Roseli Del Sasso e Vinicius Botelho: duas vidas diferentes atingidas pela mesma doença (Foto: Arquivo Pessoal)
O que um ex-lutador de jiu-jitsu que já disputou um campeonato
pan-americano pode ter em comum com uma funcionária pública
aposentada? Tudo. No Dia Nacional de Combate à Esclerose
Múltipla, o G1 traz a história de duas pessoas
que tinham tudo para serem completamente diferentes, mas que
tiveram suas vidas tocadas por uma doença que ainda hoje causa
muito desentendimento e preconceito: Vinicius Botelho, de 35
anos, e Roseli Del Sasso, de 42.
A história dos dois é bastante parecida. Os dois
descobriram a doença muito jovens. Os dois enfrentaram
dificuldades, medo e erros de diagnóstico até descobrirem
exatamente o que tinham. Os dois enfrentam até hoje a
incomprensão de pessoas que não entendem a esclerose múltipla. E
os dois vivem uma vida absolutamente normal.
Quase 150 anos depois de ter sido descoberta e
identificada pelos cientistas, a esclerose múltipla é até hoje
um mistério para a medicina. Ela surge quando o próprio sistema
de defesa da pessoa resolve se voltar contra o sistema nervoso.
O ataque imunológico destrói a camada de mielina que recobre os
nervos, essencial para a transmissão de sinais entre eles. Os
sintomas variam de acordo com os nervos que são afetados e os
ataques podem variar de freqüência e intensidade, indo desde uma
simples falta de equilíbrio até convulsões e paralisia. A doença
não é fatal, mas não tem cura.
Entenda mais sobre a doença
Histórias: Roseli
Roseli Del Sasso era uma bem sucedida jovem de 24 anos quando foi
devastada pela notícia de que tinha esclerose múltipla. “Morri
aos 24 anos”, contou ela, emocionada, ao G1.
"Minha vida, como eu tinha planejado, acabou ali."
Dois anos antes, em 1988, ela teve os primeiros
sintomas, quando metade de sua face paralisou sem motivo durante
quase 24 horas. Os médicos não identificaram o problema, que
acabou passando sozinho no dia seguinte. Ela só foi saber o que
estava de errado em 1990, na final da Copa do Mundo. Ao
comemorar o gol da Itália, Roseli sentiu uma forte dor nas
costas. Durante as 48 horas seguintes ela ficaria completamente
paralisada do pescoço para baixo.
Levada às pressas ao hospital, Roseli precisou
enfrentar uma maratona dos médicos, que tentavam descobrir o que
acontecia. Até então, ela pensava se tratar de uma hérnia de
disco. Um neurologista foi chamado. “Nunca vou esquecer essa
cena”, conta. “Ele pegou minha perna, soltou e ela caiu. Era uma
perna morta. Olhou para mim e disse: esclerose múltipla”.
O diagnóstico precisou ser confirmado por exames.
Na hora do último, quando chegou a conclusão, Roseli ainda teve
que enfrentar um trauma. A médica que retirava o líquido de sua
coluna comentou: “você pode até sentar novamente, mas é melhor
se acostumar que vai passar a vida em uma cadeira de rodas”.
Quase vinte anos depois, Roseli jamais precisou de
uma cadeira de rodas. Ela anda normalmente, até corre para se
exercitar e dirige como qualquer outra pessoa. Durante uma nova
crise, em 2003, outro médico identificou o local da lesão que
causou a paralisia em 1990 e a tranqüilizou que seu futuro
passaria longe de cadeiras de rodas. “Nem cadeira de roda, nem
bengala, nem nada, você vai sair daqui andando”, disse ele.
Até chegar a esse dia, no entanto, Roseli viveu assombrada pelas
palavras da médica no dia de seu diagnóstico. “Passei anos em
uma cadeira de rodas sem estar em uma cadeira de rodas”, conta.
Forçada a se aposentar aos 28 anos, ela parou de trabalhar.
“Planejei minha vida inteira de outra forma. Tem quem diga que o
destino é você quem faz. Não acredito nisso, por que às vezes as
coisas saem do seu controle”, afirma.
Só se libertou do medo da esclerose múltipla
depois de fazer terapia. Hoje, se considera uma mulher mudada.
“Aprendi a me dar valor. Sou bonita, inteligente, faço trabalho
voluntário. Sou uma pessoa especial. Resolvi aproveitar a vida”,
conta.
Roseli Del Sasso é hoje o centro de um grupo de
pessoas com esclerose múltipla que se apóia informalmente. Em
2004, ela criou o grupo “Esclerose Múltipla Brasil” no site de
relacionamentos Orkut, hoje com mais de 1700 membros. Ali, os
pacientes oferecem conselhos, pedem ajuda e buscam compreensão.
Duas vezes por ano, os membros se reúnem pessoalmente.
Histórias: Vinicius
É na comunidade de Roseli no Orkut, que o bancário Vinicius
Botelho também busca orientação de pessoas com as mesmas
preocupações que ele. Jovem bonito e atlético, Vinicius nem de
longe parece o falso estereótipo de fraqueza que muitas pessoas
relacionam aos pacientes com esclerose múltipla. Ex-lutador de
jiu-jitsu, campeão de etapas estaduais, chegou até a competir no
campeonato pan-americano da modalidade. E em 1998, aos 25 anos,
descobriu que tinha esclerose múltipla.
Como aconteceu com Roseli, os primeiros sintomas
também surgiram dois anos antes. Em 1996, ele sofreu uma crise
sem perceber e ficou um tempo sem enxergar adequadamente. Em
julho de 1998, percebeu alguns problemas, procurou ajuda médica,
mas não teve sorte. Ao ver a falta de sensibilidade na mão
esquerda, achou que o problema era circulação e procurou um
cardiologista, que o encaminhou a um neurologista. Quando a
dormência passou para a mão direita, este último o mandou tratar
com um médico vascular. “A mão esquerda era um especialista, o
neuro. A direita com outro, o vascular. Um absurdo”, disse
Vinicius.
Logo em seguida, o problema passou para as pernas.
Vinicius percebeu que não estava andando direito. “Me arrastava
para os lados e não conseguia engatar a marcha do carro.
Precisava usar a mão para ajudar a perna a pisar na embreagem”,
contou. Procurou um hospital. Ali, novo erro. Disseram que o
jovem tinha câncer na coluna.
Só depois do susto e de muitos exames, eles
descobriu que sua doença não era fatal. Mas o acompanharia para
toda a vida.
No dia-a-dia, como a maioria dos pacientes, ele
não tem sintomas 100% do tempo. “As pessoas que não sabem que
sou portador de uma doença crônica nunca imaginam”, conta.
Quando tem uma crise, no entanto, chega a ficar três dias internado.
Conselhos
A esclerose múltipla, como no caso de Roseli e Vinicius, surge
sem avisar e, na maioria dos casos, os primeiros sintomas
aparecem na juventude. O que deve fazer quem descobre a doença?
Os dois têm a mesma resposta.
“Converse abertamente com seu médico, ele deve ser
seu amigo”, conta Vinicius. “Busque informações e contato com
grupos de apoio”, diz ele.
Roseli concorda. “Em primeiro lugar, calma.
Procure um bom médico, em quem confie. Não seja inimigo do seu
médico. Ele tem que ser seu melhor amigo dali para frente. Não
se desespere e saiba que não estará sozinho, temos muitas
pessoas nessa jornada”, aconselha. “Saiba que as pessoas morrem
com esclerose múltipla, mas não de esclerose múltipla”.
Leia mais notícias de Ciência e Saúde