Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Água de 15 capitais tem sinal de contaminação, diz estudo

Pesquisadores analisam a água de cidades nas cinco regiões do país e encontram um poderoso indicador dos chamados poluentes emergentes

Por Guilherme Rosa
1 jul 2012, 09h24

A água que chega às casas de moradores de 15 capitais brasileiras está contaminada com um poderoso indicador da presença de dejetos industriais, agrotóxicos e remédios: a cafeína. É o que revela uma pesquisa do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), sediado no Instituto de Química da Unicamp, feita com amostras recolhidas diretamente da rede de distribuição – a mesma água que sai de nossas torneiras e é considerada potável pela legislação atual.

A cafeína é uma das substâncias mais consumidas no mundo e presença constante no esgoto humano. Não faz – necessariamente – mal à saúde, mas, por semelhanças químicas, sua presença na água sinaliza a existência de outros contaminantes, em particular os chamados poluentes emergentes, resíduos cada vez mais presentes nas águas do mundo e que só agora começam a despertar a atenção dos órgãos de saneamento. Entre essas substâncias, está a fenolftaleína, que tem seu uso como laxante proibido pela Anvisa, e o triclosan, um antisséptico usado em medicamentos, cremes dentais e desodorantes. Sua proliferação em rios e reservatórios é resultado do crescimento das cidades e de novos processos industriais.

“Nós estamos bebendo água que tem resíduos de indústrias farmacêuticas, polímeros e petróleo”, resume Valdinete Lins da Silva, coordenadora do Laboratório de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e participante do estudo. Além da Unicamp e da UFPE, também colaboraram pesquisadores das universidades federais do Paraná (UFPR) e Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).

CONHEÇA A PESQUISA

Título: Cafeína na água para consumo humano distribuída no Brasil: Perspectivas de uma nova abordagem para o monitoramento de contaminantes emergentes no ambiente

Onde foi divulgada: VI Encontro Nacional de Química Ambiental

Quem fez: Wilson F. Jardim, Maria C. Canela

Continua após a publicidade

Instituição: Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA)

Dados de amostragem: Foram analisadas 49 amostras de água de 16 capitais brasileiras.

Resultado: Em 92% das amostras foi detectado cafeína. A única capital em que a substância não foi encontrada foi Fortaleza. Além da cafeína, os pesquisadores também encontraram indícios de triclosan, fenolftaleína e atrasina.

Nem tão inofensiva assim – Os pesquisadores analisaram 49 amostras de água em 16 capitais (confira o resultado no infográfico abaixo). Todas as amostras foram colhidas seguindo o mesmo procedimento: coletadas no cano de entrada das casas e enviadas à Unicamp, onde foram analisadas.

A cafeína apareceu em todas as amostras analisadas nas regiões Sul e Norte. No Sudeste, 94% das amostras tinham a substância. O Centro-Oeste apresentou 67% de contaminação, e o Nordeste, 42%. A capital que apresentou maior concentração foi São Paulo. A única cidade em que não se detectou a presença de cafeína na água foi Fortaleza.

Continua após a publicidade

“Nos níveis detectados, a cafeína não faz mal ao ser humano. No entanto, ela indica a presença de outros compostos emergentes que, consumidos ao longo de 40, 60 anos, podem ter efeito crônico no organismo”, diz Marco Grassi, professor de química ambiental da UFPR, e integrante da equipe.

Contaminantes emergentes encontrados na água

Triclosan

Antisséptico presente em produtos de higiene

Possíveis riscos: Suspeita-se que o triclosan atrapalhe o funcionamento do sistema endócrino, ao alterar o metabolismo dos hormônios da tireoide. Também pode estar ligada ao surgimento de alergias.

Fenolftaleína

Indicador de acidez, usado também como laxante

Possíveis riscos: No Brasil seu uso como medicamento foi proibido pela Anvisa, pois suspeita-se que seja cancerígeno.

Continua após a publicidade

Atrasina

Herbicida usado em lavouras brasileiras.

Possíveis riscos: Um estudo de 2010 mostrou sua ligação com a mudança de sexo em rãs. Além disso, é conhecida por alterar o sistema endócrino e pesquisas mostraram sua ligação com o baixo nível de esperma em homens.

Danos à saúde – As pesquisas mais avançadas sobre os efeitos dos poluentes emergentes não foram feitas com humanos, mas outros animais. “Entre os peixes, por exemplo, temos visto maior incidência de mutações, com animais de duas cabeças e hermafroditas”, diz Valdinete Lins da Silva.

Um exemplo desses compostos que já foi estudado é a atrasina, um herbicida bastante usado nas lavouras brasileiras. Ela já é controlada pelo Ministério da Saúde, mas foi encontrada na água analisada pelos pesquisadores do INCTAA. Em, 2010 a revista Proceedings of the National Academy of Sciences publicou um estudo mostrando que a exposição à substância podia levar sapos machos a trocar de sexo. Estudos anteriores já haviam demonstrado que a substância podia aumentar a quantidade de indivíduos hermafroditas entre pássaros, peixes e ratos.

Com humanos, as pesquisas ainda estão engatinhando. Os cientistas ainda não podem bater o martelo sobre qual a quantidade segura de cada uma dessas substâncias na água. “Não se conhecem seus efeitos na saúde humana e nem sua dinâmica no ambiente. Para piorar, eles estão todos juntos na água e não sabemos qual pode ser o resultado disso”, afirma Marco Grassi.

Continua após a publicidade

Já é conhecido, no entanto, o fato de inúmeros desses fármacos e polímeros industriais interferirem em nosso sistema endócrino. Entre os compostos que mais preocupam os cientistas estão os hormônios, cuja presença na água pode afetar diretamente o desenvolvimento de nosso corpo. Pesquisas anteriores já haviam encontrado hormônios como estrona, progesterona e estradiol na água brasileira. Alguns cientistas sugerem que o consumo dessas substâncias está ligado à infertilidade masculina e ao fato de as meninas menstruarem cada vez mais cedo.

Nova legislação – Os métodos para retirar a maioria desses poluidores emergentes da água já existem. Os mais conhecidos são chamados de processos oxidativos avançados, que usam substâncias químicas como a água oxigenada e o ozônio para fragmentar esses compostos em pequenas moléculas inorgânicas. No entanto, para que as estações de tratamento sejam obrigadas a usar esses métodos, é necessário que esses poluentes emergentes passem a ser regulados no país.

No Brasil, os critérios de potabilidade da água são estipulados pela portaria 2.914 do Ministério da Saúde, publicada no ano passado. A regulação, que é atualizada a cada 5 anos, estabelece diversas normas que as empresas distribuidoras de água têm de seguir, como padrões de acidez e radioatividade. Além disso, define quantidades limites de algumas substâncias, desde bactérias, como os coliformes fecais, até químicos inorgânicos como o cobre, o chumbo e o mercúrio.

Saiba mais

SISTEMA ENDÓCRINO

Sistema que reúne glândulas que secretam diversos hormônios no sangue. Regula diversos processos do corpo, o metabolismo, o crescimento e até o humor.

PROCESSOS OXIDATIVOS AVANÇADOS

Um tratamento químico capaz de retirar impurezas orgânicas, como alguns derivados do petróleo, pesticidas e fármacos, da água. Ele se baseia na oxidação desses compostos usando água oxigenada ou ozônio. Como resultado da reação química, os poluentes ficam reduzidos a pequenas moléculas inorgânicas. Hoje em dia o processo ainda é considerado bastante caro, mas os cientistas esperam que ele fique mais barato com a adoção da tecnologia.

Continua após a publicidade

Na última atualização da lei, cientistas chamaram atenção para a necessidade de controlar alguns dos poluentes emergentes. “Os pesquisadores sempre insistem para que a portaria traga novos parâmetros, enquanto as distribuidoras de água puxam para o outro lado”, diz a engenheira Cassilda Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). A portaria acabou ficando no meio do caminho: o Ministério considerou que são necessários mais estudos antes que se possam apontar quantidades limites dessas substâncias.

No início – Na Europa e nos EUA, a discussão está mais avançada. No começo do ano, a Federação Europeia das Associações Nacionais de Serviços de Água e Esgoto passou a regular a quantidade de alguns produtos farmacêuticos na água, como o hormônio etinilestradiol e o antiinflamatório diclofenaco, e defendeu novos estudos para estabelecer os limites de outras substâncias. Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental também deu início a pesquisas para estipular limites legais para esses poluentes. “No Brasil, a discussão ainda está no início”, diz Marco Grassi, pesquisador da UFPR.

De fato, o Ministério da Saúde está começando a atentar para a questão dos poluentes emergentes. Segundo Daniela Buosi, coordenadora-geral de Vigilância e Saúde Ambiental, no ano passado a pasta lançou editais para que pesquisadores estudem melhor substâncias que ficaram de fora da portaria anterior, entre elas alguns poluentes emergentes. “Conforme o resultado, a portaria pode ser mudada a qualquer momento”, diz.

Os pesquisadores do INCTAA também anunciaram que começarão uma segunda fase do estudo, em que vão analisar a água distribuída em mais capitais. Com o avanço das pesquisas, pode ser que a água potável de hoje seja considerada água suja amanhã.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.