| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 347 - 11 a 17 de dezembro de 2006
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Seqüenciamento genético pioneiro pode levar a
espécie híbrida capaz de gerar frutos resistentes a pragas

Da fina flor do maracujá

Passiflora setacea: flor branca do maracujá selvagem, com características sexuais que permitem polinização por morcego (Fotos: Divulgação/Antoninho Perri)O seqüenciamento genético da flor do maracujá é o projeto pioneiro desenvolvido na Unicamp pelo engenheiro agrônomo Marcelo Carnier Dornelas, professor do Departamento de Fisiologia Vegetal do Instituto de Biologia (IB). Financiada pela Fapesp, a pesquisa denominada Passioma (de “Passiflora”, gênero botânico ao qual o vegetal pertence, mais “genoma”, conjunto de todos os genes de uma espécie de ser vivo) deverá permitir ao cientista identificar, ao longo dos próximos quatro anos, o mecanismo molecular do desenvolvimento floral de uma planta cuja diversidade de formas florais é uma das mais ricas no planeta.

Brasil possui 60 espécies com frutos que são comestíveis

Além da inédita contribuição acadêmica, o trabalho também deverá proporcionar dividendos ao agronegócio brasileiro, colaborando para a produção de uma espécie híbrida geneticamente modificada e capaz de gerar, por meio de polinização natural, frutos comerciais com as características de resistência a pragas da espécie selvagem. Híbridos cultivados por métodos convencionais de cruzamento, embora apresentem boa resistência a doenças, têm baixa frutificação, já que as estruturas florais resultantes do processo não são reconhecidas pela abelha mamangava, um dos principais polinizadores do maracujá comercial.

Passiflora alata: flor vermelha do maracujá-doce, que a população geralmente consume in natura como sobremesa Estima-se em cerca de 600 as espécies pertencentes à família e ao gênero Passiflora no mundo, sendo 150 nativas do Brasil, o principal centro de dispersão do vegetal e o que abriga a maior diversidade da planta. Aproximadamente 60 possuem frutos comestíveis e os cultivos comerciais no território nacional baseiam-se, principalmente, nas espécies Passiflora alata (maracujá-doce, geralmente consumido in natura como sobremesa) e Passiflora edulis (maracujá-amarelo ou azedo, empregado na produção de sucos), responsáveis por 95% da área plantada no país, segundo dados da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

Formas e cores – As flores de Passiflora despertam a atenção pela variação de tamanho e estrutura, pela multiplicidade de cores e pela forma de seus componentes florais, como os estames (órgãos reprodutores masculinos), que lembram pregos ou cravos, e os carpelos (estruturas que formam o gineceu, órgão feminino).

A flor do maracujá tem ainda, segundo Marcelo, uma estrutura única entre os vegetais, que é uma coroa de filamentos, utilizada para atrair polinizadores como a mamangava, o beija-flor (na espécie Passiflora coccinea) e o morcego, este responsável, no caso da espécie selvagem Passiflora setacea, pelo transporte dos grãos de pólen do estame para o estigma – parte integrante do gineceu que capta os grânulos por meio de uma substância açucarada e pegajosa para a germinação.

Passiflora edulis: flor azulada do maracujá-amarelo ou azedo empregado na produção de sucos, polinizada pela mamangava “É uma estrutura encontrada apenas na família do maracujá e ninguém até hoje descobriu, em termos evolutivos, de onde veio e como se formou. Há quem acredite que sejam pétalas modificadas, mas a certeza a respeito desta e de outras características da planta virá apenas com a abordagem molecular do nosso trabalho”, explica Marcelo, que desde janeiro debruça-se sobre o projeto auxiliado por dois alunos de pós-graduação e quatro de iniciação científica. Antes do Passioma, do qual é o coordenador, ele participou de dois outros projetos brasileiros de clonagem vegetal: o Sucest e o Forest, destinados ao seqüenciamento do genoma da cana-de-açúcar e do eucalipto, respectivamente.

Caixa de Lego – A referência para seu estudo de desenvolvimento floral é a Arabidopsis, planta nativa da Europa e amplamente propagada por áreas da América do Norte e Ásia. A espécie ganhou relevância científica porque tem sido utilizada nas duas últimas décadas como organismo modelo para estudo da biologia genética vegetal depois que seu genoma foi totalmente seqüenciado e passou a oferecer parâmetros de comparação para pesquisas similares com outros vegetais.

De maneira semelhante à montagem de diferentes estruturas (um castelo, um carrinho ou um avião) a partir de um conjunto único de peças de encaixar do jogo Lego, a evolução combina (ou liga e desliga) os genes disponíveis em um lote comum para criar as variadas formas presentes na natureza. A Arabidopsis, bem como a cana-de-açúcar e o eucalipto, trazem em sua estrutura os mesmos genes básicos. O que determina as diferenças expressas pelos três são as variações na seqüência genética.

Passiflora suberosa: flor que tem até dois centímetros de diâmetro e cujo fruto pode ser confundido com uma ervilha Portanto, para poder manipular geneticamente uma planta e adequar suas características a determinados propósitos, é preciso antes conhecer sua estrutura genética básica. É nesse estágio que o projeto Passioma encontra-se atualmente.
“O propósito até o final do próximo ano é determinar qual é o set mínimo de genes necessários para fazer uma flor estereotipada de maracujá. Só depois conseguiremos estudar e repetir em laboratório as variações desse lote de genes para poder criar uma flor que seja polinizada ou por morcego, ou por mamangava ou por beija-flor”, esclarece Marcelo. “É quando saberemos como e em que quantidade se manifestam os genes responsáveis pelos diferentes tamanhos de coroa e apêndices, pelas cores distintas ou por alguma outra estrutura variável entre as espécies.”

Para os seus estudos, ele utiliza uma tecnologia de seqüenciamento genético chamada Etiquetas de Seqüências Expressas (EST, tradução de Expressed Sequence Tags), capaz de identificar rapidamente um grande número de seqüências parciais de genes específicos de interesse do pesquisador. No caso do Passioma (que recebeu financiamento da ordem de R$ 90 mil para os primeiros dois anos de estudos), o grupo concentrou-se nos genes expressos no processo de florescimento, ou seja, aqueles que respondem pela formação da flor de Passiflora.

Híbrido fértil – O desenvolvimento floral está na origem do processo de frutificação: os tamanhos e as variadas estruturas florais do maracujá atraem os diferentes polinizadores e é por meio deles que ocorre a fertilização. Enquanto a flor de Passiflora setacea é dotada de determinadas características sexuais que permitem a polinização apenas por morcego, a de Passiflora edulis também apresenta um design único, que requer uma abelha de grande porte, como a mamangava, para ser efetivamente polinizada.  Por isso a decodificação do DNA (serão seqüenciados cerca de 20 mil ESTs florais do gênero) é estratégica aos objetivos do projeto de também permitir a produção de híbridos melhorados a partir de adaptações na forma da flor para atrair polinizadores específicos.

Dornelas: contribuição acadêmica inédita e que vai ajudar agronegócio“O maracujá selvagem é resistente a virose, bacteriose e fusariose, mas não viável comercialmente porque produz poucos frutos e a qualidade do suco não é boa. Quando soubermos quais genes produzem a sua flor, poderemos modulá-la para que seja mais parecida possível com a forma do comercial e possa ser polinizada por mamangava. Teremos então um híbrido fértil, que vai gerar um fruto dotado da resistência do Passiflora setacea e das características comerciais do Passiflora edulis”, comenta Marcelo, acrescentando que genes resistentes a pragas não são objeto de sua pesquisa.

Ele observa que uma das causas de insucesso de experiências para a geração de híbridos em cruzamentos artificiais por meio de polinização manual é que o produto final, ainda que tenha os genes de resistência da espécie selvagem, revela uma estrutura que é a mistura das duas flores. Como nem o morcego nem a mamangava conseguem reconhecer nela as características capazes de atraí-los para a polinização, o híbrido torna-se estéril.

Perde-se, então, um longo tempo, em média oito anos, em retrocruzamentos com a espécie comercial para recuperar as características florais perdidas no híbrido e gerar novamente uma flor que possa ser polinizada pela mamangava e gere um fruto comercialmente viável. Esse tempo poderá ser substancialmente abreviado com os resultados do Passioma. A ciência e o consumidor desde já agradecem.

Comparando os extremos
 
País lidera produção e consumo da fruta

Na abordagem comparativa das diferenças genéticas, o engenheiro agrônomo Marcelo Dornelas buscou os extremos: escolheu a espécie Passiflora suberosa como representante do gênero selvagem e que se distingue do Passiflora edulis principalmente por causa do tamanho das estruturas.

O fruto de suberosa pode ser confundido com uma ervilha e sua flor tem no máximo dois centímetros de diâmetro. Apoiado pela pesquisadora Siu Mui Tsai, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Esalq/USP, em Piracicaba, o trabalho de clonagem e seqüenciamento de moléculas de cDNA (o DNA que codifica os genes de interesse) tem permitido ao grupo colher os primeiros resultados para a caracterização genética da planta.

“Já identificamos em ambas os genes responsáveis pela geração do botão floral e das sépalas (cada uma das peças florais que constituem o cálice) e também um outro, expresso nos estames, que responde pela fertilidade dos grãos de pólen”, relata o coordenador da pesquisa.

“Como aparecem nas duas espécies, podemos afirmar que pertencem ao lote básico de genes necessário à construção de uma flor de maracujá, mesmo nessa espécie bastante divergente que é a suberosa. Porque essa, por menor que seja em comparação ao fruto tradicional, tem uma configuração genética com todos os elementos necessários para a produção de uma flor de Passiflora.”

 

Os dados da Embrapa colocam o Brasil como o maior produtor e o maior consumidor mundial de maracujá (do tupi mara kuya, que significa “fruto que se serve” ou “alimento na cuia”). O maracujá-amarelo ou azedo é o mais cultivado no país e sua utilização se dá na forma de fruta fresca e de suco.

A área plantada com maracujá amarelo, no Brasil, vem se mantendo ao redor de 35 mil hectares (ha) com destaque para a região Nordeste, principalmente os Estados da Bahia e de Sergipe, com cerca de 10 mil e 4 mil ha respectivamente. A região Sudeste aparece como a segunda região produtora do país com 10 mil há, sendo 3,1 mil em São Paulo, 2,6 em Minas Gerais e 2,3 no Espírito Santo.

A produção brasileira é da ordem de 500 mil toneladas anuais. O cultivo do maracujazeiro em escala comercial teve início no começo da década de 70, com o maracujazeiro azedo. Atualmente, o agronegócio do maracujá no Brasil gera R$ 500 milhões, emprega 250.000 pessoas e pode gerar de 5 a 6 empregos diretos e indiretos por hectare durante 2 anos, com apenas R$ 12 mil de investimentos.

 


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