Hoje vou trazer um segundo caso que considerei bastante interessante em julgar. Exercer a jurisdição na resolução de caso concreto é bastante gratificante principalmente porque quando se deparo com casos novos. Tenho competência em matéria tributária, mas não é o foco nos Juizados Especiais, o que me obriga a estudar um pouco mais na resolução de litígios. Este caso para mim foi emblemático porque “houve equívoco de ambas as partes, mas dois erros não viram um acerto” (trecho da sentença)
Dados do caso concreto:
1) O contribuinte foi autuado pela Receita Federal do Brasil. Ajuizou uma ação anulatória do crédito tributário. Alegou que foi efetuada uma glosa quanto a despesas de dependente.
2) O Juízo monocrático julgou procedente o pedido.
3) Em seu recurso, a União-PGFN alegou que o Juízo Monocrático acolheu o pedido com base em um fundamento que não correspondia ao lançamento em si.
Razões recursais: reforma da sentença porque o objeto do lançamento de ofício não foi a questão da pensão alimentícia conforme impugnado pela recorrida-parte autora na sua demanda e sim a omissão de rendimentos recebidos pela dependente e não oferecidos à tributação na declaração do autor.
Em princípio, a União-PGFN tinha razão, contudo verifiquei um outro problema na fase de lançamento que impedia acolher o recurso da União. A despeito de o contribuinte ter impugnado o crédito com base em uma motivação equivocada, a Receita Federal adotou no lançamento tributário uma motivação que induzia a erro o contribuinte.
Em outras palavras, o recorrido-parte autora impugnou o lançamento tributário sob o fundamento de que a Receita Federal do Brasil não acatou as despesas efetuadas com alimentos em razão de acordo judicial.
Por sua vez, em juízo, a União-PGFN alegou que o objeto do lançamento de ofício não foi a questão da pensão alimentícia conforme impugnado pela recorrida-parte autora na petição inicial e sim a omissão de rendimentos recebidos pela dependente e não oferecidos à tributação na declaração do autor.
O juiz sem observar a alegação da ré da contestação julgou procedente o pedido como se fosse omissão de rendimentos de pensão alimentícia derivada de acordo judicial.
Houve equívoco de ambas as partes, mas dois erros não viram um acerto. Embora o recorrido-parte autora tenha “impugnado indevidamente” o lançamento, verifica-se o crédito tributário deve ser anulado por fundamento diverso [vício material do lançamento].
Com base na descrição acima, em juízo, o recorrido-parte autora impugnou equivocadamente o lançamento tributário em questão sob o fundamento de que a Receita Federal do Brasil não acatou as despesas efetuadas com alimentos em razão de acordo judicial.
Somente na contestação, o recorrente-réu apontou realmente o erro do contribuinte na impugnação do lançamento, a saber: “O lançamento em questão apurou, tão-somente, a omissão de rendimentos recebidos pela dependente e não oferecidos à tributação na declaração do autor”.
Se a motivação apresentada pela PGFN estivesse explícita no ato do lançamento, não teria dúvida de que seria o caso de provimento do recurso, já que constitui ônus do contribuinte impugnar o lançamento com fundamentos adequados e provas suficientes, não sendo suficiente para tanto meras alegações (art. 3º, da Lei n.º 6.830/90). Em adendo, é sabido que as informações constantes em seus cadastros de entidades públicas possuem presunção juris tantum de veracidade e, desta maneira, prevalecem, salvo prova robusta em sentido contrário.
A solução foi resolvida pela anulação do lançamento por motivo diverso que impediu ao contribuinte de se defender razoavelmente em juízo.
Ocorre que houve um evidente equívoco na exteriorização da motivação por parte da Receita Federal do Brasil ao descumprir o dever de motivação explícita, clara e congruente [Art. 50, § 1º da Lei 9.784/99], norma esta de caráter didático e aplicável subsidiariamente ao processo administrativo fiscal.
Analisando a motivação descrita no lançamento com a alegação da PGFN, não é possível aferir que efetivamente o fundamento do lançamento de ofício do IRPF foi a omissão de rendimentos recebidos pela dependente e não oferecidos à tributação na declaração do autor, já que adotou uma motivação completamente genérica e diversa não descrevendo com clareza solar o fato gerador do lançamento, inclusive induz em erro o contribuinte ao impugnar o lançamento. Isto porque fez-se uma verdadeira de miscelância de fundamentos sem dizer com clareza o real motivo do lançamento [omissão de rendimentos recebidos pela dependente e não oferecidos à tributação na declaração do contribuinte autor] ao simplesmente fazer referência a“os rendimentos recebidos em função de pensão alimentícia judicial, informados por terceiros em Declaração de Ajuste Anual do IRPF (DIRPF), e/ou rendimentos recebidos em função de aluguéis informados pelas administradoras em Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (DIMOB), para o titular e/ou dependentes”.
Ao constituir o crédito tributário mediante lançamento de ofício a autoridade administrativa deve deixar claro a congruência, o nexo causal, entre o fato hipotético descrito na lei e a sua ocorrência no mundo concreto.
Diante deste contexto, entendo não ser possível manter o lançamento em si porque ele próprio induz em erro, não podendo ser “salvo” pela defesa da PGFN. Com efeito, trata-se de vício que não pode ser suprido/convalidado pelo órgão de representação judicial da União, já que: 1) o Fisco agiu como órgão da administração ativa responsável pelo lançamento ao passo que aquele atua na defesa da legalidade em juízo [não integra a substância do ato]; 2) trata de vício material anterior e ínsito ao lançamento em si, prejudicando o exercício da ampla defesa e do contraditório em juízo.
Ensinamento doutrinário de Mauritânia Alvira de Sousa Mendonça, verbis:
5.3.2. Vícios quanto a motivação do ato administrativo de lançamento
E de fato, conforme já explicamos, caso haja algum erro na motivação, por se referir a um dos elementos intrínsecos do ato administrativo, a nulidade a ser constituída será a material, por impedir que o sujeito passivo possa defender-se adequadamente a da exigência fiscal que foram imputada.
(…)
Ademais, o exame da motivação também é útil para a identificação de possíveis erros de fato e de direito que podem ocorre no decorrer da produção do ato de lançamento.
(…)
Outrossim, a teor da doutrina e jurisprudência analisadas, ficou claro que a ausência de motivação do ato administrativo de lançamento, ou mesmo sua deficiência, acaba por dificulrar a defesa do sujeito passivo, ante os desconhecimento dos motivos de fato e de direito que abalizaram a produção do referido ato.
Por sua vez, tal fato caracteriza cerceamento do direito de defesa do contribuinte, implicando na anulação do lançamento por vício material, posto ser a motivação um aspecto essencial para a formação do ato administrativo sem a possibilidade de ser corrigido.
(in Lançamento tributário: vícios materiais e formais para fins de do art. 173, II, do Código Tribunário Nacional).
Disponível em << https://tede2.pucsp.br/handle/handle/6219 >>
Maiores informações podem ser consultados no arquivo abaixo. Foram suprimidos alguns dados, mas que não prejudica a compreensão da matéria.