Escorpião

domingo, 24 de junho de 2007

Sobre Escorpião...

O que há com o signo de escorpião, afinal, para tanta má fama? Vamos começar descartando explicações as mais simplistas, mas sem deixar de considerar cada uma, minimamente.

A antipatia seria devida às idéias associadas ao bicho mesmo, ao inseto escorpião? Sabe-se que tem veneno - veneno que dói, mas só mata em casos raros – vive no escuro, e não é bonitinho, mas também não chega a ser repugnante como uma barata. Mas a simbologia associada aos signos são fundamentalmente ligadas às estações do ano e não às imagens a eles associadas.

Assim, o signo de escorpião está ligado ao meio do outono (para o hemisfério norte) onde poderia ser que no Egito ocorresse alguma infestação de escorpiões, e o particular inseto batizou o signo, não necessariamente por suas características, mas porque pensar num escorpião era forçosamente lembrar daquela época do ano.

Época em que o inverno se aproxima, os frutos que ainda sobraram nas árvores caem pelo chão junto com o colorido de folhas mortas, como naqueles postais de bosques europeus exuberantes, onde chega-se a sentir, por força da imaginação, um cheiro forte no ar, de terra adubada.

O que temos até agora? Uma estação do ano que propicia paisagens impressionantes e um inseto que prefere ficar na dele, escondido por aí longe dos humanos (o que não é um mal negócio, convenhamos), dotado de uma arma de defesa que impõe respeito, e serve também como ataque na busca de alimentos.

Não explica ainda a má fama. E que alguém precisa levar a má fama, parece ser um entendimento comum nas sociedades humanas. Eis a origem de tantos bodes-expiatórios, do diabo cristão ao “estrangeiro” de outro credo ou outra raça. Mas os ecorpianos, com personalidade tão forte, se deixariam envolver neste papel imposto e opressor? Não parecem ser o tipo que aceitam a culpa que não lhes cabe.

Não, não aceitariam o papel. A menos que lhes fosse interessante. E é.

Imaginem, por exemplo, os curandeiros de todos os tempos, pessoas dotadas de alguns conhecimentos e talentos especiais ou incomuns. Normalmente habitavam a periferia das cidades: de um lado a civilização, do outro a vida selvagem circundante. Simbolicamente coerente, estando ele no papel de intermediário entre os humanos e as forças da natureza. As histórias assustadoras que corriam a seu respeito, era o que lhes garantia a paz necessária para seguirem sua vida e seu trabalho, sem serem incomodados por caprichos, para resolverem casos de amor banais, procurarem cachorro perdido, tirarem unha encravada, etc. Só aqueles “desenganados” é que ousavam procurar “o bruxo”.

É uma historinha, que talvez nos ajude a entender os escorpianos que desfilam orgulhosos sua carapaça de “menino mau”, “fora!”, “fique longe”, “estou avisando...”. Uma forma de proteção?
Estamos mais perto de entender melhor a popularidade dessa turminha. Pessoas marcadas por Escorpião são profundamente humanas. E ao sermos profundamente humanos, a primeira coisa que nos damos conta, é de nossa mortalidade e vulnerabilidade. Ser vivo significa sentir, tudo o que se sente, inclusive (claro) dor e morte, como os frutos pelo chão, as folhas mortas, a ferroada, o veneno da serpente.

A maior parte de nós aprende a dedicar a vida a criar estratégias para evitar essas coisas. Mais do que evita-las, nos esforçamos para tirá-las de nossas vistas. Com isso, é comum vivermos como se fossemos imortais: adiando para amanhã, ocupados com mesquinharias, mergulhados em auto-importância e, sem se dar conta, morrendo por nada que valha a pena.

Escorpião se apercebe disso, e recusa. Escorpião ainda percebe que não há como tirar da pele a possibilidade de ser ferida sem tirar-lhe a possibilidade de ser tocada, de ser acariciada, de ser beijada, de ser marcada. O poeta (Renato Russo) colocou na canção a idéia budista de que “toda a dor vem do medo de não sentirmos dor”.

Assim, as pessoas fortemente marcadas por escorpião vivem às voltas com o desejo de intensidade, e ao mesmo tempo, com a ameaça de sentir além do que podem suportar. E encontram muita vida nesse jeito de morrer a cada dia.

Detestam superficialidades e banalidades, como absoluto desperdício de vida. Por olharem de frente para tudo o que assusta ao ser humano, aprendem e sabem muito sobre eles. Pode controla-los se quiser. Pode transformá-los se quiser. Instintivamente entendem tudo sobre vulnerabilidade.

É muito difícil enganar tal pessoa. Se temos sob nossa educação um filho de escorpião, é importante não deixar que cresçam com o entendimento de que as pessoas à sua volta são mentirosas e controladoras: “mentirinhas para crianças” devem ser muito evitadas em relação a estas crianças observadoras, e não se deve prometer sem que se possa cumprir.

Se o ser que traz a marca de escorpião se convence que o mundo e as pessoas são perigosas, será tudo o que diz a caricatura desse signo que ouvimos por aí: “quando sou bom, sou bom, mas quando sou mal... sou melhor”.

Mas se eles aprendem que não há nada a temer – apesar do mundo e as pessoas serem de fato perigosos – eles têm um potencial de entrega inigualável. Eles sabem pelo que, e como, vale a pena morrer. São dotados de uma força de vontade poderosa, e são obstinadamente apaixonados.

Em ambos os casos, não fecham os olhos para tudo o que é humano, especialmente o que é tabu, o que não se gosta de falar nos jantares elegantes, o que se coloca debaixo do tapete: sexo, morte, doença, o que for.

A pergunta que fica é se essas coisas – sexo, morte, doença, dinheiro, poder, crime e toda a sorte de paixões humanas – são feias em si, ou se ficam feias pelo jeito em que são tratadas no nosso modo de viver de falsos imortais entre jantares elegantes?

Com escorpião existe a recomendação de que o melhor é assumirmos que nunca somos suficientemente sinceros e honestos conosco mesmos, mas que ainda assim, é tudo que se deve tentar sempre.

Está em escorpião o melhor antídoto contra a hipocrisia. Alguém diria que isso não é bom? Mas não é preciso observar muito para ver o quanto isso incomoda.