quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Introdução a Ciência do Direito 2 - Aplicação

A Aplicação do Direito sob a Ótica das Escolas de Interpretação das Normas jurídicas
Artigos, Pareceres, Memoriais e Petições
Rogério Machado Mello Filho
Advogado Pós-Graduando em Direito - UFPE
1. Introdução
O Direito Moderno, que aparece desde o século XIX, é chamado, por excelência, de Direito Dogmático. O início desse processo de dogmatização se deu na Roma Antiga através de um quadro regulativo geral(1) que determinava as leis que seriam impostas, todavia, com o tempo, foram surgindo novas formas de normatização.
A primeira teoria realmente jurídica dos romanos foi a responsa, que depois deu origem à jurisprudência. Com a queda do Império Romano do Ocidente, Justiniano, Imperador no Oriente, realizou o Corpus Juris Civilis, que serviu de base para o Direito Ocidental. A primeira interpretação deste Código foi efetivada no século XI pelos Glosadores.
Dogmático vem de dokéin que significa "doutrinar". O caráter diretivo da Dogmática Jurídica é maior que o informativo, pois sua natureza é deontológica, ou seja, ela não diz como as coisas são, mas sim como estas devem ser, apesar de existir a comunicabilidade a posteriori entre o sein e o sollein.(2) O Direito Dogmático parte de dogmas que não devem ser questionados, é o chamado "princípio da inegabilidade dos pontos de partida" ou "princípio da proibição da negação", como ensina Luhmann.(3)
Há basicamente três pressupostos para a dogmatização do Direito, tornando-o cada vez mais autopoiético(4) ou distinto de outras ordens ético-normativas: a ascenção do Direito escrito em detrimento do consuetudinário, pois o cidadão teria mais consciência dos seus limites; a proibição do non liquet, ou seja, o juiz é obrigado a decidir os litígios; e a tentativa do monopólio estatal na criação do Direito.
Numa análise propedêutica, deve-se esclarecer que existem no Direito duas correntes divergentes quanto à sua forma (como o Direito se revela) e à sua matéria (como o Direito surge, de onde ele emana). A primeira corrente afirma que o Direito deve ser aplicado na íntegra, sem questionamentos, formando-se uma "Teoria Normativa do Direito" baseada no dokéin. Nessa posição estritamente positivista, o Direito é considerado válido e legítimo em si mesmo. A segunda corrente, por sua vez, ensina que o Direito deve ser aplicado através de um raciocínio questionador, formando-se a "Teoria Interpretativa do Direito" fundamentada no zetéin, que significa "perguntar".
A partir dessa dicotomia surge a seguinte questão: será que o Direito deve ser equiparado à letra da lei e normativamente aplicado sem uma análise axiológica dos acontecimentos sociais?
2. O Movimento Alternativo
Nos primórdios das teorias sobre os direitos, havia uma concepção valorativa chamada de maniqueísta, que se baseava em antagonismos morais para estabelecer o que era certo ou errado. O Direito, por exemplo, estava ligado à idéia de bem, enquanto que o antijurídico representava o mal. A partir da Antigüidade, o Direito passou a ser visto como arte (ars), para alguns, e como técnica (techne), para outros, mas tornou-se, com o passar do tempo e com a evolução da sociedade, cada vez mais dogmatizado.
"Se o Direito é um jogo sem fim (e sem começo), não há como fundá-lo: sua legitimidade é uma questão de crença. Resta saber se esta é a última palavra sobre o assunto".(5) Com base nessa colocação, percebe-se que o aumento exagerado do tecnicismo e do formalismo jurídico começou a afastar o Direito de sua real função social que seria a verificação da verdade na sua aplicação mas, no entanto, utiliza-se apenas da validade como fundamento. O Direito foi se tornando cada vez mais instrumentalizado, desvinculando-se do ideal de justiça e moral.
A insatisfação de alguns para com as injustiças provocadas pelo Direito imposto pelo Estado provocou uma série de discussões sobre os temas "Direito e moral", "justiça e Direito" e "justiça e lei". O resultado desses debates foi o surgimento, inicialmente na Europa, do chamado Movimento Alternativo do Direito e que, no Brasil, teve sua vanguarda no Rio Grande do Sul.
Hoje, o Direito Alternativo, também chamado de Direito "achado nas ruas", está sendo aceito por vários juristas, estudantes e profissionais do Direito que também percebem a falta, muitas vezes, de justiça nos Tribunais, com a finalidade de se questionar a aplicação do Direito, seus fundamentos e associá-los a uma graduação de valor.
Os alternativistas entendem que uma norma injusta não deve fazer parte do Direito e que o legalismo representa um atraso, tendo-se em vista a dinâmica das relações sociais e da sociedade como um todo. Afirmam, ainda, que há uma alienação do Poder Judiciário, mas que isso ocorre sempre em benefício da classe com maior poder aquisitivo.
Através desse Movimento, tenta-se fazer com que as leis injustas não sejam aplicadas, com a finalidade de se alcançar o bem comum e a diminuição das desigualdades, devendo o magistrado, para isso, se utilizar de valores éticos e morais na hora de aplicar o Direito ao caso concreto.
Essa visão alternativista, como foi dito, não ocorreu apenas no Brasil. Na Itália, França e Alemanha, por exemplo, houve o chamado "renascimento do Direito Natural" adotado por Stammler, Del Vecchio e Radbruch. Nos Estados Unidos da América, a Escola Sociológica trouxe o "Realismo Jurídico". Houve ainda a teoria do "Direito Efetivo", estabelecendo que há de existir a supremacia do Direito que nasce efetivamente nas comunidades em detrimento do Direito estatal.
Pode-se citar vários exemplos de decisões de cunho alternativo. Em Pernambuco, por exemplo, uma senhora roubou alimentos numa feira. A sentença do juiz foi no sentido de condená-la a cantar o Hino Nacional todo dia durante o período de um ano, sob o argumento de que, com isso, ela iria respeitar o país e não voltaria a roubar.
2.1. Direito Alternativo e Uso Alternativo do Direito
O alternativismo jurídico pode surgir com várias posturas próprias e distintas, mas a diferenciação precípua a ser feita seria entre o Direito Alternativo e o uso alternativo do Direito.
A principal diferença entre os dois conceitos acima seria o fato de que, enquanto o primeiro procura aplicar um Direito extra-dogmático ou para-estatal, o segundo tenta, ainda dentro da lei, aplicar um Direito mais justo.
O Direito Alternativo também é chamado de Direito Paralelo, pois não estaria enquadrado no positivismo estatal. Sua essência está fundamentada no pressuposto de que o Direito criado pelo Estado não atende às necessidades da sociedade. Essa falta de eficiência do Direito estatal faz com que parte da população se manifeste e crie um "ordenamento" próprio, com novas normas que entram em conflito com o Direito positivado.
O Direito Alternativo stricto sensu seria uma verdadeira oposição ao Direito estatal, pois não aceita que "o Direito é aquele que segue em linha reta, que não é curvo nem oblíquo",(6) sendo chamado por alguns de "instituinte negado".
O uso alternativo do Direito, também chamado de "instituído relido", não representa, por sua vez, uma negação do Direito positivado pelo Estado, mas sim uma tentativa de resguardar a justiça nas decisões jurídicas mediante o questionamento das normas. O surgimento de suas teorias se deu com alguns magistrados europeus que também se sentiam perplexos com a falta de eficiência do Poder Judiciário.
3. Interpretação das Normas Jurídicas
A interpretação tem como objetivo fundamental o estudo dos processos de fixação do sentido e do alcance da norma jurídica e de sua criação, com a finalidade de extrair seu significado, seu conteúdo.
As normas jurídicas têm por base um conceito amplo, geral e abstrato, havendo a necessidade da interpretação das mesmas para que se estabeleça um elo entre sua generalidade e os casos particulares concretos. Por esse motivo, para que se alcance a função real da norma, faz-se mister sua interpretação. "A interpretação visa a fixar o sentido objetivo de um texto jurídico. Mas, que sentido? O da vontade do legislador ou o da vontade da lei ou ainda o estabelecido pela livre convicção do juiz?"(7)
Os métodos de interpretação tentam mostrar o significado ontológico das normas, isto é, como elas são de fato, tentando analisá-las e compreendê-las. "A interpretação não é uma abertura passiva, mas sim uma interação dialética com o texto, uma criação. Deve-se tirar o texto da alienação em que se encontra, recolocando-o no presente vivo do diálogo." (8)
Deve-se distinguir dois aspectos básicos quando se faz uso da interpretação: o onomasiológico, que seria o uso corrente para se designar um fato, e o aspecto semasiológico, ou seja, a sua significação normativa.(9) Deve haver, na interpretação, a determinação no sentido das palavras, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo-se em vista as decisões dos conflitos.
Muitos juristas entendem que deve haver uma concordância entra a questão da aplicação e a teleologia das interpretações. Mas isso nem sempre se verifica. Para Kelsen, por exemplo, que tem uma visão extremamente metódica e legalista do Direito, quando se faz uma interpretação e a norma é aplicada, nada decorre do mérito, raciocínio ou argumento do intérprete legal, mas de uma vontade competente, ou seja, de conclusões preexistentes e impostas. Kohler, por sua vez, entende que " a interpretação escolhe dentre as muitas significações que a palavra possa oferecer, a mais justa e a mais conveniente. Por esse motivo, a lei admite mais de uma interpretação no decurso do tempo."(10)
As normas jurídicas são juízos prescritivos de dever ser que funcionam como regras de conduta, logo, o intérprete deve buscar o significado de tais imposições para integrá-las à sociedade. Nesse momento, a função do intérprete é buscar compreender a norma de forma distinta da que foi visualizada pelo legislador com a finalidade de perceber sua várias acepções.
Há autores que subdividem a interpretação em técnicas distintas e, nesse sentido, Perelman ensina: "existem duas interpretações que se opõem: a estática e a dinâmica. A estática ou antiga é aquela que se esforça em encontrar a vontade do legislador que sancionou o texto legal, ao passo que a interpretação dinâmica é aquela que, como convém, interpreta o texto em função do bem comum ou da eqüidade, assim como o juiz concebe na análise do caso em espécie; ora sendo o texto interpretado à luz da teleologia da lei, tal como vem sendo admitido pela magistratura avançada, é natural e lídimo buscar a occasio legis em lugar de sobrevalorizar a mens legislatoris, pois nenhum Direito se pode exercer de uma maneira não razoável sem que deixe de ser Direito".(11)
4. Escolas de Interpretação das Normas Jurídicas
A base do Direito ocidental foi fundamentada no Corpus Juris Civilis realizado por Justiniano após a queda do Império Romano do Ocidente, como vimos. Com o decorrer dos anos, o Direito foi se tornando mais técnico e repleto de dogmas impostos como verdade. Talvez o maior exemplo desse tecnicismo tenha sido o Código Napoleônico de 1804 que foi projetado com a pretensão de ser absoluto, sem lacunas, ou seja, qualquer parcela da vida civil teria previsão legal previamente estabelecida. Na verdade essa plenitude não existia.
O século XX foi caracterizado por movimentos de reação a essas normas absolutas e aos postulados fixados hermeticamente. Como ciência humana, o Direito não deveria se ater apenas aos dogmas e às leis, mas tê-las como estruturas que fazem parte do ordenamento jurídico, devendo-se haver uma análise dos acontecimentos sociais e o respeito às mutações sofridas pela sociedade.
A aplicação do Direito não poderia permanecer restrita à concepção de que a única fonte do Direito seria a lei e, por esse motivo, opiniões divergentes começaram a surgir, proporcionando assim, a formação de várias doutrinas pelas Escolas de Interpretação das Normas Juridicas.
4.1. Escola Exegética
Como o próprio nome diz, pois exegese significa ater-se à obra literária minunciosamente, a Escola Exegética tem como base apenas o uso da letra da lei como forma de aplicação do Direito. Ela também é chamada de Escola Legalista e Escola Racionalista e afirma que todo o Direito está contido na lei e apenas nesta. Seu surgimento se deu na França, mas teve vários adeptos, como a Escola Pandectista alemã.
A Escola Exegética foi muito forte durante o século XIX, estabelecendo que qualquer ato ocorrido no meio social estaria previsto numa lei, logo o Direito seria completo e poderia ser aplicado a qualquer caso. Os adeptos de tal Escola entendem que a lei é absoluta, devendo o juiz extrair o significado dos textos para assim aplicá-lo ao caso concreto.
O Direito, para os legalistas, seria o conjunto de normas emanadas e positivadas pelo Estado, ou seja, qualquer outra norma de uso social ou costume deveria ser ignorada. O magistrado deveria exercer apenas a sua função de aplicador da lei, sempre em conformidade com a vontade do legislador, em detrimento dos seus conceitos pessoais e valorativos.
Os avanços tecnológicos provenientes do Capitalismo Industrial proporcionaram à sociedade um processo constante de mutação, fazendo com que os dogmas estabelecidos fossem se tornando ultrapassados, comprovando, desta forma, que o ordenamento jurídico também deveria se adaptar a essa nova realidade.
4.2. Escola da Evolução Histórica de Salleiles
A revisão e a crítica à Escola da Exegese começa na França com Bufnoir através do seu método sistêmico histórico-evolutivo que foi aprimorado por Salleiles e Esmein e chamado, posteriormente, de método da evolução histórica.
O principal fundamento da Escola da Evolução Histórica é a adaptação da letra da lei ao mundo fático, isto é, o Direito positivado pelo Estado deve interagir com a realidade social. "Deve adaptar-se a velha lei aos tempos novos e não abandoná-la. E assim dar vida aos Códigos".(12)
"Segundo o método da evolução histórica de Salleiles, a interpretação da lei não deve ater-se apenas aos antecedentes legislativos e suas condições de nascimento, mas a lei deve ser adaptada às condições do meio social que lhe proporcionam nova vida. Quando se adapta a lei às modificações sociais ocasionadas no transcorrer do tempo, seu sentido evolui paralelamente à sociedade". (13)
4.3. Escola da Livre Investigação de Gény
No final do século XIX surge, na França, a Escola da Livre Investigação (ou Pesquisa) do Direito iniciada por François Gény. Essa Escola não deve ser vista como renovadora, e sim como conciliadora, pois não tenta criar novos métodos de hermenêutica, mas unir princípios da Escola Exegética com as exigências do mundo contemporâneo.
Para Gény, a lei só tem uma intenção, que é aquela que ditou seu aparecimento, mas quando se perceber que a lei não reflete a realidade atual, o intérprete deve fazer um trabalho com bases científicas envolvendo os novos fatos sociais. Sua proposta não visa à exclusão da lei nem diminuí-la, mas como ele mesmo afirma: "Pelo Código Civil, mas além do Código Civil".(14) Haveria uma conciliação entre os dois elementos fundamentais do Direito: o dado (le donné) e o construído (le construit).
A Escola prega que o juiz não deve se apegar unicamente à lei na hora de aplicar o Direito, podendo, nos casos de lacunas, ocorrer uma certa independência ao texto legal, utilizando-se dos costumes e da analogia para solucionar os conflitos. Neste momento, para alguns autores, o magistrado exerce uma função de mero investigador, enquanto que, para outros, sua ação é criadora de direitos.
Uma prova da influência da Escola de Gény está presente no Código Civil suíço de 1907, que reza no seu artigo 1º: "Aplica-se a lei a todas as questões de Direito para as quais ela, segundo a sua letra ou interpretação, contém um dispositivo específico. Deve o juiz quando não encontra preceito legal apropriado, decidir de acordo com o Direito Consuetudinário, e na falta deste, segundo a regra que ele próprio estabeleceria se fora legislador".
4.4. Escola do Direito Livre
A Escola do Direito Livre foi iniciada por Hermann Kantorowicz (com o pseudônimo de Gnaeus Flavius) através da publicação em 1906 da ousada A Luta pela Ciência do Direito. Tal obra traz uma revolucionária concepção de interpretação e aplicação do Direito que defende a plena liberdade do juiz no momento de decidir os litígios, podendo, até mesmo, confrontar o que reza a lei.
O ordenamento jurídico, para os adeptos do Direito Livre, não deve estar vinculado apenas ao Estado, mas ser livre em sua realização e constituir-se de convicções numa relação de tempo e espaço, isto é, o Direito Positivo não deve ser apenas imposto pelo Estado, mas também legitimado pela sociedade em razão de suas necessidades. O Direito não deve ser formado por dogmas inquestionáveis, mas sim, respeitar os fatos ocorridos no âmbito social e suas conseqüências práticas.
Quando da aplicação do Direito ao caso concreto, o que deve prevalecer é a idéia do Direito enquanto Justiça, podendo o juiz agir não apenas através da Ciência Jurídica mas também pela sua convicção pessoal. Nessa ocasião o magistrado não estaria usando seu poder de decidir apenas, mas sua função de legislador, seu poder legiferante, com o animus de aplicar o Direito que sua concepção perceber justo.
Como ensina Aftalión, "o que caracteriza em geral o movimento do direito livre é a liberação do jurista em relação ao estatismo e, portanto, a liberação do intérprete da submissão absoluta aos textos legais, que inclusive poderá deixar de lado em certas oportunidades". (15)
O arbítrio do juiz seria de grandes proporções, podendo estar embasado na lei ou fora desta, ou seja, o magistrado, na busca pela Justiça, poderá até mesmo decidir contra legem. Há vários casos famosos sobre a aplicação do Direito Livre. Um dos mais notórios aplicadores dessa concepção de Direito foi o juiz francês Magnaud, que sempre decidia os conflitos de interesses à luz do seu critério pessoal de Justiça.
5. Considerações Finais
Uma das características do Direito Dogmático, autopoiético, como vimos, é a proibição do non liquet, isto é, o magistrado deve solucionar todos os conflitos intersubjetivos compreendidos nos limites de sua jurisdição e competência.
Partindo do pressuposto da obrigatoriedade de decidir do juiz, concepções distintas sobre a aplicação do Direito foram suscitadas pelas diversas Escolas de Interpretação das Normas Jurídicas. Os extremos são representados pela Escola Exegética, que afirma que o único Direito aplicável é a lei; e o Sistema do Direito Livre, que defende a liberdade absoluta do juiz quando da aplicação do Direito ao caso concreto, podendo até mesmo decidir arbitrariamente contra legem.
Acreditamos que a função do magistrado moderno é essecialmente ampla, logo não se deve ater apenas à exegese da letra da lei para estabelecer sua convicção em relação ao caso particular, mas sim compreender e até mesmo expandir o significado da norma através de uma análise hermenêutica, mas nunca negá-la, como prega a Escola do Direito Livre.
O Direito deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade hodierna e, nesse sentido, muito acrescenta o Movimento Alternativo que defende a aplicação de um Direito mais justo e que não se resume à lei positivada pelo Estado. O próprio ordenamento jurídico reconhece a necessidade da observância dos clamores sociais, como reza o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".
6. Bibliografia
1. ADEODATO, João Maurício. Ética, Jusnaturalismo e Positivismo no Direito. Revista da OAB - Seccional de Pernambuco, Recife, n. 24, 1997.
_____. Modernidade e Direito. Revista da Esmape, Recife, v. 2, n. 6, 1997.
AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José. Introducción al Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1991.
COELHO, Luiz Fernando. Do Direito Alternativo. Bonijuris, 1992.
_____. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Uma abordagem hermenêutica sobre o chamado Direito Alternativo. Revista dos Tribunais, n. 681, 1992.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994.
FREITAS, Juarez. Hermenêutica Jurídica: o juiz só aplica a lei injusta se quiser. Porto Alegre: Ajuris, 1987. p.39.
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 21. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
_____. Lições Preliminares de Direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho. 10. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1991.
________________________________________________________________
(1) FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 57.
(2) ADEODATO, João Maurício. Ética, Jusnaturalismo e Positivismo no Direito. Revista da OAB - Seccional de Pernambuco, Recife, n. 24, 1997. p.16.
(3) Apud FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, op. cit., p. 48.
(4) Cf. ADEODATO, João Maurício. Modernidade e Direito. Revista da Esmape, Recife, v. 2, n. 06, 1997. p.261.
(5) FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, op. cit. p.350.
(6) DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Uma abordagem hermenêutica sobre o chamado Direito Alternativo. Revista dos Tribunais, n. 681, 1992. p.277.
(7) GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.263.
(8) GADAMER, Hans Georg. Wahrheit und Methode, apud FREITAS, Juarez. Hermenêutica Jurídica: o juiz só aplica a lei injusta se quiser. Porto Alegre, Ajuris, 1987. p.39.
(9) Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, op. cit., p.255.
(10) Apud COELHO, Luiz Fernando. Do Direito Alternativo. Bonijuris, 1992. p. 9.
(11) PERELMAN, Ch. À Propos de la Règle de Droit: reflexions de méthode, apud FREITAS, Juarez, op. cit., p.42.
(12) MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 21. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 376.
(13) Cf. AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José. Introducción al Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1991. p. 284. Tradução livre. "...según el método de la evolución histórica propiciado por Salleiles, la interpretación de la ley no debe constreñirse a los antecedentes legislativos y las condiciones que le dieron nacimiento: debe adaptarse la ley a las condiciones cambiantes del medio social, que le insuflam nueva vida. Al adecuarse la ley a las modificaciones sociales operadas em el transcurso del tiempo, su sentido evoluciona paralelamente al cambio de la sociedad".
(14) MONTORO, André Franco, op. cit., p. 378.
(15) Cf. AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José, op. cit., p. 284. (Tradução livre). "...lo que caracteriza en general al movimiento del derecho libre es la liberación del jurista del estatismo y, por tanto, la liberación del intérprete de la sumisión absoluta a los textos legales, que incluso podrá dejar de lado en ciertas oportunidades".

Introdução a Ciência do Direito 2 - Teoria Dogmática da Decisão


TEORIA DOGMÁTICA DA DECISÃO

DECISÃO → é algo que se liga aos Processos deliberativos e aparece como termo correlato de conflito.

CONFLITO → pode ser entendido como o conjunto de alternativas que surgem da diversidade de interesses. Conflito, portanto, exige decisão, uma resposta na qual uma alternativa é escolhida, abandonando-se as demais.

A decisão ou resposta necessita de JUSTIFICAÇÃO como fundamento de sua LEGITIMIDADE, motivo pelos quais os PROCEDIMENTOS para a tomada da decisão são INSTITUCIONALIZADOS mediante normas.

→ A institucionalização do conflito e do procedimento decisório confere aos conflitos jurídicos uma qualidade especial: ELES TERMINAM.

→ A decisão jurídica é aquela capaz de por um fim aos conflitos, não no sentido de que os elimina, mas que impede a sua continuação.

→ De acordo com esse quadro teórico, a doutrina dogmática revela-se como uma investigação prática das regras de configuração e decisão dos conflitos.

→ O fenômeno jurídico é captado, nesse modelo, como um sistema de controle de comportamento. CONTROLE é, portanto, poder de decisão de conflitos institucionalizados.

Em conformidade com esse horizonte teórico, Ferraz Jr. Entende que o problema dogmático do controle na correlação entre conflito e decisão envolve dois aspectos distintos:

a) aspecto interno: enxerga a decisão jurídica como um controle a partir dos próprios instrumentos que o sistema normativo oferece (controle-disciplina); TEORIA DA APLICAÇÃO
b) aspecto externo: refere-se a instrumentos que a retórica jurídica traz para o sistema (controle-dominação).TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO

TEORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO

Na perspectiva dessa teoria, a decisão jurídica é vista como um problema de construção do juízo deliberativo pela pessoa que decide. A análise formal desse juízo aponta, inicialmente, para uma construção silogística, ou seja, sendo a decisão jurídica correlata de um conflito que a desencadeia e de uma norma que a institucionaliza, a primeira imagem que aparece é a de uma operação dedutiva em que:

a) a norma geral abstrata funciona como premissa maior;
b) a descrição do conflito (caso concreto) como premissa menor;
c) o ato decisório como conclusão.

→ Entretanto, reduzir o processo decisório a uma construção silogística o empobrece e não o revela na sua maior complexidade.

Na aplicação do direito, o juiz, além de demonstrar, por via hermenêutica, o sentido e alcance das normas, precisa também demonstrar que o caso a ser decidido nelas se enquadra. O processo de subsunção, portanto, não se reduz ao esquema lógico da dedução, exige maiores
esforços já na elaboração da premissa maior.

→ É preciso identificar no caso concreto as hipóteses de incidência que nas palavras da lei aparecem expressas por conceitos indeterminados e valorativos.

A decisão, entretanto, não fica submetida totalmente ao arbítrio de quem decide, existe um  certo controle na medida em que ela emerge do próprio sistema normativo.

O CONTROLE DA DECISÃO se exerce principalmente por intermédio de PROCEDIMENTOS INSTITUCIONALIZADOS que neutralizam a pressão dos fenômenos sociais sobre o sistema normativo.

Os aspectos burocráticos e a linguagem técnica protocolar se encarregam de manter a distância entre o procedimento e a relação social, de modo que a decisão possa ser dada apenas com fundamento nas regras do ordenamento jurídico.

Decisões podem ser programadas procedimentalmente de duas maneiras:

a) PROGRAMAÇÃO CONDICIONAL - fixando-se previamente os meios a serem utilizados, deixando-se em aberto as conseqüências a serem atingidas; ou
b) PROGRAMAÇÃO FINALÍSTICA - fixando-se as conseqüências a serem atingidas, deixando-se em aberto os meios a serem utilizados.

- Na programação condicional, a responsabilidade da pessoa que decide consiste no correto uso e aproveitamento dos meios (regras do ordenamento) sem se preocupar com a conseqüência atingida.

- Na programação finalística, a responsabilidade da pessoa que decide consiste em atingir uma certa conseqüência, por isso suporta toda a carga de uma correta busca dos meios, havendo entre meios e fins uma solidariedade inevitável.

Nos sistemas jurídicos burocratizados (tecnocráticos), há um forte predomínio de programações condicionais, posto que o sistema normativo aparece, primordialmente, como um conjunto de normas que estabelecem os procedimentos dentro dos quais as decisões são reconhecidas como obrigatórias e vinculantes. Insiste no respeito às regras técnicas estabelecidas na legislação mesmo que isso ocorra em prejuízo das condicionantes de fato, enquanto na justiça comunitária prevalecem os argumentos teleológicos e valorativos, tendo em vista a justiça do caso concreto, mesmo que isto ocorra em detrimento de certas condições legais.


TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO

A teoria da argumentação jurídica visa esclarecer o controle da decisão a partir dos aspectos externos que emergem do meio circundante e repercutem no sistema.

De acordo com essa teoria, a DECISÃO JURÍDICA é um DISCURSO RACIONAL e por isso exige FUNDAMENTAÇÃO.

No curso do procedimento decisório sempre ocorre uma trama que exige das partes argumentações fundamentadas. A argumentação jurídica é, portanto, imprescindível para a obtenção das decisões.

A teoria da argumentação tem por objeto os raciocínios persuasivos, como são os jurídicos.

Viehweg entende a argumentação jurídica como uma forma típica de raciocínio, ou seja, raciocinar juridicamente é uma forma de argumentar.

A teoria da aplicação do direito mostra um quadro em que a decisão aparece como um sistema de procedimentos regulados, com predomínio das programações condicionais.

O discurso dogmático sobre a decisão não é, entretanto, apenas um discurso informativo sobre como a decisão deve ocorrer, mas também um discurso persuasivo sobre como se faz para que a decisão seja acreditada pelos destinatários.

→ Argumentar, portanto, significa tecer argumentos, aduzir os raciocínios que constituem uma argumentação, no sentido jurídico, é um modo específico de raciocinar que procede por questionamentos sucessivos.

Procedimento argumentativo dogmático:

  • Primeira etapa: Translatio → finalidade e de verificar se há mesmo um conflito e se ele é jurídico.
  • Segunda etapa: Conjectural → refere-se à consistência fática das alegações. (questionamentos: Há o fato? Quem é o autor? Houve ânimo do autor?).
  • Terceira etapa: Definitio → busca da relação entre o fato e seu sentido tipificado pela norma. Corresponde na argumentação jurídica, a uma “normativização” jurídica da semântica “natural”. Aqui entra a habilidade hermenêutica. Ex: enquadrar o caso concreto em “roubo” ou “furto”.

Isto eleva a importância do aspecto finalístico que visa despertar uma atitude de crença e motivar condutas. Entende-se, nesse sentido, a abundância na argumentação jurídica de argumentos (ab absurdo, ab auctoritate, contrario sensu, ad hominem, ad rem, entitema, etc) que pertencem ao patrimônio da retórica desde a Antiguidade.

  • ARGUMENTO AB ABSURDOsentido falso, inaceitável para o senso comum.
  • ARGUMENTO AB AUCTORITATE - opinião dos jurisconsultos, cientistas sociais, estudiosos e doutrinadores.
·         ARGUMENTO A CONTRARIO SENSU (de oposição) – consiste em concluir de uma proposição admissível, pela proposição que lhe é oposta. Essa estratégia permite antecipar as possíveis manobras discursivas que formarão a argumentação da outra parte durante a busca de solução jurisdicional para o conflito, enfraquecendo, assim, os fundamentos mais fortes da parte oposta.
  • ARGUMENTO AD HOMINEM corresponde a um argumento que limita a validade de uma tese ao que cada qual está disposto a conceder, aos valores que se reconhecem, aos fatos com os quais está de acordo. EX: Admite-se que a lei seja inconstitucional, mas aceitando que não fosse, mesmo assim não se pode concluir, como o deseja a parte contrária, que determinado ato seja ilegal.
  • ARGUMENTO A FORTIORI passagem de uma proposição para uma segunda, para a qual devem valer as mesmas razões da primeira, e ainda com mais força. Ex: quem pode o mais, pode o menos (valor axiológico).
  • ARGUMENTO A MAIORI AD MINUSna argumentação jurídica, passa-se da validade de uma disposição mais extensa, para a validade de outra menos extensa. Ex: desapropriação legal e ilegal por parte da autoridade e dever de indenização.
  • ARGUMENTO AD REMdiz respeito à verdade aceita pressupostamente por todos, pelo auditório universal.
  • ARGUMENTO SILOGÍSTICO OU ENTITEMA – confere credibilidade ao argumento, respeito ao rigor lógico (ou quase lógico) nos procedimentos de argumentação.

A utilização dos recursos retóricos revela que a dogmática da decisão se preocupa não propriamente com a verdade, mas com a verossimilhança. Não exclui a verdade de suas preocupações, mas ressalta como fundamental a versão da verdade.

Por essas razões, Ferraz Jr. entende que a dogmática da decisão constrói um sistema conceptual que capta a decisão como um exercício controlado do poder, como se as relações sociais de poder estivessem domesticadas.

Sublima-se a força e, com isso, diminui-se a carga emocional da presença da violência no direito.

Introdução a Ciência do Direito 2 - Escola de Interpretação do Direito

ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

1)       ESCOLA EXEGÉTICA/ LEGALISTA/ CODICISTA/ RACIONALISTA ( Séc. XIX, F. Laurent)

- Influenciou a Escola Pandeccista na Alemanha.

CARACTERÍSTICAS:

A)     DOGMATISMO LEGAL – A lei é absoluta, qualquer ato ocorrido no meio social estaria previsto pela lei, o Direito seria portanto, completo e aplicável a qualquer caso;

B)     SUBORDINAÇÃO À MENS LEGIS – a interpretação estaria subordinada à vontade do legislador, defendia-se a auto-suficiência dos Códigos;

C)     ESTADO COMO ÚNICO AUTOR DO DIREITO – O Direito seria o conjunto de normas emanadas e positivadas pelo Estado, sem sofrer as influências das circunstancias sociais, políticas e econômicas.

- Para a Escola Exegética o magistrado deveria exercer somente a função de aplicar a lei, em detrimento de seus conceitos pessoas e valorativos;

CRÍTICAS:

- Dizer que só a lei é o Direito, é recusar a fonte do Direito que é o costume (autêntica e genuína expressão dos valores sociais);

- Relegou a segundo plano a investigação do ESPÍRITO DA LEI (vontade da lei);

- Com as mutações sociais o Poder Judiciário passou a adaptar o texto dos Códigos às necessidades do tempo.

2)       ESCOLA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE SALEILLES (final do Séc. XIX)

CARACTERÍSTICAS:

A)     ADAPTAÇÃO DA LETRA DA LEI – a lei não deveria ficar adstrita à vontade do legislador, deveria ser adaptada ao mundo fático;

B)     DIREITO INTERAGINDO COM A REALIDADE HISTÓRICA E SOCIAL – O Direito escrito, positivado deve interagir com a realidade social. Se a sociedade evolui e o Direito fica estático, este perde a sua força.

- Para a Escola da Evolução Histórica o Direito é ditado e construído pelas circunstâncias históricas, o trabalho do intérprete é DAR VIDA AOS CÓDIGOS;

- Consciência de que o Direito estático impede o progresso em vez de promover o bem estar social;

- A interpretação deve ser atualizadora e adaptativa, não devendo, portanto, alterar ou modificar o espírito da lei;

- O Poder Judiciário não pode criar ou alterar o Direito, apenas revelar novos aspectos da Lei.

CRÍTICAS:

- Não apresentou soluções para as lacunas da lei. Como atualizar ou adaptar uma lei inexistente?

3)       ESCOLA DA LIVRE INVESTIGAÇÃO DE GÊNY.

- Escola conciliadora, uniu princípios da Escola Exegética com as necessidades do mundo contemporâneo;

- Sua proposta não visa à exclusão da lei nem diminuí-la, afirma-se: “Além do Código Civil, mas através do Código Civil”.

- Não admitia a infalibilidade dos Códigos como professava a Escola Exegética;

- Para Gêny não se deve deformar a lei, mas ao contrário, reproduzir a intenção do legislador no momento de sua decisão;

- Reconheceu que a lei apresentava lacunas, não correspondendo aos fatos supervenientes, e que os intérpretes deveriam reconhecê-las na obra legislativa e procurar por outro meio preenche-las e supri-las;

- Fez a conciliação entre os dois elementos fundamentais do Direito:

DADO (não é criado pelo legislador, elaborado pela própria existência humana, como a realidade econômica, política, social, racial, demográfica, moral, cultural)

CONSTRUÍDO (operação lógica que subordina os fatos a uma ordem de fins, considerando o DADO é que o legislador elabora, constrói o seu arcabouço de regras jurídicas)

- Para a Escola da Livre Investigação quando a lei não reflete a realidade atual o intérprete deve realizar um trabalho com bases científicas envolvendo os novos fatos sociais.

- Ocorre uma certa independência do texto legal, utilizando-se dos costumes (praeter legem) e da analogia para solucionar os conflitos;

- Liberdade do juiz tem limite na índole do sistema positivo em vigor, o trabalho de pesquisa do intérprete, só inova na medida em que integra ou completa o sistema existente, mas sem alterar o significado fundamental da lei;

- Influenciou o Código Suíço de 1907 em seu artigo 1º: "Aplica-se a lei a todas as questões de Direito para as quais ela, segundo a sua letra ou interpretação, contém um dispositivo específico. Deve o juiz quando não encontra preceito legal apropriado, decidir de acordo com o Direito Consuetudinário, e na falta deste, segundo a regra que ele próprio estabeleceria se fora legislador".

- Base orientadora do intérprete estava na idéia de justiça;

- A Contribuição de Gêny alcançou imensa repercussão em vários países, foi um passo à frente no estudo da ciência do Direito, mas não findou a complexidade da matéria.

4)       ESCOLA DO DIREITO LIVRE (início do Séc. XX)

- Foi iniciada por Hermann Kantorowicz (com o pseudônimo de Gnaeus Flavius) através da publicação em 1906 da ousada A Luta pela Ciência do Direito;

- Defende a plena liberdade do juiz no momento de decidir os litígios, podendo, até mesmo, confrontar o que reza a lei;
- Espécie de “Direito Natural Rejuvenescido”;

CARACTERÍSTICAS:
A)     REPÚDIO À DOUTRINA DE SUFICIÊNCIA ABSOLUTA DA LEI;
B)     O JUIZ DEVE REALIZAR UM TRABALHO CRIADOR E PESSOAL NA AUSÊNCIA OU INSUFICIÊNCIA DA LEI;
C)     TESE DE QUE A FUNÇÃO DO EXEGETA DEVE APROXIMAR-SE DA ATIVIDADE LEGISLATIVA.
- “Justiça pelo Código, ou apesar do Código”;
- Para Kantorowicz, haja ou não lei que reja o caso, cabe ao juiz julgar segundo os ditames da ciência e de sua consciência;
- O Direito Positivo não deve ser apenas imposto pelo Estado e formado por dogmas inquestionáveis;
- O juiz pode decidir não apenas através da ciência jurídica, mas também por sua convicção pessoal;
- Função do legislador realizada pelo magistrado;
- O que deve prevalecer é o direito justo, quer na falta de previsão legal, quer contra a própria lei;
- Liberação do intérprete da submissão absoluta dos textos legais, podendo até mesmo decidir contra legem quando o texto da lei não favorecer aos ideais de justiça;

5)       DIREITO ALTERNATIVO OU USO ALTERNATIVO DO DIREITO

- Manifestação atual da Escola do Direito Livre (Direito achado nas ruas)
- Através desse Movimento, tenta-se fazer com que as leis injustas não sejam aplicadas, com a finalidade de se alcançar o bem comum e a diminuição das desigualdades, devendo o magistrado, para isso, se utilizar de valores éticos e morais na hora de aplicar o Direito ao caso concreto.
- Tenta-se amenizar os desequilíbrios das classes sociais impedindo que a lei seja instrumento de dominação pelos mais fortes, principalmente no que se refere ao aspecto econômico;
- Aplicação de um Direito extra-dogmático ou para-estatal, para se ter decisões mais justas;
- Pressuposto de que o Direito criado pelo Estado (positivado) não atende às necessidades da sociedade;
- Conflito com o Direito Positivado em face das deficiências do aparato estatal;
Ex: Em Pernambuco, uma senhora roubou alimentos numa feira. A sentença do juiz foi no sentido de condená-la a cantar o Hino Nacional todo dia durante o período de um ano, sob o argumento de que, com isso, ela iria respeitar o país e não voltaria a roubar.

CRÍTICAS:
- Desprezo do “valor segurança”;
- A ordem jurídica deixaria de ser um todo, perdendo a sua unicidade e consistência;
- Dá margem à incerteza jurídica e improvisação, os críticos, não obstante, não defendem o imobilismo e a submissão total à literalidade da lei.

CONCLUSÃO:

A lei, em verdade, jamais será fonte exclusiva do direito, em termos objetivos. A par de sua vagueza e ambigüidade, ela concorre com a paralela produção teórico-doutrinária dos juristas, que se encarregam, assim, de convalidar por outras vias a faceta contraditória do direito. E essa convalidação por outras vias também ocorre diante de leis bastante claras, mas rejeitadas, em havendo interesse e clima para diferentes construções fático-normativas.
É evidente que o grupo social também participa do contexto jurídico, em tema de conteúdo. Aceitando e professando a ideologia dominante, a ideologia dos grupos encastelados no poder de persuasão; ou germinando, por sua conta e risco, outras idéias e valores, também os governados conseguem ratificar ou retificar o direito.
Ainda que modernas e atualizadas, as teorias jurídicas não conseguem PADRONIZAR a conduta do intérprete emocionalmente predisposto a indicar a solução mais justa e compatível com suas próprias expectativas ideológicas e um certo grau de liberdade ocasionalmente desfrutado. Quer dizer: ele, o intérprete, as conhece muito bem, e sabe que, não raro, essas teorias apontam para caminhos divergentes; ou que, por sua vagueza e ambigüidade, ora permitem o sim, ora permitem o não — tal como ocorre com as leis, costumes, razão, justiça, eqüidade e bom senso.
Em suma, nenhuma dogmática jurídica consegue eliminar o que está fora do seu alcance: a dialética do tempo; a lógica jurídica de busca das premissas; a biografia do intérprete; o mistério das palavras; o poder econômico; a força política; os sentimentos éticos e preconceitos inseridos no grupo social. Estes ingredientes é que ajudam a forjar o direito em sua concretude. Nada disso, entretanto, invalida o esforço de identificação e aperfeiçoamento das regras de hermenêutica jurídica. Construídas historicamente, elas permanecem válidas como subsídio retórico a quem se despe da força bruta para, com honestidade intelectual, contribuir com seu próprio gesto para o direito que repute possível e justo, em clima de liberdade e responsabilidade socialmente compartilhadas.