5 de jun. de 2011

Superpopulacao


Hoje acordei angustiada...
Sonhei que havia perdido a capacidade de sonhar.
Tudo era preto e branco, e nao havia mais nuvens ou barulho de vento. Nao havia mais cheiro de cafe ou calor do sol.
Havia apenas o tempo. O tempo.
Havia obrigacoes, mas nao motivacao em realiza-las.
Havia rotina, mas nao havia sentido.
Havia prazos, mas nenhum objetivo.
Havia vazio, a completa ausencia de perspectiva.
Havia Razao, sem emocao relacionada.
Havia silencio, causado pela mudez.
Havia solidao, em meio a superpopulacao mundial.
Hoje acordei angustiada... mas finalmente acordei!

12 de dez. de 2010

Lisa In The Sky With Diamonds


Desde pequena, eu estudei em escola Montessoriana. Sempre estudei com pessoas diversas, e, ate os meus 8 anos, em meu mundo, pessoas serem diferentes era a regra confortavel da minha vida. Eu vivia feliz, enganada, achando que nada ia mudar essa certeza.

Ate que comecei a parceber as diferencas que as pessoas faziam entre os diferentes. Perceber que pessoas com condicoes mentais, ou fisicas, desviadas do normal eram tratadas de forma especial, fez meu mundo tao feliz e seguro desabar!

Eu nao sou normal. Saber que nao ser normal era normal, era o meu porto seguro. Que choque que foi descobrir-me em um outro mundo tao distinto daquela bolha em que eu vivia!

Desde entao, carrego comigo essa certeza de nao pertencer, de nao ser, de nao conseguir me conectar. Carrego essa angustia de procurar um abrigo para a minha agonia, um sinal de que existe um proposito maior do que simplesmente ser um desperdicio de materia.
Busco uma explicacao, uma Razao, um proposito. Nao pertencer, sentir-se quase que permanentemente a margem do que a maioria quer/gosta/faz, eh, ao mesmo tempo frustrante e engrandecedor. Hoje, posso dizer que tenho dois sentimentos muito fortes: tenho muito medo de ser quem eu sou; e tenho tambem muito medo de deixar de ser quem eu sou.

Nessa busca constante e incessante de pertencer ao Universo, de alguma forma, venho perseguindo o que, assim espero, ha de acalmar a minha alma. Ainda nao achei... nem sei se irei achar. O que sei eh que essa busca tem sido enriquecedora, e as experiencias que venho acumulando tem agregado tanto a minha alma, que, por alguns momentos, mesmo que por tao poucos momentos, posso dizer que me sinto como se estivesse em harmonia com o Universo.

Eh tao injusto sentir-se assim, quando em nossas vidas tantas coisas boas acontecem... - e, ao mesmo tempo, nos da uma sensacao tao urgente da necessidade de devolver de alguma forma todas essas bencaos que recebemos -, que eh insustentavel nada fazer.

Ja disse Graciliano Ramos, por intermédio de Riobaldo, o jagunço-filósofo de Grande Sertão Veredas "o real não está na saída nem na chegada: Ele se dispõe para a gente é no meio da travessia." , e eh essa travessia que me angustia e me faz me jogar no Mundo todos os dias. Eh essa travessia que me fascina, que me faz acreditar que podemos fazer alguma diferenca, em nossas vidas, no Universo, que existe algo tao maior do que o nosso proprio umbigo.
Eu tenho muito medo de que a vida passe sempre pela janela, e que so eu e a Carolina (do Chico Buarque) nao venhamos a ver!

Todos os dias, quando acordo, prometo-me procurar, naquele dia, os pequenos milagres que nos sao mostrados a cada esquina, tao simples e tao silenciosos, e que fazemos questao de ignorar. Quando ser diferente deixou de ser um obstaculo, e virou uma desafio, passei a procurar perceber que existe beleza nas pequenas coisas, onde ninguem nem aposta que va existir. Passei a procurar ver em se dar, a oportunidade de estar, sim, recebendo.

Talvez toda essa minha baboseira existencialista tenha me trazido para onde estou, para o que hoje faco, para o que, de certa forma, o destino me levou, e onde eu me sinto menos fora do Universo.
Talvez toda essa baboseira melosa tenha se tornado gritante minha mente quando li certa vez uma reportagem do ator Sergio Britto, em que ele afirmava que amava tanto o que ele faz, que morrer no palco seria para ele a Gloria. Quantos de nos estamos assim tao satisfeitos e orgulhosos do que fazemos?
Talvez toda essa baboseira me ajude a fingir que eu me sinto confortavel e segura perto de outros, e me faca me sentir menos estranha em me indignar com o que parece ser tao bem aceito. Faz-me nao ter vergonha de questionar ou, ate mesmo, ir de encontro ao que ja estah escrito em pedra. Faz-me, ate, ficar extremamente orgulhosa de minhas escolhas, muitas vezes aparentemente (ou certamente!) tao bobas.

Conviver novamente com pessoas que necessariamente nao sao consideradas normais (quem foi que diabos instituiu essa definicao mesmo?), fez-me sentir-me normal de novo, em meu habitat de quando eu tinha 8 anos de idade em que nada, - nem Barack Obama nem Julian Assange - poderia abalar o meu mundo.

Mas tudo isso so estah sendo aqui escrito porque, na semana passada, em meio a tantos voos indo e voltando, tantos momentos de extase, tantas apenas-4- horas-por-noite-dormidas, tanta adrenalina no trabalho..., eu pude deitar-me na grama, de maos dadas, apenas para apreciar o arco-iris que se formava no ceu perante a tempestade iminente.

E isso me fez novamente acreditar!

18 de nov. de 2010

Meu Fascinio Por Lego


Desde pequena tenho uma fascinacao pelos brinquedos Lego.
As cores, os formatos, os temas, as diversas variacoes e possibilidades... Como eh que pecas que, aparentemente, nao se conectam, unem-se de forma tao harmoniosa, e conseguem formar figuras tao belas? Figuras estas que, muitas vezes, inimaginaveis quando apenas observamos peca a peca.

Lego de lado, livros a mao. Comecei a ler – por indicacao do meu queridissimo primo Ovidio – o livro WHAT TECHNOLOGY WANTS, do Kevin Kelly. O livro eh uma delicia, um mergulho em aguas das quais nao quero sair. Discussoes interessantes, questoes diversas... Tao interessante, e abrangendo tantas vertentes, que de repente senti a necessidade de parar a leitura deste, e retomar (reler, depois de um ano!) ARMAS, GERMES E ACO (GUNS, GERMS AND STEEL), do Jared Diamond. A releitura deste seria um alimento para me preparer melhor para aquele, propiciando mais detalhes e explicacoes.

Mas dai, caiu em minhas maos o livro seguinte do Jared Diamond, COLLAPSE, cuja leitura (e, essa, primeira viagem!) nao apenas complementaria a leitura anterior, mas tambem a vindoura do Kevin Kelly, ainda em stand by. Novamente, aqui digo... um livro imperdivel, para os amantes da leitura, do bom argumento, da boa investigacao, e aos portadores de curiosidade aguda.

Ao terminar este ultimo, olhei para a minha prateleira, e me vi tentada a reler Fritjof Capra. A TEIA DA VIDA e O TAO DA FISICA me pareceram, sem sombra de duvida, o que estava faltando para fechar o ciclo “pre-Kevin Kelly”.

A leitura e re-leitura desses livros – todas acompanhadas por muito Chardonnay e muita Nina Simone – foi-me inserindo em mundos aparentemente desconexos (fisica, antropologia, teologia, politica...) que casaram e se complementaram de forma perfeita!

O mais interessante, sob a minha humilde otica, em reler esses livros, e de agora – finalmente! – ter retomado a leitura de WHAT TECHNOLOGY WANTS, eh que todos eles tratam, invariavelmente, nao apenas de fazer um estudo, uma observacao, uma constatacao, um tratado sobre padroes anteriores ou tendencias futuras, mas, sobretudo, sobre como lidar, como transcender nesse periodo de transicao (nossa Era!) entre o que ja foi (heranca) e o que ainda serah (legado), de forma a conseguirmos nao apenas “sobreviver” as constantes mudancas e avancos (tecnologicos, sociologicos, antropologicos...), mas, principalmente, entende-los e fazer parte – cada um a sua forma – deles. Em outras palavras, como coexistir de forma ativa. Como sermos a patente, em lugar de sermos patenteados.
Como bem define Fritjof Capra, em A TEIA DA VIDA, mudar de ‘quantidade e formulas’ para ‘qualidade e padroes’.

Agora ja estou na metade do livro (dessa vez eu termino, Ovidio!), mas, estou sentindo a necessidade de reler um pouco de Marx (Karl Marx... nao Groucho! – este ultimo constitui um prazer a parte!) para melhor entender o livro que ora folheio. Mas chega de tantas interrupcoes em minha leitura! Para acalmar essa minha impaciencia, acho que vou fazer um pouco de Lego agora...

De qualquer forma... em havendo alguma outra sugestao de leitura complementar... a casa agradece!

Momento Frank Sinatra


Hoje de manha eu tive um Momento Frank Sinatra.
Era mais um desses dias cinzas, depois de inumeros dias cinzas, quando voce ja perdeu a expectativa, o vislumbre de dias melhores, e em que, de repente, algo simples - aparentemente ordinario - ocorre, e tudo ao seu redor se modifica, toma cor, converte-se em tons e sobretons, bemois e sustenidos, toma peso e forma, toma sabor e aroma.

Estava eu, simplesmente – mais uma vez – cruzando a minha amada ponte Story Bridge, voltando do trabalho para casa, no meio da manha, em meio aquele clima mais incerto do que meus sentimentos, largada em mais uma manha de novembro, quando comeca a chover. E chover, quando eu estou atravessando a ponte, eh sempre bem vindo! (Alias, quase todas as ocorrencias enquanto eu atravesso a ponte, sao poeticas – pelo menos sob a minha otica! Vide aqui).
Mas, enfim... chuva, minha amada ponte... dia cinza tornando-se colorido... “de repente, nao mais que de repente”, surge em mim a urgencia de cantar Singing In The Rain. Melhor! Surge em mim a urgencia de viver Singing In The Rain. A necessidade de abrir os bracos, em meio aquela agora tao bem vinda chuva torrencial, e poder bravejar What a glorious feelin',I'm happy again...
Frank Sinatra tomou controle. Eu apenas andava, e me molhava!

E um sentimento bom, que muitas vezes so Frank Sinatra pode proporcionar, tomou conta de mim. E, a partir dali, ficou decretado que o dia seria um bom dia! E ficou sacramentado que, daquele momento em diante, o dia seria florido, colorido, preferido, nostalgico... porque muitas vezes a delicia de algo estah em a que esse algo nos remete. E cantar Singing In The Rain me remeteu a um encontro entre bons amigos, que nao se encontravam ha anos, e tiveram a oportunidade de se reunir, por pouco mais de dois dias. Cantar Singing In The Rain hoje me remeteu a cantar Singing In The Rain com eles, todos nos abracados, tambem na chuva. Remeteu-me a como eh bom lembrar daquilo que eh mais importante, e que no dia a dia, com a correria e os afazeres, e a solidao que a vida invariavelmente nos impoe, as vezes a gente tende a esquecer.

Cantar Singing In The Rain hoje me fez lembrar que as vezes fechar os olhos e fantasiar eh uma forma de reviver. Afinal, o que seria da vida sem os sonhos quando estamos acordados?

30 de dez. de 2009

Um Passarinho É Um Passarinho É Um Passarinho


Eu já escrevi aqui anteriormente sobre minha relação com vizinhos e música.
Depois da aventura do(a) saxofonista anônimo(a) que coloria minhas noites, são agora os meus dias que estão tomados pela musica do vizinho (sexo masculino, esse eu conheço de conversas de elevador!).

O meu vizinho gosta de escutar Metallica, AC DC e Rage Against The Machine às nove horas da manhã, e em volume máximo.

Eu não tenho absolutamente NADA contra música – muito pelo contrario, eu imagino o quão preto e branco seria o rascunho da minha existência sem ela! -, mas devo admitir que demorou uns dias até que eu escutasse – pontualmente! – o repertorio do meu vizinho, e não achasse que, dentro de minutos, eu seria feita de refém.

Mas parece que eu não fui a única afetada por esse evento.
Costumo tomar o meu café (preto, sem açúcar!) na varanda de meu apartamento, e de uns dias pra cá, além das ondas musicais vindas do apartamento ao lado, passei a ter outra companhia: um simpático passarinho, que passou a pousar na minha varanda para o seu canto matinal.
Quero aqui fazer um pequeno parêntese para explicar que passei dias tentando imaginar por que o passarinho pousava diariamente em minha varanda, e não em qualquer outra... e, depois de muito raciocínio (e muitas xícaras de café), cheguei a simples solução que a minha varanda era nada mais que a mais próxima na trajetória dele. Não havia de ser nenhuma outra razão um tanto mais complexa, afinal um passarinho é um passarinho é um passarinho.

Mas voltando ao canto matinal do dito passarinho... ele chegava de mansinho, e começava a cantarolar, até ser interrompido pelos bravejos da caixa de som do vizinho. O passarinho, então, indignado, retirava-se, até voltar no dia seguinte.
(Registro aqui que fiquei completamente solidária ao passarinho. Não existe nada mais frustrante do que uma competição desigual!).

E o fato se repetiu, por pelo menos uma semana. Eu confesso que já estava acostumada aos personagens da minha manha, quando um fato inusitado ocorreu e tudo drasticamente mudou. De repente – sem nenhuma explicação! – o meu vizinho parou de ligar o seu som durante as manhãs.

No primeiro dia em que percebemos isso (eu e o passarinho), foi como o silencio mais ensurdecedor do mundo. Como sempre, ele pousou, cantou... e nada. Esperou mais uns segundos, e nada. Nada. De novo: nada! Ficamos os dois, por alguns momentos, aguardando o Armageddon - ou seja lá o que poderia acontecer para quebrar aquele momento tão desconcertante. E, na ausência de qualquer evento, o passarinho lançou vôo e foi-se.

No dia seguinte, ele voltou, e a mesma ausência se sucedeu. No terceiro dia, ele não voltou mais.
Foi então que percebi que o real motivo das visitas matinais do passarinho era a música do vizinho, e, de repente me senti traída pelo passarinho como ele se sentiu traído pelo vizinho: abandonada, sem aviso prévio!

Dias depois, eu soube - pelas conversas de elevador – que o vizinho havia se mudado (ele e sua música!) para a Europa.
Passei, então, a tentar uma solução alternativa: tomar meu café na varanda com meu radinho, na esperança de seduzir novamente o passarinho.
Na semana passada tentei Eric Clapton. Essa semana, estou com Pink Floyd, mas, por enquanto, nenhuma manifestação de terceiros!

"Diferenças artísticas"... deve ser esse o termo técnico!

8 de jul. de 2009

Papel em Branco, Caneta Preta


Papel em branco, caneta preta na mesa.

Comecei a escrever. Escrita meio sem vontade, sem identidade, escrita sem nem um porque. Mesmo assim, escrita.

E, já no segundo parágrafo, começaram a surgir no papel algumas idéias, e rabiscos - não mais em tinta preta, mas sim em tinta azul.

Mas eu não parei, continuei escrevendo. E o texto foi tomando corpo: palavras que eu não pré-meditava, idéias que eu não sabia que tinha, frases que eu guardava em um compartimento dentro de mim que eu não me permitia tomar conhecimento, foram pulando e tomando conta do papel, em volume e cores. De repente, as palavras não eram mais escritas em azul. As linhas, os meus argumentos, começaram a aparecer desenhados em um desfile de cores e luzes, de acordo com o tema de cada parágrafo ou a pontuação usada: vermelho intenso, azul celeste, verde musgo, rosa cintilante. E, a cada nova cor que eu via surgir – mesmo eu usando aquela mesma caneta e não tendo parado um momento sequer de escrever – mais uma linha do meu texto surgia, e eu continuava escrevendo e escrevendo, em um misto de prazer e exaustão. A partir de um certo momento, não me importava mais a cor do texto, importava apenas continuar escrevendo.
Perdi a noção de quantas paginas escrevi, e principalmente perdi a noção de sobre o que eu estava escrevendo. Ao começar a escrever, o texto (as cores) tomaram conta do papel, e a mistura de cores fez o papel ficar tão evidente, que me chocou perceber que tudo aquilo que ali estava escrito tinha partido de mim. Quantas cores que eu não sabia que tinha, quantas misturas, quantas possibilidades que eu ate então ignorava.

Ao iniciar mais uma pagina – o ultimo paragrafo -, a tinta começou a ficar mais clara, e começou a faltar. Depois de um certo tempo, eu apenas escrevia sem nada registrar, pois da caneta já não saia mais nenhuma cor, nenhuma tinta.

Finalmente parei de escrever. Olhei para a caneta, para o monte de papel, para as minhas mãos. Respirei fundo. Decidi reler aquele conjunto de esforço e cores.

Ao voltar ao começo, a primeira pagina, percebi que nada havia escrito. Paginas e mais paginas em branco. Nenhuma palavra, nenhuma cor. Tanto esforço, tanta entrega, tanta troca... paginas em branco!

A caneta, desde o inicio, estivera vazia. Tolice minha achar que de uma caneta vazia poderia sair o registro de tantas idéias e tantas cores...

Quem sabe amanha eu tento de novo... usando outra caneta.

21 de jun. de 2009

Impontualidades



Alice me ligou, para dizer que Ítalo, seu marido, havia pedido que ela voltasse. Ela me contou isso com uma ansiedade e uma sensação de vitória tão intensos, que não tive coragem de dizer a ela que, na verdade, Ítalo se sentiu so. Ele se viu so, naquele apartamento, e confundiu isso com saudade.

Ítalo chegava em casa, e sentia falta de ter Alice esperando por ele, sentada na varanda ou lendo um livro no quarto. De contar como fora o seu dia, de sentar para jantar placidamente com a esposa e terminar, assim, mais um dia. Alice nunca gostou de ler. Alice gosta de musica alta e de creme anti-rugas. Ela aguardava a hora em que ele chegaria em casa, e eles sairiam juntos para dançar, para jantar, para viver sempre em estado de férias, para fugir da monotonia do dia burocrático que eles tiveram.

Ítalo gosta de filmes antigos e de cha quente na cama. Quando Alice via Ítalo exausto, passando para tomar banho e se preparando para esquentar algo para comer, ela se decepcionava – sempre, invariavelmente. Ela respirava fundo, se despia, e ia encontra-lo no banho ou espera-lo na cama, para que eles se comunicassem da única forma que a eles era possível.

Ítalo nunca chegou em casa para encontrar Alice serena na varanda ou absorta em uma leitura, mas essa era a imagem que ele criava dela sempre que se separavam, e, de repente, ele sentia uma profunda saudade de quem ela não era. Ítalo se prendera a vida que ele idealizara mas que nunca vivera. Por isso, Ítalo ligava sempre pedindo para Alice voltar. Quando ele dizia “volta”, ele, na verdade, estava dizendo “estou com saudade da vida que quero ter, e da mulher que quero que você seja”. Quando Alice tirava a roupa para encontrar Ítalo no quarto, ela não estava dizendo “me possua”, mas, na verdade, ela pedia que ele entendesse que ela estava buscando um canal de comunicação entre eles, que o levasse para aquele mundo dela, tão distante do dele.

Não foi a primeira vez que eles brigaram, ou se separaram. E, em todas as vezes, o que acontecia, basicamente, era que eles não conseguiam coabitar, alem da intensa atração física. O dia a dia era insuportavelmente silencioso entre eles, vazio. Após duas semanas de uma reconciliação, passado o afã da saudade, da satisfação da libido, e da euforia, tudo o que Ítalo mais queria era ver-se livre de Alice e de suas cobranças; e tudo o que Alice mais desejava era que a química entre eles fosse suficiente para que ele lhe desse atenção, lhe abraçasse, conversasse com ela e eles voltassem a ter aquela vida desregrada a que ela se acostumara logo quando eles se conheceram.

Alice achara, a primeira vista, que Ítalo havia se apaixonado pela sua mais marcante característica: transparecer uma alegria contagiante e iluminar um ambiente. Quando Ítalo se cansou das intermináveis festas ou reuniões de amigos em que Alice apenas repetia o seu papel, ela se frustrou. Ela nunca compreendeu que o que fez Ítalo se atrair por ela foram as horas que se seguiam a esses momentos, quando Alice, exausta, serenava; quando ela apenas existia como um ser desprotegido, vulnerável, sem mascaras. Ítalo esperava que, com o casamento, com a relação duradoura e a convivência, Alice pudesse finalmente se desvencilhar de sua persona. Do que mais Alice sentia falta era do olhar de Ítalo pesando sobre os seus ombros, como se a despindo, enquanto bebiam e confraternizavam entre amigos. A ausência desse olhar sobre ela a fazia sentir-se invariavelmente abandonada.

A idéia de abandono – abandono esse que ela quase podia tocar quando Ítalo ia esquentar jantar e comer silenciosamente na varanda, ou quando eles terminavam de fazer amor e ele ligava o seu aparelho de som para escutar Nina Simone - remetia Alice a todas as insegurancas que ela acumulara desde pequena. Fazer amor com Ítalo, e apenas poder ter isso dele, era, para ela, a comprovacao de sua incapacidade de conexao com o mundo dele.

No fundo, ela sabia disso, mas, mesmo assim, insistia. No fundo, ele sabia que ligando para ela, ele estava retomando a tentativa de uma relação em que ele não acreditava, mas, mesmo assim, ele ligava.

Por isso, quando Alice me ligou dessa vez, eu nada falei. Apenas aguardei. Mais uma vez, ela me julgou insensível, como se eu não torcesse pela felicidade dela ou sequer fosse capaz de fingir estar feliz com a sua reconciliacao. Mais uma vez, calei. O meu amor por ela sempre foi tão desmedido que para mim sempre foi inimaginável quebrar a instável redoma de esperança que cerca a vida dela. Alice se trancou a qualquer possibilidade de ver a vida por outro ângulo.

A capacidade dela de adaptação a novas situações, de buscar soluções e forca para superar obstáculos, ou encarar frustrações e rejeição, é equivalente a sua capacidade de voar.

14 de jun. de 2009

C'est La Revolution!


Em meio a controversa reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, e as manifestações tantas que vemos no Ira (também) por conta desse fato, resolvi hoje indicar PERSEPOLIS, um filme que conta a história de uma garotinha que cresce durante a Revoluçao Fundamentalista Islamica nos anos 70.

Escrito por Marjane Satrapi – e baseado em sua propria infancia e passagem a vida adulta -, o filme conta a história de Marjane, uma garota cheia de vida e dúvidas, amante de punk rock e de Abba , crescendo em meio ataques de bombas iraquianas, censura e repressão, tirania , e punição severa aos que se opusessem ou desobedecessem o Regime.

O filme trata da luta contra a intolerância, da fé em uma nova era de liberdade que está por vir, da recusa a se calar perante as injustiças diárias, da eterna busca de descobrirmos onde pertencemos, e do amor - aquele que nos une, nos faz mais fortes, nos torna quem somos, e que o tempo e o espaço nao apagam.