Pandemia Silenciosa
Existe um grande inimigo oculto da saúde. Um problema subestimado por muito tempo pelas autoridades competentes do mundo ocidentalizado, no qual seus cidadãos gozam de um conforto sem precedentes, mas pagam com seu bem-estar e com sua saúde.
Michele Obama, a primeira dama estadunidense, lidera desde 2010 a campanha Let’s move (numa tradução livre, “vamos nos mover”) que propõe formar uma geração de crianças mais saudáveis, evocando a importância de uma alimentação melhor e de uma vida fisicamente mais ativa.
Acontece que, bem embaixo de nossos narizes, desenvolve-se uma pandemia, da qual muitos daqueles que lêem este texto provavelmente já sofrem sem se dar conta. Esta é uma epidemia mundial de negligência ao corpo e redução da inteligência corporal, chamada de distonia cinestésica pelo proeminente fisioterapeuta, escritor e educador Tom Myers. Para Tom, nossa cultura não estimula o desenvolvimento da inteligência cinestésica, que é a capacidade de desenvolver a sensibilidade corporal e de elaborar e realizar movimentos.
Com um corpo ignorante desenvolvemos mais facilmente tensões musculares desnecessárias, dores musculoesqueléticas e degeneração precoce. Isso acontece porque vivemos num ambiente inapropriado física e culturalmente para as necessidades de nosso corpo. Por exemplo, embora passemos a maior parte de nossos dias sentados (enquanto nosso corpo foi moldado pela natureza para andar e permanecer em pé) não fomos educados por nossa família ou pelo sistema educacional a lidar corporalmente com esta circunstância.
Nossa habilidade de se movimentar vem sendo progressivamente excluída de nossa cultura. Na idade média, com a dominação cultural da igreja católica, a vivência corporal foi anulada em prol da espiritual. Em seguida, a revolução científica separou definitivamente o mundo físico do psicológico, um modelo que passou a estimular o desenvolvimento da racionalidade em detrimento do corpo. Por fim, a revolução industrial desencadeou um processo de redução do esforço físico no trabalho. O resultado disso tudo é que, hoje, se comparados aos nossos ancestrais recentes ou a outras culturas (como a indiana ou a oriental) apresentamos um compreendimento do corpo pobremente desenvolvido.
A cultura ocidental supervaloriza a lógica e a racionalidade ao passo que desvaloriza a vivência e as sensações. Nosso aprendizado é exclusivamente voltado para os sentidos visuais e auditivos. Há séculos aprisionamos nossas crianças atrás de uma cadeira na escola e as bombardeamos com as explicações escritas, desenhadas e faladas do professor. Desta forma não se utiliza as vivências corporais como ferramenta para o aprendizado.
O fato é que todos nós possuímos diferentes tipos de inteligência, em maior ou menor grau. Grandes músicos são dotados de maior nível de inteligência musical, enquanto grandes escritores possuem maior inteligência linguística. Contudo, em nossa sociedade, o desenvolvimento da inteligência corporal restringe-se basicamente às artes do espetáculo, aos esportes ou à reabilitação. A inteligência corporal deveria fazer parte de nosso cotidiano, mas não é incorporada ao desenvolvimento do cidadão.
O corpo humano é desenhado para estar em movimento. Sofreríamos menos de desconfortos físicos se o utilizássemos da forma para o qual a natureza o moldou. Uma sociedade intelectualizada corporalmente seria uma sociedade com um maior período de autonomia, já que a alta expectativa de vida nos conduz para idades cada vez mais avançadas. Teríamos também uma menor propensão às dores e disfunções musculoesqueléticas, mas principalmente, teríamos indivíduos mais conscientes da amplidão da vida por meio da vivência do próprio corpo.