quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Início de uma nova era

Amigos leitores,
A partir de hoje está no ar o meu novo site: www.williamdouglas.com.br.
De cara nova, mais moderno e acessível, mas com o conteúdo e interação de sempre.
Encerrarei as postagens do Blog e migrarei todo seu conteúdo, aos poucos, para o site.
A todos que acompanharam, por muito anos, os posts por aqui, meu muito obrigado e até logo!
abç
william douglas

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O problema é maior que o Bolsonaro [ATUALIDADES, CAUSAS]



Este país padece de um mal muito sério. As pessoas aproveitam situações para impor suas ideias ou iniciar campanhas sem uma análise razoável anterior. Ou falta serenidade, ou orientação, ou boa-fé. Serenidade, para analisar os fatos. Orientação, para saber que mesmo o adversário, aquele de quem discordamos em tudo, é titular de direitos tão legítimos e amplos quanto aqueles que pensam igual pensamos. Boa-fé, para não nos livrarmos de quem não gostamos utilizando minigolpes contra os eleitores.
Falarei de dois passos importantes para a democracia. Primeiro, que a voz do eleitor não seja ignorada. Segundo, que ao fazer julgamentos (ou seja, aplicar justiça), os erros, ofensas e crimes sejam julgados de forma igual tanto para quem é do nosso partido, quanto do partido adversário. Esse é o ideal a ser perseguido. Por exemplo, do jeito que vão as coisas, alguém, ao ler este artigo, ao invés de refletir sobre seu conteúdo talvez vá dizer que estou defendendo o Bolsonaro, ou até mesmo o estupro. Como professor, contudo, mesmo com o risco de ser mal interpretado, tenho o dever de apontar dois problemas reais: primeiro, dois pesos e duas medidas. Segundo, uma campanha que se aproveita de meio fato para criar um grande golpe.
Estamos acompanhando uma campanha dizendo que frases como a do Bolsonaro estimulam o estupro. Não que eu concorde com o estilo do Deputado, ou com sua infeliz frase, mas convenhamos: nenhum estuprador está consultando as declarações de um parlamentar para decidir se delinque ou não.  Analisar apenas o que Bolsonaro falou é meio fato, e justiça só se faz olhando o fato inteiro.
As informações às quais tive acesso dão conta que o Deputado Jair Bolsonaro disse o seguinte: “Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece”. Eu particularmente acho deplorável um cidadão, ainda mais um parlamentar, dizer isso para uma mulher. No entanto, daí a querer sua cassação existe um grande espaço, e digo o motivo. Se a Deputada chamou o Deputado de “estuprador”, há que se admitir que a retorsão à ofensa seja igualmente deselegante. Estamos diante de uma ironia, grosseira sim, mas não de uma apologia ao estupro. Indo além, vi no Facebook um vídeo que apresenta “provas” de que o Dep. Bolsonaro “agrediu” a Deputada. Vendo o vídeo, fica evidente que a Deputada foi em direção a ele e o mesmo tão somente impediu a aproximação física da Deputada. Deploro a grosseria contra qualquer pessoa, em especial uma mulher, mas daí a dizer que houve uma agressão física existe um grande hiato.
Realmente preferia que o Deputado não retrucasse da forma como fez, mas se foi objeto de agressões verbais, não podemos julgar apenas as que proferiu e ignorar as que recebeu anteriormente. Ao ser atacado verbalmente, poderia processar a Deputada, mas parece que sabe que a maioria fala o que quer sem tanta censura. Outro caminho, previsto na lei, é a retorsão da ofensa. Talvez um juiz, como eu, pensasse em processos; um militar tende a atirar de volta. Aliás, no amor e na guerra fala-se que “chumbo trocado não dói”. Ao menos, não deveria. No Parlamento, idem. E se quase meio milhão de brasileiros quiseram alguém com este estilo atuando no Congresso, podemos até criticar o gosto, mas temos que aprender a lidar com isso deferindo direitos iguais para todos. Todos os parlamentares, e todos os eleitores, e jornalistas, qualquer que seja o partido.
Citarei mais uma evidência de que estamos no país das duas medidas. Um Professor de Filosofia da UFRJ, Paulo Ghiraldelli, disse para outra mulher, Rachel Sheherazade, o seguinte: Votos para 2014: que a Rachel Sherazedo (sic) abrace, após ser estuprada, um tamanduá”. Isso não foi uma ironia, foi bem mais e, mesmo assim, o repúdio foi ínfimo em comparação ao que está sendo dirigido ao Deputado. Existem estupros diferentes? Certamente que não. Isso revela um drama atual do Brasil: dependendo de quem fala, e de quem é a vítima, as reações são diferentes. Anoto que ao ler as demais postagens do professor, não acreditei na (fraquíssima) versão de que foi hackeado. Foi feita apologia direta de estupro direcionada a uma pessoa e não vimos a mesma repercussão, nem a enxurrada de representações que vemos agora. Então, fazer votos de que alguém seja estuprada, se a vítima for essa ou aquela, é menos grave?
Não podemos ter um país onde as coisas valem não pelo seu conteúdo, mas pela posição política de quem as realiza. Alguém não tem o direito de desrespeitar outra pessoa por ser ela de direita ou de esquerda.
O outro problema são as tentativas de golpes ou minigolpes que infestam nosso cotidiano. Neste passo, começo pelas propostas de impeachment e de intervenção militar, claros desrespeitos ao eleitor. Stédile prometeu que haveria guerra se Dilma não ganhasse, e parece que existem Stédiles também do outro lado. Ora, qualquer medida fora dos cânones constitucionais é inaceitável, seja do Stédile, seja de qualquer outro. Existem regras, vamos segui-las.
Entre as regras está o direito de parlamentares falarem praticamente tudo o que quiserem. Há limites, mas não podem ser pequenos, nem fajutos, nem que valham só para o outro lado. O Deputado Bolsonaro representa parcela considerável dos eleitores, fala em nome de quem o elegeu. E não foram poucas pessoas. Daí, não deveria ter o risco de ser cassado senão por um motivo direto, claro, e não de uma interpretação (por sinal equivocada) onde ironia e grosseria em retorno à ofensa sofrida são convenientemente chamadas de apologia ao crime. Querer se livrar de alguém que ganhou as eleições, Dilma, sem seguir as regras é golpe. Querer se livrar de alguém que incomoda por suas opiniões e pelo modo de expressá-las, Bolsonaro, é minigolpe.
Enquanto eleitor, sinto cheiro de virada de mesa: (1) quem perdeu a eleição não quer seguir as regras (elas existem, até para o impeachment); (2) alguns partidos, aproveitando-se de sua maioria na Casa, querem tirar um elemento incômodo. Ambos os desejos, a despeito dos eleitores que os colocaram onde estão. No caso de Dilma, é atropelar as regras do jogo que todos devem seguir. No caso de Bolsonaro, é querer subtrair diversidade e representatividade de uma Casa que tem padecido justamente pela falta de oposição e de pessoas com opiniões que não estão à venda. Podem ser grosseiras, mas são opiniões firmes em um lugar que padece de algumas ilhas de pusilanimidade. O Deputado em risco de cassação por suas opiniões é alguém cujas opiniões e postura são claramente conhecidas por quem votou nele. Querer tirar um parlamentar de oposição e legitimamente eleito, e tão bem votado, é um desrespeito aos eleitores. Eleitores que o escolheram apesar de todos os seus defeitos, já notórios bem antes das últimas eleições. Quase meio milhão de cariocas quiseram colocar em Brasília um desbocado autêntico. Ele pode até ter posturas polêmicas, mas ninguém ouviu falar que leva dinheiro para votar, ou que tem parte no Petrolão. Respeitemos o eleitor.
Aliás, isso me lembra o grande erro da Comissão da Verdade, cujo relatório acabou de ser entregue. Ao contrário do paradigma sul-africano, a nossa comissão não analisou os crimes cometidos de lado a lado, apenas os dos militares. Mas e os crimes dos terroristas? Estes podem ser esquecidos? A Comissão sul-africana era da “verdade e reconciliação”. E tratou de todos os lados do conflito. A nossa, ao tratar apenas dos militares, ao menos tirou o nome “reconciliação”, desde já fazendo a devida confissão de sua parcialidade. Com parcialidade não há a possibilidade de reconciliação. Dois pesos, duas medidas.
As regras legais, de cortesia, de ironia, de retorsão às ofensas e de respeito às autoridades devem valer igualmente para todos, sem distinção de raça, cor, orientação religiosa, sexual ou política. A reação das autoridades e da imprensa também deveria ser a mesma qualquer que fosse a vítima. Como disse um Senador já falecido: ética é ser a favor do certo mesmo quando ele nos prejudica e contra o errado mesmo quando ele nos favorece.
Enfim, o problema maior deste país não é o Bolsonaro, como muita gente quer fazer crer. Cito dois problemas maiores. Um, não querem respeitar a democracia nem as regras do jogo. Parece que a opinião dos eleitores vale menos quando não interessa a quem tem algum poder. O segundo, é que os mesmos atos ou fatos são interpretados de forma diametralmente oposta a depender da simpatia ou antipatia em relação a quem os pratica. No fundo, é um problema único: dois pesos, duas medidas. Seja o do voto, seja o da opinião. Muita gente acha que seu voto ou sua opinião valem mais do que a do outro. A do outro pode ser até crime!
Ainda no campo dos pesos e das medidas, estou cansado de ver pobres não poderem devolver um quilo de arroz, ou um litro de leite, e irem para o presídio passar longo tempo. Espero que isso não seja permitido a quem tem iates e helicópteros. Como proponho na minha campanha “Cansei, quero um país diferente”, ou damos uma anistia geral para todos os ladrões que confessarem seus crimes, ou não podemos aceitar essa gentileza só para os ricos. Proponho três meses de prazo para todos confessarem seus delitos e devolverem a pilhagem. Sejam pobres, sejam ricos; seja o empreiteiro “coitadinho” que não quer que o Brasil pare (prefiro que pare, para que saiam), seja o “guardinha” da esquina. Quem sabe os pequenos corruptos desse país não queiram fazer sua autodelação premiada? Por que só para os ricos?
Enfim, não aceito que empreiteiros possam sair de fininho se os corruptos e os ladrões de galinha não tiverem a mesma chance. Não aceito quererem tirar a Dilma sem seguirem direitinho as regras do jogo. Não aceito tirarem o desbocado do Deputado que não vende seus votos.  Talvez eu venha a ser vítima da cultura que critico: aquela onde não julgam mais as falas e os fatos, mas, apenas a pessoa que fala ou os pratica. Como cidadão e professor, friso o problema real do nosso país: dois pesos, duas medidas. Não vou discutir neste momento qual deva ser o peso, ou a medida, mas friso que quando enfim os escolhermos, devem ser os mesmos para todos: para os da direita e para os da esquerda, para os pobres e para os ricos.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Mais uma Reforma que se Inicia (por Fábio Zambitte) [ATUALIDADES, DIREITO]


1. Introdução



Como já amplamente noticiado pela imprensa, o Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº 664, de 30 de dezembro de 2014, altera aspectos relevantes do plano de Benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Basicamente, o texto reúne sugestões de adequação legislativa a certas lacunas do sistema, além de aprimoramentos, em geral, necessários.

A maior parte das mudanças já era desejada pelo corpo técnico no Ministério da Previdência Social e, também, foram por mim sugeridas em conjunto com o Prof. Aaron Grech, da London School of Economics (LSE), em projeto financiado pela União Europeia, no qual tivemos a oportunidade de cotejar diversos modelos europeus frente ao sistema nacional e, por fim, concluir pela necessidade de importantes mudanças no regime nacional. Algumas constam da MP 664.



2. Procedimento Inadequado



Como já havia criticado anteriormente, a vulgarização das medidas provisórias em nada ajuda no diálogo necessário sobre as reformas previdenciárias. Na atualidade, a MP é usada como um projeto de lei impróprio capaz de já produzir efeitos, impondo coação severa ao Poder Legislativo, o qual se vê na situação de apreciar com celeridade o feito, sob pena de desordenar o arcabouço previdenciário vigente.

É evidente que tal conduta do Governo Federal, de saída, gera ampla insatisfação do Congresso Nacional e em nada ajuda a criar um ambiente propício ao diálogo. O tema protetivo, especialmente em contextos de retração, é complexo e envolve interesses variados. Sem uma atuação conciliatória, respeitosa e verdadeiramente voltada ao problema, dificilmente haverá sucesso em todas as mudanças que se fazem necessárias.

No entanto, desde 1995, a praxe das reformas previdenciárias, tanto em âmbito legal como constitucional, têm sido a mesma. A apresentação de projetos, propostas ou mesmo medidas provisórias, muito frequentemente em início de governos, em “pacotes” prontos que, em geral, não são debatidos e não possuem qualquer consenso mínimo. Ainda que necessários e mesmo aprovados, geram desconfiança da sociedade sobre o sistema e efeito perverso para o futuro, tendo em vista a constante dúvida e insatisfação dos demais atores sociais.

É certo que nosso Legislativo está distante de um ideal republicano, mas, inegavelmente, é o que temos e devemos contar com ele. A recusa governamental em apresentar tais questões previamente ao Legislativo – e mesmo à sociedade – em nada ajuda a construção de um modelo protetivo equilibrado, justo e viável a gerações futuras.

De toda forma, mesmo que iniciada com o “pé esquerdo”, a reforma legislativa apresentada possui aspectos relevantes e necessários. Passo a análise dos principais itens de mudança no âmbito previdenciário. Não tenho a intenção, aqui, de esgotar o tema e apresentar todos os detalhes da reforma.



3. Pensão por Morte – Carência, Dependentes e Renda Mensal



O modelo previdenciário brasileiro, em larga medida, segue as premissas dos sistemas de seguro social, os quais, basicamente, adotam elevada correlação entre o custeio individual e respectivo benefício, além de contar com um grau menor de solidariedade se comparados aos sistemas universais de proteção.

Em tais sistemas de seguro social, é comum que se exija um quantitativo mínimo de contribuições para o gozo de determinados benefícios. Por exemplo, sabe-se que um homem, para aposentar-se por idade, terá de alcançar, além da idade de 65 anos, um quantitativo mínimo de 180 contribuições mensais. Essa é a ideia da carência do Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

Em geral, a carência somente é exigida, em maior medida, nos benefícios programados, ou seja, aqueles em que o evento protegido é perfeitamente previsível, como a idade avançada. Para os benefícios de risco, cujo evento protegido é imprevisível, a carência tende a ser reduzida ou mesmo inexistente.

A pensão por morte, nos últimos anos, possuía o tratamento típico dos benefícios de risco – como de fato é – não possuindo qualquer carência. Ou seja, para um dependente obter o benefício, bastaria ao falecido possuir a qualidade de segurado, o que poderia ocorrer em qualquer momento anterior ao óbito.

Com isso, as fraudes se avolumaram. Desde sempre temos notícias de pessoas inscritas na previdência social meses, semanas ou mesmo dias antes do óbito, com a finalidade única e exclusiva de propiciar o benefício. Para piorar, não raramente uniões eram forjadas com a finalidade única e exclusiva de obter a prestação previdenciária. Mesmo com a evidente fraude, era difícil para a autarquia previdenciária elidir tais situações, pois a lei não exigia qualquer carência mínima para o benefício.

Tendo em vista tal realidade, a MP 664 traz várias mudanças. De saída, retoma a carência para a pensão por morte, em 24 contribuições mensais, salvo quando o segurado falecido já estava em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. O tempo é razoável, até pela possibilidade, prevista na mesma MP, de excluir a carência na hipótese de acidente de trabalho.

Aqui, no entanto, identifico um vício. A previsão de carência é necessária e correta, e a exclusão da mesma na hipótese de acidentes é também necessária, pois, à exceção do suicida, não é algo previsível e passível de fraudes, como a patologia que gradualmente denigre a vida humana. Todavia, a restrição a acidentes de trabalho é equivocada. Todo e qualquer acidente deve excluir a carência. A restrição a acidentes de trabalho não faz sentido, especialmente pela equiparação dos benefícios comuns aos acidentários que toma lugar desde 1995.

Aqui, novamente, nota-se a ausência de maior reflexão e diálogo, pois se todo e qualquer acidente dispensa a carência para os benefícios por incapacidade, não faz qualquer sentido restringir, para a pensão por morte, a excludente a óbitos relacionados ao trabalho. Tal ponto merece correção, mesmo que pelo Judiciário.

Estranhamente, a nova redação do art. 26 da Lei n. 8.213/91 não mais prevê o auxílio-reclusão como benefício dispensado de carência. Ao mesmo tempo, não há previsão expressa de contribuições mensais para este benefício. Caso a lacuna não seja superada pelo Legislativo, a conclusão necessária será pela validade das mesmas 24 contribuições mensais da pensão por morte, tendo em vista a analogia necessária entre os dois benefícios (art. 80, Lei n. 8.213/91).

Quanto aos beneficiários, a nova regra pretende pôr fim a antiga querela deste benefício, relacionada ao dependente homicida, ou seja, aquele que, inserido formalmente no rol de dependentes da Lei n. 8.213/91, mata o segurado e, na sequência, postula o benefício. A questão possui nuances relevantes e a complexidade da questão extrapola as finalidades deste breve artigo, mas, agora, há fundamento normativo impedindo tal prestação. Naturalmente, o impedimento somente é válido para o dependente condenado por sentença transitada em julgado. Sendo assim, enquanto correr a ação penal, nada impede que a pensão seja concedida, ainda que provisoriamente.

Também interessante novidade é a necessidade de tempo mínimo de dois anos de casamento ou união estável para fins de concessão do benefício. A regra, comum em sistemas estrangeiros, vem em boa hora, como forma de impedir fraudes. Ponderadamente, a regra é excepcionada em caso de óbito decorrente de acidente ou incapacidade do dependente após o casamento ou união estável.

Seguindo também a praxe mundial, a renda mensal da pensão por morte é reduzida. Adotando sistemática que já fora a regra do RGPS, a quantificação passa a ser de 50% do salário-de-benefício, acrescido de 10% a cada dependente. Em suma, o benefício nunca será inferior a 60%, pois haverá, no mínimo, um dependente e, no máximo, 100%, na hipótese de cinco ou mais dependentes.

Também, como forma de atender casos particulares, a MP permite a adição de cota extra de 10% na hipótese de filho órfão. Ou seja, caso o segurado venha a falecer, restando o filho dependente sem pai e mãe, terá acréscimo de 10% no percentual. Naturalmente, tal hipótese somente se aplica quando não exista pensão por morte do primeiro falecimento (pai ou mãe). Em tal caso, a possibilidade cumulação de pensões por morte (decorrente de óbito de pai e mãe) continua possível, sem o acréscimo criado.

O benefício também deixa de ser, em regra, vitalício. A depender da idade dos dependentes e respectiva expectativa de sobrevida no momento do óbito (fornecida pelo IBGE), o benefício poderá durar somente três anos (sobrevida superior a 55 anos) ou mesmo vitalício (sobrevida inferior a 35 anos). Obviamente, não se trata da sobrevida específica do segurado – que faleceu – mas a expectativa de vida do dependente.



4. Renda Mensal do Auxílio-Doença



De acordo com art. 29, § 10 da Lei n. 8.213/91, inserido pela MP 664, “O auxílio-doença não poderá exceder a média aritmética simples dos últimos doze salários-de-contribuição, inclusive no caso de remuneração variável, ou, se não alcançado o número de doze, a média aritmética simples dos salários-de-contribuição existentes”.

Desta vez, ao invés de tentar mudar o cálculo do auxílio-doença, a nova regra segue dinâmica mais interessante, fixando um limite máximo do benefício, a partir das últimas remunerações do segurado. Basicamente, o que se busca é o mesmo de reformas pretéritas frustradas – a limitação do benefício a valor correspondente aos últimos salários do segurado.

Na regra até então vigente, era comum que segurados conseguissem benefícios previdenciários por incapacidade temporária muito acima da última remuneração, o que, além de contrariar a natureza substitutiva do benefício previdenciário, propiciava evidente desestímulo à recuperação laboral, gerando maior dificuldade na já complexa atividade de mensuração da aptidão laborativa.



5. Afastamento Prévio ao Auxílio-Doença e Aposentadoria por Invalidez



Basicamente, o que faz a nova regra é ampliar o tempo mínimo de afastamento por conta do empregador ou segurado. Em geral, é correto afirmar que o benefício por incapacidade deva adotar um tempo mínimo necessário de afastamento prévio, como forma de atender as incapacidades que realmente sejam configuradas como um risco social e, também, viabilizar o funcionamento adequado do sistema, excluindo incapacidades de curta duração, as quais vitimam todos nós e são de difícil avaliação pericial.

A ampliação é compreensível, até pelas elevadas taxas de afastamento laboral em algumas atividades econômicas, mas poderia ter sido construída de melhor maneira. Primeiramente, prejudica fortemente os demais segurados, não empregados, como contribuintes individuais, que somente terão direito a benefício após q incapacidade ultrapassar um mês. Segundo, mesmo para segurados empregados, o tratamento pode ser considerado desigual.

Acredito que, à exemplo do seguro de acidentes de trabalho (SAT/RAT), poderia a legislação fixar tempos de afastamento de acordo com o CNAE de cada empresa, tendo, com isso, a possibilidade de fixar períodos até superiores a 30 dias para atividades econômicas que gerem afastamentos de longa duração. A medida não seria necessariamente complexa para as empresas, tendo em vista todas conhecerem o respectivo CNAE e pelo fato de o sistema de afastamentos previdenciários, nos próximos anos, migrar para um modelo plenamente informatizado, o e-Social.

Adicionalmente, perdeu a MP a oportunidade de prever, expressamente, a não incidência de contribuições sobre tais valores, tendo em vista a posição pacífica do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. Seria uma forma de reduzir lides judiciais e, ao mesmo tempo, aplacar a insatisfação dos empregadores, em razão do duplo encargo criado.



6. Perícias Médicas por Convênio



Desde longa data, um importante gargalo na concessão de benefícios por incapacidade é a perícia médica do INSS. Naturalmente, não se trata de ausência de dedicação dos profissionais envolvidos ou mesmo da autarquia, mas, basicamente, por uma demanda elevada destas prestações.

Algumas alternativas foram adotadas no passado recente, como a alta programada. Outras, em governos passados, se mostraram desastrosas, como a terceirização da perícia. A previsão de convênios com empresas ou entidades privadas, como estabelecido pela MP 664, pode ser uma solução adequada, mas carece de rigorosa regulamentação e controle.

Os conluios e fraudes, infelizmente, sempre existirão, mas tais parcerias, se construídas de forma precisa e com efetivo controle por peritos médicos auditores do INSS, podem, de fato, configurar importante evolução, especialmente em regiões do país com crônicas deficiências no atendimento pericial.



7. Conclusão



As modificações apresentadas, como se nota, são importantes e refletem certo consenso sobre as adequações necessárias no sistema previdenciário brasileiro. No entanto, cumpre notar que maiores questões ainda carecem de atenção, como a fixação de limites etários mínimos de aposentadoria, a distinção de gênero na obtenção do benefício e o tratamento diferenciado nas aposentadorias especiais.

São temas de elevada complexidade e, para piorar, demandam reforma constitucional. Caso o Governo Federal não mude sua postura, o ambiente necessário para a aprovação de tais reformas nunca virá, possivelmente comprometendo a rede de proteção social das gerações futuras. Nos resta aguardar, como prometido pela Presidente da República, que o diálogo será a regra do seu novo mandato. Começamos mal.

Fábio Zambite é advogado e professor universitário, doutor em Direito Público - UERJ e mestre em Direito Previdenciário - PUC/SP. Também foi Presidente da 10ª Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social  e Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Autor dos livros Curso de Direito PrevidencárioResumo de Direito Previdenciário e Direito Previdenciário - Questões entre outros, publicados pela Editora Impetus.