UMA ARTE
A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! e nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
— Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
Bishop, Elizabeth.
Tomando um café agorinha mesmo, folheando uma revista. O ar já está com aquele cheiro de outono, um ventinho manso soprando, às vezes mais "nervoso", fazendo voar guardanapos. Sol ameno, morno, caliente.
Chama a minha atenção um texto sobre lugares sagrados. Linda escrita, envolvente, traz para a minha consciência a idéia de que "local sagrado" é dentro da gente mesmo.
Desde de a minha segunda gravidez tenho praticado a meditação. Adoro a forma como a Cidinha coloca esse ritual: "é para exercitar o músculo do deixar ir". Faz todo o sentido para mim.
A imagem que projeto é a de um coração em partes, aconchegado para tomar sua própria forma. Sem pressão, as partes soltas, apenas se aproximando. Meu "eu" se juntando. E nesse momento as demais coisas soltas, livres, com direito a seguir seu caminho, ir para onde quiser. É uma boa imagem. Exercito o tal músculo. E funciona. Tem funcionado.
Então decidi fazer experimentos com esse novo coração "ajuntado"... Paradigmas.
Paradoxos.
A vida coloca experiências no seu caminho, experimentá-las ou não cabe a você decidir.
Minha natureza é irriquieta. Honesta também. A partir do momento em que algo "pula para o consciente" sou incapaz de empurrar para baixo do tapete novamente, disfarçar, mentir, ludibriar.
Será que esse coração ajuntado consegue sentir sem fronteiras? Sem limites? Sem muros? Sem barreiras? Apenas sentir o que é bom sentir?
Descubro que é possível sim.
E então abri meu peito, meu "local sagrado" e permiti que a energia fluisse, expandisse, contaminasse, envolvesse o mundo ao redor. Toda a força que usei para manter as partes coesas emanou para fora desse coração ajuntado. E ele permaneceu íntegro. E foi muito bom. Intenso. Paradigma rompido.
Mas...
Paradoxo: liberdade compartimentada ainda é liberdade? Liberdade espremida. Liberdade "pisando em ovos". Liberdade punida pois foi livre demais. Liberdade vigiada. Liberdade contida. Tudo isso é prisão, é regra, é limite.
E aquele coração exposto, delicado foi machucado. O local sagrado foi profanado.
Porque se não existe nada, não existe definição, é só o sentir, como isso pode ficar contido dentro de algo? Escondido? Pervertido como algo sujo, imoral?
Triste...
Estou entristecida hoje...