Amigos leitores,
A partir de hoje está no ar o meu novo site: www.williamdouglas.com.br.
De cara nova, mais moderno e acessível, mas com o conteúdo e interação de sempre.
Encerrarei as postagens do Blog e migrarei todo seu conteúdo, aos poucos, para o site.
A todos que acompanharam, por muito anos, os posts por aqui, meu muito obrigado e até logo!
abç
william douglas
quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
O problema é maior que o Bolsonaro [ATUALIDADES, CAUSAS]
Este país padece de um mal muito sério. As pessoas aproveitam situações
para impor suas ideias ou iniciar campanhas sem uma análise razoável anterior. Ou
falta serenidade, ou orientação, ou boa-fé. Serenidade, para analisar os fatos.
Orientação, para saber que mesmo o adversário, aquele de quem discordamos em
tudo, é titular de direitos tão legítimos e amplos quanto aqueles que pensam
igual pensamos. Boa-fé, para não nos livrarmos de quem não gostamos utilizando minigolpes
contra os eleitores.
Falarei de dois passos importantes para a democracia. Primeiro, que a
voz do eleitor não seja ignorada. Segundo, que ao fazer julgamentos (ou seja,
aplicar justiça), os erros, ofensas e crimes sejam julgados de forma igual
tanto para quem é do nosso partido, quanto do partido adversário. Esse é o
ideal a ser perseguido. Por exemplo, do jeito que vão as coisas, alguém, ao ler
este artigo, ao invés de refletir sobre seu conteúdo talvez vá dizer que estou
defendendo o Bolsonaro, ou até mesmo o estupro. Como professor, contudo, mesmo
com o risco de ser mal interpretado, tenho o dever de apontar dois problemas
reais: primeiro, dois pesos e duas medidas. Segundo, uma campanha que se
aproveita de meio fato para criar um grande golpe.
Estamos acompanhando uma campanha dizendo que frases como a do
Bolsonaro estimulam o estupro. Não que eu concorde com o estilo do Deputado, ou
com sua infeliz frase, mas convenhamos: nenhum estuprador está consultando as
declarações de um parlamentar para decidir se delinque ou não. Analisar apenas o que Bolsonaro falou é meio
fato, e justiça só se faz olhando o fato inteiro.
As informações às quais tive acesso dão conta que o Deputado Jair
Bolsonaro disse o seguinte: “Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no
Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece”. Eu
particularmente acho deplorável um cidadão, ainda mais um parlamentar, dizer
isso para uma mulher. No entanto, daí a querer sua cassação existe um grande
espaço, e digo o motivo. Se a Deputada chamou o Deputado de “estuprador”, há
que se admitir que a retorsão à ofensa seja igualmente deselegante. Estamos
diante de uma ironia, grosseira sim, mas não de uma apologia ao estupro. Indo
além, vi no Facebook um vídeo que apresenta “provas” de que o Dep.
Bolsonaro “agrediu” a Deputada. Vendo o vídeo, fica evidente que a Deputada foi
em direção a ele e o mesmo tão somente impediu a aproximação física da Deputada.
Deploro a grosseria contra qualquer pessoa, em especial uma mulher, mas daí a
dizer que houve uma agressão física existe um grande hiato.
Realmente preferia que o
Deputado não retrucasse da forma como fez, mas se foi objeto de agressões
verbais, não podemos julgar apenas as que proferiu e ignorar as que recebeu
anteriormente. Ao ser atacado verbalmente, poderia processar a
Deputada, mas parece que sabe que a maioria fala o que quer sem tanta censura.
Outro caminho, previsto na lei, é a retorsão da ofensa. Talvez um juiz, como
eu, pensasse em processos; um militar tende a atirar de volta. Aliás, no amor e
na guerra fala-se que “chumbo trocado não dói”. Ao menos, não deveria. No Parlamento,
idem. E se quase meio milhão de
brasileiros quiseram alguém com este estilo atuando no Congresso, podemos até
criticar o gosto, mas temos que aprender a lidar com isso deferindo direitos
iguais para todos. Todos os parlamentares, e todos os eleitores, e jornalistas,
qualquer que seja o partido.
Citarei mais uma evidência de que estamos no país das duas medidas. Um Professor
de Filosofia da UFRJ, Paulo Ghiraldelli, disse para outra mulher, Rachel
Sheherazade, o seguinte: “Votos para 2014: que a Rachel Sherazedo
(sic) abrace, após ser estuprada, um tamanduá”. Isso não foi uma ironia,
foi bem mais e, mesmo assim, o repúdio foi ínfimo em comparação ao que
está sendo dirigido ao Deputado. Existem estupros diferentes? Certamente que
não. Isso revela um drama atual do Brasil: dependendo de quem fala, e de quem é a vítima, as reações
são diferentes. Anoto que ao ler as demais postagens do professor, não
acreditei na (fraquíssima) versão de que foi hackeado. Foi feita apologia
direta de estupro direcionada a uma pessoa e não vimos a mesma repercussão, nem
a enxurrada de representações que vemos agora. Então, fazer votos de que alguém
seja estuprada, se a vítima for essa ou aquela, é menos grave?
Não podemos ter um
país onde as coisas valem não pelo seu conteúdo, mas pela posição política de
quem as realiza. Alguém não tem o direito de desrespeitar outra pessoa por ser
ela de direita ou de esquerda.
O outro problema são as tentativas de golpes ou minigolpes que infestam
nosso cotidiano. Neste passo, começo pelas propostas de impeachment e de intervenção militar, claros desrespeitos ao
eleitor. Stédile prometeu que haveria guerra se Dilma não ganhasse, e parece
que existem Stédiles também do outro lado. Ora, qualquer medida fora dos
cânones constitucionais é inaceitável, seja do Stédile, seja de qualquer outro.
Existem regras, vamos segui-las.
Entre as regras está o direito de parlamentares falarem praticamente
tudo o que quiserem. Há limites, mas não podem ser pequenos, nem fajutos, nem
que valham só para o outro lado. O Deputado Bolsonaro representa parcela considerável
dos eleitores, fala em nome de quem o elegeu. E não foram poucas pessoas. Daí, não
deveria ter o risco de ser cassado senão por um motivo direto, claro, e não de
uma interpretação (por sinal equivocada) onde ironia e grosseria em retorno à ofensa
sofrida são convenientemente chamadas de apologia ao crime. Querer se livrar de
alguém que ganhou as eleições, Dilma, sem seguir as regras é golpe. Querer se
livrar de alguém que incomoda por suas opiniões e pelo modo de expressá-las,
Bolsonaro, é minigolpe.
Enquanto eleitor, sinto cheiro de
virada de mesa: (1) quem perdeu a eleição não quer seguir as regras (elas
existem, até para o impeachment); (2)
alguns partidos, aproveitando-se de sua maioria na Casa, querem tirar um
elemento incômodo. Ambos os desejos, a despeito dos eleitores que os colocaram
onde estão. No caso de Dilma, é atropelar as regras do jogo que todos devem
seguir. No caso de Bolsonaro, é querer subtrair diversidade e
representatividade de uma Casa que tem padecido justamente pela falta de
oposição e de pessoas com opiniões que não estão à venda. Podem ser grosseiras,
mas são opiniões firmes em um lugar que padece de algumas ilhas de pusilanimidade.
O Deputado em risco de cassação por suas opiniões é alguém cujas opiniões e
postura são claramente conhecidas por quem votou nele. Querer tirar um parlamentar
de oposição e legitimamente eleito, e tão bem votado, é um desrespeito
aos eleitores. Eleitores que o escolheram apesar de todos os seus defeitos, já notórios
bem antes das últimas eleições. Quase meio milhão de cariocas quiseram colocar
em Brasília um desbocado autêntico. Ele pode até ter posturas polêmicas,
mas ninguém ouviu falar que leva dinheiro para votar, ou que tem parte no
Petrolão. Respeitemos o eleitor.
Aliás, isso me lembra o grande erro da Comissão da Verdade, cujo
relatório acabou de ser entregue. Ao contrário do paradigma sul-africano, a
nossa comissão não analisou os crimes cometidos de lado a lado, apenas os dos
militares. Mas e os crimes dos terroristas? Estes podem ser esquecidos? A
Comissão sul-africana era da “verdade e reconciliação”. E tratou de todos os
lados do conflito. A nossa, ao tratar apenas dos militares, ao menos tirou o
nome “reconciliação”, desde já fazendo a devida confissão de sua parcialidade. Com
parcialidade não há a possibilidade de reconciliação. Dois pesos, duas medidas.
As regras legais, de cortesia, de ironia, de retorsão às ofensas e de respeito
às autoridades devem valer igualmente para todos, sem distinção de raça, cor,
orientação religiosa, sexual ou política. A reação das autoridades e da
imprensa também deveria ser a mesma qualquer que fosse a vítima. Como disse um
Senador já falecido: ética é ser a favor do certo mesmo quando ele nos
prejudica e contra o errado mesmo quando ele nos favorece.
Enfim, o problema maior deste país não é o
Bolsonaro, como muita gente quer fazer crer. Cito dois problemas maiores. Um, não
querem respeitar a democracia nem as regras do jogo. Parece que a opinião dos
eleitores vale menos quando não interessa a quem tem algum poder. O segundo, é que
os mesmos atos ou fatos são interpretados de forma diametralmente oposta a
depender da simpatia ou antipatia em relação a quem os pratica. No fundo, é um
problema único: dois pesos, duas medidas. Seja o do voto, seja o da opinião.
Muita gente acha que seu voto ou sua opinião valem mais do que a do outro. A do
outro pode ser até crime!
Ainda no campo dos pesos e das medidas, estou cansado de ver pobres não
poderem devolver um quilo de arroz, ou um litro de leite, e irem para o
presídio passar longo tempo. Espero que isso não seja permitido a quem tem
iates e helicópteros. Como proponho na minha campanha “Cansei, quero um país
diferente”, ou damos uma anistia geral para todos os ladrões que confessarem
seus crimes, ou não podemos aceitar essa gentileza só para os ricos. Proponho
três meses de prazo para todos confessarem seus delitos e devolverem a
pilhagem. Sejam pobres, sejam ricos; seja o empreiteiro “coitadinho” que não
quer que o Brasil pare (prefiro que pare, para que saiam), seja o “guardinha”
da esquina. Quem sabe os pequenos corruptos desse país não queiram fazer sua
autodelação premiada? Por que só para os ricos?
Enfim, não
aceito que empreiteiros possam sair de fininho se os corruptos e os ladrões de
galinha não tiverem a mesma chance. Não aceito quererem tirar a Dilma sem
seguirem direitinho as regras do jogo. Não aceito tirarem o desbocado do
Deputado que não vende seus votos.
Talvez eu venha a ser vítima da cultura que critico: aquela onde não
julgam mais as falas e os fatos, mas, apenas a pessoa que fala ou os pratica. Como
cidadão e professor, friso o problema real do nosso país: dois pesos, duas
medidas. Não vou discutir neste momento qual deva ser o peso, ou a medida, mas
friso que quando enfim os escolhermos, devem ser os mesmos para todos: para os
da direita e para os da esquerda, para os pobres e para os ricos.
terça-feira, 6 de janeiro de 2015
Mais uma Reforma que se Inicia (por Fábio Zambitte) [ATUALIDADES, DIREITO]
1. Introdução
Como já
amplamente noticiado pela imprensa, o Governo Federal, por meio da Medida
Provisória nº 664, de 30 de dezembro de 2014, altera aspectos relevantes do
plano de Benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Basicamente, o texto
reúne sugestões de adequação legislativa a certas lacunas do sistema, além de aprimoramentos,
em geral, necessários.
A maior parte
das mudanças já era desejada pelo corpo técnico no Ministério da Previdência
Social e, também, foram por mim sugeridas em conjunto com o Prof. Aaron Grech,
da London School of Economics (LSE), em projeto financiado pela União Europeia,
no qual tivemos a oportunidade de cotejar diversos modelos europeus frente ao
sistema nacional e, por fim, concluir pela necessidade de importantes mudanças
no regime nacional. Algumas constam da MP 664.
2. Procedimento
Inadequado
Como já havia
criticado anteriormente, a vulgarização das medidas provisórias em nada ajuda
no diálogo necessário sobre as reformas previdenciárias. Na atualidade, a MP é
usada como um projeto de lei impróprio capaz de já produzir efeitos, impondo
coação severa ao Poder Legislativo, o qual se vê na situação de apreciar com
celeridade o feito, sob pena de desordenar o arcabouço previdenciário vigente.
É evidente que
tal conduta do Governo Federal, de saída, gera ampla insatisfação do Congresso
Nacional e em nada ajuda a criar um ambiente propício ao diálogo. O tema
protetivo, especialmente em contextos de retração, é complexo e envolve
interesses variados. Sem uma atuação conciliatória, respeitosa e
verdadeiramente voltada ao problema, dificilmente haverá sucesso em todas as
mudanças que se fazem necessárias.
No entanto,
desde 1995, a praxe das reformas previdenciárias, tanto em âmbito legal como
constitucional, têm sido a mesma. A apresentação de projetos, propostas ou
mesmo medidas provisórias, muito frequentemente em início de governos, em
“pacotes” prontos que, em geral, não são debatidos e não possuem qualquer
consenso mínimo. Ainda que necessários e mesmo aprovados, geram desconfiança da
sociedade sobre o sistema e efeito perverso para o futuro, tendo em vista a
constante dúvida e insatisfação dos demais atores sociais.
É certo que
nosso Legislativo está distante de um ideal republicano, mas, inegavelmente, é
o que temos e devemos contar com ele. A recusa governamental em apresentar tais
questões previamente ao Legislativo – e mesmo à sociedade – em nada ajuda a
construção de um modelo protetivo equilibrado, justo e viável a gerações
futuras.
De toda forma,
mesmo que iniciada com o “pé esquerdo”, a reforma legislativa apresentada
possui aspectos relevantes e necessários. Passo a análise dos principais itens
de mudança no âmbito previdenciário. Não tenho a intenção, aqui, de esgotar o
tema e apresentar todos os detalhes da reforma.
3. Pensão por
Morte – Carência, Dependentes e Renda Mensal
O modelo
previdenciário brasileiro, em larga medida, segue as premissas dos sistemas de
seguro social, os quais, basicamente, adotam elevada correlação entre o custeio
individual e respectivo benefício, além de contar com um grau menor de
solidariedade se comparados aos sistemas universais de proteção.
Em tais sistemas
de seguro social, é comum que se exija um quantitativo mínimo de contribuições
para o gozo de determinados benefícios. Por exemplo, sabe-se que um homem, para
aposentar-se por idade, terá de alcançar, além da idade de 65 anos, um
quantitativo mínimo de 180 contribuições mensais. Essa é a ideia da carência do
Regime Geral de Previdência Social – RGPS.
Em geral, a
carência somente é exigida, em maior medida, nos benefícios programados, ou
seja, aqueles em que o evento protegido é perfeitamente previsível, como a
idade avançada. Para os benefícios de risco, cujo evento protegido é
imprevisível, a carência tende a ser reduzida ou mesmo inexistente.
A pensão por
morte, nos últimos anos, possuía o tratamento típico dos benefícios de risco –
como de fato é – não possuindo qualquer carência. Ou seja, para um dependente
obter o benefício, bastaria ao falecido possuir a qualidade de segurado, o que
poderia ocorrer em qualquer momento anterior ao óbito.
Com isso, as
fraudes se avolumaram. Desde sempre temos notícias de pessoas inscritas na
previdência social meses, semanas ou mesmo dias antes do óbito, com a
finalidade única e exclusiva de propiciar o benefício. Para piorar, não
raramente uniões eram forjadas com a finalidade única e exclusiva de obter a
prestação previdenciária. Mesmo com a evidente fraude, era difícil para a
autarquia previdenciária elidir tais situações, pois a lei não exigia qualquer
carência mínima para o benefício.
Tendo em vista
tal realidade, a MP 664 traz várias mudanças. De saída, retoma a carência para
a pensão por morte, em 24 contribuições mensais, salvo quando o segurado
falecido já estava em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. O
tempo é razoável, até pela possibilidade, prevista na mesma MP, de excluir a
carência na hipótese de acidente de trabalho.
Aqui, no
entanto, identifico um vício. A previsão de carência é necessária e correta, e
a exclusão da mesma na hipótese de acidentes é também necessária, pois, à
exceção do suicida, não é algo previsível e passível de fraudes, como a
patologia que gradualmente denigre a vida humana. Todavia, a restrição a
acidentes de trabalho é equivocada. Todo e qualquer acidente deve excluir a
carência. A restrição a acidentes de trabalho não faz sentido, especialmente
pela equiparação dos benefícios comuns aos acidentários que toma lugar desde
1995.
Aqui,
novamente, nota-se a ausência de maior reflexão e diálogo, pois se todo e
qualquer acidente dispensa a carência para os benefícios por incapacidade, não
faz qualquer sentido restringir, para a pensão por morte, a excludente a óbitos
relacionados ao trabalho. Tal ponto merece correção, mesmo que pelo Judiciário.
Estranhamente,
a nova redação do art. 26 da Lei n. 8.213/91 não mais prevê o auxílio-reclusão
como benefício dispensado de carência. Ao mesmo tempo, não há previsão expressa
de contribuições mensais para este benefício. Caso a lacuna não seja superada
pelo Legislativo, a conclusão necessária será pela validade das mesmas 24
contribuições mensais da pensão por morte, tendo em vista a analogia necessária
entre os dois benefícios (art. 80, Lei n. 8.213/91).
Quanto aos
beneficiários, a nova regra pretende pôr fim a antiga querela deste benefício,
relacionada ao dependente homicida, ou seja, aquele que, inserido formalmente
no rol de dependentes da Lei n. 8.213/91, mata o segurado e, na sequência,
postula o benefício. A questão possui nuances relevantes e a complexidade da
questão extrapola as finalidades deste breve artigo, mas, agora, há fundamento
normativo impedindo tal prestação. Naturalmente, o impedimento somente é válido
para o dependente condenado por sentença transitada em julgado. Sendo assim,
enquanto correr a ação penal, nada impede que a pensão seja concedida, ainda
que provisoriamente.
Também
interessante novidade é a necessidade de tempo mínimo de dois anos de casamento
ou união estável para fins de concessão do benefício. A regra, comum em
sistemas estrangeiros, vem em boa hora, como forma de impedir fraudes.
Ponderadamente, a regra é excepcionada em caso de óbito decorrente de acidente
ou incapacidade do dependente após o casamento ou união estável.
Seguindo também
a praxe mundial, a renda mensal da pensão por morte é reduzida. Adotando
sistemática que já fora a regra do RGPS, a quantificação passa a ser de 50% do salário-de-benefício,
acrescido de 10% a cada dependente. Em suma, o benefício nunca será inferior a
60%, pois haverá, no mínimo, um dependente e, no máximo, 100%, na hipótese de
cinco ou mais dependentes.
Também, como
forma de atender casos particulares, a MP permite a adição de cota extra de 10%
na hipótese de filho órfão. Ou seja, caso o segurado venha a falecer, restando
o filho dependente sem pai e mãe, terá acréscimo de 10% no percentual.
Naturalmente, tal hipótese somente se aplica quando não exista pensão por morte
do primeiro falecimento (pai ou mãe). Em tal caso, a possibilidade cumulação de
pensões por morte (decorrente de óbito de pai e mãe) continua possível, sem o
acréscimo criado.
O benefício
também deixa de ser, em regra, vitalício. A depender da idade dos dependentes e
respectiva expectativa de sobrevida no momento do óbito (fornecida pelo IBGE),
o benefício poderá durar somente três anos (sobrevida superior a 55 anos) ou
mesmo vitalício (sobrevida inferior a 35 anos). Obviamente, não se trata da
sobrevida específica do segurado – que faleceu – mas a expectativa de vida do
dependente.
4. Renda Mensal
do Auxílio-Doença
De acordo com
art. 29, § 10 da Lei n. 8.213/91, inserido pela MP 664, “O auxílio-doença não
poderá exceder a média aritmética simples dos últimos doze
salários-de-contribuição, inclusive no caso de remuneração variável, ou, se não
alcançado o número de doze, a média aritmética simples dos
salários-de-contribuição existentes”.
Desta vez, ao
invés de tentar mudar o cálculo do auxílio-doença, a nova regra segue dinâmica
mais interessante, fixando um limite máximo do benefício, a partir das últimas
remunerações do segurado. Basicamente, o que se busca é o mesmo de reformas
pretéritas frustradas – a limitação do benefício a valor correspondente aos
últimos salários do segurado.
Na regra até
então vigente, era comum que segurados conseguissem benefícios previdenciários
por incapacidade temporária muito acima da última remuneração, o que, além de
contrariar a natureza substitutiva do benefício previdenciário, propiciava
evidente desestímulo à recuperação laboral, gerando maior dificuldade na já
complexa atividade de mensuração da aptidão laborativa.
5. Afastamento
Prévio ao Auxílio-Doença e Aposentadoria por Invalidez
Basicamente, o
que faz a nova regra é ampliar o tempo mínimo de afastamento por conta do
empregador ou segurado. Em geral, é correto afirmar que o benefício por
incapacidade deva adotar um tempo mínimo necessário de afastamento prévio, como
forma de atender as incapacidades que realmente sejam configuradas como um
risco social e, também, viabilizar o funcionamento adequado do sistema,
excluindo incapacidades de curta duração, as quais vitimam todos nós e são de
difícil avaliação pericial.
A ampliação é
compreensível, até pelas elevadas taxas de afastamento laboral em algumas
atividades econômicas, mas poderia ter sido construída de melhor maneira.
Primeiramente, prejudica fortemente os demais segurados, não empregados, como
contribuintes individuais, que somente terão direito a benefício após q
incapacidade ultrapassar um mês. Segundo, mesmo para segurados empregados, o
tratamento pode ser considerado desigual.
Acredito que, à
exemplo do seguro de acidentes de trabalho (SAT/RAT), poderia a legislação
fixar tempos de afastamento de acordo com o CNAE de cada empresa, tendo, com
isso, a possibilidade de fixar períodos até superiores a 30 dias para
atividades econômicas que gerem afastamentos de longa duração. A medida não
seria necessariamente complexa para as empresas, tendo em vista todas
conhecerem o respectivo CNAE e pelo fato de o sistema de afastamentos
previdenciários, nos próximos anos, migrar para um modelo plenamente
informatizado, o e-Social.
Adicionalmente,
perdeu a MP a oportunidade de prever, expressamente, a não incidência de
contribuições sobre tais valores, tendo em vista a posição pacífica do Superior
Tribunal de Justiça sobre a matéria. Seria uma forma de reduzir lides judiciais
e, ao mesmo tempo, aplacar a insatisfação dos empregadores, em razão do duplo
encargo criado.
6. Perícias
Médicas por Convênio
Desde longa
data, um importante gargalo na concessão de benefícios por incapacidade é a
perícia médica do INSS. Naturalmente, não se trata de ausência de dedicação dos
profissionais envolvidos ou mesmo da autarquia, mas, basicamente, por uma
demanda elevada destas prestações.
Algumas
alternativas foram adotadas no passado recente, como a alta programada. Outras,
em governos passados, se mostraram desastrosas, como a terceirização da
perícia. A previsão de convênios com empresas ou entidades privadas, como
estabelecido pela MP 664, pode ser uma solução adequada, mas carece de rigorosa
regulamentação e controle.
Os conluios e
fraudes, infelizmente, sempre existirão, mas tais parcerias, se construídas de
forma precisa e com efetivo controle por peritos médicos auditores do INSS,
podem, de fato, configurar importante evolução, especialmente em regiões do
país com crônicas deficiências no atendimento pericial.
7. Conclusão
As modificações
apresentadas, como se nota, são importantes e refletem certo consenso sobre as
adequações necessárias no sistema previdenciário brasileiro. No entanto, cumpre
notar que maiores questões ainda carecem de atenção, como a fixação de limites
etários mínimos de aposentadoria, a distinção de gênero na obtenção do
benefício e o tratamento diferenciado nas aposentadorias especiais.
São temas de
elevada complexidade e, para piorar, demandam reforma constitucional. Caso o
Governo Federal não mude sua postura, o ambiente necessário para a aprovação de
tais reformas nunca virá, possivelmente comprometendo a rede de proteção social
das gerações futuras. Nos resta aguardar, como prometido pela Presidente da
República, que o diálogo será a regra do seu novo mandato. Começamos mal.
Fábio Zambite é advogado e professor universitário, doutor em Direito Público - UERJ e mestre em Direito Previdenciário - PUC/SP. Também foi Presidente da 10ª Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social e Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Autor dos livros Curso de Direito Previdencário, Resumo de Direito Previdenciário e Direito Previdenciário - Questões entre outros, publicados pela Editora Impetus.
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