LIÇÃO 03
– UMA LEMBRANÇA ALEGRE!
INTRODUÇÃO
No presente estudo, estaremos iniciando a
longa e proveitosa análise do abrangente e rico trecho de Fp 1:3-11. Tendo em
vista a enormidade de tal perícope, decidimos analisá-la em três lições distintas. Na presente
lição, estudaremos os vv. 3 a 5, a parte onde encontramos a ação de graças de
Paulo.
1.
GRAÇAS, AO LEMBRAR DOS CRENTES FILIPENSES
A primeira tarefa sobre a qual nos
debruçaremos neste estudo é a análise da sentença do v. 3, “Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós”. Era comum,
nas missivas antigas, que a saudação fosse seguida por alguma expressão de
estima da parte do escritor pelos destinatários da mesma, normalmente com
alguma expressão de ação de graças aos Céus ou aos deuses, por motivo da boa saúde
ou da fortuna dos endereçados, com a expressão do desejo que essa situação perdurasse.
Assim sendo, pode-se ver que Paulo usou essa forma literária; contudo,
mostrou-se sincero, não querendo apenas
copiar uma forma costumeira, de forma mecânica. Tal forma literária aparece
ainda aqui, incluindo uma palavra geral de apreciação, dirigida a Deus e em memória
aos leitores originais do apóstolo, pois esses leitores lhe eram uma bênção e
eram reputados como importantes para ele.
Além disto, temos aqui uma lição preciosa: ao
se lembrar dos crentes filipenses, o apóstolo pode dar graças a Deus. Sem dúvida alguma, atitude nem sempre presente
em nossos dias, uma vez que, na maioria dos casos os pastores apascentam “gemendo”
(cf. Hb 12:17). Triste, mas inegável realidade!
2. DOU
GRAÇAS AO MEU DEUS
Importante notar que Paulo acrescentou, aqui,
o termo pessoal “meu Deus”, tal como
o faz também em At 27:33; Rm 1:8 e Fm 4.
Em seu isolamento, no cárcere, ele se sentia mais cônscio ainda de suas relações
íntimas com Deus, bem como do quanto dependia do Senhor. Sem dúvida, é o desenvolvimento
espiritual que leva o crente a ter esse ponto de vista sobre Deus. Para a
maioria das pessoas, a ideia de Deus é apenas um conceito abstrato. É
extremamente difícil alguém amar a Deus dessa maneira. É na Pessoa de Cristo, que se torna pessoal
cada vez mais para nós, que aprendemos a amar a Deus; e então a alma pode subir
de nível, passando a contemplar e a amar a Deus diretamente; mas essa não é uma
experiência comum. É certo que todos os homens podem amar a outros homens; e
isso e uma maneira indireta de amar a Deus, conforme Mt 25:35.
Necessário, ainda, analisar a expressão “por tudo”, pois tal forma de agradecimento é
incomum. Trata-se, portanto, de mais um ensino prático, pois a esmagadora
maioria dos fundadores de Igrejas locais e de seus pastores podem lembrar-se de
muitas coisas desagradáveis acerca das pessoas com quem tem estado associados,
como suas desavenças, seus conflitos, suas maledicências, suas criticas
injustas, suas incompreensões, suas indiferenças, sua falta de apreciação, sua ausência
de dedicação e de busca espiritual verdadeiras. Não é o caso de Paulo, que dá
graças por tudo. Um grande e desafiador ensino!
3. POR
TUDO QUE RECORDO DE VÓS
Necessário analisarmos a expressão “que recordo de vós”, pois o grego diz,
literalmente, “em cada memória”, na forma nominal μνείᾳ mneía, embora algumas traduções
digam “em toda a minha memória”, que encerra a mesma ideia. Essa memória era
daquilo que Paulo se lembrava daqueles crentes, e talvez aluda à “sua oração a
Deus”, na qual ele se lembrara de orar por eles. Dessa maneira é que a frase é
usada em 1Ts 1:2. Alguns opinam que devemos entender aqui “por vossa gentil lembrança”,
como se Paulo quisesse fazer alusão à dádiva que os filipenses lhe tinham
enviado. Assim, pode-se imaginar o sentimento daquelas pessoas “comuns”, ao
serem informadas de que o homem que suportava a carga inteira das primeiras Igrejas
em seu coração se sentia grato, em cada oportunidade que se lembrava delas. É
algo magnífico que cada um de nós saiba que está sendo lembrado por alguma
influência inconsciente. Tal lembrança, ao invés de fomentar nosso orgulho
tolo, tende antes por despertar em nós uma humildade agradecida, do que se originam
uma nova coragem e uma nova aspiração. Todos sabemos com que senso de gratidão recebemos
qualquer pequena recomendação de um ou de outro, o que evidencia o fato que tomaram consciência de nossa existência,
e nela vêem algo de importante. Quão mutuamente dependentes somos nós, uns dos
outros! De fato, existe aquela redenção que nos leva de volta, através de
amigos íntimos e entes amados, até Cristo, a quem podemos ver, e até Deus, a Quem
não podemos ver. Como alguém já asseverou, “a gratidão é a memória do
coração”.
4.
FAZENDO SÚPLICAS POR TODOS VÓS
Paulo afirma que suas orações em favor dos
crentes de Filipos incluía toda a Comunidade dos remidos, pois ele diz que elas
eram “por todos vós” (ARA). Paulo
declara a seus leitores, em linguagem enfática, que orava incessantemente em favor deles, e que jamais deixou de incluí-los
em suas petições. A expressão “todos vós” ocorre também no v. 7 (por duas
vezes) e no v. 8, ambos deste capitulo; ou seja, por nada menos de quatro vezes
nesta breve secção, que enfatiza o quanto ele incluía a todos em seus pensamentos,
em suas memórias e em suas orações. Esta atitude se harmoniza
perfeitamente com o fato que o crescimento e a maturidade espiritual devem
envolver o corpo inteiro, visto que
um membro não pode desenvolver-se sozinho, enquanto outros permaneçam na estagnação,
porquanto isso produziria uma
monstruosidade. Nada há de formal nessa forte ênfase sobre o quanto o apóstolo
Paulo orava pelos crentes filipenses. Antes, há aqui uma expressão espontânea.
Ora, a oração se escuda na confiança que Deus entra em contato com os homens,
que Deus Se interessa por eles, e que as circunstâncias podem ser modificadas
ou melhoradas através da oração; e a oração é um ato criador, porquanto se vale
dos poderes criadores de Deus, e não dos poderes humanos. Paulo cria nesse fato real, não apenas de maneira teórica;
por essa razão, era homem de oração; ele falava
sobre e praticava oração!
A mesma palavra grega, δέησις déesis, é usada para “oração” e “súplica”. A
primeira menção, oração, se refere
de modo geral a todas as orações, e
a segunda, súplica, se refere particularmente
aos pedidos específicos do apóstolo.
Pode-se observar o artigo definido, no original grego, que acompanha a segunda menção
dessa palavra, definindo-a como pedidos específicos.
Essa mesma distinção entre geral e particular aparece no trecho de Ef 6:18,
embora ali figurem termos gregos diferentes. Assim sendo, podemos dizer que uma
súplica é um pedido especifico, contido dentro de uma oração.
5. ORAÇÕES
E SÚPLICAS ACOMPANHADAS DE ALEGRIA!
Além disto, o sentimento de Paulo, ao
lembrar-se deles diante de Deus, com orações e súplica, era de alegria. Temos aqui um ponto muito
interessante em Filipenses. Paulo afirma que suas orações e súplicas pelos
destinatários da Carta, havia um adicional
inusitado, elas eram acompanhadas de “alegria”.
A expressão “com alegria”, sem dúvidas, é uma das notas chaves da presente Epístola,
pois conforme largamente aceito, a súmula desta Carta é “Regozijo-me, regozijai-vos”.
No grego temos o vocábulo χαρά chará, “alegria”, “estado
de regozijo”, também usado para indicar um “banquete” ou um “banquete festivo”,
ou ainda para indicar a pessoa ou a coisa que causava alegria (cf. Fp 4:1). No
trecho de Hb 12:2 vemos que Cristo suportou tudo quanto sofreu a fim de atingir
esse “estado de regozijo”.
O fato que a “alegria” é uma das notas chaves
desta Epístola se torna ainda mais significativo quando nos lembramos que ela
foi escrita estando seu autor encarcerado. Paulo e Silas entoaram hinos de
louvor, estando aprisionados em Filipos (At 16:25). Mas, afinal de contas, a “alegria”
é um dos aspectos do fruto do Espírito Santo, é uma graça cristã, implantada
pelo Espírito de Deus na alma crente. De conformidade com a definição neotestamentária,
trata-se de um senso de bem-estar e felicidade, que independe de quaisquer condições terrenas e físicas, sobre as quais
circunstâncias a alegria terrena normalmente se alicerça.
Podemos ver aqui três passos no desenvolvimento do pensamento: primeiro, o apóstolo jamais se lembrava deles senão com um senso de
ação de graças; segundo, ele se
recordava deles de cada vez que orava; e, terceiro,
essa lembrança sempre foi uma fonte de alegria para ele mesmo, levando-o a
mostrar-se grato para com Deus!
.
6. PELA
VOSSA COOPERAÇÃO A FAVOR DO EVANGELHO
A palavra “cooperação”, no grego κοινωνία koinonía, é a mesma palavra
muitas vezes traduzida por “comunhão”, e aqui se refere às ofertas em dinheiro
que os crentes filipenses tinham enviado ao apóstolo, e talvez também inclua o
modo como haviam labutado ao seu lado. Mas isso é um conceito por demais
limitado, pois tal termo tem o sentido básico de “compartilhar”, e, portanto,
de “ter associação”; mas também envolve as ideias de “generosidade”, de “altruísmo”,
de onde se derivam ainda as ideias de “compartilhar de algo”, como de uma “oferta”
ou “dádiva” (cf. Rm 15:26). Assim sendo, uma vez que esta Carta aos Filipenses
era essencialmente a expressão da gratidão de Paulo pela oferta em dinheiro que
lhe tinham enviado (cf. Fp 4:10,14), é
evidente que essa ideia está incluída aqui,
embora não seja a única ideia em foco. Afinal,
sabemos que os crentes filipenses tinham feito ainda mais em prol de Paulo do
que isso, e a comunhão deles com ele
era mais do que meramente financeira.
Portanto, além de referir-se à participação em suas possessões, ele alude,
também, à comunhão que eles tinham uns com os outros, como crentes que eram,
bem como a comunhão que tinham todos eles “em Cristo”, e ainda, alude a como
isso se manifestava na cooperação deles com Paulo, no Evangelho, porquanto o
ajudavam com suas ofertas em dinheiro e trabalhavam lado a lado com ele.
7.
DESDE O PRIMEIRO DIA ATÉ AGORA
A narrativa de At 16 mostra-nos como Paulo
nem bem iniciara seus labores em Filipos e como desde os primórdios da Igreja
ali já vários ajudadores ardorosos se tinham aliado a ele. E aquele entusiasmo
original não se baseava em algum capricho ou impulso passageiro. Os crentes
filipenses conservaram a mesma atitude
para com ele. Paulo obteve seus primeiros convertidos da Europa naquela cidade.
Até hoje o Evangelho não desapareceu de todo naquela cidade. A graça de Deus,
portanto, se mostrou permanente, honrado aos primeiros esforços de Paulo e de
seus amigos de Filipos, juntamente com Silas. E note-se que Paulo reconhece o
valor positivo daqueles crentes filipenses. Mais do que isso ainda, Paulo se
mostrava entusiasmado acerca de
qualquer bem que encontrava nos crentes filipenses. Ora, todas essas coisas
constituem lições concernentes a atitude que deveríamos ter no tocante a outras
pessoas, e como essa atitude deveria governar nossas ações para com elas.
Por fim, precisamos notar que a frase “até
agora”, serve para denotar a perseverança
dos crentes filipenses. Ora, sabemos quão rara é a excelência de seguir a Deus
imediatamente depois de sermos chamados por Ele, perseverando com constância até ao fim. Pois existem muitos lentos
e atrasados na obediência, ao passo que há outros que ficam aquém através do
descuido e da inconstância. Assim, as palavras de Paulo servem de preciosa
lição: não é suficiente começar bem;
é necessário perseverar!
8. NO
QUE CONCERNE AO EVANGELHO
Por derradeiro, um outro aspecto ainda a ser
observado nesta perícope é que os cristãos filipenses tinham se mostrado
perseverantes “no que concerne ao Evangelho” (numa tradução livre). Ou seja,
eles se mostraram perseverantes quanto ao apoio aos ministros do Evangelho,
operando com eles na propagação da mensagem cristã, mantendo comunhão com o
mesmo Cristo acerca de Quem fala o Evangelho, permitindo que essa mensagem
transforme seu intimo.
Assim, temos aqui mais uma preciosa lição: trata-se
de grave defeito o fato de que a maioria das pessoas se esmera em serem
pontuais, presentes, dedicados e cuidadosos no que concerne às atividades da vida; no entanto, a
maioria destes se mostra negligente, relapso, reticente e omisso no que
concerne às coisas espirituais, ou
seja, na “propagação do Evangelho”.