico não pode ser feito sem o contributo e colaboração das freguesias.
A freguesia de Carção, em geral, e o seu Presidente da Junta, em particular, não se têm poupado
a esforços, no sentido de fazer de Carção uma freguesia de referência.
Hoje, todos se orgulham da recuperação da Casa do Povo, as rotundas foram embelezadas de
forma original, o Lar de Idosos foi ampliado, as associações têm sido apoiadas, as pessoas conti-
nuam a ser atendidas com toda a atenção e respeito num clima muito saudável de colaboração
e entreajuda.
A Associação Almocreve e os seus colaboradores, juntamente com outras associações de Carção,
têm sabido defender e promover a sua terra, enobrecendo a valentia e a coragem dos seus antepas-
sados que elevaram e levaram o nome desta terra a todos os locais onde esteja um carçonense.
É com estas iniciativas que nós nos fortalecemos e que nos animamos a continuar, procurando
sempre fazer mais e melhor.
Uma palavra a todos quanto passam férias ou visitam o concelho e também Carção. Deixo os
votos de muita confraternização, de boas férias num ambiente de serenidade e amizade, engran-
decendo as festividades em honra de Nossa Senhora das Graças.

Um abraço amigo,


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Mensagem do Presidente da Junta
de Freguesia de Carção

Mais uma vez agradeço a oportunidade que a Revista Almocreve me dá para me dirigir a to-
dos os Carçonenses neste ano de 2009, ultimo ano do meu mandato de quatro anos à frente dos
destinos da Freguesia de Carção.
Ciente do meu dever cumprido não queria deixar de vos transmitir um agradecimento muito
especial a todos que contribuíram para que Carção seja uma terra acolhedora e digna do seu
nome e do seu espírito bairrista e aventureiro.
Deixarei aqui também um agradecimento ao muito que foi feito ao longo destes quatro
anos, que de uma forma abnegada sempre se procurou fazer tudo que estava ao nosso alcance
sem olhar a esforços ou a interesses.
Muito mais se poderia ter feito, mas como deveis compreender os últimos anos não foram
fáceis, com a crise que também nos visitou. No entanto até ao final do mandato ou seja ate finais
de Outubro ainda iremos colocar em marcha mais dois ou três projectos que entendemos que são
fundamentais para a revitalização dos centros históricos de Carção.
Neste sétimo número da Revista Almocreve recheada de artigos de uma riqueza impar, queria
também elogiar a Associação Almocreve e a Casa do Povo, pelo empenho em tudo o que tem feito.
Uma palavra especial aos autores dos livros “ Carção, Sonho e Alma” e “ Vida e Obra do P.e
Amândio Lopes” aos quais a Junta de Freguesia, se quis associar e patrocinar, porque entende
que a cultura e a preservação da memória da gente ilustre de Carção deve ser perpetuada, como
foi o caso do saudoso Pe. Amândio.
O trabalho que se tem vindo a desenvolver na preservação do nosso património e ao mesmo
tempo no embelezamento das entradas na freguesia, tem sido um dos emblemas da Junta de
Freguesia de Carção na gestão e governo da mesma, sempre servindo como forma de criar con-
dições de visita a esta freguesia por parte dos seus conterrâneos e não só.
Esta mensagem a todos os leitores e a todos os Carçonenses, nada mais significa do que
transmitir-vos singelamente o apreço que sinto por todos. No entanto sempre realçaria aqueles
que com o seu esforço e dedicação, tem levado Carção mais longe, contribuindo assim com for-
ma de divulgação das nossas potencialidades turística, pelos diversos meios e formas.
A terminar deixaria uma mensagem especial a todos os nossos emigrantes que se encontram
entre nós durante as suas férias, desejando-lhe uma boa estadia na sua terra natal e umas boas
Festividades em honra da Nossa Sr.ª das Graças.
SEMPRE AO VOSSO DISPOR.
UM ABRAÇO DE AMIZADE.
O Presidente da Junta de Freguesia
Marcolino Rodrigues Fernandes


Fado Ser carçonense
Aqui ao leme É alma!
Sou mais eu, É paixão!
Sou um povo que quer o que é teu!’ É orgulho!
Um povo de saudade Fazer parte de uma terra
Um povo de destino Que é mundo.
Um povo de tradições e raízes É honroso
Um povo de choro. Fazer parte de tanta historia,
Fado. De tantas lutas
Gentes de sonhos e conquistas Da tanta vida…
Gentes de fé e amor Ser carçonense
Gentes de guerra e paz. Não se explica
Bandeira de sangue derramado na esperança de Sente-se.
uma nova vida.
Homens de bravura e coragem, Sara Afonso
Mulheres de punho e de história.
Vidas antigas,
Antepassados inesquecíveis.
Futuro incerto,
Mar e terra perdidos na imensidão deste mundo.
Vidas novas,
Esperança
Esperança!
Portugal,
Honra e orgulho.
Meu Portugal!

Sara Afonso


Saudade Gentes
Só estando longe Gentes comuns,
É que se percebe como tu és importante. Gentes trabalhadoras
Só estando longe Gentes que sofrem e amam,
É que sentimos a falta: Nesta terra
Da tua paisagem Por esta terra
Do teu cheiro Com esta terra.
Da tua história. Carção!
Só estando longe Lutam,
É que aperta o coração Choram,
Só de ver um compatriota, Gritam…
Só de ouvir o teu nome: E deixam história
Carção! E fazem história,
A história de Carção:
Sara Afonso Terra de agricultores
Terra de doutores
Terra de orgulho e fé.

Sara Afonso


Carção, no reverso Mês de Agosto
do meu mundo
Já não sei calar a saudade
Conhecia todos os caminhos, Que me arrebata o coração no mês de Agosto!...
Todos os carreiros da aldeia. Se a ti não for, vem o desgosto
Conhecia os perigos escondidos Regar-me as raízes do corpo
Provenientes da alcateia E mandar-me ir até ti...
Dos lobos famintos, da solidão
Dos montes, da imensidão E, assim sei que não morri,
Do horizonte tão vasto... Sei que as saudades do meu coração,
E tão pequeno. São raízes plantadas em ti
Meu porto seguro.... minha casa Carção.
Conhecia o tempo feliz
Da inocência..., António Prada Jerónimo
E a clemência
Da insólita relutância em partir....
Conhecia o frio nordestino
Do vento gélido da noite
E as mãos de sangue, do açoite
Das madrugadas sem destino.

Conhecia todo aquele mundo,


Que do mundo estava esquecido.
Só não conhecia, no fundo,
Este outro mundo...
...Onde hoje ando perdido.

António Prada Jerónimo

10
Carção: Minha musa
inspiradora
Nos campos mutilados
Da minha terra de esperança,
Reencontrei os ecos
Dos pensamentos partilhados
Com as minhas feridas de criança
E a paixão dos tempos loucos...

Na poeira que o vento levanta


Dos caminhos, agora desertos,
Reencontrei o Coração perdido
E a ternura que se suplanta
Nos olhos, ainda despertos,
Deste meu corpo entardecido....

Nos campos abandonados,


Nos caminhos desertos
Da minha terra de esperança,
Brotarão meus sonhos abandonados
e, pelo vento serão dispersos,
Por esta terra de cândida confiança...

E, à paisagem, costurada
P`la memória da minha infância,
Retorna, breve, o meu destino.
Traz-me a paz, nunca antes encontrada
E a dor sentida pela distância,
Encontra em ti o seu declínio...

Oh! terra minha abençoada!...


Como sinto o teu brilho e o teu odor
E como sei que na distância
Foste sempre a minha terra amada!...
Quando te abandonei, foi por
ignorância,
Ou por julgar que um outro amor
Me encheria, como tu o Coração,
Minha musa inspiradora CARÇÂO!

António Prada Jerónimo

11
Voltar às Origens Desta casa vou sair
Ao voltar à festa de Carção Desta casa vou sair
Vinte e cinco anos passados Para a minha vida governar
Senti saudade no coração Tantos anjos me acompanhem
Revivi momentos atrasados. Como areias tem o mar.
Deus à frente, eu atrás
À noite, na procissão, Deus me livre das astúcias de Satanás
Adorei ver varandas e janelas Em honra de Deus e da Virgem Maria,
Dando luz ao nosso coração um Pai Nosso e uma Avé Maria.
Com tantas dezenas de velas.
Teresa Minga
Na procissão do dia percorri
As ruas de antigamente
Em algumas eu vi
Casas bem diferentes.

Mas em todas elas reconheci


Algo que me é familiar
Talvez uma casa, uma varanda
Ou mesmo alguém a acenar…

Gostei de ver várias alterações


Outras bastante remodeladas
Enchem os nossos corações
Ver as coisas bem tratadas.

A casa do Povo bem conservada


Nos anos sessenta lá se reunia
Um grupo de “estudantada”
Pois outro sítio, para nós, não havia.

Foi lá que, em Agosto de 1965


Se fez a primeira encenação
Representada por esse grupo
De estudantes de Carção.

Quando em Agosto lá entrei


Recordei esses bons momentos
Gostaria mais uma vez
De juntar lá “todos” os elementos.

Teresa Minga

12
Pai Nosso pequenino... Oração
da Manhã de Natal
Pai Nosso pequenino
Pelo monte vai rugindo Bons dias vos dou Senhora,
Com as chaves do Paraíso Por ver o tempo cumprido,
Quem lhas deu, quem lhas daria A maior glória que tendes
Santa Maria Madalena É ver Jesus nascido
Canta o galo e vem a luz Jesus nasceu esta noite
E o Menino com a Cruz Na cidade de Belém
Pra sempre Ámen Jesus Não deixou de tomar
Em honra de Deus e da Virgem Maria, O nome de Nazaré (Nazareno)
Um Pai Nosso e uma Avé Maria. Tomou o nome e a pátria
Conforme a humanidade
Teresa Minga Vosso prémio Rei da Glória
Da parte da divindade.
Pois vós ó Virgem Maria
Que tristeza não sentistes
Da jornada que fizestes
Quando para Belém partistes.
Eram as onze da noite
Não encontraste pousada
A muitas portas bateste
Ninguém vos respondia
“Alvisaram” Convosco
Uma grande tirania
A noite estava tão fria
Que tudo se congelava
A alma se partia
E o coração se arrancava
Saíste fora de portas
Ali fizestes morada
Mandastes fazer lume
Com “fusil” a S. José
Ele o fez com brevidade
Como Vosso esposo é
Baixou um anjo do céu
Cantando Avé Maria
Glória que nasceu Jesus, Amén.

Teresa Minga

13
Ode ao futebol

Rectângulo verde, meio de sombra Todos à uma, todos ao um.


meio de sol. Ao árbitro roubam o apito.
Vinte e dois em cuecas jogando futebol. Entra a guarda, entra a polícia.
Correndo, saltando, ziguezagueando ao Os cavalos a correr, os senhores a
som dum apito. esconder.
Um homem magrito, também em Uma cabeça aqui, um pé acolá.
cuecas. Ancas, coxas, pernas, pé,.
E mais dois carecas com uma bandeira. Cabeças no chão, cabeças de cavalo,.
De cá para lá, de lá para cá. Cavalos sem cabeça, com os pés no ar.
Bola ao centro, bola fora.. Fez-se em montão multidão..
Fora o árbitro!. E uma dama excitada, que era casada.
E a multidão, lá do peão. Com um marinheiro distraído,.
Gritava, berrava, gesticulava. No meio da bancada que estava à
E a bola coitada, rolava no verde. cunha,.
Rolava no pé, de cabeça em cabeça. Tirou-lhe um olho, com a própria unha!.
A bola não perde, um minuto sequer. À unha, à unha!.
Zumbindo no ar como um besoiro,. Ânimos ao alto!.
Toda redonda, toda bonita. E no fim, perdeu-se o campeonato!”
Vestida de coiro..
O árbitro corre, o árbitro apita. Rec. José Cavaleiro
O público grita. (Poema de Tóssan)
Gooooolllllooooo!.
Bola nas redes.
Laranjadas, pirolitos,.
Asneiras, palavrões.
Damas frenéticas, gordas esqueléticas.
esganiçadas aos gritos..

14
Tânia Afonso - Campeã Nacional de Kicboxing
Tânia Afonso, natural de Carção, iniciou a
prática do kicboxing em meados de 2007 na
Associação de Desportos de Combate de Ma-
cedo de Cavaleiros (ADCMC). Foi pela sua hu-
mildade, dedicação e talento que se firmou
no kickboxing a nível nacional. Neste momen-
to tem a graduação de cinto verde.
Tal como ela, a ADCMC tem vários atletas
que também se sagraram campeões regio-
nais e nacionais. Se acederem ao site (www.
adcmc.co.cc) podem verificar várias notícias,
eventos e vídeos da atleta e poderão acompa-
nhar futuramente o trajecto de Tânia Afonso,
que tem muito para dar ao kickboxing nacio-
nal e à nossa região.
Abaixo enumeramos os títulos e participa-
ções de Tânia desde o início da sua carreira
desportiva, tendo participado no escalão jú-
nior em menos de 60kg.

- 19/01/2008 - Vice-Campeã Regional


Norte de Light-Contact em Barcelos
- 17 e 18/05/2008 - Vice-Campeã Nacio- Os Campeonatos Nacionais onde participou
nal de Light-Contact em Parede (Cascais) contaram com mais de 650 atletas distribuí-
- 17/01/2009 - Campeã Regional Norte de dos pelas várias categorias de pesos e idades.
Light-Contact em Famalicão
- 07/03/2009 - Vencedora do Ladies Open Neste momento a ADCMC tem planos para
em Light-kick em Parede (Cascais) leccionar noutras localidades e conta com os
- 30 e 31/05/2009 - Campeã Nacional de atletas mais graduados e obviamente com a Tâ-
Light-contact em Lagos nia Afonso para poder auxiliar os mais novos.
Esta atleta é um dos símbolos da ADCMC a
A presente época (2008/2009) foi perfeita par de Clicia Queiroz (tetra campeã nacional)
para ela, uma vez que somou apenas vitórias e Franclim Fernandes (campeão nacional).
em todas as competições em que participou. ADCMC

15
homens desde tenra idade até que as pernas
lhes permitissem.
Durante anos, estes Almocreves percorre-
ram quilómetros intermináveis com suas mulas
carregadas, a salvação de muitas famílias.
Pouco a pouco, com a chegada das estradas
e dos veículos a motor, esta profissão passou a
ter cada vez menos peso na sociedade local,
acabando por desaparecer nos anos 80, deixan-
do para trás milhares de histórias e aventuras.

O porquê da Rota Almocreve


ROTA ALMOCREVE Desde pequeno que oiço histórias sobre os
Almocreves, muitas delas contadas e vividas
Os que me conhecem, há muitos anos, sa- pelo meu pai, herdadas do meu avô e compar-
bem que não consigo estar parado pois, procu- tilhadas com outros membros da família.
ro sempre fazer os projectos mais inúteis que Com apenas 12 anos, meu pai já percorria,
se possam imaginar e por arrasto, incluo uns sozinho, dezenas de quilómetros pelos campos
quantos amigos para fazer essas loucuras! e ladeiras, fazendo sol, chuva ou neve. Pelo
Então, deixo-vos mais um desses projectos, caminho, na companhia da sua velha mula, ia
realizado no dia 1 de Maio de 2009, baseado vendendo o que conseguia para ajudar no sus-
numa de muitas rotas já históricas, percorridas tento da família.
pelos Almocreves da nossa povoação. Essas vivências sempre me suscitaram mui-
ta curiosidade. Nascido e criado na cidade,
Um pouco de história… estas histórias encantaram o meu imaginário
Se recuarmos no tempo, numa época em através da sua enorme componente heróica e
que apenas existiam caminhos de terra e uma aventureira.
paisagem intacta, nesta região a comida e bens Muitas vezes dizia aos meus pais que um dia
de primeira necessidades chegavam às aldeias também havia de percorrer esses caminhos,
perdidas através do trabalho do Almocreve. nem que fosse só com o objectivo de preservar
Muitos destes locais, totalmente isolados no essa experiência familiar por mais uma gera-
interior do país, só conseguiam receber o que ção.
necessitavam graças à determinação e esforço Ele sempre se ria de mim… alegando que,
destes senhores. O seu trabalho consistia em ir quando eu crescesse, esses caminhos já não
de aldeia em aldeia com um burro ou mula car- existiriam, que seriam impossíveis de percor-
regado de: azeite, ovos, bacalhau, polvo seco, rer a pé ou simplesmente porque nunca con-
sardinha (quando a havia), etc., comprando e seguiria fazer tal sacrifício! Mesmo sem cre-
vendendo os poucos excedentes e levando-os dibilidade, prometi-lhes que o faria, sem eu
aos que não tinham. A grande maioria desses mesmo saber se isso seria possível de levar a
senhores, eram habitantes de Carção, no con- cabo algum dia.
celho de Vimioso. Nesta aldeia, eram muitas Passados muitos anos, através da Internet,
as famílias que sobreviviam do duro trabalho consegui a cartografia militar de Portugal e,
entre as quais, algumas gerações da minha fa- de repente, lembrei-me dessa velha promessa
mília. Nesta actividade participavam todos os de um dia realizar a rota que o meu pai fa-

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zia como Almocreve. Por essa altura também
voltei a andar com a minha velha bicicleta de
montanha (BTT) e propus-me utilizar esse meio
para fazer o caminho, sentindo assim na pele
o que durante gerações viveram os meus fa-
miliares. Comecei aos poucos a procurar mais
informação sobre a zona e o percurso. Aprovei-
tava todas as visitas do meu pai a Tenerife para
sentá-lo à frente dos mapas e tomar notas do
que me dizia. Na sua última visita à ilha, com o
Google Earth, conseguimos finalmente traçar a
rota definitiva. Antes de me “embiciclar” nesta
aventura, decidi ir ao terreno comprovar se re-
almente ainda existiam tais caminhos. Regres-
sei muito contente porque vi que esta aventura
era 100% viável através do caminho original.
No entanto, fiquei com a sensação que utili-
zando a bicicleta de montanha não seria possí-
vel experienciar todas as dificuldades sentidas
pelas minhas anteriores gerações. Finalmente,
depois de estudar bem o terreno e tendo em
conta o meu calendário de corridas para 2009,
decidi que seria durante o presente ano que
realizaria a Rota Almocreve. A data da sua re-
alização foi traçada para 1 de Maio de 2009.
Porquê esta data? Porque foi o 92º aniversário
do meu avô materno (Tio Mizé), um verdadeiro
Almocreve em todo o seu esplendor, e assim
prestava da mesma forma uma homenagem a
dois familiares: ao meu pai, por ser a sua rota
e ao meu avô, por ser o seu aniversário.
Para o futuro, ficam portas abertas para
uma nova realização mas, dessa vez, feita a
pé. Disso falaremos noutra ocasião. No total
são 105 quilómetros com pouco mais de 2600 Depois do primeiro dia em Carção, servindo
metros de desnível positivo! para conhecer alguns pontos que ainda desco-
nhecia e outras povoações da zona, chegava fi-
Por fim chega o dia... nalmente o momento esperado por mim desde
Inicialmente, tinha planeado realizar a há muitos anos. Por fim, ia finalmente realizar
Rota Almocreve sozinho, mas à última hora, um sonho idealizado na minha cabeça desde
três amigos de Tenerife acharam que a aventu- pequeno. Por um dia ia ser Almocreve!
ra que me propunha fazer era demasiado inte- Às 8 da manhã, já com o sol a mostrar os
ressante para ser feita apenas por uma pessoa, encantos da região, demos a nossa primeira
decidindo juntar-se a mim nesta viagem. pedalada em direcção a Rio de Onor. Estava

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em marcha a aventura... Pouco a pouco, os tros, mas deu-nos a confiança que necessitáva-
quilómetros foram caindo em companhia dos mos para alcançar o objectivo proposto por nós
encantos paisagísticos da região. nessa mesma manhã e que não era outro que
A primeira paragem foi em Argozelo para chegar a Carção exclusivamente com o esforço
reparar um furo na roda traseira da bicicleta das nossas pernas.
de um amigo. Outra para tomar o pequeno-al- Às 7 da tarde, com quase 11 horas de bici-
moço em Rio Frio, logo antes de iniciar um dos cleta e 117 quilómetros realizados, ao limite
troços mais bonitos e que nos levou desde esta de todas as nossas forças, entrámos em Car-
aldeia até Gimonde. A última descida, por uma ção. Nas nossas caras era possível deslumbrar
pista de terra batida com uma magnífica vista a felicidade de ter cumprido um objectivo e de
sobre o rio Sabor, foi um dos momentos mais reviver algo memorável feito outrora por gente
inesquecíveis que passámos em toda a rota. especial. Além de ter que limpar algumas lágri-
Deixámos para trás o restaurante D. Roberto, ma perdidas, para mim era também um sonho
local onde outrora os Almocreves de Carção de criança por fim tornado realidade.
pernoitavam antes de seguir viagem, e segui-
mos em direcção a Varges, onde tínhamos de- Em cada casa de Carção há uma Rota Al-
cidido almoçar. Ao chegar, esperava-nos o meu mocreve
pai. Durante o almoço falámos muito sobre as Passados alguns dias, tenho a certeza que
dificuldades sentidas para chegar até alí e do não chegámos nem a viver metade das dificul-
difícil que seria para os Almocreves fazer esta dades ou aventuras que outrora, os Almocreves
viagem. Sem dúvida, a todos nos pareceu re- passaram nas suas viagens, mas posso afirmar
almente um feito heróico e só estávamos no que valorizo muito mais agora os seus grandio-
km 45. Muito nos faltava ainda por ver e viver sos feitos. É por isso que antes de terminar,
nesse dia. gostava de transmitir-lhes uma última mensa-
Depois de Varges, dirigimo-nos à aldeia de gem. A Rota Almocreve é uma das muitas rotas
Rio de Onor, equador da Rota Almocreve. Fei- familiares que, durante décadas, foram sendo
tas as fotos da praxe, continuámos a nossa pe- percorridas por gerações de famílias carço-
dalada por uma acentuada ladeira até Vila Meã. nenses. Devíamos, todos os descendentes de
Para trás, deixámos as aldeias de Guadramil e Almocreves, recordar a rota da nossa família e
São Julião. Pouco a pouco o dia ia-se esgotando documentá-la o melhor possível, para que es-
e em prol de terminar a rota, tivemos que to- tas possam perdurar no tempo e não caiam no
mar a decisão de abandonar as pistas de terra esquecimento dos nossos antepassados.
batida e seguir só por estrada a partir deste Espero que com esta humilde e insignifican-
ponto. Já com o sol a descer no horizonte, por te aventura e com a colaboração da Associação
momentos, imaginámo-nos arrastando uma ve- Almocreve, se abra uma porta para salvar um
lha mula como outrora faziam os Almocreves! troço importante da nossa história e que as ge-
Que duro deveriam ser esses tempos, ao frio e rações futuras de descendentes de carçonen-
ao sol, dia após dia, sem saber se o que trans- ses possam também elas percorrer os mesmos
portavam chegaria a ser bem vendido! caminhos em busca das aventuras que outrora
Em Quintanilha, optamos por fazer um des- vivenciaram os Almocreves de Carção.
vio no percurso inicial, previsto por Pinelo, e
tomar o IP4 até Rio Frio. Esta decisão fez au- Pedro Jerónimo
mentar o percurso em cerca de 12 quilóme-

18
AS GAVETAS DA MEMÓRIA
Os que, por obras valorosas,
Se foram da lei da morte libertando.

Por mérito próprio, a “Almocreve” tornou- Faculdade de Medicina do Porto, cidade onde,
se uma referência no panorama cultural de de imediato, começou a exercer medicina, na
Trás-os-Montes, sendo já um valor incontorná- especialidade de otorrinolaringologia.
vel na divulgação dos valores da nossa terra. Fogoso e impulsivo, cedo conclui que, entre
Depois dos primeiros números, como que de as quatro paredes dum consultório médico, di-
apresentação e declaração de intenções, cres- ficilmente poderia dar largas à sua ambição.
ceu rápida e segura e hoje, seguramente, po- Estávamos, então, numa época de muita
demos dizer que, com esta equipa, o seu limite emigração sobretudo para a América do Sul.
só poderá ser o universo. O transporte de milhares de pessoas para
Porque a dimensão dum povo, tanto como na esses países, era feito, quase exclusivamente,
grandeza dos seus feitos, se cimenta também em grandes navios, sobretudo franceses, in-
na preservação da sua memória, iniciamos esta gleses e alemães, sem qualquer preocupação
nova secção tentando, através dela, perpetu- de carácter higiénico ou sanitário e onde, não
ar a memória dos muitos filhos de Carção que, raro, grassavam epidemias devastadoras.
pelo seu valor e mérito, tanto Foi na resposta a este de-
contribuíram, por esse mundo safio que o jovem médico viu
além, para o engrandecimento uma oportunidade soberana
e da sua terra. de realizar os seus sonhos e
Mais que qualquer outra por à prova a sua coragem e
secção da revista, esperamos capacidades.
que este seja um espaço aber- Sem hesitar, alistou-se na
to a todos, tentando construir marinha Mercante onde, con-
assim uma enorme galeria dos forme ouvi dele próprio, exer-
nossos mais ilustres antepassa- ceu a medicina em condições
dos, que, de alguma maneira, dramáticas, sendo, ao mesmo
se tenham distinguido nos mais tempo, auxiliar, enfermei-
variados ramos da actividade ro, instrumentista e médico,
humana. chegando, inclusivamente,
Sem desprestígio para ne- a ter de operar sozinho, sem
nhum dos muitos carçonenses materiais esterilizado. À falta
ilustres com direito a figura- de bisturis, chegou a usar sua
rem nesta galeria de notáveis, vamos abri-la faca de bolso, depois de bem afiada e esterili-
este ano com três grandes vultos, dois na área zada num pouco de álcool a arder.
da medicina, respectivamente os médicos Dr. Foi nestas condições, extremamente difí-
Manuel Maria Lopes e Dr. Sidónio Augusto Fer- ceis, que fez o grande tirocínio, que haveria de
nandes e um na área da literatura, Adriano Au- fazer dele um dos médicos mais experientes,
gusto da Costa. completos e brilhantes da sua geração.
Por razões familiares abandonou a Marinha
Dr. Manuel Maria Lopes Mercante e, depois duma breve passagem por
Também conhecido, sobretudo pelos mais Murça, onde casou e chegou a abrir consultó-
antigos, como o “ Doutor da Antoninha”, o Dr. rio, regressou a Carção por volta dos anos de
Lopes nasceu em Carção no já longínquo dia 13 1930/12931, donde nunca mais quis sair, resis-
de Junho de 1894. tindo aos apelos e aos muitos convites que lhe
Oriundo duma família abastada, teve o pri- fizeram para regressar ao Porto.
vilégio, então muito raro, de estudar e tirar Na plena posse de todas as suas faculdades,
um curso superior. dedicou-se apaixonadamente ao exercício da
Com elevada classificação, tirou o curso se- medicina na sua terra natal em acumulação,
cundário no Liceu de Bragança, concluindo de- durante muitos anos, com as funções de Médi-
pois, em 1918, a licenciatura em Medicina na co Municipal, durante os quais calcorreou todo

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o concelho, quase sempre a cavalo e não pou- que iam estudar, respondendo-me apenas:
cas vezes a pé, fiel ao seu juramento e escravo - Não é nada, meu rapaz, mas lembra-te
do compromisso que a si próprio se impusera sempre ficas a dever-me a obrigação de estu-
quando resolvera dedicar-se devotadamente dar para ser alguém e, então sim, vais pagar-
ao exercício da sua profissão em prol de todos me, com juros e tudo.
os que necessitassem dos seus serviços Dá o dinheiro ao teu pai, que a vida não
Durante mais de cinquenta anos, em toda está fácil para ninguém e, a ti, desejo-te muita
a região, só Carção se podia orgulhar do luxo e muita sorte.
que, para a época, era ter um médico resi- Durante os muitos anos que ainda viveu,
dente, passando-lhe pelas mãos quase todo o sempre que me encontrava na oficina de meu
concelho de Vimioso e parte do planalto mi- pai, de que era cliente assíduo para tratar do
randês. seu calçado e, mais que isso, dos arreios da sua
Atrás do seu aspecto austero e do índice de gigantesca e famosa burra castanha, à mistura
grande exigência para com ele próprio e para com os seus sábios conselhos, de tanto saber
com quem o procurava, escondia-se um grande e experiência feitos, com um mal disfarçado
profissional, extraordinariamente competente, sorriso, deliciava-se trazendo-me à lembrança
dedicado e prestável, que atendia com igual a dívida contraída naquele dia de Setembro de
carinho e respeito todos os que o procuravam, 1954.
fosse o homem mais importante, ou a criança Reformado em 1969, por limite de idade,
mais humilde. agora mais por vocação e amizade, continuou
Quando vencia as barreiras da sua introver- fiel ao juramento de Hipócrates até falecer em
são, transformava-se num conversador eméri- 1983, sendo sepultado no jazigo de família,
to, de fino sentido de humor e piada oportuna, então o único que havia no cemitério da terra
sendo um gosto ouvi-lo contar as histórias da que o vira nascer.
sua vastíssima experiência, revelando-se tam- Passados tantos anos sobre a morte deste
bém possuidor duma cultura vastíssima e, ao grande carçonense, é com imensa saudade e
mesmo tempo, um homem sensível, generoso mal disfarçada tristeza que vemos constante-
e bom. mente fechada a porta do seu antigo consultó-
Como homenagem e gratidão, vou terminar rio e com igual mágoa confessamos que nunca
relembrando hoje um já bem distante dia de Carção teve e jamais terá um médico assim.
meados de Setembro de 1954, em que, pela
primeira vez, entrei no seu consultório. F. Costa Andrade
Naquele tempo, ninguém podia ir estudar
sem apresentar um
atestado de boa saúde,
comprei no”soto” do
Sr. Gabriel uma folha
de papel azul (custava
nesse tempo trinta cen-
tavos) e pedi empres-
tados, creio que vinte
escudos, que, mais ou
menos, era o que teria
de pagar ao médicos
para me passar o ates-
tado.
Quando, depois de
me passar o referido
atestado, lhe perguntei
quanto era, olhou para
mim com um olhar pro-
fundo de muito carinho
e, à semelhança do que
fazia a todos os miúdos

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Doutor Sidónio
O Doutor Sidónio Augusto Fernandes é natural Foi eleito presidente da Câmara Municipal de
de Bragança. Nasceu em 28 de Setembro de 1918. Vimioso em 1959, cargo que desempenhou com
Estudou em Bragança até ao 7.º Ano no Liceu Nacio- competência e espírito de equidade para com todos
nal (Escola Secundária Emídio Garcia). Licenciou-se os Munícipes, norteando-se sempre pelo desenvol-
em Medicina na Universidade de Coimbra. vimento e progresso do seu Concelho.
Fez o Estágio em Doenças Infecto-Contagiosas A sua actividade não se confinou apenas ao
no Hospital Correia de Lobos em Lisboa. exercício das funções médicas, mas abrangeu várias
Em 1953 veio exercer Clínica Geral no Hospital outras vertentes. A ele se deve a implementação do
de Rua da Calçada, em Vimioso, na altura com 13 Hospital da Misericórdia de Vimioso, obra de grande
000 habitantes. alcance social, que deixou para a posteridade, ao
Contudo, as suas raízes encontram-se em Car- serviço de todo o concelho.
ção. Foi desta aldeia que saíram seus avós, quando No âmbito da cultura, e constatando quão im-
verificaram que aqui não havia condições para dar portante é o Saber para o desenvolvimento duma
aos seus filhos uma vida melhor, um região, diligenciou, em colaboração
futuro mais promissor. Fixaram-se em com o Dr. Alberto Machado, então Se-
Bragança, enquanto outros rumaram a cretário do Ministro da Educação, para
Macedo, Porto, Penafiel, ou demanda- a criação ds Escola Preparatória de S.
vam terras além Atlântico. Foi o início Vicente – E.B. 2/3, com a secção da
da diáspora Carçonense, face à falta Escola Augusto Moreno de Bragança.
de condições verificadas então, nesta e Assim, muitas crianças puderam con-
noutras aldeias congéneres. tinuar a estudar sem se deslocarem do
Atento, dedicado, amigo, foi médi- seu ambiente familiar. Que excelente
co na Casa do Povo de Carção durante oportunidade!...
alguns anos, onde desempenhou, com Todavia era necessário arranjar as
mestria e saber, as suas funções. Sen- estruturas para o funcionamento da
sível aos mais carenciados, e cioso do Escola.
dever cumprido e da sua missão assistencial, nunca Apesar de a câmara não dispor de verba para
se furtou a responder à chamada fosse, de dia ou custear essa despesa, não baixou os braços. Antes,
de noite, fosse Verão ou Inverno. De facto, era um porém, lançou mãos dos recursos que tinha ao seu
médico sempre presente, com o qual os doentes dispor: prescindiu de algumas comodidades que lhe
podiam contar. eram adstritas como Presidente da Câmara. Dispen-
A par do profissionalismo que o caracterizava, sou para esse efeito o seu gabinete e o salão Nobre
tinha um coração abnegado e afectuoso, sempre para sala de Professores e sala de aulas. Nas trasei-
uma palavra de conforto e ânimo para os seus do- ras da Câmara mandou instalar dois pré-fabricados
entes e familiares tentando minimizar a dor de uns onde funcionavam as salas de Trabalhos Manuais e
e desespero de outros. Educação Visual. Assim ficou solucionado o proble-
Se por ventura não houvesse outra alternativa, ma. Foi de facto uma medida inteligente que muito
e fosse necessário conduzir o doente ao Hospital contribuiu para o desenvolvimento cultural do Con-
de Bragança, onde havia melhores recursos, ele celho, e por conseguinte dos Carçonenses.
próprio o fazia na sua viatura sem qualquer hesita- Também as acessibilidades mereceram a aten-
ção, se achasse que isso seria imprescindível para ção do Doutor Sidónio. A ele deve o município tam-
o doente. Não raras vezes ele próprio foi buscar os bém a estrada municipal que liga Vale de Frades e
medicamentos no seu carro para tentar salvar o pa- Avelanoso e as Três-Marras, etc.
ciente. É de toda a justiça porém, e bem merecida,
Ora estas atitudes são de uma grandeza e huma- esta pequena homenagem a este excelente médico
nismo tais que não no podem passar despercebidas. e competente Presidente de Câmara que dedicou
Lembremo-nos como eram deficientes as condições toda a sua vida ao serviço das pessoas deste con-
sócio-económicas de então, e as poucas acessibili- celho. E, porque as suas raízes se encontram nes-
dades e meios de transporte da aldeia nesse tem- ta vetusta aldeia, merece pois ser considerado um
po. ilustre filho de Carção.
Que belo exemplo para alguns médicos da ac- Sofia Jerónimo
tualidade!...

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A SAGA DE UM CARÇONENSE PELO MUNDO AFORA
Adriano Augusto da Costa, nasceu em Car- No ano de 1895, um primo do seu avô, es-
ção - Vimioso, no dia 28 de Julho do ano de teve na Argentina e no Rio de Janeiro e voltou
1902. Era filho de Francisco Manoel da Costa encantado, alegando que a América era o “Pa-
e de Libória de Oliveira, sendo que, os seus raíso” e com isso influenciou a vontade de seu
familiares tinham a alcunha de “Marnóia”. pai para num futuro rumar para esse “Paraíso
Os seus avós eram: António Joaquim da Terrestre”. A Vida continuava calma, já tinha
Costa e Isabel Maria Joana e quando nasceu, dois irmãos mais velhos, o António e o Dia-
por costume da época, o padrinho é quem co- mantino e nasceu a irmã Isabel. Quando tinha
locava o nome no rebento e ele teria por essa por volta de 8 anos, sua mãe veio a falecer, o 
razão o nome de Roque, porque esse era o pai acabou ficando com 4 menores de idade
nome do padrinho destinado pelos seus pais, para a criação e num impulso mental, optou
todavia, às vésperas do baptizado houve um para sair de Carção, e resolveu ir procurar
desentendimento entre os pais e os padrinhos o seu destino, a América do Sul, marcando,
e ele não foi registado nessa altura, e durante viagem para a Buenos Aires, na Argentina, no
três longos anos, todo mundo o conhecia como entanto, ao chegar ao Consulado no Porto,
o “Menino”, e após essa data, é que seus pais encontrou um conterrâneo que o aconselhou
o registaram com o nome: Adriano Augusto da a ir para o Brasil e para a cidade de São Paulo,
Costa, extraído de 6 imperadores romanos e porque lá era falado o português e na Argenti-
de 6 Papas que existiram (Adriano Augusto). na o Espanhol, sendo que o valor da passagem
Tanto o seu avô, como o seu pai, eram co- era tão somente 39 mil réis e para a Argentina
merciantes e possuíam uma frota de carro- era 139 mil réis, consumando-se então a sua
ções, os quais faziam o transporte de merca- saída da terra tão querida e isso se deu no ano
dorias de Bragança para a cidade do Porto, to- de 1911.
davia, com a construção da Estrada de Ferro, Ao chegar em São Paulo, o local destinado
não mais puderam fazer esse tipo de transpor- não era agradável e tiveram que rapidamen-
te, então resolveram construir um prédio em te mudar de lugar, indo residir na Rua Miller,
Carção, de 3 andares, prédio esse que resistiu onde a maioria dos residentes eram lusitanos
até a bem pouco tempo, sendo derrubado e e até existia uma entidade de nome “São João
construíram outro no lugar. Batista” local que os portugueses aos fins-de-
Além disso adquiriram terrenos e fizeram semana cantavam o fado e dançavam as mú-
plantações de vinhedos, consequentemente, sicas folclóricas. Ali começou nos seus pou-
produziam o famoso vinho da região, bem cos anos de idade (11 anos), a aprender uma
como, no edifício construído foi aberta uma profissão de marceneiro, mas, não era o seu
mercearia, tipo super-mercado que vendia gosto e com o irmão mais velho começou a
produtos alimentícios, peles, azeites e ou- ser vendedor de tecidos, e ser um verdadeiro
tros tipos de produtos. A construção foi no fim “ALMOCREVE”, viajando pelo interior do Es-
do século XIX e a região era uma verdadeira tado de São Paulo, e nessas alturas nas horas
calmaria, com o povo “carçonense” imbuído de folga, começou a sua vontade de escrever
sempre pelos festejos religiosos e pelas belas poesias, seu desiderato para a vida toda.
músicas folclóricas, às quais no mundo inteiro Passados alguns anos nesse trabalho, no ano
não existem paralelos. de 1928, veio a casar-se com Maria Anunciação

22
Anes, que também havia imigrado de Rio Frio, pares com suas declamações, o que fazia tam-
local próximo a Carção e na mesma época seus bém na União Brasileira de Trovadores.
pais também rumaram para o Brasil. Foram Fundou a escola “AMIGOS DO SABER”, onde
residir em outro bairro ou seja o do Tatuapé, ensinou gerações de portugueses por mais de
local também onde orda de portugueses adqui- 10 anos, essa escola era gratuita e por amor
riam seus terrenos para construírem suas casas ao ensino.
e foi isso que aconte-
ceu. Nesse bairro, os
portugueses, também,
aos fins-de-semana
cantavam o fado ao
som das guitarras e das
declamações poéticas e
o ADRIANO era um emé-
rito declamador e com-
punha lindas poesias.
Passados alguns
anos montou uma loja
de tecidos na Rua José
Bonifácio, no centro
da cidade de São Pau-
lo, porque era um dos
maiores vendedores
que existiram, e nessa
época também ingres-
sou na Casado Poeta de
São Paulo e na União
Brasileira de Trovado-
res, daí compôs a sua
obra-prima “Os Primei-
ros Bandeirantes”, sen-
do a história da descoberta do Brasil cantada Toda vida sonhou com a sua “CARÇÃO”, 
em décimas nos seus versos. e a todos que perguntavam de onde ele era,
Adriano Augusto da Costa,   além de ser um dizia “PORTUGUÊS DE CARÇÃO”, e descrevia
exímio tocador de guitarra e de violão, era essa terra de sonho como se estivesse presen-
um grande compositor e poeta de primeira li- te nela.
nha, ele editou os seguintes livros: ADRIANO AUGUSTO DA COSTA, foi mais um
“carçonense” que deixou a sua terra maravi-
1976 “OS PRIMEIROS BANDEIRANTES”. lhosa para ensinar no Brasil o que era ser por-
1982 “A VIDA E OBRA DE ALBERTO SAN- tuguês e o que era ser “carçonense”.
TOS DUMONT”. ADRIANO veio a falecer em 31/12/2004,
1985 “SÃO PAULO F.C., SUA HISTÓRIA E com 102 anos de idade, em São Paulo/Brasil.
SUAS GLÓRIAS”. Por essa razão eu ADRIANO AUGUSTO DA
1986 “POESIAS E SÁTIRAS” COSTA FILHO, me ufano de ter sido Filho dele,
Em sua vida social, pertenceu à primeira e por ter deixado em meu coração o mesmo
Directoria do CENTRO TRÁSMONTANO DE SÃO amor que ele tinha por CARÇÃO, esse amor
PAULO,” em 1932, ano de sua fundação e  que que eu amo de todo o coração, porque sou:
hoje é uma das maiores entidades médicas Brasileiro pelo Sol e Português pelo Sangue
da América do Sul, e onde os “portugueses e Carçonense de todo coração.
carçonenses” desfrutam sempre no primeiro
sábado de cada mês da “Tasca do Aldeias de Adriano Augusto da Costa Filho
Portugal”, com danças e músicas. Membro da Casa do Poeta de São Paulo – Brasil
Membro do Movimento Poético Nacional do Brasil
Foi um dos mais vibrantes poetas da Casa Membro da Ordem Nacional dos Escritores do Brasil
do Poeta de São Paulo, onde empolgava seus

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O Jornal Mundo Lusíada, editado no Estado de São Paulo, foi concebido pelo génio iluminado do
jornalista “ODAIR SENE”, e derrama seu manto sobre os corações dos portugueses e luso-descendentes.
Odair Sene é brasileiro de sangue e português de coração, como dezenas de milhares de brasileiros
apaixonados por Portugal e pela rica cultura lusíada.
Casado com Da. Cleodete Borges, quem muito contribuiu e segue contribuindo para esse lindo veiculo,
Odair Sene é o responsável  pela publicação, é pai de três filhos, sendo que dois deles trabalham no jornal.
Como toda empresa familiar, ela também começou muito tímida. No início ele fazia a reportagem, fazia
a montagem das páginas, mandava para a gráfica, saia para entregar, recebia os anúncios e saia também
para pagar as contas (quando tinha dinheiro), além de buscar novos anúncios e novas oportunidades.
Ele, Odair Sene, decidiu fazer o jornal por incentivo de muita gente ligada às entidades de São Paulo
e percebeu que faltava uma mídia que se propusesse a fazer uma publicação séria e representativa e com a
graça Divina conseguiu essa maravilha que é o jornal e após 11 anos de actividades ter um jornal de primeiro
mundo, muito bem impresso e com matérias as mais bem feitas e de interesse geral e da comunidade
lusitana de São Paulo, do Brasil e quiçá do exterior.
O jornal é feito basicamente focado na necessidade da manutenção das raízes lusas do Brasil, sempre
publicando sobre eventos das associações portuguesas e trazer PORTUGAL mais próximo para os leitores
do jornal. Tem notícias disponíveis (com imagens) pela Agência Lusa para a publicação e tenta mostrar
nas reportagens o que acontece de mais importante nas relações culturais, políticas, sociais e económicas
entre Portugal e Brasil.
Odair Sene, tem muito orgulho de ter como seus parceiros, os próprios filhos, para ter a certeza de que
haverá no futuro, o qual, por certo, com a seriedade que a profissão exige, será um futuro bem próspero. Para
tanto, a Vanessa sua filha, que é formada em jornalismo, já começa as ditar as regras editoriais e o Rodrigo
o outro filho, que é formado em publicidade e “marketing”, começa a ditar as regras visuais. Com esses dois
detalhes, se tem uma dinâmica e um “layout” mais modernos. O resultado, que está sempre em busca é mais
assinantes, mais anunciantes e mais mercado. Portanto, ele crê em um futuro bastante promissor.
É interessante informar e recordar onde tudo começou, porque muito pouca gente faz essa pergunta,
pois que, começou em um pequeno espaço na sua residência. Era tão pequeno que cabia tão somente o Odair
e um computador, aliás, um computador tão básico que, para abrir um documento tinha que fechar o outro,
duas coisas abertas ao mesmo tempo, nem pensar nisso e hoje o jornal tem uma boa rede com boas máquinas,
Internet rápida e com uma condição muito boa para ser feito também um bom trabalho. Após o pequeno
espaço de trabalho, começou a melhorar em uma fase boa com uma sala alugada e em parceria com uma
tradicional e antiga agência de turismo e em seguida uma sala melhor no prédio do Elos Clube Grande ABC
(local onde estão há 5 anos) e agora já estão mirando um lugar melhor – querendo ter a sua sede própria.
No dia 11 de Setembro de 2008, foram completados 11 anos em actividade e todos nós nos orgulhamos
em dizer que o Jornal Mundo Lusíada é a principal mídia luso-brasileira, que tem credibilidade na grande
São Paulo, no grande A.B.C. e agora na baixada Santista.
E eu como não podia deixar de ser, além de sentir um imenso orgulho por poder fazer este artigo
para a fenomenal Revista ALMOCREVE do nosso querido e eterno PORTUGAL, só tenho a agradecer a esse
gigante da mídia luso-brasileira, com certeza criado no Paraíso.
Divino, o magistral  ODAIR SENE.
Adriano Augusto da Costa Filho
Membro da Casa do Poeta de São Paulo – Brasil
Membro do Movimento Poético Nacional do Brasil
Membro da Ordem Nacional dos Escritores do Brasil
   Brasileiro pelo Sol e Português pelo Sangue,
        Coração “Carçonense”
          São Paulo/Brasil.

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Uma “Maria da Fonte” Carçonense
Estávamos em pleno Verão. Um Verão tór- guardar a vez, por outro eram anti-higiénicos,
rido e luminoso, tão característico de terras porque ao meterem os recipientes na água
trasmontanas – três meses de inferno e nove esta estava sujeita a contaminações de toda a
meses de Inverno – diz um velho ditado. Efec- ordem, o que originava graves doenças.
tivamente é assim. Posteriormente, as fontes ficaram inacti-
Na aldeia, maioritariamente rural, as pes- vas, por motivos de saúde pública e o bebe-
soas passavam os dias inteiros nas fainas agrí- douro principal que ficava no cimo do Vale foi
colas. À noite regressavam a casa já com as destruído e, bem no meio da aldeia, no Lar-
estrelas a luzir no céu, a maior parte das ve- go das Fontes, foi edificado um chafariz, com
zes. A primeira tarefa que os esperava, depois duas torneiras, onde as pessoas enchiam os
de um dia de extenuante trabalho, era levar os cântaros e a água que vazava enchia o tanque
animais sequiosos a beber e, ao mesmo tempo onde os animais bebiam. No entanto eu ape-
encher os cântaros do precioso e indispensável nas me lembro de uma só torneira funcionar.
líquido, para fazerem a ceia.
Então no tempo das ceifas e tri-
lhas, era realmente um pande-
mónio à beira dos fontenários;
pessoas e animais, uns para
matar a sede, outros para en-
cherem os cântaros, em inter-
mináveis filas, que levavam ao
desespero, quer pelo cansaço,
quer pela falta de paciência.
Por isso, as pessoas mais atrevi-
das, sempre que podiam desres-
peitavam a ordem de chegada,
o que originava grandes e feias
zaragatas: insultos, cabelos pu-
xados, cântaros partidos nas
cabeças, etc. Um triste espec-
táculo que se pagava para não
o ver, causado não só pela falta
de civismo, mas também pela
falta de infra-estruturas que satisfizessem as Era muito pouco para tanta gente. Além dos
necessidades. “Na casa onde não há pão, todos inconvenientes acima descritos, longas horas
ralham e ninguém tem razão”, diz o povo. A si- à espera de encher o cântaro, ainda tinham
tuação agravava-se ainda quando, por vezes as que o carregar ao quadril, ou nos braços a
pessoas eram agredidas pelo sacudir do rabo e distâncias bastante consideráveis – Bairro de
focinho dos animais, ao enxotarem as moscas, Cima, Bairro de São Roque, Bairro da Igreja,
terríveis insectos que invadiam a povoação, Quinta, Penedas, etc. Era um autêntico cal-
um pavor! vário!...
Apesar da aldeia ser rica em água de boa Para minimizar estas distâncias e inconve-
qualidade, nem sempre os seus responsáveis niências resolveram, as autoridades mandar
tiveram o bom senso de orientar e cuidar do colocar um fontenário na Praça. Sem dúvida
seu aproveitamento duma maneira eficaz. Pa- que se reduziram filas, e encurtaram distân-
rece que os antigos tinham, apesar de tudo, cias a percorrer com os cântaros às costas.
uma visão mais ampla das necessidades, eri- Acontecia porém que, aberta a torneira do
gindo fontenários dispersos por vários locais da fontenário da Praça, não corria, ou corria mi-
freguesia, de modo a servir todos os habitan- nimamente a torneira do fontenário das Fon-
tes, sem necessidade de estar em grandes filas tes. Esta situação levou ao desentendimento
à espera de sua vez. Todavia, esses fontenários dos habitantes da freguesia, originando um
de chafurdo se, por um lado tinham a virtude grande conflito e a divisão dos seus habitan-
de se poder encher o cântaro sem precisar de tes em duas facções. Uma defendia o encerra-

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mento do fontenário da Praça, voltando tudo Insistem mas ela não obedece. Ao ver que
à situação anterior, outra defendia que se de- lhe iam deitar a mão para a desviar, grita
via arranjar outra alternativa que não fechar ela:
o fontenário, pelos inconvenientes já demais - Olhem para o meu estado! Olhem para o
conhecidos. meu estado! Nem ousem tocar-me!
Sem que fosse possível chegar a um con- Os guardas embaraçados, estupefactos pe-
senso, a facção que se sentia lesada recorreu rante esta situação, sem saber o que fazer,
à força pedindo a intervenção das autoridades resolveram retirar-se.
respectivas – a Guarda Nacional Republicana - Bendita gravidez! – Exclamaram os de-
para fechar o fontenário da Praça. fensores do fontenário da Praça.
A outra facção não aceita a afronta, re- - Gravidez?! Que gravidez? – Replicou ela.
voltando-se e, ao pressentirem que a Guarda E, de repente, mete a mão à cinta e tira
estava a chegar tocam os sinos a rebate! Jun- da barriga uma grande almofada. Os circuns-
ta-se o povo, uns a favor da decisão, outros tantes, ao presenciar a cena, desataram numa
contra. Entretanto chega a Guarda com os risada hilariante que pôs fim a este tumulto.
operários e a ferramenta para levar a tarefa a O fontenário continuou aberto.
cabo. Uns gritam, outros discutem, uma gran- A imaginação, a audácia e coragem podem
de confusão! por vezes vencer batalhas; assim aconteceu
Então a Guarda no meio daquela barafun- em alguns momentos da nossa História, onde
da dá ordens aos funcionários para que o fon- a astúcia e valentia da mulher ficaram bem
tenário seja encerrado. patentes, tal como ficou bem gravada a men-
De repente, surge uma mulher alta, forte, era te de que presenciou esta cena, a atitude co-
a tia Maneira, irrompe pelo meio daquela multi- rajosa da tia Maria Maneira, uma autentica
dão e, agarrando-se ao fontenário exclama! Maria da Fonte, que lutou pelos seus ideais,
- Não! Não! O fontenário não será fechado! uma vez que o progresso ainda não tinha che-
Os agentes, perplexos, olham a senhora e gado a Carção.
dão ordens para que se retire. Sofia Jerónimo

Café
Snack-Bar GONÇALVES
Margarida Cristina C. Fernandes
Bairro da Quinta, 1
Tlm. 960 089 024
5 230 C A R Ç Ã O

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CARÇÃO, ANOS SESSENTA — Epopeia duma noite sem luar(*)
Em Carção, sobretudo para os mais pobres, Foi numa destas tardes de Domingo, que um
começou muito cedo o Inverno de 1960. indivíduo desconhecido, baixo e anafado, de ve-
O rebusco da castanha não deu para cozer lhas calças de pana amarela e samarra de gola de
mais de meia dúzia de vezes, as primeiras ge- pele de raposa bem apertada ao pescoço, vindo
adas, anormalmente fortes, cedo recozeram as dos lados de Santulhão, se aproximou do grupo
nabiças e os repolhos e de azeitona não havia e, como quem desempenha um papel, de tantas
quase nada. vezes repetido já mais que decorado, perguntou
A juntar a tudo isto, era cada vez mais com- como iam as coisas por ali.
plicado ir à ladeira do Sabor fazer uma carga de Perante o coro de queixas com que foi brin-
estevas, não havia nabos na Alamela, nem grelos dado por todos eles, não lhe foi difícil apanhá-los
na Veiga e as batatas e as cebolas acabaram havia por onde era mais fácil.
muito nas hortas da Ribeirinha. Com resposta decidida e pronta, encostou-os
Depois de terminadas as sementeiras em fi-
nais do Outono, ninguém dera a ganhar uma jeira
que fosse.
As barragens do Douro havia muito que não
davam trabalho, as minas de Argoselo e de Co-
elhoso não aceitavam ninguém e não andavam
estradas nas redondezas.
Estavam no fim as poucas batatas colhidas “a
meias” nas hortas do Monte ou da Ribeirinha e, de-
pois de pagar a mercearia, a padeira, o sapateiro,
o alfaiate, o barbeiro e não sei que mais, o que so-
brara dos míseros alqueires de cereal colhidos nas
chaquedas da Fireira, em Santa Marinha, em Vale à parede, contrapondo-lhes que “só estavam mal
de Palácios, nas bordas de Vale de Madeiros e do porque queriam, que era só querer ir ganhar mui-
Castelinho, já nem chegavam para ir duas vezes ao to e bom dinheiro para a Espanha, para a França
moinho do Coleijo. e até para a Alemanha”.
A fome, negra, dura e crua fome, espreitava - Isso é muito fácil de dizer, meu amigo, retor-
já ameaçadoramente. quiu-lhe um deles. O pior é o resto.
Os filhos mais novos iam confortando a barri- - Meus amigos, quem realmente quiser ir para
ga com a sopa quente, regularmente distribuída fora, apareça no cabanal da Capela de S. Roque,
na Cantina Escolar, fundada e mantida pela ge- hoje, às oito da noite. Tragam só uma fotografia,
nerosidade ímpar dos Beneméritos Irmãos Santos quinhentos escudos quem quiser ir para a Espa-
enquanto os mais velhitos vagueavam pela aldeia, nha, ou um conto quem quiser ir para a França.
sem alegria e sem esperança, matando o tempo a O resto é comigo.
jogar à bilharda, ao pingue ou ao pião, atirando Se quiserem mesmo ir para onde se ganha
aos pardais, que nunca conseguiam apanhar ou dinheiro a sério, não se atrasem e resolvam-se
entretendo-se a brincar aos contrabandistas e aos depressa, que o próximo carro está quase com a
guardas, ou aos polícias e aos ladrões, disfarçando lotação esgotada.
assim a meninice a que nunca tiveram direito. Nessa noite já ninguém comeu o caldo sosse-
Era neste cenário de quase desespero peran- gado.
te a impotência para fazer, fosse o que fosse, Foi juntar os últimos tostões, pedir o resto
para alterar esta vida de miséria, que se afoga- emprestado e, antes que fosse tarde, ir fazer o
vam os pensamentos da maior parte dos homens trato com aquele homem caído do Céu, que lhes
de Carção, sem saída possível nem solução à vis- prometia abrir as portas da fortuna.
ta, horas sem fim às abrigadas ou sentados nas No S. Roque foi tudo rápido e muito fácil.
escadas da Capela de Santa Marinha, olhando de Tudo se resumiu a entregar o dinheiro e meta-
soslaio para a taberna do Chelo, enquanto iam de duma fotografia, recebendo em troca a infor-
metendo as mãos nos bolsos, esperando que, por mação que o carro para a França sairia de Carção
milagre, ainda aparecesse alguma moeda esque- de 23 para 24, às duas da manhã.
cida, que desse para um quarteirão de vinho ou Em menos de meia hora estava tudo acertado
uma pinga de aguardente. e o homem baixo de samarra de gola de pele de

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raposa e calças de pana amarela, com um “boa Fontes e pela Praça, foi estacionar discretamente
noite apressado” desapareceu a cavalo para os para os lados do Carvalhal.
lados de Izeda. Com o dobrar da meia noite, mulheres sofri-
Só quando se meteram na cama, é que aque- das, feitas silhuetas fantasmagóricas vestidas de
les homens começaram a pensar se tudo aquilo negro, pressentindo que estavam muito próximas
seria mesmo assim, ou não seria antes uma gran- de, por longos períodos, se transformarem em
de vigarice. “viúvas de homens vivos” e “mães de órfãos com
Porque nem às mulheres disseram bem o que pai”, começaram a deambular rápida e discreta-
tinham ido fazer ao S. Roque àquela hora, o sono mente, levando aos familiares e amigos a novida-
nunca mais chegou, o que tornou aquela noite de da chegada do aguardado camião.
ainda mais longa e negra que as muitas noites de Odiavam aquele carro que, mesmo levando-
pesadelo e insónia até então vividas. lhes o marido e os filhos para terras de que nunca
Agora apenas restava confiar e esperar que ouviram falar e nem faziam a mínima ideia onde
chegasse depressa o dia de abalar. poderiam ser, lhe deixava a vaga esperança de
Na noite combinada, não havia Lua para ilu- que, mais tarde, talvez lhes trouxesse as novi-
minar aquela interminável noite dum Inverno dades que lhes fizessem renascer a alegria e dar
que, como todos, nunca mais tinha fim. sentido ao calvário das suas vidas.
Do Vale até à Quinta, a noite parecia menos Realmente, só a sua coragem heróica lhes
noite porque a geada intensa que caíra desde o dava força para continuar a viver.
fim da tarde aclarava o lodo petrificado do chão Tudo era muito duro e triste mas, com a sua
com miríades de minúsculos cristais de gelo, es- resignação evangélica, resumiam tudo a um
magados de horas em quando pelo caminhar rit- “como tem mesmo que ser…” paralisante que até
mado dum ou outro noctívago mais atrasado, de a capacidade de revolta lhes castrava.
regresso a casa, depois duma velada em casa de O ritual era simples e sempre o mesmo.
algum familiar ou amigo, para onde fora “ passar Com três pancadas secas todas as portas se
um bocado ao lume” ou, quem sabe, para provar abriam e a mensagem era rápida:
as chouriças, curadas pelo frio das geadas. “Os homens que se mexam. O carro já está
Nas estreitas ruelas dos bairros de Cima, de no Carvalhal e sai às duas”.
Falcão, dos Gatos, das Penedas ou do Canto da Passadas as mensagens que lhe foram enco-
Valenta, a luz coada e difusa das estrelas criava mendadas, era o regressar rápido para casa dar
por toda a parte uma áurea de mistério avassa- os últimos jeitos à “fardela” da merenda e aos
lador, apenas perturbado pelo latir plangente de poucos pertences que cada um iria levar.
algum cão sem dono enroscado debaixo duma Poucos, mesmo muito poucos, porque já ti-
soleira mais acolhedora, pelo miar sofrido de al- nham sido avisados que não poderiam levar gran-
gum gato abandonado na rua à sua sorte, ou de de coisa, porque o carro ia levar muita gente e,
algum animal encerrado na loja, ao qual tinham se “acontecesse qualquer coisa”, sempre seria
enganado a fome com bem menos ração que a melhor não andar muito carregados, até porque
esperada depois dum dia de trabalho. em França “ havia de tudo barato, do bom e do
Para acabarem os socos, as meias solas, as melhor”.
tombas, os remendos, ditar as brochas, etc. ti- Este “acontecer qualquer coisa”…não agra-
veram que “velar” mais que o costume os “Bel- dou a alguns mais desconfiados, mas a reacção
miros” “os “Mingas”, os “Pesquins” e os outros era a mesma de sempre, “ se tem que ser, terá
sapateiros da terra. mesmo que ser”.
Havia contudo alguma coisa no ar que fazia À medida que se avançava para a hora marcada,
daquela noite uma noite diferente das muitas as badaladas do relógio da Igreja, oferecido pelos
noites, todas iguais, de todos os Invernos, tam- Preparados e recentemente colocado na parede
bém eles todos muito iguais. da frente sob orientação do tio Manuel Jandiz, ca-
Um enorme camião, tipo carro de transporte íam como pedras sobre o ânimo daqueles homens
de animais para as feiras de gado, com a caixa co- rudes, transidos de medo e dum frio anestesiante
berta com uma lona mais remendada que calças que, descendo pela espinha, lhes paralisava a alma
de pobre, meses sem conta usadas de dia e pon- sem ânimo, desfeita pela angústia, e destroçava,
teadas à noite, com joelheiras sobre joelheiras e sem piedade, os corações amargurados.
quadras a perder de conta, chegou ao entardecer À medida que a hora da partida se aproxima-
ao povo e, depois de se mostrar passando pelas va, muitos pensaram ainda em desistir.

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Mas, caramba, como desistir agora? Naquele momento de angústia e de dor, era
A vida por lá estava a correr bem aos que ti- toda a sua riqueza, era tudo o que ia levar para
nham ido depois da Páscoa e até foi a mulher aquela viagem, da qual apenas sabia onde come-
do compadre “francês” que lhe emprestara o di- çava, não fazendo a mínima ideia onde e quando
nheiro que faltava para pagar ao passador, já des- iria terminar.
colara da caderneta Militar a fotografia que, di- Depois de apertar as orelhas do gorro de lã,
vidida em duas, garantiria à família a chegada ao agarrou-se à mulher com uma força inaudita e os
destino quando, com uma das metades na mão, o filhos, como que impelidos por uma atracão irre-
passador viesse cobrar o resto da viagem. sistível, atiraram-se a ele num choro lancinante,
Aos muitos credores, jurara que os primeiros agarrando-o pelas pernas, como que tentando
francos recebidos seriam para começar a pagar prende-lo ao chão térreo e húmido do casebre
as dívidas. em que viviam.
À mulher e aos filhos dera a esperança de que,
dentro de pouco tempo, mandaria muitos francos
para comprar tudo o que fizesse falta e nunca
mais haveria um Natal pobre e triste como o que
iam ter este ano.
Nos Natais, nunca mais faltaria pescada, ba-
calhau inglês e uma polveira bem grande, azeite
à farta para regar bem as batatas e as couves,
travessas de afilhós, sapatos novos, meias de lã,
calças, camisas e tudo, tudo como e mais que os
outros.
Como desistir se até já tinha dito a toda a
gente que não aguentava mais aquela miséria
em que vivia, a passar tantos dias sem trabalho,
sem haver quem lhe fiasse uma fogaça de centeio
para enganar a fome dos filhos?
Como desistir, se até já tinha dito alto e bom
som na taberna do Tai que, dali para a frente,
“nunca mais trabalharia para corno nenhum por
uma estela de bacalhau, meio litro e dez miserá-
veis melréis”.
Não, desistir é que não, porque um homem
nunca desiste. Quando diz que vai é porque vai
mesmo e agora, para a frente é que era o ca- Quase petrificado, perdeu toda a reacção e, a
minho. muito custo, começou a mexer as pernas em di-
O sino devia estar quase a bater as fatídicas recção à porta, carregando em cada uma o peso
duas da madrugada daquele 24 de Dezembro do mundo inteiro.
de 1960. Com a voz embargada pela dor apenas con-
Na rua petrificada pela geada começaram a seguiu balbuciar o nome dos filhos enquanto cru-
ouvir-se passos apressados dos primeiros a diri- zava os olhos marejados de lágrimas com o olhar
girem-se para o carro que, coberto de gelo, os apagado e triste da mulher que tanto amava.
esperava no Carvalhal. Ao dobrar a soleira da porta, num último olhar
Vergado pela angústia, apanhou do escano para o interior da sua casa, não conseguiu travar
a saca cinzenta muito ponteada, em forma de duas lágrimas como punhos, sentindo que para
mochila, onde a mulher lhe acondicionara as trás ia deixar o melhor dos mundos, aqueles que,
coisas. até ali, era realmente todo o “seu mundo”.
Meia fogaça fiada pela Maria Cavala, um chou- Enquanto os filhos, num chorar lancinante, lhe
riço ainda mal curado pedido à vizinha e o resto diziam adeus, a mulher, com um gesto arrastado,
do bacalhau da última estela que a mulher es- estendeu para ele o braço direito e, abrindo a
condera dos filhos e guardara para a merenda, a mão, disse-lhe:
navalha, uma camisa, umas ceroulas, um par de - Toma e traz sempre contigo a medalha de
meias de lã e um lenço das mãos. Nossa Senhora das Graças. Já que nós não pode-

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mos ir contigo, que vá Ela, te proteja e sempre Em surdina, não fossem os passadores ouvir
te acompanhe. na cabine, começaram a ouvir-se as primeiras
Estava mesmo na hora de abalar. queixas e soltaram-se as primeiras pragas.
Gelado por dentro, quase não sentiu o frio Passadas mais de duas horas neste suplício
agreste que, na rua, lhe fustigava o rosto. aterrador, a charanga em que viajavam, depois
Quando chegou ao Carvalhal, já o motorista de meia dúzia de saltos, saiu da estrada, parou,
tentava a muito custo por a funcionar o velho desligou o motor e apagou as poucas luzes que
e muito cansado motor diesel do velho Bedford ainda funcionavam.
que o iria levar para o destino. O ajudante, num ápice desceu o taipal de
Num silêncio quase sepulcral, uns após ou- trás, e berrou para dentro:
tros, foram-se sentando nas tábuas de soalho que -Meus senhores, estamos muito perto da
faziam de bancos, cravadas nos taipais, a toda a fronteira. Saiam depressa e, calados como ra-
volta da carroçaria. tos, venham atrás de mim. Nada de barulhos,
De certo que não eram nada cómodos mas, falar, ou acender um cigarro que seja, porque
como não havia dinheiro para mais e nem sequer o mais pequeno descuido pode deitar tudo a
tinham documentos, não havia outro remédio se- perder. Se vocês não se importam, pelo que me
não aguentar e calar. toca, eu não quero voltar para trás nem levar
Quando o velho motor diesel finalmente um tiro nos cornos.
pegou, o camião estremeceu por todos os la- Quando houver notícias, cá estarei eu para as
dos, ameaçando desconjuntar-se em qualquer dar. Vamos embora que se faz tarde.
curva. Em fila indiana, serpentearam mais de uma
Fechado o taipal de trás, com o descer da lona hora por entre castanheiros e carvalhos, não se
da capota, uma escuridão ainda mais aterradora apercebendo sequer de terem entrado em Espa-
envolveu o mísero espaço em que os encaixaram nha, bem perto de Alcaniças.
e, enquanto alguns sibilavam baixinho as suas Subitamente, entraram num carreiro aperta-
orações, ouviram-se de fora, em voz aterradora, do, escondidos dum lado e doutro por silvas mais
as primeiras e únicas indicações: altas que um homem, chegando, poucos minutos
- A partir de agora, meus senhores, é calar depois, a um pequeno lameiro seco pela geada
ou dormir. e ladeado a toda a volta por grandes fincões de
Deixando para trás uma nuvem do gasoil mal pedra, muito perto já da estrada de Zamora.
queimado, tão preta como a tristeza que lhe re- Com a mesma voz rude de sempre, o passador
talhava o coração, o velho chaço, depois de se avisou que ninguém se atrevesse a sair do lameiro
livrar a muito custo da arada em que estaciona- e, muito menos, a ir para a estrada porque, den-
ra, entrou na estrada para Argoselo, onde chegou tro de meia hora, viria um camião espanhol para
rapidamente. os levar até à França.
Com medo da GNR, parou às alminhas, antes Sem qualquer palavra, nem um simples dese-
da entrada do povo, onde o aguardavam mais jo de boa viagem, como um fantasma, desapa-
duas dezenas de candidatos a emigrantes. receu na noite, voltando para trás pelo caminho
Aqui, os que, por necessidade ou por medo, donde vieram.
tentaram descer para urinar, foram impedidos Só que aquela maldita meia hora nunca mais
pelo ajudante, berrando para dentro que mijas- passava. Carros atrás de carros passavam, cada
sem no chão, porque as vitelas e os porcos tam- vez com mais frequência, na estrada de Zamora.
bém o faziam e nunca tinham morrido antes de Com o clarear da manhã, apercebendo-se
chegar à feira. bem do autêntico curral em que os meteram,
Estarrecidos pelo medo e pelo frio, ninguém perdidos numa terra que não conheciam e aban-
respondeu e, num instante, depois de todos su- donados à sua sorte, enquanto uns começaram
birem, o carro arrancou de novo, agora em di- a chorar convulsivamente, outros praguejavam
recção a Espanha, tentando alcançar a fronteira dizendo mal da sua sorte, de nada adiantando os
antes do clarear da manhã. conselhos dos que, mais calmos, aconselhavam
No serpentear terrível da estrada de Outei- um pouco mais de paciência.
ro, muitos enjoaram e, aquele espaço fétido Subitamente, quando o relógio da velha torre
onde alguns viajavam de pé segurando-se à ar- de Alcaniças batia as sete da manhã, em vez do
mação da capota, tornou-se mais insuportável camião espanhol que os devia levar para França,
ainda. viram-se cercados por caros da policia espanho-

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la, os terríveis carabineiros, que, entrando para vergonha imensa que lhes torturava o coração e
o lameiro de carabina apontada, os obrigaram a a alma, nem se lembrando tão pouco que aquele
deitar, de mãos atrás das costas. era já o dia de Consoada.
Mandaram-nos depois levantar e, em fila in- Mas nem nisso a sorte os acompanhou.
diana, conduziram-nos a pé, até ao pequeno lar- Passadas mais de duas horas, chegaram fi-
go em frente às instalações da alfandega, à saída nalmente às Três Marras, onde os aguardavam
de Alcaniças para as Três Marras. já todos os guardas fiscais do posto de fronteira
Quando o anafado e bem nutrido sargento Or- português.
doñes, impante de vaidade e de mal disfarçado Dirigindo-se-lhes com aquele ar militarão,
ar de superioridade, se dirigiu para junto deles, que os Cabos RD tão bem sabiam interpretar, o
todos pensaram Cabo Rodrigues informou-os que, por ser dia de
então que a sua Consoada e por decisão superior, depois de iden-
França iam ser as tificados, iriam passar o Natal a casa, transporta-
terríveis cadeias dos num carro do Comando de Bragança, que de-
de Zamora ou Sa- via estar mesmo a chegar, lembrando que, sortes
lamanca, longe de como aquela não aconteciam sempre.
tudo e de todos, Sorte!...
sem ninguém que Nunca a palavra “sorte” teria sido tão ma-
os pudesse ajudar drasta para ninguém.
e defender. Mortos de fome e de cansaço, nunca se senti-
Deitada fora, ram tão mal.
depois da última Afundados no vazio da sua frustração e do seu
passa, a beata fracasso, se não fossem as mulher e os filhos que
que estava a fu- deixaram em casa, a haver sorte, para evitar tan-
mar e depois de ta vergonha, a única sorte que então mais que-
coçar o mal tratado bigode onde, mal disfarçado, riam, era desaparecer.
se escondia o pingo deixado pelo último espirro Chegados ao povo, fecharam-se em casa, ou-
provocado pelo frio da manhã, saudou os prisio- vindo apenas os filhos a chamarem-lhe Pai.
neiros com um sarcástico bom dia para, logo de
seguida, os brindar com este brilhante discurso: - Em Carção, em Dezembro de1960, para
- Com que então, meus senhores, ir a salto muitos não houve missa do Galo nem noite de
para a França? Pelos vistos, acabou-se a palha em Natal!
Portugal, não foi? - Em Carção, em Dezembro de 1960, para
O que vocês mereciam era ir já todos apodre- muitos, o sonho virara pesadelo!
cer no cárcere e só sair de lá quando as galinhas -Em Carção, em Dezembro de 1960, para
tivessem dentes, mas isso, só pela comida, ficava muitos, a vida ficou ainda mais negra que toda
muito caro para a Fazenda de Espanha e era sorte a negrura junta de todas as noites negras dos
de mais para vadios como vocês. muitos Natais passados sem que naquelas almas
Depois de render os meus homens, sereis amarguradas, reinasse o mais débil fio de espe-
acompanhados até às Três Marras, onde o meu rança em melhores dias.
amigo Rodrigues tratará de vos fazer a folha. - Em Carção, em Dezembro de 1960, para
Podem sentar-se um pouco no chão, que ain- muitos não se ouviram nos Céus os cânticos
da é cedo para ir incomodar o meu amigo. dos anjos anunciando o nascimento do Deus
Cercados de carabineiros, como se de um Menino.
bando de malfeitores se tratasse, ficaram naque- - Em Carção, em Dezembro de 1960, para
le tormento humilhante mais de uma hora. muitos, nem o sorriso do Menino Jesus trouxe a
Na gélida manhã daquele dia de Consoada, alegria e a esperança num futuro melhor.
enquanto esperavam pelo tal Rodrigues, muito, - Em Carção, em Dezembro de 1960, no dia
amigo do sargento espanhol, sentiram-se as pes- 25, nem todos puderam cantar o “Cristãos ale-
soas mais miseráveis, insignificantes e humilha- gria, que nasceu Jesus”, porque, nem para to-
das de todo o mundo. dos, foi dia de Natal.
Perdida toda a noção do tempo e do espaço F. Costa Andrade
em que se encontravam, a única preocupação era
(*) Extraído dum livro inédito ficcionado sobre a emigração
chegar a casa de noite para assim esconderem a nos anos 60.

31
C/ Esteban Collantes, 50
28017 M A D R I D
Telés. 91 367 89 14 / 61 595 22 96

de António dos Santos


e Lurdes Ramos

– Menus Caseros
– Amplia Carta,
Raciones Variadas
– Comuniones, Bautizos
– Comidas de Empresa
– Terraza de Verano

32
Breve cronologia da construção da Casa do Povo de Carção
As denominadas Casas do Povo, foram Casa do Povo em Carção, mais concretamente
instituídas pelo Decreto-lei nº 23051 de 22 em 1937 (conforme é referido no cartão de
de Setembro de 1933, tendo como objecti- pessoa colectiva), terá tido a sua sede inicial
vo principal, promover a melhoria das con- na casa que agora é minha propriedade, Rua
dições sociais dos mais desfavorecidos, e da Praça (antiga casa do tio Zé Bravo), depois
ainda promover o fortalecimento de laços teve sede também na Rua da Praça, na antiga
entre proprietários rurais e trabalhadores no casa do tio Luís Bravo, hoje propriedade do Sr.
sentido da preservação moral e espiritual das Nuno Jerónimo Moreira.
parcelas rurais. Por volta do ano 1962 iniciam-se os con-
Em 1940 foi publicado o Decreto-lei nº tactos com a Brigada de Bragança da Comis-
30.710 de 29 de Agosto, vindo a acentuar a são Coordenadora dos Serviços Médicos das
vertente de instituição de
previdência social de ins-
crição obrigatória, passan-
do assim a ter por objecti-
vo a acção médico-social,
assistência materno-infan-
til e proteção na invali-
dez.
Em 1969 a Lei nº 2.144
de 29 de Maio, desenha
um novo quadro de com-
petências das Casas do
Povo, passando assim a
assegurar a previdência
social e a representação
profissional dos trabalha-
dores agrícolas e demais
residentes na sua área de
jurisdição, passando as-
sim a ter personalidade
jurídica, reforçando ain-
da a componente de dinamização sócio-eco- Instituições de Previdência para procederem
nomica e cultural. ao estudo e aquisição de um terreno para a
Com o 25 de Abril de 1974, mesmo com o construção da Nova Sede da Casa do Povo de
cariz ideológico que as Casas do Povo tinham, Carção.
elas mantiveram-se e reforçaram ainda mais Desses contactos, começou-se por sugerir
direitos aos seus associados e á sua existên- a aquisição de uma parcela de terreno ao Sr.
cia. António Manuel do Vale Fernandes, (confor-
A partir do Decreto-lei 4/82 de 11 de Ja- me assinalado na foto – Fig.1), pelo preço de
neiro, novas adaptações foram introduzidas 12.000$00.
no regime jurídico das Casas do Povo, passan- Aí seria construída a Casa do Povo, pelo va-
do a partir dessa década a serem considera- lor global de 377. 677$00, para a construção
das pessoas colectivas de utilidade pública, de um edifício que seria muito semelhante ao
constituídas por tempo indeterminado e com ante-projecto da Casa do Povo de Izeda.
o objectivo de promover o desenvolvimento Após alguns meses verificou-se que o 1.º
e bem-estar das comunidades, sobretudo nos terreno proposto se tornou impossível a sua
meios rurais. aquisição, conforme é referido em ofício de 7
Após esta breve introdução sobre as Casas de Novembro de 1963.
do Povo a nível nacional, procurarei agora fa- Perante tal situação optou-se pela aqui-
zer uma breve resenha histórica sobre a cons- sição de um terreno com cerca de 3100m2
trução da actual Casa do Povo de Carção. à Sr.ª Ana das Dores Domingues, pelo preço
Assim direi que desde os anos 40 que existiu 10.000$00.

33
Após a escritura de tal terreno datada de de procurarei relatar, ficando apenas uma em
21 de Dezembro de 1963, procedeu-se à pu- que a Sr.ª Professora Ana Joaquina Oliveira,
blicação da abertura do Concurso para cons- apresentou queixa em 4/02/66, pelos prejuí-
trução da dita Casa do Povo pelo preço Base zos causados num seu terreno contíguo á Casa
de licitação 377.677$00,avisos publicados no do Povo.
Jornal O Século, o Primeiro de Janeiro data- À época da construção da nova sede (actu-
dos de 28/05/64 e no Mensageiro de Bragança al) da Casa do Povo, faziam parte da direcção
com data de 29/05/64. da mesma os seguintes conterrâneos:
Em 12/08/1964, foi a obra adjudicado ao
Sr. Francisco Júlio Ferreira, pelo preço de
Presidente – Manuel Augusto Lopes Jandiz
377.650$00, que como relata a informação da
Brigada de Bragança de 8/8/64, que depois da Secretario – Diamantino Prada
hora de abertura Tesoureiro – António Salazar
do concurso nin-
guém tinha apa- De 1966 a 1971, foi presidente da Casa
recido, referiu a do Povo de Carção o Sr. Professor Albino José
mesma que o Sr. Rodrigues.
Empreiteiro Jú- Nos anos setenta foi presidente da Casa do
lio Ferreira, re- Povo o Sr. António Andrade
sidente em Pa- Nos anos Oitenta esteve a frente da direc-
rada – Bragança, ção da Casa do Povo – Luís dos Santos Miran-
chegou atrasado da Garrido.
por avaria na bi- Desde 2004, aquando da nova reestrutura-
cicleta motorizada, a Comissão aceitou a pro- ção e regularização jurídica da Casa do Povo,
posta para evitar mais demoras na construção dirige os destinos desta Associação – Serafim
da Casa do Povo de Carção. Dos Santos F. João.
As obras de construção do edifício foram Ao longo dos últimos três anos, a Casa do
entregues provisoriamente em 25/05/65. Povo de Carção tem vindo a sofrer obras de
Em 14 de Junho de 1965 foi inaugurada por requalificação no edifício e arranjos urbanís-
Sua Excelência o Ministro das Corporações e ticos do exterior, para contribuir para a utili-
Previdência Social, Prof. Doutor Gonçalves zação condigna dos utentes e das instituições
Proença. que nela se instalaram e utilizam.
No decurso desta obra algumas peripécias
foram surgindo, que numa outra oportunida- Serafim João

João Américo
Gonçalves Andrade
Informação
Foi atribuída ao Notário, Dr. João Américo Gonçalves Andrade, licença para
instalação de Cartório Notarial, exercendo a actividade na Avenida Sá carneiro, 11
(antiga sede da Caixa de Crédito Agrícola), em Bragança, ficando a seu cargo o
acervo do extinto cartório Notarial.

CARTÓRIO NOTARIAL DE BRAGANÇA


Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, N.º 11 • 5300-252 BRAGANÇA
Tel. 273 302 880/5 – Fax 273 302 889
Email: notario-bgc.andrade@mail.telepac.pt

34
AZULEJOS NA FACHADA
– devoção, saudosismo ou afirmação de outra realidade?
Algumas casas de Macedo de Cavaleiros no trabalho científico Macedo de Cavaleiros,
têm azulejos nas suas fachadas. Não são gran- Cultura, Património e Turismo3 alguma infor-
des painéis. São pequenos conjuntos de seis mação relevante nesta matéria e ali escrita
ou nove azulejos, raramente mais, quase como uma chamada de
todos eles de invocação religiosa. Há fi-
gurações do Santo Ambrósio, da Nossa Se-
nhora da Conceição, de S. José, de Nossa
Senhora do Aviso de Serapicos, da Sagrada
Família, além de outros. Mas os que mais
se repetem são os de S. Bartolomeu e de
Nossa Senhora das Graças, respectivamen-
te os oragos de Argoselo e de Carção. São,
também, os mais significativos. Primeiros
apontamentos de um tema que promete,
estas linhas breves não são mais do que
uma proposta de pistas para o estudo de
uma realidade mais ou menos escondida
mas com a qual Macedo de Cavaleiros conviveu atenção séria,
e convive e cuja face visível tem estado, afi- contribuindo de forma decisiva para desfazer
nal, sempre à vista: emblemas, pequenos pai- alguns mitos correntes, como o de Macedo ser
néis de azulejos... apenas um lugarejo pequeno, pobre e obscuro
até meados do século XIX. Ora, é precisamente
Um passado recente esta última obra que, sem dúvidas nem equí-
Estão por fazer os estudos sobre a génese, vocos, vem demonstrar que nesses meados do
estrutura e evolução social da população da re- século XIX, período em que o Reino é dividi-
gião em que se recorta o concelho de Macedo do administrativamente mais ou menos como
de Cavaleiros. Apesar de implícita naquela que hoje se encontra, Macedo já era uma povoação
foi, durante muitos anos, a obra de referência maior do que Cortiços e Chacim, concelhos à
sobre esta unidade administrativa, O Concelho custa dos quais se faria, na sua maior parte, o
de Macedo de Cavaleiros1, ou de magnifica- actual município de Macedo de Cavaleiros.
mente bem aguarelada na extraordinária con- Centrado no Nordeste de Portugal numa en-
ferência O Romance Social Secular de Macedo cruzilhada de vias, precisamente num dos pontos
de Cavaleiros2, o que é certo é que se carece de de intersecção do trajecto Moncorvo-Bragança
estudos mais profundos e parcelares. Impossí- e Planalto de Miranda-Mirandela, o então novo
vel, por isso, dar uma visão de síntese que seja concelho e nova vila rapidamente tirou partido
completa e abrangente, se bem que, quanto à e consequências da coincidência criada. Econo-
sua evolução demográfica, tenha vindo a lume micamente tornou-se um centro de convergên-

35
cia de gente e de distribuição de produtos. sobre o assunto, a alguns comerciantes “Car-
Pelo fim do século XIX o seu crescimento ções” de Macedo, os maiores impropérios em
dava-se tanto em população como em parque relação aos de Mirandela. Ao ponto de os es-
habitacional. Ora, tal população era sobretudo crúpulos nesta desforra histórica chegarem a
gente imigrada, vinda dos arredores e de con- proclamações de que nem um centavo ali se
celhos vizinhos, atraída para a oportunidade de devesse gastar: “ao vir do Porto, se começar
mercado oferecida por um número crescente na reserva já para cá de Murça, prefiro ficar
de funcionários e serviços que se iam implan- na estrada e vir a pé do Vimieiro do que me-
tando e estabelecendo. E com uma novidade, ter gasolina em Mirandela!”. Esta frase ouvi-a
em Trás-os-Montes: gente nova, de algum modo vezes sem conta sem lhe saber a causa. Viria
desenraizada e para aqui convergindo para fa- a descobri-lo uns anos depois, conversa mais
zer obra e ganhar a vida, é sempre gente que franca em que o desabafo me foi explicado.
tem uma mentalidade mais aberta, um espírito As feiras de Macedo constituíam um forte
mais empreendedor, menos preconceituoso e atractivo e a Praça das Eiras, durante mais de
mais tolerante. um século o local de realização de mercados,
Por essa altura a vida não era foi pólo de convergência e resi-
fácil para os lados de Carção dência desta nova população imi-
e Argoselo. Famílias nume- grada7.
rosas acotovelavam-se numa Entretanto, uma nova via se
terra que agricolamente não abria na vila, em direcção à Es-
dava para todos e cujo tráfi- tação de Caminho de Ferro, lo-
co de fronteira, capaz de fa- comotivas aqui apitando desde
ses de grande lucro, por esses 1905. Ficavam à disposição por
anos não estava famoso. Sé- preço barato, para construir ca-
culos de comércio recoveiro sas e armazéns, vastos lotes de
eram a tradição corrente e à terreno para um local excêntrico
voz de “lá vem o almocreve” da terra.
ou “ali vai um tendeiro”, en- O novo meio de transporte
tendia-se “ali vir um Carção”4, veio encurtar em horas as via-
colado que estava este termo gens possíveis de e para o lito-
como sinónimo dessas activi- ral. Por outro lado, para quem
dades. E doutras, todas rela- tinha negócios itinerantes para o Planalto
cionadas com o negócio e com a circulação do de Vimioso, Miranda e Mogadouro, esta nova
dinheiro. estação era o cais ideal para as mercadorias
Mirandela, por outro lado, inaugurava o ca- que a partir daqui se podiam despachar em
minho-de-ferro5, entrava numa época promis- carros-matos ou no dorso de mulas, viajando
sora de um progresso mais rápido. Daí que a as pessoas em diligências.
gente de Carção tenha tentado um contacto Empurrada pelas vicissitudes da república,
na cidade do Tua para o seu estabelecimento, da grande guerra e da pneumónica, uma nova
apalpado o terreno para um movimento mi- vaga veio para Macedo nos anos vinte, atraída
gratório. Saíram gorados estes esforços, en- pelo surto de progresso que a vila de então
sarilhando-se tais negócios, tal como saíram experimentava, seduzida por haver comboio,
baldados os seguintes, já no século XX, tendo transportes motorizados8 e oportunidades de
sido manifesta a hostilidade com que a classe negócio. Nesta fase para cá vieram viver os
comercial de Mirandela encarou o assunto e Ferreira, os Liberal, os Lopes, os Roma, os
eficaz a forma como a sua classe política o sou- Gonçalves e mais uns quantos, a juntar-se a
be então resolver a favor dos da terra6. A con- pioneiros já estabelecidos. Deixamos para ou-
sequência foi terem-se voltado para Macedo as tro momento alguns episódios e fases desta
atenções das gentes de Carção, onde alguns migração.
já tinham assentado arraiais, urgindo resolver
o estrangulamento em que se sentiam. Ficou De azulejos na fachada
sempre um ressentimento desta fase, desta Foi a partir desta época que começaram a
rejeição dos da Princesa do Tua, tendo ouvido ser construídas as casas com os azulejos em que
várias vezes, mesmo dezenas de anos passados figurava a Senhora das Graças e o S.Bartolomeu.

36
Um ou outro fê-lo cerca da Praça das Eiras ou …Mas não é inteiramente descabido ques-
no Prado de Cavaleiros mas foi sobretudo ao tionarmo-nos, ao vermos os azulejos, se estes
longo da Rua e Avenida da Estação (hoje Ave- não serão também mais do que isso, também
nida D.Nuno Álvares Pereira, e nesse tempo a uma simbologia para uma realidade existente
Rua da Estação de significados menos evidentes. Nem por isso
começava logo menos fortes. Uma afirmação de um elemento
onde hoje se ini- reconhecível numa comunidade que, ao longo
cia a Rua Dr. Luís da história, sobretudo ao querer ultrapassar
Olaio), ou para lá momentos ou períodos de hostilidade circun-
desta, na saída dante, foi graças à utilização de uma estraté-
para Mogadouro gia de sobrevivência que chegou até hoje.
– o mesmo é di- Azulejos na fachada podem muito bem
zer, na saída para ter sido e serem ainda um sinal fazendo par-
Vimioso... te dessa estratégia que está muito para lá de
Armazéns e ser apenas uma devoção sentida ou um mero
estabelecimen- saudosismo. Cremos bem, e continuaremos a
tos de todo o estudá-lo, que serão mais ainda do que uma
tipo, miudezas, afirmação de uma outra realidade. Que o terão
fazendas, merce- sido até agora.
arias, louças, azeites, ferragens, calçados, rou- Manuel Cardoso
pas, produtos alimentares, peixe fresco chega- Licenciado em Medicina Veterinária (UTL-Lisboa),
do por via férrea com gelo do Porto ou salgado Pós-graduado em Ciências Agrárias (UTAD-Vila Real)
em barrica, negócios feitos ao balcão ou de Pós-graduado em Gestão e Conservação da Natureza
(UA-Açores).
mais grosso trato, ainda outros mais discretos, Docente do IPB-Bragança
com dinheiro por juros, mercadorias não de- Vereador da C. M. de Macedo de Cavaleiros
claradas, produtos de contrafacção, de tudo se
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Obras publicadas:
podia comprar e vender naquelas centenas de O Segredo da Fonte Queimada, romance, Sopa de Letras, 2009.
metros. Esta área da vila mereceu o epíteto de Um Tiro na Bruma, romance, Sopa de Letras, 2007 (2 edições).
Macedo de Cavaleiros Rua a Rua, monográfico, CMMC, 2005.
Carçolândia, hoje ainda não esquecido e que, Quartzo – Vidas de um Veterinário, contos, Quarteto, 2000.
mesmo nos dias que correm, se ouve com mais Glossário de Equídeos, didáctico, Quarteto, 1999.
ou menos humor ou mais ou menos chiste por ________________________
quem o profere…
A distribuição dos azulejos pelas ruas da 1 Armando Pires, O Concelho de Macedo de Cavaleiros, Ed. Junta
Distrital, 1963
actual cidade não 2 Águedo de Oliveira, Romance Social Secular de Macedo dos
nos parece aleatória Cavaleiros, Conferência proferida no âmbito das comemorações
nem casual, obede- do Centenário de Macedo de Cavaleiros, documento dactilogra-
cendo à que foi a fado, inédito, 1963
3 Carlos
Alberto Santos Mendes, Macedo de Cavaleiros, Cultura,
distribuição das fa- Património e Turismo (Contributos para um programa integrado),
mílias que se foram ed. Câmara Municipal, 2005
implantando. 4 Em Macedo eram denominados de “Carções” todos os imigrados

Ainda hoje se de Argoselo, Vimioso e Carção e mesmo os que, sendo de outras


terras distintas, com aqueles tinham algum parentesco.
vêem aplicar azule- 5 1887.
jos novos, em casas 6 Veja-se a nota 13 de Macedo de Cavaleiros Rua a Rua, pág.
que já vão na tercei- 136. Obra do autor, publicada em 2005 pela Câmara Municipal
ra geração de imi- de Macedo de Cavaleiros. Estes episódios, que terão ocorrido por
duas vezes, uma ainda no século XIX e outra já no século XX prova-
grados de Argoselo e de Carção. Se para alguns velmente depois da I Grande Guerra, foram-me também corrobo-
a devoção é logo o primeiro impulso a justificar rados pelo testemunho do Dr. António de Sousa Falcão a quem os
a despesa, uma devoção à qual se mistura a teria contado seu pai, o Dr. Frederico Falcão Machado, Presidente
da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, contemporâneo e
gratidão pelos bons negócios e uma invocação interveniente num deles.
à protecção celeste, para outros é o saudo- 7 Na mesma nota 13 de Macedo de Cavaleiros Rua a Rua, pág. 136
sismo de um passado que nem está enterrado se refere um assento de 6 de Setembro de 1884 segundo o qual no
“Largo da Feira” morreu Branca do Nascimento, natural e bapti-
nem lhes é desconhecido, perpetuado que está zada no Porto, em Santo Ildefonso, filha de D.Angelina Raimundo
por numerosas mas inconfessáveis histórias fa- Ferreira e de Francisco Alberto Rodrigues, ourives, de Carção.
miliares. 8 Os do Meneses Cordeiro, cuja estação rodoviária ficava junto da
dos Caminhos de Ferro.

37
Carção — Identidade e memória
Aceitei o convite que me foi generosamen- numa estranha relação dialéctica de inimi-
te endereçado pelo PAULO LOPES para ocupar zade/amizade: apesar de tudo, incindivel-
esta página, com um sentimento de honra, mente ligados e inseparáveis como irmãos
privilégio e gratidão. E como uma primeira e siameses. Até porque uns não poderiam vi-
bem modesta prestação para saldar a minha ver nem sobreviver sem os outros. Porque a
parte da dívida que todos os carçonenses têm vida de todos os dias assentava numa divisão
para com esta jovem equipa que, ano após do trabalho, não formal nem formalizada,
ano, vem fazendo O Almocreve, que tanto mas nem por isso menos consistente e es-
tem feito para a re-descoberta, a recuperação tabilizada. Por falta de aptidão e de gosto,
e a perpetuação da nossa memória colectiva. os judeus não trabalhavam a terra. Quando
Pondo sobretudo a tónica no que é uma das não andavam a respirar o pó dos caminhos,
marcas genéticas de Carção: uma sociedade negociando, comprando, vendendo e trocan-
assente numa linha de clivagem e separação do, dispersavam-se em pequenos ou grandes
entre dois troncos genéticos distintos, clara- grupos pela rua principal da aldeia, que co-
mente referenciados e explicitamente assu- meçava e acabava em dois grandes largos.
midos na vivência e consciência de cada um. Para onde convergiam, espreitando a “raça”
De um lado, os judeus/cristãos-novos/ de sol no inverno ou a sombra no verão. Para
marranos: artesãos e comerciantes de profis- aí discutir tudo: desde os pequenos aos gran-
são, com a vocação da partida e a fome de des negócios; desde os pequenos aos gran-
ver e viver mundo, tendencialmente sempre a des eventos; da pequena à grande política. E
caminho, bebendo e interiorizando uma cul- escrutinando acontecimentos, efemérides e
tura de abertura e de troca de coisas mate- a vida de todos os dias, pondo de pé uma es-
riais e culturais. Do outro lado os “cabrões”, pécie de jornal falado, actualizado dia a dia,
expressão que deve ler-se depurada de toda hora a hora. Para espanto e gáudio do turis-
carga negativa com que, em geral, a palavra ta ou do viajante, que não entendiam como
circula na língua portuguesa. E que aqui vale Carção podia governar-se com tanta gente “à
apenas como a palavra com que se exprime e boa vida”. Embora não trabalhassem a terra,
significa o outro lado do corpo e da alma de muitos judeus eram, em maior ou menor me-
Carção: a comunidade ligada à terra e à sua dida, proprietários de terras. O que os obri-
cultura física e espiritual. Eram (são) pesso- gava a buscar entre os “cabrões” a mão de
as que organizaram sempre os trabalhos e os obra indispensável para as sementeiras, as
dias em função dos apelos da terra, ao ritmo mondas, as ceifas, as colheitas, as vindimas
do eterno retorno das quatro estações. E, por e, pelo meio, toda uma série ininterrupta de
isso, com a vocação para estar, ficar e ver o tarefas que tornavam possíveis os momentos
mundo e a vida à dimensão dos horizontes de mais marcantes e gratificantes das sementei-
Carção. E mais virados para os saberes e os ras e das colheitas. Toda uma teia de víncu-
valores estabilizados e mediatizados pela tra- los que tendiam a prolongar-se no tempo, a
dição de séculos. Não devendo, por exemplo, perpetuar-se para além da sucessão de gera-
levar-se à conta de exagero asseverar-se que, ções: cada judeu tendia a contratar sistema-
até aos meados do século XX, trabalhavam a ticamente os mesmos “obreiros”. Também
terra segundo procedimentos técnicos e rela- do outro lado se estendiam os laços: cada
ções económicas em muito idênticos àquelas “cabrão” tinha o seu “soteiro” (logista), o
sobre os quais se organizava a vida rural na seu sapateiro, o seu alfaiate, o seu latoeiro,
remota Idade Média. pagando normalmente a “fazenda” com dias
Esta é a experiência e a memória de Car- de trabalho.
ção. Uma experiência secular que é um mi- Esta infra-estrutura económica tinha re-
lagre quotidianamente renovado: com hori- flexos óbvios e compreensíveis ao nível do
zontes, gostos, culturas e interesses diver- social, do cultural e do afectivo. Desde logo,
gentes e contraditórios, a verdade é que os ela propendia a esbater as linhas de conflitu-
dois lados souberam sempre lançar pontes alidade, deixando mais expostos e reforçados
de comunicação, interdependência e solida- os marcadores da solidariedade. Não havia, é
riedade, sobre o rio das divergências e an- certo, casamentos entre os dois lados, mas os
tagonismos. E têm permanentemente vivido judeus eram invariavelmente convidados para

38
padrinhos dos casamentos e dos baptizados abrigo e mesa em casa de outro que chegara
dos “cabrões”. Esta solidariedade resultava antes e se encontrava já instalado, não raro
particularmente exposta nas lides judiciais: a ocupar patamares elevados na escala social
quando chamado a tribunal, um judeu fazia- ou económica. Fosse como fosse, rico, reme-
se acompanhar dos “seus” cabrões, sendo diado ou, até pobre, ele aproveitava sempre
também a inversa verdadeira. Relativamente o encontro como momento sempre esperado
indiferentes à “verdade” e à “justiça” ideali- e sempre benvindo de partilha. Do pão, da
zadas e abstractas, eles compareciam em blo- memória, do sonho e das notícias frescas que
co em Tribunal e em bloco actuavam. Nas suas o recém-chegado trazia e que o outro bebia
representações, a “razão” só podia estar do com a sofreguidão com que a terra recebe as
lado dos “nossos”. E os “nossos” eram aque- chuvas em pleno Agosto. Na certeza de que
les que integravam a pequena
e estabilizada comunidade de
judeus e “cabrões”. Na certeza
de que os impulsos de solida-
riedade e cumplicidade funcio-
navam nos dois sentidos, isto
é, numa lógica e numa dinâmi-
ca de solidariedade.
Mas era sobretudo fora de
Carção que a solidariedade
entre judeus e “cabrões” se
decantava e sublimava. Mal se
ultrapassava a linha de frontei-
ra do “termo” de Carção e se
lançava o último olhar sobre
as casas que mais resistiam na
linha do horizonte, e já a cliva-
gem entre judeus e não judeus
se silenciava e desaparecia. E
com ela desapareciam os las-
tros de animosidade e conflito.
A partir daí registava-se inva-
riavelmente uma estranha fusão de perspec- naquele abraço de chegada não havia verda-
tivas, de crenças e de valores. A partir daí deiramente judeu nem “cabrão”. Havia ape-
sobrava apenas a memória comum e o senti- nas Carção. Uma mesma e só raiz de identi-
mento de pertença à mesma história. Numa dade e memória e uma mesma razão de ir à
palavra, dissolvia-se a consciência genética luta e procurar a vida nas sete partidas do
e ficava apenas a identidade de carçonense. mundo.
E seguiam em frente, vergados pela mesma Em definitivo, por sobre a linha irrecusá-
saudade e rezando aos mesmos santos, como vel e definida de separação das águas entre
os olhos e o coração virados sobretudo para judeus e “cabrões”, Carção impôs-se e sobre-
o altar da Senhora das Graças. E punham em pôs-se sempre como referente de identidade
comum o pão — o salpicão, o folar — e o vinho dum povo verdadeiramente único. Noutros
que levavam. termos, Carção era não só o denominador co-
Era assim se o encontro tinha lugar ali bem mum, mas também e sobretudo e denomina-
perto, em Vimioso, em Bragança ou Macedo. dor dominante. O momento de união e iden-
No Porto ou em Lisboa. E era-o também e so- tidade, que claramente se sobrepunha aos
bretudo se ele ocorria lá bem longe, na Fran- momentos de distinção e diferenciação asso-
ça ou na Alemanha, no Brasil ou em Angola, ciados à partença a um ou outro dos troncos
terras de emigração. Em tempos de paz ou de genéticos.
guerra. Onde quer que chegasse, só e desen-
raizado, um carçonense sabia que encontrava Manuel da Costa Andrade

39
CORTIFRISO
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Carção, a preservação de uma arquitectura anímica
Este vilarejo situado ao norte de Portugal, que, no passado, utilizavam mulas de carga co-
na região de Trás-os-Montes, próximo a Bragan- mumente conduzidas pelos judeus da região,
ça e a poucos quilômetros da fronteira com a que andavam de terra em terra para vender
Espanha, é tido por alguns pesquisadores como mercearias ou comprar peles de animais para
a “Capital do Marranismo”, região acima do serem tratadas e abastecer as fábricas de tra-
Alto Douro. Seus habitantes, cerca de 600, em tamento de peles (os pelames) e de cola (com
sua maioria idosos, são verdadeiros almocre- o aproveitamento dos resíduos das peles) de
ves descendentes de cristãos-novos. Eles car- forma a prover a região ou as fábricas do Por-
regam na memória o orgulho e o peso de serem to, Covilhã ou Guimarães.
descendentes de judeus que, perseguidos pela O curioso é como fui parar em Carção, nes-
Inquisição portuguesa entre os séculos XVI e ta terra longínqua, que eu jamais ouvira falar
XVII, foram obrigados a renunciar a fé judaica e na qual me senti em casa, entre familiares
e se converter ao cristianismo. Muitos dos seus e amigos, com quem pude compartilhar histó-
antepassados foram processados, acusados de rias e afinidades de costumes e de tradição que
conduta judaizante pelo Santo Ofício, me tocaram profundamente
condenados à morte no a alma. Emergiu em nosso
pelourinho e queimados encontro um sentimento de
por não abrirem mão de irmandade, de sincronismo
sua crença. Outros se con- de idéias e de ideais, muito
verteram ao cristianismo difícil de descrever, mas fá-
para sobreviver. cil de sentir. Algo que deve
Nas férias de verão, se assemelhar ao que Freud
Carção muda de fisionomia chamou de “arquitetura
com o aumento da popu- anímica”, isto é, conjun-
lação, ao receber seus jo- to de elementos psíquicos
vens, como é o caso de Pau- que “permite que os indi-
lo Lopes. Este descendente víduos de um determinado
de marranos, que conhece- grupamento, coletividade,
mos de forma inusitada, re- irmandade ou classe en-
cebeu-nos de braços aber- contrem similaridades, fa-
tos, acolhendo-nos como se miliaridades e se reconhe-
fossemos alguém da família çam como pertencentes a
há muito tempo esperado. tal grupo ou comunidade,
Professor secundário, ele a despeito de histórias de
trabalha nos Açores e, nas vida totalmente díspa-
férias, como muitos de seus companheiros de res”. Isto foi dito por ele na carta de agrade-
juventude, retorna de regiões distantes ou de cimento à B’nei Brit, em 1926, por ocasião do
outros países para visitar a família. Nos inter- prêmio que lhe foi conferido.
valos, dias de folga ou madrugada a fora, de- Mas, o que me levou a Carção e o que me
dica-se ao preparo de seu doutorado em Histó- mobilizou a momentos de profunda emoção?
ria da Arte, pesquisando “A talha dourada na Foi o destino, ou comunicações de inconscien-
diocese de Bragança-Miranda entre metade do te para inconsciente, como dizem os psicana-
século XVII e finais do século XIX”, trabalho re- listas?
alizado, com frequência, por artistas judeus ou A verdade é que a vida é muito curiosa,
seus descendentes marranos. E ainda encontra principalmente quando se é intrometido. As
tempo para ser o editor da revista local, pro- coisas acontecem e, depois, as atribuímos a
duzida pela Associação Cultural dos Almocreves forças ocultas que não sabemos dizer de onde
de Carção, “freguesia” pertencente ao “conce- vem, nem para onde vão. Mas, desta vez, elas
lho” de Vimioso. me levaram a Carção.
O corpo editorial da revista Almocreve pro- Tudo, aparentemente, começou na missa
cura preservar e resgatar o passado histórico de sétimo dia de um amigo cristão. Dirigi-me
de sua gente. Almocreves são os trabalhadores à igreja onde ocorreria o ato religioso e, lá

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chegando, encontrei-me com um Sr. Adriano, Deste relato nasce uma amizade e junto
do qual jamais ouvira falar ou tinha visto em vem a troca de muitas informações que cul-
minha vida e que lá estava para prestar as úl- minaram com a apresentação, por e-mail, de
timas homenagens ao falecido. A igreja ainda Paulo Lopes e, uma revelação surpreendente:
estava vazia, e ele, vestido de forma elegante, a bandeira de Carção, criada não há muito
procurava o interruptor de luz para clarear o tempo, tem como símbolo central a Menorá,
recinto. o candelabro de sete braços, um dos símbolos
Um tanto constrangido, perguntei-lhe de mais comum que identificam o judaísmo.
quem era a missa, pois havia o risco de chorar Impactado pelo encontro e pela sucessão
por equívoco a morte de um estranho, mas que de eventos, motivado pela homofonia do so-
na certa também mereceria compaixão. Con- brenome do protagonista de meu novo livro,
versa vai conversa vem, ele me conta que é es- resolvi conhecer Carção.
critor, membro da Casa do Poeta de São Paulo. Ruth e eu fomos de carro, da linda e ro-
Conta-me seus últimos ensaios. Eu, para não me mântica cidade do Porto até Bragança, com
sentir passado para trás, conto-lhe que também direito a um pernoite e passeio pela florida e
havia publicado livros, e que, no momento, es- bem cuidada Guimarães. Assim que chegamos
tava interessado em estudar Maimônides. a Bragança, Paulo veio nos receber. Pudemos
Digo-lhe que havia escrito um livro, Um ouvi-lo por duas horas, sem nenhuma inter-
Monge no Divã, que abordava a adolescência rupção, sobre sua vida e o vilarejo de Carção.
de um religioso beneditino do século XI-XII e Combinamos um encontro na aldeia, às 12h do
que, agora, estava desejoso por conhecer o dia seguinte, pois ele havia também marcado
pensamento de um judeu dessa época. A figura com outros dois amigos portugueses, diante da
judaica mais representativa da Europa do me- casa dos pais do Sr. Adriano. No dia seguinte,
dievo central era esse filósofo nascido em Cór- saímos no horário combinado e fomos a Outei-
doba. Relatei-lhe um pouco da obra e da histó- ro onde visitamos a praça, o pelourinho, a pri-
ria de RAMBAM, cuja diáspora foi semelhante à são e o tribunal, um a poucos passos do outro.
de milhares de judeus e cristãos da Andaluzia De lá rumamos direto para Carção, onde a vida
perseguidos pelos turcos Almohades que inva- rural predomina entre o verde e o bege, de um
diram a região, obrigando-os a se converterem terreno árido e pedregoso, de uma vegetação
ao islamismo. Restavam poucas opções para rala entre oliveiras, hortaliças, áreas de pas-
não morrer: fugir ou converter-se. Alguns pre- toreio, indústrias e artesanatos rudimentares
feriram preservar o judaísmo às escondidas. A que alimentam o comércio da região.
família de Maimon caminhou pelo sul da Espa- Chegamos uma hora antes do combinado e
nha muçulmana até chegar a Fez, no Marrocos. tivemos tempo para fazer um giro a pé pela
Muitos judeus se dispersaram, fugindo para região. Encontramos caminhando pelas ruas
Castela e para outras regiões da Europa e da de terra ou de pedra mulas carregando pro-
África, entre elas, Palestina e Portugal. dutos agrícolas, semelhantes aos almocreves
No meio dessa conversa, Adriano se diz des- de um passado distante quando os vendedores
cendente de marranos e conta a história como- ambulantes eram judeus ou marranos, hoje
vente de seus pais e familiares provenientes de cristãos, que transportavam em seus animais
Carção, cujos ancestrais eram cristãos novos. pesados fardos de pele curtida de boi, de ove-
Descreve o modo como eles viviam e os resídu- lha e carneiro. Vendiam também queijo, sal,
os de comportamentos judaicos presentes nos peixe, farinha, azeite, cereais e lã. Os judeus
hábitos e costumes de sua gente, a pele clara, dominavam o comércio local e dos arredores.
muitos deles com cabelos ruivos, e que cos- Eram os almocreves que, montados em mulas
tumavam fechar as janelas às sextas-feiras ao ou machos de carga, caminhavam pela região,
entardecer, acender velas e cobrir o espelho geralmente transportando e fazendo comércio
por ocasião de alguma morte em família. de peles. A indústria do curtume era realizada
Digo-lhe que sou judeu e ele prossegue en- praticamente pelos judeus que para amaciar
tusiasmado relatando como a Inquisição por- a pele utilizavam uma técnica rudimentar a
tuguesa perseguiu os judeus de Carção, prin- partir do uso de excremento de cães que co-
cipalmente nos séculos XVI e XVII. No século letavam pelos caminhos. Isto gerava escárnio
passado, alguns de seus familiares vieram para por parte dos cristãos que ofendiam a honra e
o Brasil. a dignidade dos judeus que transitavam entre

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terras de Portugal e de Espanha, como Castela O espaço era exíguo, de paredes e piso de pe-
e as aldeias do nordeste luso, tanto por ques- dras, antiga estrebaria ou armazém de trigo e
tões de comércio quanto por ações provocadas feno, separado por um teto de madeira da par-
pela Inquisição de ambos os países. Isto fica te superior da casa nos séculos da Inquisição.
patente quando ouviam nas paradas que per- A parte social e os dormitórios, principalmente
corriam o seguinte soneto: no inverno, eram aquecidos pela dissipação do
calor dos animais e do feno. Imaginei quantas
Caga perro, caga cão,
histórias haviam por lá ocorrido e como pode-
P’ra curtir o cordovão;
ria ter sido o schteitel de minha mãe e avós
Caga cão, caga perro,
maternos, quando deixaram Yedenitz, na Euro-
P’ra curtir o bezerro.
pa Central, no início do século passado.
Outros judeus eram artesãos ou mercadores Prosseguimos andando pela parte baixa
ambulantes de bacalhau, arroz, azeite, ofere- da povoação, onde os judeus se aglutinavam
cendo de casa em casa seus artigos, ampliando numa espécie de gueto e que depois foi habi-
significativamente o comércio da região. Aos tado pelos marranos, termo pejorativo como
cristãos cabia a lavoura. eram chamados os cristãos-novos, cujo signi-
Andrade e Guimarães revelam que “em pri- ficado é: sujos ou porcos. Cruzada a “rua do
meiro lugar, diremos que as comunidades de meio”, nome da travessa que separa os judeus
Carção, Argozelo e Vimioso estão umbilical- dos cristãos, seguimos em direção à casa que
mente ligadas, parecendo formar uma grande havia pertencido aos fa-
família, quase sempre miliares do Sr. Adriano.
com casamentos en- Paulo nos explica que
dogâmicos. E também acima da “rua do meio”
nos parece que as ori- viviam os cristãos; di-
gens da comunidade visão cultural nítida e
remontam ao tempo da geográfica: acima, os
expulsão dos judeus de cristãos e abaixo, os
Espanha, pois não exis- judeus. Aliás, na Idade
te qualquer documento Média Central era co-
que nos fale de judeus mum se acreditar que
em Carção antes daquela o que vinha de cima
época. Aliás, os proces- vinha de Deus e o que vinha de baixo,
sos mostram que muitos deles tinham casa vinha do Diabo.
lá e cá, declarando-se frequentes vezes ‘mo- A casa dos pais do Sr. Adriano ainda pre-
radores em Carção e assistindo em Castela’ e serva características antigas: um sobrado com
vice-versa”. Salientam que “é impressionante uma sacada ou pequena varanda dando para
a capacidade de resistência desta comunidade a rua principal e paredes de pedra. Da porta,
à Inquisição”. pode-se observar a pequena praça com o cha-
Paulo conta-nos um pensamento popular so- fariz e o local onde os animais apeavam para
bre a riqueza dos judeus de Carção: “para um beber água.
judeu nada mais faltava para fazer fortuna que Em Carção ainda existem algumas casas não
uma libra e uma mula e que, quando aqui nascia recobertas de argamassa em cujas paredes de
algum [judeu], logo nascia uma mula, tão habi- pedra podem ser percebidas depressões onde
tual era a atividade deles como Almocreves”. os judeus colocavam as Mezuzot, pequenos ro-
Já na parte baixa da aldeia, passamos pela linhos escritos que contém uma reza abenço-
casa da senhora Mathilde Jerónimo que estava ando a vida. Era costume tocá-los com os de-
trabalhando em um tear manual, tão antigo e dos e depois beijá-los ao entrar e sair de casa.
vivido quanto ela. Com a pele enrugada pelos Foi possível ver inscrições de cruzes com uma
anos, talvez mais de 80, pela aridez da terra, base triangular, deixadas pelos cristãos-novos
do frio e do sol, tecia uma colcha, segurando como forma de disfarce para não serem impor-
em uma das mãos uma lançadeira (tipo de agu- tunados pelas autoridades religiosas. Porém, a
lha) que também é um dos símbolos da ban- maioria das casas está sendo tomada pela nova
deira de Carção, representando a capacidade arquitetura e materiais disponíveis no merca-
de trabalho do povo e o amor ao artesanato. do, que encobrem o histórico de luta e de tra-

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balho do povo judeu que, durante certo tempo suas origens. Algo das transmissões transgera-
viveu em relativa harmonia com os cristãos. cionais ali estava presente, não apenas como
Mais adiante, chegamos ao local marcado lembranças, mas com muita emoção.
para o encontro. Era diante de ruínas de pe- Maria Fernanda Guimarães e Antonio Júlio
dra situadas entre duas casas já reformadas. de Andrade são dois pesquisadores da história
Nessas ruínas encontramos uma laje sobre uma da região e dos tempos da Inquisição. Tanto a
porta, contendo nele inscrito 1653 e em alto- revista Almocreve quanto este grupo de traba-
relevo um grande Leão de Judá deitado e duas lho tem por objetivo investigar os usos, costu-
aves, interpretadas como pelicanos. Próximo, mes e tradições da gente dessa comunidade e
havia duas cruzes com base triangular, sím- arredores.
bolo com o qual os judeus convertidos eram Ela é colaboradora da Cátedra de Estudos
identificados para não serem molestados pelas Sefaraditas “Alberto Benevides” e pesquisa
autoridades da Igreja. Por outro lado, muitos para o Dicionário Histórico dos Sefaraditas Por-
marranos preservavam o hábito de fechar as tugueses, em Lisboa e na Torre do Tombo, onde
janelas e acender velas às sextas-feiras no final teve a oportunidade de ouvir a respeito da nos-
da tarde, com a chegada do Shabat. sa querida Profa. Annita Novinski. Andrade de-
Andamos mais um pouco e encontramos a dica-se desde 1999 ao estudo dos judeus e dos
mãe de Paulo, dona Celene Fernandes, vestida marranos do Distrito de Bragança em colabo-
com roupa de trabalho, que veio ver o filho e ração com a mesma Cátedra de Estudos Sefa-
seus amigos, uma pausa na atividade de vende- raditas, além de ter funções na bem montada
dora de peixes da região. Cheia de vitalidade, biblioteca de Torre de Moncorvo.
aspecto saudável e alegre, com cara de quem Pessoas gentis e eruditas, possuidoras de
não tem medo do trabalho, ela conversa co- profundo conhecimento sobre a história polí-
nosco como se fôssemos velhos conhecidos. tica, econômica, social e religiosa da região.
Nesse momento, ouve-se uma barulheira infer- Fernanda e Antonio Júlio já haviam publicado
nal de buzina e alto-falante vindos de uma ca- “Subsídios para a história da Inquisição em
minhonete, perturbando a paz da região. Era o Torre de Moncorvo”.
concorrente de Celene, vindo de outro vilarejo Fomos todos, em seguida, almoçar no res-
oferecer peixe aos moradores de Carção. Ela taurante, onde saboreamos uma deliciosa ba-
ri e aparenta não se importar com a invasão, calhoada – prato típico dos marranos de Carção
e com bom humor diz que cada um está lutan- no Yom Kipur dos séculos XVI e XVII. Durante o
do para sobreviver e que há lugar para todo almoço, a conversa sobre judeus e marranos
mundo. Ela acrescenta: “Numa outra vez irei prosseguiu e uma das pessoas disse que por ali
vender meu peixe na terra dele”. Lembrei-me só há cristãos-novos e a outra, de pronto, afir-
de minha mãe em casa usando um avental pa- mou: “não senhor, aqui só há judeus”.
recido enquanto cuidava de nós e da cozinha. Fernanda também nos contou de seus an-
Na hora e local combinados aparecem os tepassados judeus, dos processos a que foram
amigos de Paulo, Maria Fernanda Guimarães e submetidos, das torturas e da garra dos judeus
Antonio Júlio Andrade. Ambos os pesquisadores que lutaram para preservar sua fé às escondi-
que estavam terminando de revisar o livro que das. Ela recorda o desaparecimento dos sam-
seria lançado dentro de alguns dias. Seu título: benitos da igreja matriz, onde ficavam expos-
Carção – a Capital do Marranismo. Logo depois, tas as mantas que eram colocadas pela cabeça
juntou-se a nós um fotógrafo canadense que à semelhança de um saco. O Tribunal do Santo
nos últimos dez anos tem, a cada ano, fotogra- Ofício obrigava os condenados a vestirem essas
fando os hábitos, costumes, tradições e monu- vestes e a desfilarem com elas pelas ruas antes
mentos que o tempo vai apagando. de cumprirem a sentença no pelourinho ou na
Tudo aquilo me parecia surpreendente. Pa- fogueira, quando eram desnudados. Nela era
recia um sonho estar naquela terra distante e pintada a imagem da pessoa condenada, rode-
ao mesmo tempo tão próxima, falando com ada de cães, serpentes e diabos, que ficaria
pessoas desconhecidas, mas cuja familiaridade exposta na igreja após sua morte e queima do
fazia-se presente, irmanados pela empatia des- corpo. Sua função era a de submeter o povo e,
pertada e pelo encontro de diferentes motiva- em especial, os cristãos novos condenados por
ções unidas pela história do povo judeu, entre heresias ou atitudes consideradas judaizantes,
cristãos à procura do elo perdido em relação às para que ninguém esquecesse do mal que eles

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fizeram para a cristandade. Seu desapareci- tes, fantasmas que percorrem a memória pro-
mento da igreja, levado supostamente pelos funda desses jovens ávidos de resgatar o elo
judeus, foi interpretado como um ato expres- perdido e reparar a memória e a vida de seus
sivo de coragem, de luta e de fé judaicas para antepassados judeus. Conteúdos de orgulho e
defender-se da opressão da Igreja. Estes pes- de dor guardados em algum lugar da memó-
quisadores citam que “foram registrados nessa ria e que, por diferentes circunstâncias, agora
aldeia a existência de pelo menos três livros emergem e tornam-se o motor propulsor de um
judaicos, proibidos por lei”. projeto corajoso e audacioso.
Em meio a essa discussão de quem era o Eles desejam erguer um memorial em ho-
quê, Paulo levanta-se, abre uma bandeira de menagem àqueles que foram processados ou
Carção e a oferece para mim e minha esposa mortos pela Inquisição portuguesa. Pretendem
como expressão de fraternidade. Ver a bandei- construir na entrada do povoado uma grande
ra aberta com a Menorá com os
grande Menorá nomes das víti-
no centro mobi- mas da intole-
lizou-me profun- rância religiosa
da emoção que e de outros inte-
agora comparti- resses para que o
lho com o leitor. tempo não apa-
Pensei até que o gue a história.
símbolo acima da Estas pessoas
Menorá fosse uma querem resga-
Mezuzá, mas de tar as verdades,
pronto me cor- desfazer as in-
rigiram, dizendo justiças e apagar
que era a lança- as sombras de
deira utilizada no dor e culpa que
tear, expressão os perseguem.
da capacidade de São atos de repa-
trabalho da gente ração para poder
de Carção. Estes se libertar e se
símbolos são lade- religar aos seus
ados pelos dois rios que banham a localidade e ancestrais judeus, através da cultura da coe-
na parte superior há uma fortaleza medieval, xistência entre as diferenças.
caracterizando a época de sua fundação. Ain- A comunidade local está ávida para desen-
da, fui agraciado com uma coleção dos núme- volver um roteiro turístico histórico-judaico
ros publicados da revista Almocreve e exem- unindo as várias cidades, vilas e aldeias que
plares dos livros acima mencionados. ainda possuem vestígios da vida judaica local,
Esse grupo de idealistas deseja preservar e como Bragança, Vila Real, Argozelo, Carção,
resgatar as lembranças daquilo que não está Vimioso, Outeiro, Torre de Moncorvo, Freches,
nas imagens, mas nos sentimentos, nas memó- além do importante acervo de Belmonte, situ-
rias encriptadas de um passado que não pode ada nós pés da Serra da Estrela.
ser esquecido. Eles se referem aos processos Durante minha rápida trajetória por esse
que a Santa Inquisição portuguesa realizou, dos roteiro turístico histórico-judaico a partir de
quais esses dois autores, Antonio Júlio e Maria Carção, motivado por laços afetivos que me
Fernanda, estudaram cerca de 50. Dentre es- unem à Portugal e ao povo judeu, invadido
tes, 25 processos de pessoas que foram presas por um sentimento profundo de identificação
e processadas pelo Santo Ofício. Em conseqü- com tais propósitos eu tive vontade de parti-
ência, foram torturadas, condenadas ao pelou- cipar dos anseios dessa gente desconhecida e
rinho, mortas, salgadas e queimadas para que tão familiar.
nenhum vestígio de seu corpo e alma restas- David Léo Levisky
se. Tudo isso se passava diante do povo como Membro Efetivo e Professor da Sociedade Brasileira de Psica-
nálise de São Paulo.
entretenimento e demonstração do poder da Psiquiatra da Infância e da Adolescência.
Igreja. Lembranças conscientes e inconscien- Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo.
Membro da Diretoria Executiva do Centro da Cultura Judaica.

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Encomendar as nossas almas
Quando visitei pela primeira vez a aldeia
de Carção, decorria o mês de Março do ano de
2002. Foi a convite do meu amigo João Campos,
director do Jornal Nordeste que, num encontro
ocasional num qualquer passeio da cidade de
Bragança, me desafiou para o acompanhar nes-
sa mesma noite a Carção onde iria fazer uma
reportagem sobre uma tradição. Nunca ouvira
falar de tal ritual, mas pela descrição breve
que me fez do mesmo, não hesitei em partir
para tal experiência. Não consigo recordar a
data exacta, mas lembro-me bem do impacto
assombroso que o ambiente escuro e frio, as
vozes sussurrantes nas casas e os cânticos anó-
nimos na escuridão me causaram.
Entrámos em várias casas, conversámos e
entrevistámos alguns habitantes e encomen-
dadores, tirámos fotografias e fomos insistente
e repetidamente convidados a beber e comer.
Recordo como se ontem, o impacto de cami-
nhar com esses grupos de pessoas pela escuri-
dão da noite - numa típica observação partici-
pante, deambulando ao som das suas melodias
ao encontro de cada lâmpada que se acendia à
porta dos lares habitados. campo do saber e aquele pela abrangência ge-
Desde logo me disponibilizei para escrever ográfica das suas investigações.
a peça para o Jornal, que seria publicado pas- Outra consideração diz respeito ao aviso que
sados uns dias ou na semana seguinte. Assim importa fazer ao leitor, pois estamos perante
foi e apesar do estilo jornalístico do texto, por- uma etnografia que tradicionalmente acontece
que assim tinha que ser, sempre fiquei com a num registo oral, o que permite aos “actores”
ideia de voltar a este tema1, mas desta vez re- uma grande flexibilidade e abertura nos pro-
correndo a outras ferramentas e perspectivan- cessos, pois essa oralidade (reza e cântico) é
do-o de um outro prisma. Mesmo não tendo, à manipulada e controlada pelos intervenientes
época, particular interesse pela religiosidade e, historicamente, foi e é veiculo de transmis-
popular, logo percebi o imenso manancial dis- são de conhecimentos (trans)geracionais. Num
ponível que permitiriam uma riquíssima inves- registo diferente, como a escrita, que poderá
tigação antropológica. Assim e agora, passados acontecer num mesmo espaço, mas num tem-
todos estes anos, surgiu esta oportunidade de po diferente, no qual o investigador regista
colaboração com a revista Almocreve, que a essa mesma realidade, essa flexibilidade dá lu-
relativa distância tenho acompanhado e cujo gar a uma determinada tensão dada a dificul-
blog/site visito assiduamente. dade sentida em alcançar toda a fluidez oral
Gostaria de começar por algumas conside- do empírico - das orações e cânticos e, depois,
rações preambulares: Primeira, sendo o tem- a própria escrita apresenta-se como potencial
po e o espaço aqui disponíveis reduzidos, a redutora e cristalizante dessas realidades.
pesquisa realizada não foi além da recorrente Conscientes e avisados destes condicionalismos
nestes estudos da religiosidade dita popular - metodológicos poderemos então ler, conhecer
os documentos provenientes da própria aldeia e perceber, ainda que prismaticamente, a en-
– Carção suas gentes usos e tradições, de Fran- comendação das almas de Carção.
cisco Rodrigues e a Revista Almocreve, edição Etnografando o rito2 - entendido enquan-
0; Depois, O Abade de Baçal e o Dr. Belarmino to uma repetição de um fragmento do tempo
Afonso pela proximidade ao local etnográfico original que serve de modelo para todos os
e, por fim, José Leite de Vasconcelos e Moisés tempos - que as gentes de Carção teimam em
Espírito Santo, este pela especialização neste não deixar morrer3, poderemos caracterizar os

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vários aspectos ou componentes dessa experi- e o cântico6, que reúne, às quartas-feiras e
ência religiosa. Sem querer dar um tom emi- sábados à noite, os indivíduos junto da Igreja
nentemente académico e procurando uma lin- partindo depois para uma ronda pela aldeia,
guagem não hermética, procurarei enquadrar passando pelas diferentes ruas da aldeia e pa-
o rito em análise no âmbito da religiosidade rando, momentaneamente, nas encruzilhadas
popular tradicional e seus aspectos mais im- e à porta das casas que tenham luz acesa.
portantes.
Momentos de Passagem
Oremos ou Cantemos Aquilo que podemos denominar de um hábi-
A Quaresma apresenta-se como um tempo to popular é o acto de fazer promessas. Algo a
sagrado4, excepcional e de reflexão, introspec- que os indivíduos recorrem frequentemente na
ção e dedicação à fé, no qual os fiéis são con- sua existência quotidiana e a facilidade e na-
vidados a uma atitude e a um comportamento turalidade com que o fazem remete a promes-
mais reservado, através da prática do jejum, sa para um universo comum, transformando a
da esmola e da oração. Em Carção, é durante relação com a divindade numa corrente troca
este período da Quaresma que podemos assis- de favores e numa reciprocidade generalizada.
tir à Encomendação das Almas, rito que, basi- A encomendação das almas pode também ser
camente, é uma forma de recordar os mortos consequência de uma promessa, que um ou
e interceder pelas almas que estarão no Pur- vários indivíduos tenham feito e assim a con-
gatório para que possam rumar ao reino dos tra-dádiva passa a ser a prece7 pelas almas do
Céus. Convém, desde logo, relembrar que no Purgatório. Este encontro de interesses para
mundo rural as almas sempre foram objecto de além de propiciarem o rito, reforça a teia de
um culto quotidiano: O toque das ave-marias solidariedade social comunitária e permite aos
de manhã, as orações no final das refeições, indivíduos projectarem um imaginário cultural
as trindades à noitinha, as esmolas dadas aos comum. Fácil será compreender que apesar
santos da aldeia e à igreja podem ser em seu de estarmos perante uma manifestação públi-
nome, assim como este culto em apreço que, ca de fé ou crença colectiva, na sua essência
em muitos locais, era e é realizado à revelia da trata-se de um momento introspectivo e que
Igreja e dos sacerdotes. Segundo Espírito Santo diz respeito à experiência religiosa individual
não será por acaso que este ritual acontece no de cada participante, pois cada um recordará
tempo da Quaresma e esse facto está directa- e suplicará pelas almas daqueles que lhe são
mente relacionado com o calendário agrícola mais próximos. Assim, também não será de es-
anual, pois coincide com o tempo da Prima- tranhar que a motivação individual para a par-
vera e da germinação das sementeiras, “essa ticipação nesta manifestação, seja algo que
encomendação consiste em repetir de casa em não é partilhado nem conhecido pelos demais.
casa um cântico que assimila as almas a pesso- Tal como acontece na promessa, a relação ou o
as adormecidas: chamam-se as almas para que diálogo com a entidade sagrada é algo de pes-
elas despertem neste momento do ano que é soal e intransmissível, não carecendo de verba-
o da germinação. (…) E assim tornar os mortos lização escrita ou oral. Todos juntos mas cada
propícios às culturas5” (Espírito Santo, 1990). qual com o seu sofrimento e o seu pedido.
Este ritual assume duas diferentes formas Este carácter funcionalista e, de certa for-
de expressão: A oração, que acontece todas as ma, egoísta8, leva-nos também a perceber a
noites do tempo da Quaresma em cada casa, importância do culto aos mortos nas comunida-
onde depois do sino da igreja tocar se juntam des tradicionais, que ritualizam a morte como
os familiares e os amigos à volta da lareira; um momento de passagem e preocupam-se

48
com ele, pois acreditam que é uma passagem
para o além, para outra vida e/ou para outra
dimensão. Este momento não tem a ver só com
a morte, mas sim também com a vida e é um
pilar basilar das comunidades9. Portanto, inte-
ressa procurar saber a importância destes ritu-
ais de morte enquanto elementos estruturan-
tes ou estruturadores da vivência quotidiana
das pessoas e das comunidades.

A Devoção
Esta devoção às almas do Purgatório é sim-
ples e humilde e, ao contrário do que acontece
com o santo da aldeia, com os santos padroei-
ros ou com qualquer outra veneração a uma di-
vindade, não carece de qualquer materialida-
de - iconografias, altares ou construções maio-
res. Como podemos verificar aqui, em Carção,
qualquer local pode ser esse áxis mundi, en-
quanto lugar possuidor da energia vital da cria-
ção, onde o mundo profano é transcendido e é
possível a comunicação com os deuses (Eliade,
2002), onde é possível a ligação entre o Céu,
a Terra e o Inferno. Esses lugares podem ser a
casa, a rua ou a encruzilhada. A própria deam- Homem ao longo da sua história (Eliade, 2002).
bulação pelas ruas remete-nos para a ideia de Associados a esta separação entre estes dois
procissão que é um cortejo ritual e, tal como mundos estão, também, os conceitos de puro e
é sabido, tem por objectivo impregnar-se da impuro, sendo que o puro está para o sagrado
“virtude” que emana do centro e fazê-la irra- como o impuro está para o profano. Existe um
diar difusamente pelas periferias. Portanto, permanente cuidado por parte dos indivíduos e
sacralizar lugares por defeito profanos. das comunidades em banir o impuro do espaço
Esta fé e esta devoção das gentes desta al- ou lugar sagrado – tal como poderão verificar
deia são atestadas, também, pela existência mais à frente no texto, a passagem e a para-
de um retábulo na igreja dedicado às almas do gem dos grupos de encomendadores nas encru-
Purgatório10. Estaria tentado a referir-me a este zilhadas poderá ser significativa em relação a
retábulo como um Ex-Voto11, mas pelo facto de este aspecto.
nunca o ter estudado e dada a sua imponência, Segundo nos diz Paulo Lopes (2002) existi-
pela qualidade e pelo pormenor, prefiro evitar ram até à década de 80 vários cruzeiros12 espa-
a especulação e reforçar a sua importância en- lhados pela aldeia. Lugares onde os grupos de
quanto materialização simbólica da centralida- encomendadores paravam momentaneamente
de do culto às almas do Purgatório em Carção. para, em grande roda, rezarem e cantarem em
louvor de Deus e sufrágio das almas do Purga-
Espaços e Movimentos tório. Na sua grande maioria estas construções
Como já vimos este ritual acontece em dois encontravam-se nas encruzilhadas13, locais
espaços bem distintos – casa e rua, normalmen- com forte simbolismo, pois cada encruzilhada
te apresentados como opostos simbólicos, que é um lugar sagrado e constitui uma ruptura do
deixam perceber uma estruturação e endere- espaço segurizante da aldeia e por isso importa
çam-nos para a omnipresente hierarquia dos que a procissão, que projecta o sagrado para
espaços. Convirá estabelecer um princípio de fora do seu âmbito e sacraliza os territórios
organização do espaço, ou seja, como é vivido, que pisa, percorra todas as encruzilhadas para
sentido e percebido, numa lógica de continui- garantir que os maus espíritos se mantenham
dades e descontinuidades entre aquilo que é afastados. É aqui, nas encruzilhadas, que as
considerado sagrado e aquilo que é considera- almas se reúnem em procissões nocturnas co-
do profano, duas modalidades de ser no mun- nhecidas como “irmandades” e, por isso, os in-
do, duas situações existenciais assumidas pelo divíduos quando encomendam as almas estão

49
também, a participar nesse esforço colectivo de pertencer ou não pertencer. Esta dimensão
de vivos e mortos. Um outro aspecto interes- identitária obriga a um permanente diálogo do
sante e que reforça esta simbiose simbólica é eu (individuo e/ou comunidade) com os outros
que, tal como as irmandades se cobriam com (indivíduos ou comunidades) – leia-se aqui a
lençóis brancos dissimulando os seus rostos, os possibilidade de a encomendação das almas ser
participantes (vivos) cobriam-se totalmente, algo que acontecerá noutras geografias, noutras
principalmente o rosto, para que não se sou- populações da região e concelho e, portanto,
besse quem canta. Uns e outros ocupam os ser necessário esse exercício de entendimento
mesmos espaços que consideram seus. daquilo que eu vejo nos outros que se asseme-
Para além do valor e do significado que cada lha ou difere de mim e naquilo que os outros po-
um desses cruzeiros teria para a população derão ver em mim que difere ou se assemelha a
(LOPES, 2002), importa aqui referir o simbo- eles14. Através destes vários processos constro-
lismo religioso destas construções. Segundo o em-se as identidades individuais e colectivas. E
Padre Fontes (1992), para afugentar o diabo, estas últimas são, por seu lado, centrais para
as coisas ruins e dar virtude aos frutos, afu- a definição das identidades individuais e, aqui,
gentar as almas do outro mundo, é a cruz que a participação e o reconhecimento deste ritual
serve a tudo, de remédio e mesinha. Nas en- pode ser entendido como uma narrativa - na-
cruzilhadas dos caminhos, a meio da aldeia, lá quilo que Appiah (1994) chama de manuscritos,
está o cruzeiro. No lugar dos grandes perigos, definindo-os como narrativas que as pessoas po-
onde inimigos nos esperam e se cruzam, onde dem usar ao moldar os seus planos de vida e ao
os bandidos atacam, onde as sombras assus- contar as histórias das suas vidas – que identifica
tam, nas encruzilhadas, a mostrar e guiar os e agrega as gentes de Carção.
viandantes, ergueram-se os cruzeiros. Mas identidade é também a continuidade
de um povo ou comunidade ao longo do tempo.
Identidades e Tempo Símbolos de identidade são aqueles que permi-
É por esta forte adesão dos habitantes de tem mostrar e afirmar a sua continuidade, a sua
Carção e suas diásporas a este momento par- permanência enquanto comunidade. Esta noção
ticular da sua vivência religiosa que podere- de identidade implica, obrigatoriamente, uma
mos afirmar que estamos, também, perante espécie de memória colectiva15, com capacida-
uma questão de identidade: de ser ou não ser, de de interpretar e de reconhecer-se ao longo da

50
4 O tempo sagrado é permanentemente recuperável e repetível.
Mantém-se sempre igual a si mesmo, não muda nem se esgota, enquan-
to que o tempo dessacralizado tem uma duração precária e evanescen-
te, que conduz irremediavelmente à morte (Eliade, 2002).
5 Em muitas comunidades rurais eram comuns as ladainhas, que
consistiam numa procissão que deambulava pelos campos do termo da
aldeia, pedindo aos santos por uma boa sementeira.
6 Símbolo por excelência da palavra que liga a potência criadora
à sua criação, na medida em que esta reconhece a sua dependência
de criatura e a exprime na alegria, na adoração ou na imploração. É o
sopro da criatura a responder ao sopro do criador.
7 Marcel Mauss escreveu, em 1909, um texto acerca da Prece, no
qual a define como “actos tradicionais eficazes que se relacionam com
as coisas consideradas sagradas” e como “a instituição central no pro-
cesso evolutivo da vida religiosa das sociedades e que na sua origem
possui apenas rudimentos indecisos, fórmulas breves e esparsas, cân-
ticos mágico-religiosos que mal se podem chamar de preces. E depois
história. A tradição16 ocupa aqui, sem qualquer desenvolve-se, sem interrupção, e termina por invadir todo o sistema
dúvida, um lugar central, uma vez que coincide de ritos”. Segundo este autor a prece pode ser considerada um rito,
pois possui as mesmas propriedades e a mesma eficácia de um rito re-
com a herança cultural que os Carções herda- ligioso (Mauss, 1909).
ram de seus antepassados e é essa tradição que 8 Quando digo egoísta é no sentido de que me parece óbvio que
permite um controlo reflexivo da acção na orga- face ao fascínio e aos receios provocados pelo total desconhecimento
da morte, e face às incertezas quanto ao destino da nossa alma depois
nização do espaço-tempo da comunidade, inse- dessa passagem e na impossibilidade de garantirmos um lugar cativo no
rindo cada actividade ou experiência particular Céu, importa garantir que alguém encomende também a nossa alma.
na continuidade de passado, presente e futuro. 9 Nas nossas comunidades sempre houve rituais de natalidade e
mesmo pré-natais. A morte é redentora.
Apesar de, actualmente, estarmos enquadrados 10 Segundo recolha de Leonel Vaqueiro Salazar que na Revista Al-
por um “mundo” social dito moderno, onde a mocreve nº 0 faz uma pormenorizada descrição do mesmo.
11 Tem por significado “por um voto” e provém do latino vóveo. No
noção de estilo de vida assume um lugar central vocabulário popular é, muitas vezes, substituído pelos termos milagre,
e um significado particular, quanto mais a tradi- graça ou mercê. São vários os tipos e formas destas manifestações: qua-
ção perde a sua influência e a vida quotidiana é dros, figuras, objectos e relíquias. São ainda hoje visíveis nas igrejas,
sacristias e locais de veneração ou culto, como provas do cumprimento
reconstituída em termos de uma dialéctica en- de um voto ou em memória de uma graça obtida.
tre o local e o global (Giddens), mais os indiví- 12 Padrão da Cristandade, símbolo de crença e elemento falante
duos são forçados a negociarem escolhas entre na paisagem humana.
13 A importância simbólica da encruzilhada é universal. Cruzamen-
uma diversidade de opções de estilos de vida. to de caminhos encontra-se no centro do mundo. Lugares epifânicos (de
Será também por isso que, a terminar este pe- aparições e revelações), as encruzilhadas são assombradas pelos espí-
ritos e, por isso, o homem que procura reconciliar-se com eles, ergue
queno texto, relembro a obrigação cultural da construções – obeliscos, altares, pedras e inscrições, tudo o que possa
geração actual na preservação e manutenção contribuir para a reflexão. São um lugar de passagem entre mundos, da
deste peculiar ritual para que possa alcançar o vida para a morte.
14 Implícita está a ideia de relativismo cultural.
tempo futuro e as suas gerações. 15 Pode ser entendida como um quadro de referência partilhado
de recordações individuais. É constituída pela integração de diferen-
Luís Vale tes passados (individuais) num passado comum aos membros de uma
comunidade.
Mestre em Estudos Culturais, vertente Antropologia 16 Inerente à ideia de modernidade, surge um contraste com a tra-
Licenciado em Antropologia dição como modo de integrar controlo reflexivo da acção na organiza-
Presidente da Associação Eira – Cultura Implicada ção espácio-temporal da comunidade. O papel da tradição é, também,
o de permitir reanalisar o passado, em situação de presente, evocar
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Algumas das obras Publicadas papéis sociais do mundo de ontem, não afastando a necessidade de a
Bem Perto do Céu – A Novena Retiro da Senhora da Serra (2007) própria tradição ter de ser reinventada por cada nova geração (MAIA).
Histórias de Escano e Soalheira (2008)
Bibliografia:
DURKHEIM, Émile, 2002, As Formas Elementares da Vida Religiosa,
_____________ Oeiras, Celta Editores;
ELIADE, Mircea, 2002, O Sagrado e o Profano, Lisboa, Livros do
1 Pela eminência de condicionalismos temporais e geracionais, Brasil;
acrescido o meu desconhecimento de qualquer estudo sobre este ritual ESPÍRITO SANTO, Moisés, 1990, A Religião Popular Portuguesa, Lis-
deixo aqui o alerta para que, com a brevidade possível, se proceda a um boa, Assírio & Alvim;
estudo mais rigoroso acerca deste rito. Será uma obrigação hereditária LOPES, Paulo, 2002, Encomendação das Almas, in Revista Almo-
para todos aqueles que de uma forma ou de outra, tiveram contacto creve - edição 0, Carção, Edição da Associação Cultural dos Almocreves
com o mesmo. de Carção;
2 Modos de agir que só nascem no interior de grupos homogéneos MAIA, Rui Leandro (org.), 2002, Dicionário de Sociologia, Porto,
e que se destinam a suscitar, a alimentar ou a refazer certos estados Porto Editora;
mentais desses mesmos grupos (Durkheim, 2002). MAUSS, Marcel, 1909, La Prière, Paris, Félix Alcan Éditeur;
3 Diga-se, para bem da verdade empírica, que será muito fácil RODRIGUES, Francisco, 2000, Carção suas gentes usos e costumes,
este rito, com o passar do tempo e das gerações , desaparecer defini- Carção, Câmara Municipal de Vimioso;
tivamente da vivência desta comunidade e passar a ser mais uma das VALE, Luís, 2007, Bem Perto do Céu – a novena-retiro da Senhora
inúmeras recordações colectivas do imaginário transmontano. da Serra, Chamusca, Edições Cosmos.

51
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52
A origem e evolução da palavra Marrano

Por gentileza de «O Almocreve de Carção»,


tive o privilégio de ler o livro «Carção, a Ca-
pital do Marranismo», excelente trabalho de
investigação histórica, da autoria de Fernanda
Guimarães e António Andrade.
Devem os seus autores ser felicitados por
este valioso contributo para o estudo das co-
munidades cripto-judaicas da região, e encora-
jados a continuar a obra, como prometem.

Foto: Frédéric Brenner “Carção, Largo das Fontes”.


Gostaria de dedicar este meu comentário
a algumas reflexões pessoais sobre o uso dos
termos marrano e marranismo, sobre o qual
ainda não consegui libertar-me totalmente de
sentimentos mistos.
Tempo houve em que era intransigente na
minha objecção ao uso do vocábulo marrano,
para designar o cripto-judeu, isto é, o indiví-
duo que, professando oficialmente outra reli-
gião, v.g. o cristianismo, segue secretamente
todos ou alguns rituais judaicos1.
Quando, na década de 1980, aceitei colabo-
rar voluntariamente na feitura do documentá-
rio de Frédéric Brenner e Stan Neumann, «Les
Derniers Marranes» sobre esse tema, impus,
como condição, que me foi confirmada por es- sões desse estudo que me proponho comparti-
crito, que o título não incluiria essa palavra, lhar com os leitores.
que eu considerava pejorativa. A história das palavras, envolvendo etimo-
Quando o filme se encontrava na fase da logia e semântica, sofre como toda a história,
montagem, e, quando, por necessidade de fi- da sua característica de interpretação, nem
nanciamento, a empresa produtora francesa se sempre objectiva, nem sempre comprovada
viu forçada a fazer um contracto com um canal por factos, e deve ser encarada, portanto, com
de televisão, foi-me pedido que os libertasse todas as reservas e com a admissão A priori da
do compromisso assumido para comigo, pois de possibilidade de erros.
contrário a associada potencial se recusava a Marrano palavra que nos chegou da língua
participar. castelhana significava porco. Disso não há dú-
Os argumentos que me venceram foram vidas. A sua atribuição, primeiro aos judeus em
dois: marrano era a designação pela qual eram geral, depois aos judeus convertidos ao cristia-
universalmente conhecidos os heróicos descen- nismo, indica uma manifestação de desprezo,
dentes dos judeus convertidos pela força, que através do nome de um animal, considerado
conseguiram manter, em constante perigo de imundo, cujo consumo lhes estava proibido
morte, as suas tradições secretamente, durante pela sua anterior religião.
quatro séculos. Tornara-se, portanto, mais num Originalmente, era uma palavra árabe,
título de mérito, do que num apodo negativo. muharrama, de cujas diversas acepções, todas
Por outro lado, era também usado sem relutân- em redor do mesmo sentido, podemos destacar
cia por historiadores eméritos como Cecil Roth excluído, proibido, excomungado. O termo,
e Salvador Revah, entre muitos. Cripto-judeu, usado pelos ocupantes muçulmanos, terá pois
a designação que eu pedia que fosse usada, só ficado para a língua castelhana, como o nome
seria reconhecida pelos estudiosos, que não re- do animal proibido, mas também como o indi-
presentavam certamente a maioria da audiên- víduo excluído da sociedade. O falso converti-
cia que o documentário iria ter. do, tanto judeu como muçulmano no passado,
Antes de me render à evidência, fiz um pe- deveria ser excluído. Era uma muharrama, um
queno estudo sobre a matéria. São as conclu- marrano.

53
Na prática, era impossível distinguir entre um só R) e então propõem uma pseudo-etimo-
os significados de marrano e de porco. logia hebraica para a palavra mar anuss.
Evidentemente que, nos meios judaicos, o Mar pode ter dois significados em hebraico:
termo marrano não era usado. senhor e amargo.
Vejamos, o que podemos aprender, a esse Assim mar+ânus poderia ser senhor forçado,
propósito, no processo de Francisco Mendes, o ou, mais plausivelmente, amargamente força-
Beicinho, de Miranda do Douro, na Inquisição do. Barros Basto, intitulado, o Apóstolo dos
de Évora, no ano de 1544. Marranos, pelo historiador judeu Cecil Roth,
passou a usar também o termo com o sufixo
“Vilarinho dos Galegos - Olivia Tabaco”.

hebraico para o plural: maranussim!


Deixando estas especulações, que só muito
boa vontade poderia levar a aceitar como his-
tóricas, tentemos agora colocar o significado
Foto: Frédéric Brenner

de marrano, no seu lugar semântico, ao lado


de cristão-novo e de cripto-judeu.
Israel Salvador Revah, falecido historiador
judeu francês, entendia que todos os marranos
são cristãos-novos, mas nem todos os cristãos-
novos são marranos. Isto é, antes da abolição
da distinção entre cristãos-velhos e cristãos-
Francisco Mendes era um preceptor secreto novos, todos os descendentes de judeus for-
da religião judaica, junto dos cristãos-novos da çados a converter-se ao cristianismo, eram
região mirandense e, mesmo no cárcere, era cristãos-novos. Mas só aqueles, de entre eles,
consultado pelos restantes presos, em matéria que continuavam a praticar em segredo remi-
de religião. niscências do culto judaico, eram marranos.
Perguntado sobre os méritos de um livro Aceito a diferenciação, como sou forçado a
escrito por certo judeu, que se havia converti- aceitar o uso comum que se dá hoje ao termo
do, “como eles” e era agora cristão, Francisco marrano, como equivalente de cripto-judeu,
Mendes atalhou logo que eles não eram como designação esta que me parece menos contro-
aquele, porque eles eram anussim (forçados versa e mais correcta.
em hebraico, singular anuss), enquanto o outro Tenho muitos amigos em Belmonte que, na
era um mechumad, isto é um renegado, que se altura em que os conheci eram cripto-judeus.
havia convertido voluntariamente. Pertenciam a um grupo de famílias de cris-
O termo anuss, anussim, usado por este tãos-novos que persistentemente conseguiram
cripto-judeu, no cárcere da Inquisição no sécu- transmitir e manter, de geração em geração,
lo XVI, já era usado há muitos séculos antes, e uma tradição religiosa judaica, durante quatro
ainda hoje é usado na literatura hebraica, para séculos. Nas últimas décadas eles adoptaram o
designar os convertidos pela força na Península judaísmo moderno e foram aceites no seu seio.
Ibérica e os seus descendentes. Apesar disso, algumas pessoas mais idosas, en-
É também a designação usada actualmente tre eles, continuam a manter, às escondidas,
pelas diversas organizações de descendentes em paralelo com o culto da sinagoga, os costu-
de conversos, em diversos países do mundo, mes ancestrais, que receberam por transmis-
que procuram aprofundar as suas raízes judai- são familiar.
cas e regressar ao judaísmo dos seus antepas- São reminiscências, que me atreveria cha-
sados, como, por exemplo Saudades, na África mar, à falta de melhor classificação, de crip-
do Sul, Kulano, nos Estados Unidos, e Shavei to-marranismo... Aquilo que praticavam no
Yisrael, em Israel. passado e escondiam dos padres, continuam a
Temos assim o termo hebraico Anussim (ou praticar agora, às escondidas dos rabinos...
na grafia inglesa Anusim) a ser usado em várias Em Trás-os-Montes, penso que já não existe
línguas, em substituição de Marrano. Em Israel, cripto-judaísmo. Há cerca de 25 anos, quando
só se usa anussim. a conheci, a bondosa senhora Olívia Lopes, ou
Como a criatividade humana não tem li- Olívia Tabaco, como era conhecida, sabia mui-
mites, há quem use a grafia marranus (Barros tas orações do tempo de sua mãe, e quando se
Basto foi mais longe e escrevia maranus, com lembrava, ainda acendia as candeias nas noites

54
de sexta-feira, pronunciando em português a
mesma oração que a minha mulher ainda hoje
usa, em hebraico, para acender as velas de
Shabath.
O meu saudoso amigo, Amílcar Paulo, um
pioneiro na recolha das orações dos cripto-ju-
deus, ainda conheceu, dez anos antes, a mãe
de Olívia, que se chamava Otília Augusta Lo-
pes, e testemunhava que ela não só praticava,
mas sabia de cor todo um manancial de ora-
ções cripto-judaicas em português.
Em Rebordelo, Deolinda Araújo, que conhe-
ci com 94 anos de idade, e com quem conver-
sei outra vez, três anos mais tarde, era uma

“Aldeia de Jueus (Caramulo)-


mulher com uma personalidade extraordinária,

Foto: Frédéric Brenner


que mantinha uma relação directa com Deus,
comunicando com Ele por suas próprias pala-
vras. Sabia de cor todas as mesmas orações
registadas em Belmonte, como sabia as que o
padre lhe ensinara na igreja.
Tendo ficado órfã de mãe, quando era pe-
quenina, seu pai, que era polícia de viação,
colocou-a em Rebordelo, em casa de uma tia.
Vinha visitá-la sempre que podia, com o mo-
tociclo do seu serviço. Por isso, a filha ficou

“Rebordelo - Deolinda Araújo”.


conhecida por Deolinda do Mota. Deolinda deu
à luz 18 filhos, “nunca tive uma dor, porque o

Foto: Frédéric Brenner


Senhor sempre me ajudou. Era como ir buscar
uma bilha de água à fonte...”
Quando era menina, o padre mandou-o re-
zar as suas orações, lembrava-se ela. “Quais? as
da igreja ou as de casa?”. O sacerdote católico
que, segundo outras fontes locais, também era
de origem cristã-nova, pediu-lhe as de casa.

(irmãos Francisco e Abraão Gaspar).


E, quando as ouviu disse-lhe: “Deolinda, podes
dizer umas e outras, pois todas são boas, e se Foto: Frédéric Brenner Rebordelo
rezares do coração, Deus não faz distinção”.
Mas Deolinda não precisava da aprovação
de ninguém para seguir a sua religião. Nunca
escondeu a sua qualidade de judia. A quem,
como eu lhe fazia perguntas sobre esta ou
aquela versão das suas orações, onde encon-
trei reminiscências em língua hebraica, ela ti-
nha uma resposta pronta: “O senhor com a sua
e eu com a minha”.
Diz o Talmud que “foi por mérito das nossas
mães que os nossos pais saíram do Egipto”.
“Carção - Rua das Pereiras”.

Em Trás-os-Montes e nas Beiras, foi por mé-


Foto: Frédéric Brenner

rito das judias piedosas que se conservou a me-


mória do judaísmo de antanho.
Inácio Steinhardt
––––––––––––––––––––
1 O termo aplicou-se também aos mouros, que praticavam
a sua religião às escondidas, mesmo depois de convertidos ao
cristianismo, mas com menos impacto.

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56
UM INTERESSANTE DOCUMENTO SOBRE A FÁBRICA DE COLA DE CARÇÃO
Todas as povoações do Nordeste Transmontano- fim lucrativo, mas é também de muito relevo o fac-
salvo raras excepções – onde se refugiaram e fixa- to de ser um empreendimento a favor dos artífices
ram pessoas de etnia judaica, desde os finais do de novos inventos e com a obrigação expressa de
século XV, distinguiram-se pelo poder de iniciativa ensinar os aprendizes nacionais que “em número
que conduziu ao progresso económico e social das competente a Junta lhes arbitrar“.
populações. Ainda, neste princípio do século XXI, A orientação da Junta vem no sentido de ensinar
podemos citar alguns desses povos que viram au- aos novos aprendizes as novas tecnologias do tem-
mentar as suas populações pela fixação dos judeus. po e o que nos surpreende bastante é o facto de os
Estão nestas condições as povoações de Sendim, no senhores da fábrica serem obrigados a instruir “sem
concelho de Miranda do Douro; Lagoaça, no Conce- reserva alguma e sem que por este respeito (pelo
lho de Freixo de Espada à Cinta e a própria sede ensino) possam pedir ou aceitar prémio algum nem
de concelho; Rebordelo, no Concelho de Vinhais; ainda pecuniário durante o tempo da sua obrigação
Vilarinho dos Galegos, no concelho de Mogadouro; (de ensinar) que não excederá cinco anos. Para este
Campo de Víboras, Argoselo e Carção, no concelho “curso”, os donos da FÁBRICA deviam obrigar a ma-
de Vimioso, e a própria sede de concelho. tricular os aprendizes na Secretaria da mesma Junta
Nestas povoações, apesar de toda a depuração tudo na forma e debaixo das obrigações do termo
que a Inquisição exerceu durante os séculos XVI a XIX, que assinaram na dita Secretaria deste Tribunal, vis-
a população de sangue hebreu procurou integrar-se to que pela sua perícia se conste serem dignos desta
vencendo leis, condições e circunstâncias, atingindo graça que lhe facultamos por este Alvará”, etc.
os fins sem olhar aos meios, porque, como diz o pro- Neste nosso tempo do século XXI, ouvimos falar
vérbio de Carção,”onde há lucros não há escrúpulos”. em novas tecnologias. Estamos no tempo dos com-
Interessa realizar capital de tudo, interessa viver, fa- putadores, dos MP, das iniciativas de novos empre-
zendo do negócio um ideal e essencial “modus viven- sários da Agricultura, da Indústria e do Comércio e
di” et cogitandi (um modo de viver e de pensar). das técnicas de markting, etc., mas, como vemos,
Constatamos, no entanto, que este modo de vi- neste e em outros testemunhos documentais, o de-
ver e de pensar levou ao trabalho e ao sacrifício sejo e a iniciativa do progresso vem de longe e o
duro que fez o progresso de muitas famílias e de que mais nos edifica é que já, há mais de duzentos
muitos povos. Não vamos fazer mais considerações, anos, os poderes centrais viam, na indústria, uma
porque muita gente está mais informada do que eu, fonte de lucro e progresso, aceitando e estimulando
no que a isto diz respeito. a montagem de fábricas e também levando os donos
O que nos leva a escrever estas poucas linhas é a ensinar a quem quisesse aprender novas artes e
um documento que fala de uma licença da Junta métodos de aprendizagem, constituindo, por assim
Das Fábricas do Reino emitida por despacho de 20 dizer verdadeiros centros de formação profissional.
de Julho de 1785 a favor de Ana Garcia e seus filhos, Sabemos que esta indústria da cola foi bem sucedi-
António Lopes, Manuel Lopes e Francisco Lopes para da, porque em Carção, no tempo do abade de Baçal,
a montagem de uma fábrica de cola na povoação de em pleno século XX, ainda existiam três fábricas de
Carção, naquele tempo, termo da vila de Outeiro. cola. Não consta que, hoje, em Carção ou em Argo-
Devemos deixar claro que este documento é ci- selo, exista ainda alguma fábrica de cola, mas ainda
tado pelo Abade de Baçal, na página 203 do Vol. IV há quem se lembre da elaboração da cola em cal-
das Memórias e o mesmo Abade refere, no volume II deiras, de maneira artesanal. Foi a ciência que ficou
da mesma obra, que há ainda três fábricas de cola. dos velhos tempos do século XVIII e, com certeza,
Em segunda mão, também José Maria Amado Mendes de tempos anteriores.
cita o Abade na página 411 da obra Trás-os-montes
nos Fins do século XVIII. Quais os produtos usados na elaboração da
Acontece que nem o Abade de Baçal nem Amado cola?
Mendes transcreveram, integralmente, o documen- A cola é uma substância adesiva que se produz
to que nos parece de certo interesse pela totalidade a partir de produtos animais, vegetais ou ainda por
do conteúdo. mistura destes produtos.
O facto de a Junta do Comércio e da Junta das É de admitir, sem reservas, que os fabricantes de
Fábricas do Reino conceder licença para abrir a fá- Carção usassem as peles, os ossos e cartilagens para
brica de cola, em Carção, é importante enquanto a obtenção das colas de origem animal constituídas
mostra o poder de iniciativa da parte de Ana Garcia por gelatinas e condrina, produto que se obtém do
e seus filhos de montar um empreendimento com cozimento das cartilagens. Também usaram as resi-

57
nas das árvores – pinheiro, cerejeira, amendoeira, teiro ,Comarca de Bragança para que possao abrir
juntamente com os produtos animais. no mesmo lugar de Carção huma fábrica de fazer
Carção, bem como Argoselo, eram terras de cur- cola e isto em virtude da Real resolução de Sua Ma-
tidores. Por isso, estes agentes do negócio e da arte jestade a favor dos artifices dos novos inventos com
da pele aproveitavam as gelatinas dos ossos, das declaração porem que serão obrigados a ensinar
cartilagens e das peles para fabricar a cola. Nada aprendizes nacionais que em numero competente
se perdia do pelame e do ossário. Tudo se transfor- lhe forem arbitrados por esta Junta ,instruindo-os
mava. Realmente o judeu foi sempre inteligente e sem reserva alguma sem que por este respeito lhes
de visão muito larga para a produção e para o ne- possam pedir ou aceitar premio algum nem ainda
gócio. pecuniário durante o tempo da sua obrigação que
não excederá de cinco anos fazendo-os igualmente
Qual a utilidade da cola? matricular na Secretaria da mesma Junta tudo na
A cola era exportada para fora da região, mas forma e debaixo das obrigaçõens do termo que as-
também usada aqui, em todo o Nordeste, em mó- sinarao na dita Secretaria deste tribunal visto que
veis de madeira, na colagem das diversas peças de pela sua perícia se conste averse dignos desta graça
centenas de retábulos de madeira das nossas igre- que lhe facultamos por este alvará por nós asignado
jas, e como tapa poros das diversas peças de ma- e sellado com o sello desta Junta .
deira dos retábulos, esculturas e móveis, amassada Lisboa vinte e tres de Setembro de mil setecen-
com serrim para colar esculturas e as madeiras nas tos e oitenta e cinco com quatro rubricas//
habitações, para pegar o couro, o papel e o vidro, Por despacho da Junta de vinte de Julho de
etc. mil setecentos e oitenta e cinco Registado a fo-
Na época do licenciamento da fábrica, este pro- lhas duzentos e oitenta e sete do livro Segundo
duto devia ter uma grande procura, porque alem do Registo da Secreataria da mesma Junta. Cum-
desta, existiram, em Carção, mais duas fábricas de prasse e registesse .Bragança vinte e seis de Outu-
cola, que se aguentaram, até bem adiantado século bro de mil setecentos e oitenta e cinco. Saopaio. E
XX. Todas estas fábricas desapareceram com a che- não dizia mais a dita licença de faculdade que aqui
gada da grande indústria de novos produtos, com o copiei da propria que entreguei ao suplicante Mano-
desenvolvimento dos meios de comunicação e dos el Lopes que assignou de como a recebeu.
transportes. E também com o abandono desta re- Bragança e Outubro vinte e seis de 1785 João
gião por parte dos poderes centrais que tudo con- Alves de Almeida o escrevi e assinei.
centraram nos grandes centros urbanos e industriais João Alves de Almeida; Manoel Lopes
do litoral, mas o Nordeste Transmontano gerou, des-
de longa data, homens de iniciativa económica, de (Livro do Registo das Leis da Câmara de Mi-
envergadura cultural que se impuseram e impõem randa do Douro, 1762-1801,fol.174 e 174/V)
também socialmente, como valores de grande rele-
vo no país e no estrangeiro. Isto é para lembrar aos ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Fontes:
senhores dos governos que em Lisboa se encerram Arquivo da Câmara Municipal de Miranda do Douro,
LIVRO DE REGISTO DAS PROVISÕES DE MIRANDA DO DOURO,
nos seus gabinetes como frades em clausura per-
fol.174 e174/V).
pétua, a obrigação que têm de olhar com olhos de Alves, Pe Francisco Manuel Alves, Memórias Arqueoló-
homens para a esperta e laboriosa gente do Nor- gico – Históricas do Distrito de Bragança, Vol. II e vol. IV
deste Transmontano e trata-la como é seu expresso Mendes, José Maria Amado, Trás os Montes nos fins do
dever. século XVIII, Coimbra 1981

Apêndice documental
Carção
Registo da licença da Junta do Comércio para
se fabricar cola no lugar de Carção que he a se- António Rodrigues Mourinho
guinte: Doutoramento em História da Arte - Universidade de Valladolid.
Licenciatura em História da Arte - Universidade de Valladolid.
Director do Museu de Terras de Miranda, de 1988 a 2007
O Presidente e deputados da Junta da Ademe-
nistração das Fábricas do Reyno e obras de Agoas Li- ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Algumas obras publicadas
A talha nos concelhos de Miranda, Mogadouro e Vimioso
vres concedemos licença a Anna Garcia viúva e seus A História do Património Histórico e Artístico do Concelho de
filhos António lopes Manoel Lopes e Francisco Lopes Macedo de Cavaleiros
moradores no lugar de Carção termo da villa de Ou- Documento para o Estudo da Arquitectura Religiosa Antiga

58
As casas típicas dos séculos XIX e XX no concelho de Vimioso
lias de parcos recursos, parece-nos ser muito
típico, deste concelho. Apesar, de se terem
feito algumas reconstruções, ainda persis-
tem uma larga amostragem, e o motivo é que
quem constrói quer construir em espaços mais
amplos não no meio do centro urbano, local
onde se situam estas casas. São casas que se
foram fazendo por partes, iam-se ampliando
conforme as necessidades e as posses, mas no
geral são muito exíguas, talvez por não haver
posses para fazer maior e melhor mas tam-
bém porque o espírito de poupança a isso re-
comendava “casa quanto caibas”.
Ao lado destas há algumas que apontam
para outro tipo de construção, também, a
opulência e ou o espírito dos donos, é notório
logo pelo exterior do alpendre, dos pilares, da
varanda, e pelo tipo de pedra utilizada.
Fiz uma reportagem fotográfica deste tipo
de construções já lá vão uns doze anos, agora,
quando fui fazer uma visita de reconhecimento
notei que algumas das casas já não existiam, e
outros levam a placa “vende-se”, qualquer dia
este património será uma miragem.
Casa com sacada ou Alpendre em Matela
É uma construção em dois andares. O pri-
O Concelho de Vimioso situa-se no nor- meiro em ardósia e xisto, o segundo em estu-
deste transmontano, pertence ao Distrito de
Bragança, confina a Norte com a Espanha, a
Nascente com o Concelho de Miranda do Dou-
ro, a sul com o Concelho de Mogadouro e a
poente com os Concelhos de Bragança e Ma-
cedo de Cavaleiros. Tem uma área de 481.5
quilómetros quadrados e é composto por 14
freguesias: Algoso, Angueira, Argozelo, Avela-
noso, Caçarelhos, Campo de Víboras, Carção,
Matela, Pinelo, Santulhão, Uva, Vale de Fra-
des, Vilar Seco e Vimioso.
Há casas tradicionais de rara qualidade,
já que mantêm as características típicas do
século XIX, ainda com os alpendres, as clara-
bóias, o poço, o curral ... enfim, o embeleza-
mento proporcionado pela utilização da pedra
e da madeira.
Actualmente, sente-se alguma procura
deste tipo de casas a fim de serem aprovei-
tadas para o Turismo Rural e ainda bem que que (palha e madeira), por ser mais fácil o seu
assim é, caso contrário será a degradação tratamento.
inevitável. As várias fotos que apresentámos No primeiro andar, situava-se a loja, onde
constituem uma amostragem de dois tipos se guardava a criação. Debaixo das escadas há
de casas, muito típicos do concelho. O gru- ainda uma outra dependência para pequenas
po que considerámos ter pertencido a famí- arrumações.

59
O segundo piso servia de residência aos do- Casa com Forno em São Joanico
nos. Aí se encontravam todos os apetrechos Esta casa apresenta soluções construtivas
necessários ao dia a dia do agricultor e que, muito vulgares, embora tenha tido um acres-
como podemos imaginar, seriam apenas os es- cento à posteriori do qual surgiu um forno.
tritamente necessários. Geralmente, o forno surge na cozinha, e
Este modelo de casa pode ser apreciado não havia chaminés. Neste caso, adaptou-
em várias aldeias do concelho. Regra: casas se um forno no alpendre, que por sinal, se
pequenas, poucas divisões, apenas as estrita- apresenta em boas condições, também aqui
mente necessárias. Dois pisos: um para os ani-
mais, outro para o agregado familiar; escadas
varanda e alpendre.
Material utilizado: pedra, madeira, estu-
que, telha e foram caídas a branco.
Geralmente estão viradas a sul, mas tam-
bém há algumas viradas a poente.
Actualmente algumas já deram lugar a ou-
tro tipo de habitação e muitos procuram novo
dono, um reflexo da falta de gentes que ca-
racteriza este nordeste transmontano.
Casa em Matela
Utiliza os mesmos elementos de constru- se utilizaram os elementos da região: pedra,
ção da figura 1, embora com algumas dife- telha e barro, materiais que estão à vista, cla-
renças construtivas ao nível das escadas e da ro está que outra parte invisível, segredo de
entrada para a loja. cada artista.
O corrimão é muito simples: umas ripas de Fazer um forno é trabalho de artista, sim
várias dimensões dão-lhe a estética. porque erguer uma cúpula exige alguma téc-
A telha, conhecida por telha antiga, é a usu- nica. Desde que se inicia a parte inferior até
al nesta época e nesta zona. Em quase todas as colocar a chave praticam-se conhecimentos
geométricos, empíricos… transmitidos de ge-
ração em geração obras de arte e engenho
sem que manuais de arquitectura.
Virada a Sul, esta casa tem sol todo o dia,
que inveja para muitos citadinos, pena que
alguns dos engenheiros e arquitectos conti-
nuem a projectar casas no mundo rural sem
que este pormenor seja equacionado.
O alpendre é suportado por grossos toros
de madeira.
Casa em Caçarelhos
Trata-se uma casa de lavoura virada, sensi-
velmente, a sul e muito típica da arquitectura

aldeias havia telheiros que aproveitavam o fim


de verão para fazer umas fornadas.
Matéria-prima: palha, barro e excremen-
tos dos asininos e mulares para dar maior con-
sistência.
Lá está, bem visível, na porta do andar in-
ferior, a gateira para entrada livre dos gatos.
Está em estado bastante degradado.
A recuperação é urgente.

60
conseguida à base do granito da região. Na porta, há um elemento que abre, o que
Tudo indica que terá sido erguida por par- possibilita a entrada de luz, a conversa com
tes. Devemos registar o aproveitamento que os vizinhos... sem ter que obrigatoriamente
se fez do espaço, mas também a ideia de expor a casa aos olhos estranhos.
imortalidade, traduzida tanto pela força e pe- Em casas em que a luz natural tinha difícil
renidade da pedra que utiliza, como pelas ins- acesso, esta solução era óptima, pois funcio-
crições que ficaram na porta e nas janelas. nava como uma porta-janela.
Digna de apreço.
Casa em Avelanoso
Casa em Avelanoso Esta casa, de consideráveis dimensões,
O que torna esta casa especial é a forma quanto nos conseguimos aperceber, apresenta
circular que surge do lado esquerdo. esta varanda, virada a nascente, sem dúvida
óptima para uma sesta num dia de verão.

É mais uma casa de lavoura, com os dois


andares, cada um com funções bem defini-
Tinha alpendre e a matéria-prima utilizada das.
foi a pedra, o estuque e a madeira.
O conjunto continua a representar a casa Casa e Curralada em Caçarelhos
típica transmontana, com o alpendre no pri- Esta casa apresenta trabalho, essencial-
meiro andar e a loja no rés-do-chão. mente, à base de granito moldado a pico.
O material de construção, como a figura o É um exemplar de casa de lavoura típica.
revela, é o típico da região À direita vemos o que foi uma porta de
madeira, típica de um curral, por vezes tam-
Casa com Porta-postigo em Avelanoso bém chamadas de curraladas.
Salientamos através desta casa, a porta
com postigo.

Ainda há poucas décadas atrás se utiliza-


vam muito este tipo de portões, também co-
nhecidos por portaladas.

61
Casa com Forno em Vale de Pena (parte Varanda de Casa em Carção
do forno à esquerda) Esta casa, derrubada alguns anos, apre-
A construção é feita com pedra irregular sentava uma solução para a varanda que se
e revestida com barro que depois era caia- divulgou bastante nesta região, uma grande
do. Na casa típica transmontana era frequen- lousa de xisto assente em dois cachorrões.

te ver o forno inserido na cozinha, não havia


chaminés, um espaço óptimo para curar o fu-
meiro. Tudo se passava num espaço muito exí-
guo dando razão ao provérbio popular: “casa As paredes revelam uma construção feita
quanto caibas! à base dos materiais da zona. Perante tal ma-
ravilha de determinação e engenho pergun-
Casa com Varanda e Alpendre em Caça- támos: - Como foi possível erguer tamanha
relhos pedra e colocá-la naquela varanda?
Este bonito conjunto encontra-se a sul da
igreja Matriz de Caçarelhos. Casa em Avelanoso
Como é visível, os três pilares proporcio- Tal como a anterior, esta casa utiliza gran-
nam um conjunto de rara beleza. Podemos des lajes de xisto para obter a varanda. Nota-
imaginar que livros de arte conheceriam estes se que foi reconstruída, em parte.
canteiros para representarem fustes tão gra-
ciosos!
Esta, pertenceu a uma família afidalgada,
e é algo diferente das que temos vindo a apre-
sentar!

Casa em Carção
A fotografia tenta demonstrar esta maravi-
lha da arquitectura rural carçonense.
O alpendre torna-se singular; as ripas de
Ao lado, notam-se os vestígios de um an- madeira. Ao lado esquerdo vemos um forno
tigo lagar de vinho, só pode, porque em Ca- erguido sobre troncos de madeira, original! As
çarelhos, como dizem os seus habitantes, a escadas davam para duas portas, numa delas
quantidade de azeite é todos os anos a mes- a ferradura para não deixar entrar os maus-
ma. Não são necessários lagares de azeite! olhados, ou as bruxas, sei lá…O piso inferior,

62
Casa em Carção
A semelhança com as duas anteriormente
referidas é notória as entradas de luz são as
que se vêm.

como tantos outros, estava destinado aos ani-


mais e às arrecadações.
Plena utilização dos materiais existentes
na região. As grades da varanda já utilizam o ferro o
que não deixa de ser uma novidade.
Casa em Carção
Repare-se nos pormenores dos capitéis.
Nesta pequena habitação, já desabitada,
nota-se uma porta com postigo, em madeira Casa em Pinelo
maciça. Nesta casa notam-se vários materiais cons-
O trabalho do xisto, e a solução para sus- trutivos. O granito emparelha com o xisto e
tentar o alpendre, são de algum interesse. outro tipo de rochas.
Na arquitectura da actualidade, acabam Parece-me digno de ressalvar a varanda
por ser também estas as soluções. Evita-se em ferro forjado e os grossos pilares de grani-
contacto da madeira com zonas mais exposta to trabalhado.
ao tempo, e evita-se a degradação.
As escadas são uma amostra do que foram.

Pelas características de trabalho que apre-


senta, deve ter pertencido a uma família
abastada e com gosto arquitectónico bastante
apurado.

63
Casa em Pinelo Conclusão
Construída em 1850, esta casa torna-se ca- Após ter-mos percorrido praticamente
racterística pelos grossos blocos de granito. E todas as aldeias deste concelho, podemos
pelo formato da parte superior das janelas, a concluir que a arquitectura rural, apresenta
revelar um dono com algumas posses. duas características bem notórias:
As casa pequenas, onde viveria um agre-
gado familiar de fracos recursos.
Utilizava elementos construtivos da zona:
a saber madeiras e pedra de vários tipos,
conforme a cara que apresentasse. São ca-
racterísticos os seus alpendres em madeira e
virados a Sul.
O segundo grupo de casas caracteriza-se
utilizarem o granito nas portadas e varandas,
apresentam bons trabalhos de pedreiro e são
por norma de maiores dimensões.
Quase poderemos dizer que para Este do
rio, abundam as construções em granito e
para Oeste são mais típicas as construções à
base do xisto.
Não nos é possível fazer referência a mais
casas, no entanto pensamos que damos uma
Dentro dos portões, em ferro, notam-se as ideia dos dois tipos mais vulgarizados nesta
características da casa típica transmontana, zona.
com as suas arrecadações, lojas para os animais Afinal, notam-se estilos de construção.
e acesso à casa de habitação dos proprietários. Embora não houvesse planos nem plantas,
a arquitectura, seguiu a moda de construir
Casa em Vilar Seco dentro destas duas formas.
Neste bonito elemento de arquitectura são Que o leitor não o veja como uma obra de
de realçar os pilares de granito, assim como rigor cientifico sobre a arquitectura, apenas
as cantarias da varanda. uma imagem que pode ser o reflexo do que
Vislumbra-se um bom trabalho de canteiro. foram os séculos XIX e parte do XX, neste
Bonito conjunto a revelar a qualidade dos concelho.
pedreiros da região, e a algum desafogo de O bom será mesmo percorrer este paraíso
quem a mandou construir. desconhecido e sentir in loco a força que
nos transmite a pedra, ou então deixar dar
azo à imaginação de forma a que possamos
beber um pouco do passado, tão próximo!

Fernando Pereira
Doutoramento em Ourivesaria Religiosa pela Universida-
de de Salamanca  
Mestrado em Estudos do Património pela Universidade
Aberta
Licenciatura em História variante História Arte
pela Universidade de Coimbra
               
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Algumas obras publicadas
A ourivesaria Religiosa no Concelho
de Alfândega das Fé, Edição C.M.A.F. 1994
                                   A Ourivesaria Religiosa do
Concelho de Vimioso, Edição C.M. Vimioso, 1997

64
JORGE LOPES HENRIQUES, de CARÇÃO, e alguns familiares processados
pela Inquisição
I era morador e estava casado com Maria Lopes.
JORGE LOPES – o caminho de Livorno No dia seguinte, foi o prisioneiro remetido ao
tribunal do Santo Ofício de Coimbra, onde foi
Quintela de Lampaças, manhã de domingo, interrogado. Correu célere o seu processo pois
13 de Dezembro de 1636.Nem uma alma pelas que, no dia 15 daquele mês de Abril, o réu foi
ruas da freguesia, que todos estavam na igreja libertado porque os inquisidores concluíram
para assistir à missa conventual. Ai de quem se “que não havia culpa para ser preso o réu nos
atrevesse a faltar, sem motivo de força maior! cárceres, nem mais detido na prisão”. (1)
Algo de diferente, porém, acontecia na-
quele domingo. Estava ali um comissário da
Inquisição de Bragança, acompanhado de guar-
das e quadrilheiros requisitados na correição,
com ordens de prender 19 pessoas de Quinte-
la e levá-las presas para a cadeia de Coimbra,
acusadas de terem participado em uma “mis-
sa judaica” celebrada em uma casa da aldeia,
no Kipur de 1634. Mas… fechadas as portas da
igreja e procurados os criminosos, verificou-se,
com espanto, que só estavam 10! Faltavam 7 Estaria mesmo inocente? Ou seriam forja-
homens e 2 mulheres! das as provas que apresentou e os inquisidores
Alguém os teria avisado que iam ser presos iludidos?
e, por isso, fugiram?! Mas como era possível? A verdade é que, regressado a Carção, Jor-
As suspeitas viraram certezas e recaíram as ge Lopes tratou logo de fugir para Castela e daí
culpas sobre “um homem pequeno de barba para Livorno, cidade italiana governada pelos
preta”, filho de Luís Lopes, de Miranda do Douro Medici onde os judeus podiam professar livre-
que, na sexta-feira anterior estivera em Quin- mente a sua religião. E a partir dessa altura
tela, hospedado em casa de Martim Rodrigues e temos notícia de outras pessoas de Carção que
fora visto a entregar uma carta a Baltasar Dias. se dirigiram a Livorno. Algumas ali ficaram a
Tal carta – suspeitava-se – conteria exactamen- residir, avultando o peso dos trasmontanos no
te a lista dos que haviam de ser presos. seio da comunidade sefardita livornesa que en-
tão era a maior do mundo, juntamente com a
de Amesterdão. (2)
Outros iam a Livorno em espírito de missão
ou peregrinação religiosa, com o objectivo de
ali aprenderem coisas da lei de Moisés e de lá
trazerem livros. Temos conhecimento de duas
viagens dessa natureza feitas por cristãos-no-
vos de Carção. Um deles foi Domingos Oliveira
que, regressado de Livorno com uma bíblia, fi-
cou desempenhando o papel de “rabi” fazendo
celebrações judaicas na própria capela cristã
de Santo Estêvão. Outro carçonense que esta-
giou por Livorno foi Roque Rodrigues da Praça,
filho de uma mulher que foi queimada nas fo-
Na sequência das investigações a que, por gueiras da Inquisição de Coimbra e que ficou
ordem da Inquisição de Coimbra se procedeu, conhecida como a “Bonita” por o seu retrato
em 1 de Abril de 1638 o licenciado Miguel Sou- entre as chamas ardentes pendurado na igreja
sa Correia, juiz de fora de Bragança, acompa- ser tão perfeito que parecia estar viva.
nhado de um seu irmão e de um meirinho da Todos estes casos foram por nós expostos
comarca, procedeu à captura e prisão de Jor- em livro – Carção Capital do Marranismo – edi-
ge Lopes Henriques, na aldeia de Carção onde tado no ano passado. E também no mesmo li-

65
vro falamos, ao de leve, da família de Jorge Quantidade de gente foi também denun-
Henriques cuja história na Inquisição era mais ciada por Gaspar Dias, um cristão-novo do Azi-
comprida do que a linha do comboio. Vamos nhoso, preso ao início de Agosto de 1544, na
então ver um pouco mais dessa história. cadeia de Évora. E também o Francisco e a Le-
onor fizeram parte dessa lista de denunciados..
–––––––––––––––––––––– Também no Azinhoso morava Cristóvão de Cas-
1 IANTT, Inquisição de Coimbra, pº 3271, de Jorge Lo- tro, vendedor de azeite, o qual foi preso por
pes Henriques.
Francisco Gil e levado para o castelo de Algoso.
2 FRANCESCA TRIVELLATO, Les juifs d´origine portu-
gaise entre Livourne, le Portugal et la Mediterranée (c. E no Algoso, em 30 de Julho de 1544, peran-
1650-1750), in : Arquivos do Centro Cultural Calouste te o dito F. Gil e um tabelião, ele terá feito
Gulbenkian, vol. XLVIII, pp. 171-182, Lisboa - Paris, 2004. declarações muito comprometedoras. Como as
De referir que Gabriel Medina, originário de Miranda do seguintes: (3)
Douro, genro de António Rodrigues Mogadouro, era um
dos mais poderosos membros da comunidade, o qual “se
- Disse que Francisco Vaz, sapateiro, mora-
ocupava em comércios de mercadorias com grande cré- dor no Mogadouro, e sua mulher são judeus e
dito de seu trato para todas as partes do mundo” e que eram arrabis; e tinham sinagoga em sua casa; e
a nau Jerusalém que pertencia à firma dos Mogadouro isto sabe porque o viu muitas vezes porque ia lá
“levam daqui cristãos-novos portugueses a fazerem-se
com os outros judeus; na qual sinagoga tinham
judeus à dita cidade”. – IANTT, Inquisição de Lisboa, pº
uma tourinha com cornos de prata dourados; e
2583, de Joseph António Pinto.
era do tamanho de um gato pouco mais ou me-
nos (…) e muitos livros em hebraico pelos quais
II
rezavam (…) e que o dito Francisco Vaz recebia
FRANCISCO VAZ E LEONOR LOPES – a sua
a finta que davam para a dita toura.
casa era como esnoga
Levado para Évora e interrogado sobre o
Francisco Vaz e Leonor Lopes eram bisavós mesmo assunto, em 24.10.1544, Cristóvão con-
de Jorge Henriques. Viviam no Mogadouro e fo- fessou que realmente ele e outros se juntavam
ram metidos nas masmorras da Inquisição de em sinagoga em casa de Francisco Vaz, onde
Évora em Dezembro de 1544, na sequência de havia “uma mesa posta” e sobre ela uma “carta
uma investigação conduzida pelo famigerado de pergaminho (…) a que chamam Tora” e ele e
caçador de judeus, Francisco Gil, por terras do os outros faziam orações e reverências e davam
Nordeste Trasmontano. O método era simples. esmolas para os cristãos-novos pobres e esse
Chegado a uma terra, mandava apregoar que fundo de assistência social chamavam sedaca.
na igreja matriz se faria uma cerimónia muito Eram declarações algo diferentes e, por
importante e toda a gente era obrigada a com- isso, o inquisidor perguntou-lhe se ratificava
parecer. Com os fregueses todos na igreja, fe- as “confissões que fizera diante de Francisco
chavam-se as portas e punham-se guardas. De- Gil “no Algoso no mês de Julho”. A resposta de
pois de um sermão bem convincente, cheio de Cristóvão foi desarmante:
ameaças com as penas do inferno, intimavam- - O que posso eu fazer senão ratificar as mi-
se as pessoas, em nome da Santa Inquisição, nhas confissões?
para que em público ou em particular na sacris- E começou a chorar. E perguntando-lhe o
tia, revelassem qualquer crime de judaísmo de inquisidor porque chorava, respondeu que era
que tivessem conhecimento. Naturalmente que por estar ali preso e não saber de sua mulher
muitos, em especial cristãos-velhos, aproveita- e seus filhos, desde há muito tempo, pedindo
vam a oportunidade para se vingar de afrontas que o deixassem ir. Algo espantado, “o senhor
sofridas. E certamente que alguns cristãos-no- inquisidor lhe disse que o tratavam com cari-
vos, confiantes de que logo seriam perdoados, dade no cárcere e que não tem ferros nenhuns,
iam acusar-se a eles e a outros. (1) nem outras prisões, e que está em bom cárcere
De entre estes últimos, ganhou celebridade nas câmaras de cima e que portanto acerca do
em Trás-os-Montes o malfadado Diogo Henri- tratamento se não pode queixar”.
ques Franco, de Mogadouro que apresentando- O tempo corria lento e em 19 de Janeiro de
se na sacristia da igreja matriz de S. Martinho 1546, em nova audiência, leram-lhe novamen-
do Peso, denunciou mais de uma centena de te as confissões feitas em 24.10.1544, pedindo-
correligionários, de todo o nordeste Trasmon- lhe que as ratificasse, o que ele fez.
tano, nomeadamente o casal constituído por Mais um ano passou e, em 18 de Março de
Francisco Vaz e Leonor Lopes. (2) 1547, em nova audiência, ele reafirmou que

66
se juntavam em sinagoga na dita casa e que par Dias. Desacreditar, ou, ao menos, diminuir
havia uma tora, que a lia o mestre António de o valor probatório das denúncias de Diogo H.
Valença, que era numa língua que ele não co- Franco foi ainda mais fácil, pois que toda a
nhecia mas que depois o Mestre explicava em gente sabia que ele fora julgado em Miranda
linguagem corrente e que eram coisas da lei de do Douro por ter roubado umas peles e conde-
Moisés. E acrescentou o seguinte: nado a ser açoitado pelas ruas da vila. A denún-
- Diz a sua reverência que o que confessou cia de mestre Valença é que não seria esperada
em Algoso perante Francisco Gil que não é cer- mas… Francisco Vaz recordou-se que, em certa
to; e que estão algumas coisas escritas de mais ocasião, tendo ele sido repartidor das sisas do
do que ele disse. Mogadouro, o Mestre fora queixar-se a D. Fili-
Explicou depois que, em casa de Francis- pa, mulher de Luís Álvares de Távora, dizendo
co Vaz não viu nenhuma toura com cornos de que tinha lançado uma contribuição muito ele-
prata nem de ouro, mas que ouvira dizer que vada ao seu filho Afonso de Valença… (5)
aquilo fora dito por um filho do casal ainda pe- Da acusação de rabi também Francisco fa-
queno que andava na escola. E se alguma coisa cilmente se livraria apresentando-se como “um
menos verdadeira disse em Algoso, foi “porque homem muito simples, que não sabe ler nem
houvera medo que o queimassem”. De resto, escrever, nem sabe ciência nem linguagem,
“o dito Fulano escreveu o que quis”. nem latim, nem hebraico, nem caldeu, nem
Entretanto, na cadeia de Évora, um outro grego, nem letra alguma de nenhuma sorte”.
prisioneiro de Mogadouro, homem de muita De seus actos como bom cristão, falavam as
cultura e grande pres- certidões das confrarias
tígio social, médico dos de que o casal fazia parte
Távoras, decidiu-se a e as missas que manda-
colaborar com os inqui- vam celebrar. E Francis-
sidores contando tudo, co Vaz contou especial-
descrevendo pormenori- mente um episódio da
zadamente as cerimónias sua vida, acontecido no
que faziam, os preceitos Verão de 1543, em que
da lei que guardavam, as esteve muito doente. A
orações que rezavam, o ponto de ter mandado
calendário das festas e o chamar o reitor da igreja
significado dos jejuns… e para o ouvir em confissão
denunciou mais de uma e lhe dar a comunhão e
centena de cristãos- os últimos sacramentos,
novos que com ele judaizaram, não apenas pois queria morrer como bom cristão. Nenhum
em Mogadouro mas por todo o Nordeste Tras- judeu faria isso!
montano, que ele conhecia muito bem, que o Em simultâneo, fez uma promessa à Senhora
percorria em pregações da lei e celebrações da Serra, pedindo-lhe que o curasse. E tendo-se
judaicas. Ele sim, era o grande Rabi que os ju- curado, logo tratou de a cumprir deslocando-
deus do Nordeste Trasmontano respeitavam e se àquele santuário sito nas proximidades de
seguiam. Referimo-nos ao Mestre António de Bragança, no alto da serra da Nogueira, distan-
Valença. Também ele confessou que em casa te quase 20 léguas de Mogadouro. E levou con-
de Francisco Vaz e Leonor Lopes é que faziam sigo mais de 20 pessoas, homens e mulheres,
sinagoga e que lá tinham guardada um Torah cristãos novos e velhos a quem pagou todas as
em hebraico que ele lia e explicava depois em despesas e lá cumpriu sua promessa mandando
português. (4) celebrar 3 missas a que todos assistiram.
E estas eram as acusações que pesavam so- Claro que indicou testemunhas (26!) que
bre eles. E como eles estavam separados, na- tudo confirmaram, a começar pelo reitor da
turalmente não podiam combinar uma defesa matriz do Mogadouro. A generalidade dessas
conjunta. Mas havia factos e episódios que, de testemunhas fez-se igualmente eco dos boatos
algum modo, marcaram as relações entre os que corriam sobre a toura ou “cabeça de boi
denunciantes e os denunciados e que Francis- ou vaca dourada com cornos ou candeias”.
co e Leonor alegaram em sua defesa, brigas Essa história foi também tirada a limpo por
com familiares de Cristóvão de Castro e Gas- uma testemunha, João Mendes, tabelião de Al-

67
goso que em Mogadouro tinha uma escola onde ––––––––––––––––––––––
ensinava uns meninos, entre eles um filho de 1 ALEXANDRE HERCULANO, História da Origem e esta-
belecimento da inquisição em Portugal, Tomo III, pp.130-
Francisco e Leonor. E explicou que o rapazinho
133. MARIA JOSE FERRO TAVARES, Para o Estudo dos Ju-
é que tinha dito para os colegas que o pai tinha deus em Trás-os-Montes no Sec. XVI, 1985.
em casa uma cabeça de boi mas que dissera 2 IANTT, Inquisição de Évora, pº 2162, de Diogo
aquilo a gozar com os outros, em tom de brin- Henriques Franco.
cadeira. 3 IANTT, Inquisição de Évora, pº 7084, de Gaspar
Dias; pº 4434, de Cristóvão de castro.
Impressionante a capacidade de resistência 4 IANTT, Inquisição de Évora, pº 8232, de António
de Leonor Lopes, mulher de 21 anos, casada de Valença.
há 8, mãe de 4 filhos, o mais novo dos quais 5 IANTT, Inquisição de Évora, pº 8776, de Fran-
partilhava a cela da prisão com ela e mais 8 ou cisco Vaz.
6 IANTT, Inquisição de Évora, pº 11213, de Leonor
9 mulheres: durante 4 anos metida na enxovia,
Lopes
manteve-se negativa, nada confessando e nin-
guém denunciando. Ainda no dia 16 de Julho
III
de 1648, já muito depois de o papa Paulo III ter
CATARINA VAZ – a cumplicidade de Alcañices
decretado perdão geral para os cristãos-novos
presos e dizendo-lhe os inquisidores que con-
Ao início do mês de Setembro de 1578, a
fessasse suas culpas para poder beneficiar do
Inquisição de Valladolid prendeu um grande
mesmo perdão e sair em liberdade, ela respon-
número de pessoas na vila de Alcañices, acusa-
deu que nada tinha a confessar, que não tinha
das de judaizarem, acção que ficou conhecida
de pedir misericórdia nenhuma. (6)
como “complicidad de Alcañices”.
Dois dias depois, no entanto, pediu audi-
Porém, quatro mandados de prisão não fo-
ência e resolveu-se a confessar. Disse que, 8
ram executados, porque as pessoas em causa
anos atrás, o marido andava metido com uma
fugiram para o lado de cá da fronteira. E logo
criada que tinha e a desprezava e ela, indo
a Inquisição de Valladolid escreveu para o vigá-
visitar seu tio Manuel Fernandes, irmão de seu
rio geral de Miranda do Douro (o bispo estava
pai, viúvo, este lhe disse que deveria rezar ao
sempre ausente) pedindo a prisão e envio para
Deus do Céu e lhe ensinou a lei de Moisés e
Valladolid daquelas pessoas, assim identifica-
que se dera bem nessa crença e também com
das: (1)
seu marido as coisas se compuseram. Confes-
sou até que, mesmo no cárcere, ela chegou a
* Julião Domingues, sapateiro, e Beatriz
guardar o sábado como dia santo, coisa que
Gonçalves, sua mulher, que estariam refugia-
os inquisidores já sabiam, pois tinham posto a
dos em Carção.
cela debaixo de vigia.
* Ana Lopes, mulher de António Rodrigues,
Leonor Lopes deu ainda as explicações que
que teria fugido para Duas Igrejas, terra de seu
faltavam sobre a bíblia “que era de pergaminho
nascimento.
e as folhas do dito livro eram de pergaminho
* Manuel de Almança, “que ali estudava
e escrito de letras muito grossas e douradas;
para clérigo e costumava cantar em casa do
e sendo-lhe mostrado pelos senhores inquisi-
bispo de Miranda”.
dores um livro escrito de molde, disse que a
letra do livro que ela diz não tinha a letra da-
Acrescentavam os inquisidores que em
quela maneira mas que tinha uma letra grande
Valladolid havia denúncias contra muitas mais
e grossa e que as ditas letras eram douradas,
pessoas que residiam na região de Miranda mas
e logo o dito Duarte Álvares lhe dizia que era
que, por haver então muito trabalho naquele
letra hebraica”.
tribunal, não era possível fazer relação delas e
Este Duarte Álvares era naquela altura
copiar as respectivas denúncias.
(1642) homem de 60 anos, natural de Chacim e
Entretanto e à medida que os presos iam
estava casado com Catarina Nunes. Foi ele que
sendo interrogados sobe a “complicidad de Al-
se apresentou em casa de Francisco Vaz com
cañices”, a lista de denúncias e de gente cul-
aquele livro que ali ficou guardado em uma
pada ia crescendo e outras prisões eram en-
arca. E a partir dessa altura é que passou a
comendadas pelos inquisidores espanhóis às
sua casa a ser frequentada pelo mestre António
autoridades de Miranda do Douro.
de Valença e pelos outros e todos nela faziam
Em Janeiro de 1580, o cónego Colaço, vigá-
sinagoga.
rio geral da diocese, comunicava para Valladolid

68
que tinha prendido Isabel Lopes, de Duas Igre- era uma “mulher moça”, de menos de 20 anos,
jas, e João de Leão, de Bragança, prisões que e tinha sua honra para defender, veio-se embo-
igualmente tinham sido encomendadas. E co- ra para casa de seus pais em Mogadouro, “aon-
municou também para Coimbra, perguntando se de esteve um ano muito quieta e pacificamente
devia mandar aqueles prisioneiros e outros que com muita honra e como boa cristã servindo a
entretanto fossem feitos para Valladolid. (2) Deus e a seus mandamentos como é obrigada”.
Desta cidade, logo responderam, pedindo Estranhava, pois, porque a prendiam.
que lhe mandassem aqueles presos e informan- Foi só em 19 de Fevereiro de 1582 que Ca-
do que Ana Lopes se tinha ido apresentar na- tarina Vaz deu entrada no aljube da Inquisição
quele tribunal, em 12 de Janeiro passado. (3) de Coimbra, aonde também tinham chegado
A carta enviada para Coimbra terá sido re- cópias das denúncias feitas contra ela na In-
enviada para o Conselho Geral da Inquisição quisição de Valladolid, nomeadamente por Ana
Gonçalves, filha do cobrador de impostos do
marquês de Alcañices. (5)
Na cela, Catarina foi posta sob vigilância e
não foi preciso esperar muito para que a vissem
em atitudes de quem reza à maneira judaica,
“abrindo os braços e cerrando-os (…) meneando
a cabeça para diante e para trás”. Vejamos duas
cenas descritas pelos guardas que a vigiavam:
- E acabando de jantar alevantou e ajuntou
as mãos junto ao queixo e as abriu e cerrou 28
vezes ficando-lhe juntas pelo colo outras vezes
abrindo-as todas com as palmas da mão para
portuguesa o qual respondeu ao vigário geral diante e sobre os ombros…
de Miranda dizendo que os prisioneiros deviam - E acabando ela de comer lhe viu ajuntar e
ser julgados em Portugal e a Valladolid devia levantar as mãos junto ao rosto por 55 vezes e
pedir-se que mandassem as culpas que lá havia algumas vezes as abria uma da outra, obra de
contra os réus. (4) um palmo e outras vezes menos (…) e parecia
Entretanto e no seguimento da prisão de Be- que bolia com a boca como quem rezava posto
atriz Gonçalves, mulher de Julião Domingues, que lhe não entendeu nada…
o vigário geral de Miranda, através do correge- Em 3 de Janeiro de 1583, Catarina Vaz de-
dor Gonçalo de Andrade Farinha, fez prender cidiu-se finalmente a confessar seus erros e
Catarina Vaz, que estava a morar em Mogadou- pedir clemência. Disse que foi doutrinada por
ro e sobre a qual, em carta de 4 de Abril de Isabel e Ana Gonçalves, irmãs, moradoras em
1580, escrevia para a Inquisição de Coimbra: Alcañices, filhas de Alonso Gonçalves. Elas lhe
- Desta mulher de Mogadouro depende mui- terão ensinado que devia guardar o sábado, co-
to porque, se neste reino há judeus, devem meçando na sexta-feira à noite por acender as
estar na vila de Mogadouro. E lá assiste tam- candeias e com elas fez o primeiro jejum, que
bém o autor desta apostasia e cumplicidade de foi o do Kipur, em que “jejuou todo o dia e ceou
Alcañices, que se chama Luís Francisco, era da pescada seca, ovos e grãos”. Claro que esta
vila de Mogadouro e é de crer que de onde saiu confissão era muito diminuta e os inquisidores
tal mestre não faltem discípulos. lhe aconselharam a que dissesse tudo. E outras
Quem era então esta Catarina Vaz? Era uma audiências se seguiram e mais cumplicidades
das filhas de Francisco Vaz e Leonor Lopes ou Catarina confessou, acrescentando os nomes
Fernandes, nascida por 1560 e que estava ca- dos cristãos-novos que se juntaram em Alcañi-
sada com Gonçalo de Castro, do Azinhoso, resi- ces a celebrar com jejuns o Kipur de 1587. E
dindo o casal na vila castelhana de Alcañices. só depois de ser submetida a tormento e ter
Metida na cadeia de Miranda, ao início do confessado que Luís Francisco , cristão-novo de
mês de Abril de 1580, Catarina declarou que Mogadouro, morador em Alcañices que a cate-
tendo sido preso o seu marido e sequestrados quizou, é que os inquisidores acharam que ela
todos os seus bens, incluindo a casa onde mora- tinha feito completa e inteira confissão.
vam, ela se viu sozinha e abandonada em terra Saiu condenada em cárcere e hábito peni-
estranha, com uma criança ao colo. E porque tencial perpétuo, no auto-de-fé celebrado na

69
praça de Coimbra em 25 de Novembro de 1584. nhoso, 13 anos mais nova do que ele. Fixaram
Regressou a Mogadouro ao fim de Fevereiro do sua residência em Miranda do Douro, na rua da
ano seguinte, vestida com o ultrajante sambe- Costanilha.
nito. Em 8.4.1588, o cardeal arquiduque inqui- Em Dezembro de 1618, ambos foram presos
sidor geral atendeu a sua petição para que tal pela Inquisição de Coimbra. Foram dois os de-
pena lhe fosse levantada, “por ser mulher mui- nunciantes e ambos estavam presos nos cárce-
to pobre e doente e ter filhos (…) visto haver já res daquele mesmo tribunal. Um deles (Álvaro
perto de 5 anos que trás a dita penitência…” Lopes) era de Lagoa de Morais, terra de Lam-
Quem foi a Coimbra buscar o papel com paças e disse que tinha judaizado em Quintela,
esta deliberação foi o seu marido Gonçalo de na casa de Luís Lopes, com ele e com a sua
Castro, entretanto saído das masmorras da In- mulher. O outro (Jerónimo Henriques) era do
quisição de Valladolid. E para a deliberação ser Azinhoso, primo de Brites Henriques e confes-
executada, teve Catarina de viajar até Coim- sou ter estado em casa de Luís e Brites, em
bra. Aí, então, em 21.5.1588, lhe tiraram, fi- Janeiro passado e os três se tinham declarado
nalmente o hábito penitencial e o seu processo judeus. (1)
se concluiu. Não vamos seguir o desenrolar dos proces-
sos de Luís e Brites. Diremos que ambos purga-
–––––––––––––––––––––– ram no tormento (2) e saíram no auto de fé ce-
1 É importante referir que o bispo de Miranda era lebrado em 29.11.1621, condenados em leves
D. António Pinheiro, que foi em Portugal o maior orador
penas espirituais. De resto, vamos espreitar a
político da época e por isso houve até quem lhe chamasse
“o Cícero português”, cabendo-lhe discursar na abertura relação de bens apresentada por Luís Lopes,
das Cortes e em outras ocasiões mais solenes. Tinha vá- que se dizia curtidor de peles:
rios cargos de natureza política, assistindo geralmente na
Corte. Aliás, era também o cronista mor do reino e terá A casa onde viviam, avaliada em 70 mil réis.
sido decisivo o seu papel nas manobras políticas que le-
varam à união de Portugal a Castela. FRANCISCO MANUEL
Outra casa diante daquela que valia 20 000 rs.
ALVES, Memórias Arqueológico Históricas do Distrito de Uma casa de palheiro, no valor de 10 000 rs.
Bragança, vol. II, pp. 14-24. Uma vinha ao S. André, que valia 20 000 rs.
2 Recordemos que Valladolid era então a capital da Uma tinaria onde curtia os couros, na ribei-
Espanha unificada, residência normal da Corte e cidade
ra, por cima da ponte, que valia 20 000 rs.
relativamente próxima de Miranda do Douro.
3 Ana Lopes viria a ser queimada na fogueira pela In- 12 ou 13 couros que valeriam 20 000 rs.
quisição de Valladolid. Uma cortinha na mesma ribeira, no valor de
4 Na carta do Conselho Geral escrevia-se: “Do ano de 10 000 rs.
1542 a esta parte está (regulado que) não se remetem Metade de um prado, que valia 5 000 rs.
as pessoas e somente se mandam as culpas para se cas-
tigarem aonde ao tal tempo são moradores, e posto que
Uma cortinha onde estavam 22 colmeias,
no ano de 1572 se trata de se remeterem de um reino ao abaixo da ponte, no valor de 10 cruzados.
outro, houve isto efeito; e pedindo deste reino alguns Uma terra junto à vinha, no valor de 6 000 rs.
que lá estavam, por terem cá culpas, não nos foram re- 200 alqueires de trigo, o alqueire a 70 rs.
metidos, antes de cá lhes mandaram suas culpas para lá
20 alqueires de cevada, o alqueire a 50 rs.
serem castigados, o que eles devem fazer também agora,
mandando-nos de lá as culpas que tiverem contra os que 5 cubas de vinho que teriam 250 almudes, o
cá residem”. – IANTT, Inquisição de Coimbra, processo almude a 100 rs.
268, de Catarina Vaz, fl.13. 8 ou 9 vasilhas do vinho, grandes e peque-
5 Ana Gonçalves acabou também por ser condenada à nas, que todas valiam 5 000 rs.
fogueira por aquele tribunal. - pº 268, fl. 43 2 copos de prata que valiam 20 cruzados.
Um escritório que valia 10 cruzados.
IV
BRITES HENRIQUES – queimada na fogueira Possivelmente alguns destes bens foram
alienados para suportar as despesas dos pro-
Luís Lopes, neto de Francisco Vaz e Leo- cessos e da estadia na prisão. E parece que não
nor Fernandes, terá nascido em Vimioso, por sobreviveu uma menina parida na cadeia por
1565. Casou com Catarina Álvares que lhe deu Brites Henriques.
3 filhos. O casal terá residido em Quintela de Regressados a Miranda, Brites e Luís reto-
Lampaças, ao menos por algum tempo. maram suas vidas e, 20 anos depois, tinham
Pelos 40 anos, Luís ficou viúvo e casou de casado 2 filhas e 3 filhos, restando solteiro um
novo com Brites Henriques, originária do Azi- filho nascido por 1623. E casados estavam tam-

70
bém os 3 filhos do primeiro casamento de Luís Diogo Lopes, filho de Luís Lopes e sua mu-
Lopes. lher.
Entre 1636 e 1672 não houve bispo titular Belchior Lopes, filho do mesmo e sua mu-
na diocese de Miranda do Douro. E entre os có- lher.
negos do cabido parece que a primazia coube António Ramires e sua mulher.
ao dr. Francisco Luís, arcediago de Mirandela, Luís Ramires e sua mulher.
que em 1614 foi nomeado vigário capitular e A Cardosa, mulher viúva que ficou de Luís
em 1630 visitador oficial da diocese, pelo bispo Garcia, que morreu em Castela fugido.
D. Jorge. Não sabemos é se foi nessas funções Henrique Lopes e seu genro e sua mulher.
ou nas de comissário da Inquisição que “aos 28 André Ramires e sua mulher.
de Maio de 1643, nas casas de morada do dito Fernando Ramires e sua mulher.

Alguns destes, já estavam presos nos cárce-


res da Inquisição e, em 8 de Agosto seguinte,
foi ordenada a prisão de outros, entre eles Bri-
tes Henriques. Vá-se lá saber porque o homem
não foi preso, se as culpas eram as mesmas.
E, embora as denúncias fossem extrema-
mente vagas, o crime apontado a Brites era
muito grave: relapsia. E, em compensação da
fragilidade das denúncias, procuraram os in-
quisidores obter provas concretas do judaísmo
da ré, colocando-a sob vigia nas segundas e
quintas-feiras, entre os dias 22 de Outubro e
2 de Novembro, dias de jejum para os judeus.
comissário na Sé da dita cidade” de Miranda, Vejam a lista das pessoas que, pelos buracos,
recebeu o testemunho de uma Catarina Vaz, estiveram espreitando durante aqueles dias,
cristã-velha, que serviu de criada em algumas desde manhã cedo até alta noite, dois de cada
casas de cristãos-novos, dizendo que na rua vez:
da Costanilha todos eram judeus e mandavam
varrer as casas de fora para dentro e às sex- João Rodrigues, homem do meirinho.
tas-feiras mandavam e compor as candeias e as Matias Fernandes, familiar do S. Ofício.
deixavam acesas até acabar o azeite e que aos António Figueiredo, homem do meirinho.
sábados vestiam seus fatos lavados e nesses António Francisco, familiar.
dias não trabalhavam e nem sequer se acendia Bernardo João, guarda dos cárceres.
o lume nas suas casa. (3) António Dias, solicitador do tribunal.
Idêntico foi o depoimento prestado por Ventura Nunes, familiar.
Francisco Pires Trovisco e por Maria de Fontes. Manuel Sequeira, familiar.
E pelos nomes citados, bem se fica com a ideia António Mendes, barbeiro dos cárceres.
de que, naquele tempo, a histórica rua da Cos- Manuel Machado, familiar.
tanilha era essencialmente povoada por famí- Tomé Carvalho, familiar.
lias cristãs-novas. E não faltaria sequer uma Manuel Castelhano, familiar.
estalagem, pertencente a Ana Ramires, de 70 Manuel Marinho, familiar.
anos. Mas vejam os nomes dessa gente denun-
ciada por judaizante: Efectivamente, de acordo com os depoi-
mentos prestados pelos vigias, Brites Henri-
Francisco Esteves. ques terá feito 4 jejuns judaicos naqueles dias,
Alonso de Leão e sua mulher. não comendo nem bebendo nada durante o
Gaspar Álvares. dia, mas apenas à noite depois que as estrelas
Manuel Mendes e sua mulher Isabel de Cas- apareciam no céu. Não vamos aqui reproduzir
tro. tais depoimentos que terão especial interesse
Francisco de Castro. para a compreensão das vivências diárias, dos
Francisco de Castro, braselho. hábitos alimentares e da higiene pessoal nas
Luís Lopes e sua mulher Brites. masmorras da Inquisição.

71
Também não vamos falar das muitas contra- tanto atrevimento se punha a tão grande perigo de sua
ditas apresentadas por Brites contra os que a vida e por tornara dizer que era bom cristão e não tinha
culpas contra a nossa santa fé, que confessar, foi atado
denunciaram, se bem que algumas sejam bem perfeitamente e sendo alevantado foi outra vez admoes-
interessantes, do ponto de vista do estudo do tado confessasse a verdade não pondo em si ou em outros
viver colectivo da terra. Apenas um episódio, testemunhos falsos, e por dizer que era bom cristão e que
referente à ambiência da rua da Costanilha. não tinhas culpas a confessar contra a fé, foi começado
a alevantar e por dizer que era quebrado e os cirurgiões
Contou a ré que, em determinada altura, em
depois de visto decidiram que não podia sofrer tormento
frente da sua casa, do outro lado da rua da de polé sem notável perigo de sua vida, foi mandado
Costanilha, quiseram estabelecer morada o tal descer e desatado e levado ao potro para nele ter o tor-
Francisco Pires Trovisco e sua mulher Tomásia mento correspondente a um trato esperto e outro corrido
Falcoa. Tal não conseguiram porque a isso ela …sendo lançado no dito potro lhe foi dado uma volta com
um garrote de água e admoestado dissesse a verdade
se opôs. E então ele terá proferido uma amea- e por dizer que era bom cristão lhe foi dado outra vol-
ça do género: para o ano hei-de morar na casa ta com outro garrote de água e admoestado dissesse a
que eu quiser, pois hei-de fazer com que sejam verdade e por tornar a dizer que era bom cristão e vir o
despejadas todas estas casas onde moram pes- cirurgião à mesa e dizer que estava satisfeito ao assento
…foi mandado desatar e tirar do dito potro e mandado
soas da nação.
para o seu cárcere.
Apesar das contraditas e de terem apare- O tormento de água segundo o professor Borges Co-
cido testemunhas de peso como o cónego Luís elho era aplicado principalmente a mulheres dando a
Álvares a abonar o comportamento cristão de exemplo o caso de Inês Fernandes que 18 de Janeiro
Brites Henriques, a sentença cedo seria toma- de 1594 em Évora . “ … que depois de sentada no potro
atam-lhe os braços e as pernas… dando-lhe seis voltas
da. Em 24.5.1644, decidiu a Mesa do tribunal em cada braço e duas nas coxas. Em seguida tapam-lhe o
que ela fosse queimada na fogueira. Havia, po- rosto com o véu e lançaram-lhe quatro púcaros de água
rém, um obstáculo regimental. É que ela ape- pela boca.
nas tinha 9 meses de prisão e “era estilo pra- ANTT, Inquisição de Évora , processo 8514.
ANTÓNIO BORGES COELHO, Inquisição de Évora, p. 45.
ticado pelo Santo Ofício não se relaxar pessoa
3 FRANCISCO MANUEL ALVES, memórias Arqueológico
alguma sem passar um ano de prisão”. Devia, Históricas do Distrito de Bragança, vol. II, pp. 484 e 510.
por isso, ficar “reservada no cárcere”. 4 Em Junho de 1641D. João IV ordenou a prisão do
Concordou o Conselho Geral com a sentença. bispo inquisidor-mor D. Francisco de Castro, acusado de
E, porque não fosse planeado qualquer auto-de- envolvimento num golpe de estado contra o rei, junta-
mente com outros dignitários da igreja e da nobreza. Pos-
fé em Coimbra para os tempos mais próximos, teriormente o mesmo rei viu-se obrigado a libertá-lo e a
transitou Brites Henriques para as cadeias da nomeá-lo membro do seu Conselho de Estado.
Inquisição de Lisboa, em Fevereiro de 1645.
Sim, na impiedosa luta contra o governo do António Júlio Andrade
rei D. João IV, a Inquisição precisava mostrar Maria Fernanda Guimarães
todo o seu poder, organizando para o verão
desse ano uma grande festa popular. E que me- ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Algumas obras publica-
lhor festa podia haver que um auto-de-fé bem das
luzidio e demorado?! E foi o que aconteceu na- Caminhos Nordestinos de Judeus e Marranos – página do
Jornal Terra Quente de Mirandela desde 15-04-1999
quele dia 25 de Junho de 1645 em que foram
Poderá Fénix Renascer? Contributo para a definição de
penitenciados 74 réus, 13 dos quais condena- uma “Rota de Judeus” no Nordeste Transmontano – Tese apre-
dos às chamas da fogueira. Entre eles, foi quei- sentada ao III Congresso Transmontano - Bragança 2002
mada Brites Henriques, a mãe de Jorge Lopes Percursos de Francisco Lopes Pereira e Gaspar Lopes Perei-
Henriques, de Carção. (4) ra, cristão-novo de Mogadouro – in: Cadernos de Estudos Sefar-
ditas, n.º 5 2005 – Cátedra dos Estudos Sefarditas “Alberto
Benveniste”- Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
–––––––––––––––––––––– O Dr. Francisco da Fonseca Henriques e a sua família na
1 IANTT, Inquisição de Coimbra, pº 3497, de Luís Lo- Inquisição de Coimbra – In: Brigantia – Revista de Cultura – Vo-
pes; pº 2115 e 2115-1 / MF 2073, de Brites Henriques. lume de Homenagem a Belarmino Afonso – 2006
2 Luís Lopes é levado à casa do tormento aos 3 de
Subsídios para a História da Inquisição de Torre de Moncor-
Julho de 1620...e sendo despojado de seus vestidos foi vo – Câmara Municipal de Torre de Moncorvo 2007
sentado no banco e sendo outra vez admoestado que
Os Távoras e os cristãos-novos no progresso de Mirandela
dissesse a verdade e confessasse as suas culpas e por
– in: Actas das IX Jornadas Culturais de Balsamão- Centro Cul-
o não fazer , pelo senhor inquisidor Gaspar Borges foi tural de Balsamão 2007.
dito que se ele no dito tormento morresse ou quebrasse
algum membro ou perdesse algum sentido a culpa seria Carção – A capital do Marranismo – Edição de Associação
Cultural dos Almocreves de Carção - Associação CARAmigo
dele réu e não deles senhores inquisidores ordinário e
– Junta Freguesia de Carção – Câmara Municipal de Vimioso
deputados e oficiais e ministros do santo oficio. Pois com – 2008.

72
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Premio mejor bacalao dorado 2004 por el diario EL MUNDO • Reportajes en ABC, El País, El Mundo, AS, Revista HOJAS…

José Luis João Alves – Graça Rodrigues Alves

C/ Senda del Infante, 28 Posterior • 28035 Madrid – Edifício Diamela • (Frente auditorio – Alfredo Kraus) • Tel.: 913 765 727

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Construção Civil, S.A.
Praça Berbardo Santareno, n.º 6 A/B
1900-098 Lisboa
Tel. 218 429 000 • Fax 218 429 009

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Promotoras: Promotoras: EMICLAU II - Soc. Construções, Lda.
Construções Sucesso
Bragança

EMICLAU II
Soc. Construções, Lda.

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Bragança

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Cláudio - 966 344 280

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MATERIAIS DE
CONSTRUÇÃO
Via Oeste - Vinhascal
5340-288 Macedo de Cavaleiros
Tel./Fax 278 422 068
Tlms. 919 998 103 / 936 344 081
Mail: geral@manuelpataco.com

Rua padre António Vieira, L 1 R / C E s q . º • 5 3 0 0 - 2 2 4 B r a g a n ça


Tel. 273 327 0 0 5 – F a x 2 7 3 3 2 7 0 1 1

Serviço de:
C A S A M E N TO S
BAPTIZADOS
COMUNHÕES
F E S TA S D I V E R S A S

Quinta das Carvas


5300 Bragança
Tel. 273 381 211

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CERVECERÍA – CAFETERIA
POR T U
Especialidad en: • Tapas Variadas
• Comidas Caseras
• Carnes a la Brasa
• Bacalao

C/ Escocia, 6 · 28942 FUENLABRADA (MADRID) · Tel. 91 608 40 26

QVM
Alberto Vieira Pinto Vitivinicultor
Quinta do Vale Menino – Poiares - 5050 -341 Peso da Régua
Contacto 917 222 950

Fernades & Falcão – Turismo Rural, Lda.


Lugar de Pereiras – Estrada Nacional 219
5230-286 Vimioso – Portugal
http://www.hotelruralvimioso.com
Tel. 273 518 000/2 • Fax 273 518 001 • Tlm 933 190 047

79
Nuno Costa Gomes, Lda.
CONSULTORES

Edifício Santa Clara – Rua das Freiras, N.º 5 Dto.


5320-326 Vinhais
Tel. 273 770 270 – Fax 273 770 271
E-mail: geral@nunocostagomes.pt

Avenida Sá Carneiro, n.º 179 — 5 300-252 Bragança


Telem: 967 454 541 • Res. 273 312 701 • Tel./Fax 273 331 772

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N.ª Sr.ª das Graças
PROGRAMA CÍVICO
Dia 17 de Agosto – Segunda-feira
• Abertura do Bar (com todo o tipo de bebidas e petiscos).

Dia 18 de Agosto – Terça-feira


• Musica ambiente no recinto das festas.

Dia 19 de Agosto – Quarta-feira


• Musica ambiente no recinto das festas.

Dia 20 de Agosto – Quinta-feira


16 h. - Jogos tradicionais
20 h. - Abertura da Quermesse (mais de 4000 óptimos prémios).
21 h. - Torneio de Chincalhão (1.º prémio - uma vitela, mais de 40 equipas)

Dia 21 de Agosto – Sexta-feira


16 h. - Jogos tradicionais
• Noite de Música Ambiente.

Dia 22 de Agosto – Sábado


16 h. - Arruada com o Rancho Folclórico da Associação de Paradela - TERRAS
DO BOURO - Minho.
21 h. - Actuação do Rancho Folclórico.

Dia 23 de Agosto – Domingo


16 h. - Jogos Tradicionais.
21 h. - Actuação dos FADISTAS DE CARÇÃO.
Noite - Música Ambiente.

Dia 24 de Agosto – Segunda-feira


16 h. - Jogos tradicionais
Noite - Música Ambiente.

Dia 25 de Agosto – Terça-feira


21 h. - Torneio de Sueca (Vitela em jogo, mais de 40 equipas).

Dia 26 de Agosto – Quarta-feira


21 h. - Concerto da banda de Música dos B. V. Vimioso.

Dia 27 de Agosto – Quinta-feira


Salva de Morteiros
16 h. - Sorteio da “Vitela” Campo de Futebol do G. D. Carção.
21 h. - Actuação do Grupo Musical “TRIÂNGULO” de Sendim.
23 h. - Música Tradicional Portuguesa “AUGUSTO CANÁRIO & AMIGOS”.

Dia 28 de Agosto – Sexta-feira


16 h. - Apresentação do livro “Carção, Sonho e Alma”, Salão Nobre da Casa do
Povo.
21 h. - Actuação do Grupo Musical “MIDNES” de Sendim.
23 h. - Actuação do Famoso Duo “TAYTI”.
PROGRAMA RELIGIOSO
Dia 29 de Agosto – Sábado
Salva de Morteiros. Dias 21 a 28 de Agosto
III Feira de Artesanato Novena Religiosa na Igreja de St.ª Cruz
22 h. - Actuação do Grupo Musical “MELODIA”.
23 h. - Actuação da Famosa Cantora “AGATA”. Dia 29 de Agosto - Sábado
24 h. - Espectáculo Piro-Musical. 14.00 horas – Missa com Sermão em Honra de St.ª Teresinha,
Continuação do Grupo Musical “MELODIA”. seguida de Procissão.
21.00 horas – Momento Alto de Veneração da Srª das Graças;
Dia 30 de Agosto – Domingo Procissão de Velas;
07 h. - Salva de Morteiros. Missa Campal na Capela de St.ª Marinha com Sermão.
Arruada com a Banda de Música dos B. V. de Vimioso.
22 h. - Actuação do Grupo Musical “MELODIA”. Dia 30 de Agosto – Domingo
Entrega da Festa.
14.30 horas – Missa Solene dos Devotos à Padroeira com Sermão,
seguida de Procissão. “Adeus à Virgem”.
“Momentos de Reflexão”.

CARÇÃO • 17 a 30 de Agosto • 2009


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