O
período que se estende da gestação até os seis anos de idade é considerado o
mais importante para o desenvolvimento da criança, pois é nessa fase que a
criança estabelecerá suas conexões com o mundo. Antunes (2006, p. 9) declara
que a criança "precisa desenvolver-se plenamente nos aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, por meio de uma educação bem estruturada que
atenda as necessidades da criança", porém essa relevância não foi sempre
considerada ou mesmo conhecida, pois durante muito tempo a criança não era
reconhecida como um ser que precisava de cuidados e educação específicos para a
sua faixa etária e para cada fase do seu desenvolvimento.
Até
o período da Idade Média a criança era vista como um adulto em miniatura, um
ser que precisava ser treinado para suas atividades quando alcançasse a idade
mínima para tal. Até mesmo suas roupas eram semelhantes às roupas dos adultos,
e como destaca Ariès (1981, p.32),
"a diferenciação das vestes objetivava apenas manter visíveis os degraus
da hierarquia social". A presença da criança nas obras de arte, ao serem
retratados nos momentos familiares, junto a outros adultos, brincando ou
presente nas cenas da crucificação, segundo Ariès (1981, p.21) sugere duas
ideias:
Primeiro a de
que, na vida cotidiana as crianças estavam misturadas com os adultos, e toda
reunião para o trabalho, o passeio ou o jogo reunia crianças e adultos;
segundo, a ideia de que os pintores gostavam especialmente de representar a
criança por sua graça ou por seu pitoresco.
Dessa forma, expondo a criança como um ser que não possuía
características e valores próprios que fossem dignos de respeito e por isso
eram tratadas como uma subclasse que antecedia tornar-se humano, como um animal
irracional que a partir do momento que tivesse suas faculdades físicas
amadurecidas seria considerado como um indivíduo racional.
Ao
considerarem-se os estudos relativos à infância, Ariès (1981) afirma que apenas
no século XIII começaram a surgir representações da criança que se aproximam do
sentimento moderno; a criança anjo representada pelo menino que era educado
para ajudar na missa, o Menino Jesus ou Nossa Senhora menina que já trazia
algum sentimento específico pela infância e a criança nua representando a
pureza e alma que era entregue a cada pequena e nova criatura. Pois até o
século XII a ausência da criança nas representações artísticas denuncia que, a
criança tinha tarefas e obrigações que lhe preparavam para a vida adulta desde
muito cedo, e dessa forma não havia preocupação nem espaço para as fases
específicas da infância, pois a infância não passava de mera transição para se
modelar ao que se esperava do futuro adulto. Na mesma obra, Ariès (1981, p. 99)
ressalta que o fato de não existir um sentimento pela infância não quer dizer
que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento
da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à
consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue
essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem.
Não
era atribuído nenhum significado específico a infância, e ainda as crianças
menores, não eram levadas em consideração pelo fato de terem uma vida muito
frágil devido os altos índices de mortalidade infantil. Ariès (1981, p. 100)
complementa: "Assim que a criança superava esse período de alto nível de
mortalidade, em que sua sobrevivência era improvável, ela se confundia com os
adultos", e então passava a desempenhar as atividades que já se esperavam
dela.
Na
Idade Moderna, com o advento do Iluminismo, percebe-se uma mudança na concepção
da criança, especialmente nas classes mais elevadas: a criança passa a receber
maior atenção e cuidados específicos e direcionados para suas necessidades que
começam a ser percebidas como diferentes das necessidades dos adultos. Os
registros históricos apontam que a criação das primeiras instituições para
crianças datam do século XIX, e Friedrich Froebel que viveu no período de 1782
a 1852 foi o fundador dos primeiros modelos de jardim de infância, utilizando
jogos e brincadeiras no aprendizado infantil.
Ao
se criar um elo entre as representações infantis e o conhecimento concreto;
segundo os estudos de Ferrari (2008), Froebel defendia ainda que quanto mais
ativa é a mente da criança, mais ela é receptiva a novos conhecimentos, assim
considerando os sentidos da criança, o contato que ela cria com o mundo e
respeitando os estágios de capacidade de aprendizado e suas características
específicas é que deve ser o ponto de partida para o ensino.
A
princípio, a educação infantil desempenhou um papel mais de assistencialismo,
como afirma Heidrich (2010, p. 01), dizendo que no Brasil esse período
"perdurou por quase um século e só perdeu força quando a Constituição de
1988 tornou o segmento um dever do Estado e fortaleceu seu caráter
educativo", não só no Brasil, mas em todo o mundo a ideia de
assistencialismo ganhava força, como salienta Kuhlmann Jr. (2000, p. 14):
A concepção da assistência científica, formulada no início do
século XX, em consonância com as propostas das instituições de educação popular
difundidas nos congressos e nas exposições internacionais, já previa que o
atendimento da pobreza não deveria ser feito com grandes investimentos. A
educação assistencialista promovia uma pedagogia da submissão, que pretendia
preparar os pobres para aceitar a exploração social. O Estado não deveria gerir
diretamente as instituições, repassando recursos para as entidades.
Assim,
as primeiras escolas já surgiam com o objetivo de manter as classes subordinadas
no patamar em que estavam recebendo apenas assistência básica para que os pais
das crianças pobres pudessem continuar trabalhando para manter o alto nível
econômico da classe dominante.
No
século seguinte, devido a mudanças estruturais na sociedade ocasionadas pela
Revolução Industrial, a mulher passou a compor o mercado de trabalho, e desta
forma houve uma crescente necessidade de se aumentar o número de escolas já que
as mães não mais poderiam cuidar de seus filhos em tempo integral, necessitando
assim de um auxílio do governo para contar com escolas que cuidassem bem de
seus filhos, dessa forma Kuhlmann Jr. (2000, p. 11) expõem que
As instituições de educação infantil tanto eram propostas como
meio agregador da família para apaziguar os conflitos sociais, quanto eram
vistas como meio de educação para uma sociedade igualitária, como instrumento
para a libertação da mulher do jugo das obrigações domésticas, como superação
dos limites da estrutura familiar. As ideias socialistas e feministas, nesse
caso, redirecionavam a questão do atendimento à pobreza para se pensar a
educação da criança em equipamentos coletivos, como uma forma de se garantir às
mães o direito ao trabalho. A luta pela pré-escola pública, democrática e
popular se confundia com a luta pela transformação política e social mais
ampla.