Há meses eu não ia à sua casa, embora a mesma fique bem próxima a minha e eu tivesse tempo, -e antes que me julguem como um péssimo neto- eu sentia que eu não estava pronto pra ir “pleno”. E eu estava certo.
Ontem eu me senti semi-vazio no coração, e fui. Precisava entregar um controle de TV que meu pai comprou pro meu tio, já uni a motivação com a função e fui. Fui inclusive com a câmera analógica, na intenção de fotografá-la. Mas acabou nem acontecendo.
Cheguei e não havia luz. O que acabou com todo o mistério e graça da surpresa, pois ela estava deitada e só me reconheceu quando acendi a lanterna do celular. E aliás, ficou impressionada com a tecnologia.
Após algumas horas de conversas e ela me mostrando o toca-discos que ela sempre me pede pra consertar, afinal, se eu trabalho com “coisas de televisão, eu devo saber arrumar um rádio”. Como sempre, depois de explicar que não entendo dessas coisas, prometo falar com o cara da “Casa das Antenas” que talvez saiba arrumar. Eu sempre esqueço. (Talvez eu não seja mesmo o melhor neto do mundo). Estamos assistindo TV, criticando as novelas. Ela sempre entra na minha e fica questionando os diálogos e as motivações com ironia, e as vezes até me explica coisas que eu nem percebi sobre o enredo. Coisa de quem entende.
Novela acaba, começa outra, estamos assistindo malhação. Ela até me perguntou se ainda era a mesma novela. Seguimos no nosso jogo de criticar a história bizarra de pais e filhos e suas rixas entre colegas, quando algum personagem dá um “selinho” no outro, coisa que eu nem pensei em comentar, já esperando o desfecho da cena. Minha vó diz “Ah! E sua avó, que nunca deu um beijo na boca?”. Demorei alguns segundos pra processar a informação.
Ela me disse que antigamente isso era muito feio de se fazer durante um namoro, e muito mais antes de um. E isso serviu pra ela me contar sobre uma paixão que ela não viveu, que era anterior ao meu avô. De um homem que saiu de onde eles moravam no nordeste, e veio trabalhar em São Paulo. Ela trocava correspondências com ele, e a cada 15 dias as cartas chegavam. Por um mal entendido, ela acabou se prometendo casar com o primeiro que pedisse, que foi, meu avô.
Eles se casaram e algum tempo depois decidiram vir pra São Paulo. Meu avô já tinha dois filhos, um casal. A filha acabou se separando deles no meio do caminho, algo que talvez tenha acelerado o alcoolismo do meu avô, mas essa é outra história, pra outro momento.
Minha avó, aos seus noventa e tantos anos, depois de ter sete filhos, me disse que meu avô nunca a beijou, que o que era costume era um “cheiro” no pescoço e carícias parecidas.
Toda a relação dos meus tios, pai e meu avô com minha vó são outra história. Decidi relatar toda essa história só por uma frase que ela me disse, e que saiu tão espontânea que eu me segurei pra continuar “frio” enquanto ela me contava.
Enquanto minha vó falava sobre todos os empecilhos dessa relação que não aconteceu de fato por problemas de comunicação, ela disse no meio de tudo: “Um amor não vivido é como um sonho dentro do seu coração, que te mata um pouco por dia”.