Outrora

Publicado: 30/01/2020 em Tripalavras

Eu poderia dizer
que desde então
há dias em que é difícil acreditar
dias quase impossíveis de ultrapassar
eu poderia

poderia dizer
que nunca mais me senti invencível
como naqueles dias

bastava me olhar e o mundo sabia
e as estrelas também
pois quando a tocava
sei que me sentiam

poderia dizer que antes de você
minhas mãos não se conheciam
e que jamais conduziram tal melodia
vulcânica
feito lava adormecida

poderia dizer que o dia em que ouvi dizer
que eu era aquilo que pediu para a vida
foi como fizesse valer
muitos de meus séculos

mas de que adiantaria?
cobrir a página de pretéritos
passados que já não quer olhar
se nem ao menos conseguiria dizer
tudo o que sinto

minha saudade é um substantivo só
mas toda a poesia permanecerá
quando quiser visitar

hoje quero um verso presente

hoje sinto como faltasse um pedaço
mas sei meu coração
parte do universo inteiro
e conheço meu verbo no espaço

dentre tudo o que poderia
tenho aquilo que posso
então digo
sou seu desde o princípio
mas sigo

Nelson Lucyszyn Jr.

 

Na terceira manhã da primavera
a borboleta branca passeia
saudando as flores

No canto do jardim
os pássaros comemoram
a amoreira

O sol parece acordar no mundo
uma vontade de esbanjar

Enquanto minha alma floresce
eu agradeço
Meu coração transborda
todas as suas cores.

 

Nelson Lucyszyn Jr.

 

Mar profundo

Publicado: 09/05/2019 em Tripalavras

Hoje acordei de um sono azul
e encontrei você nua na cama
com seus raios solares
espalhados
pelo travesseiro
Sonhei você de olhos borrados
e a lembrança do batom
da noite passada
Desperta
explorei seus lábios
com meus dedos
sua saliva
com meu beijo
vaguei pelo seu cheiro
pescoço, pelos e poros
em cada palmo do seu território
Respirei em sua pele
a claridade da manhã
e seu perfume natural
leve e urgente
língua e dentes
e na tormenta do sabor
de seus lábios mudos
desvendei a contração dos seus músculos
corrente e arrebentação
Até ouvir o seu chamado
oceânico
e mergulhar
em suas profundezas
no ritmo e violência das ondas
quebrando
paredes, pernas e abismos
enquanto imergimos
no instante
nos olhos
na abstração completa
do mundo.

 


Nelson Lucyszyn Jr.

 

Numa tarde de outubro

Publicado: 08/05/2019 em Tripalavras

Um dia eu ainda atravesso o tempo
vou lá depois de amanhã
quando passar a primavera
e todo esse agora
de silêncios e espaços
Vou chegar sem pressa
como quem já conhece bem o caminho
para dizer que esperei
e esperaria o quanto fosse preciso
só para te olhar
e ver você me olhar, de novo
daquele mesmo jeito

E então diremos novamente
que todo o caminho nos trouxe até nós
e nos amaremos em paz
e voluptuosamente
Um dia eu ainda atravesso
para dizer que esperei
para viver todo o tempo que me resta
ao seu lado
Mas até lá
sou eu e o tempo

 

Nelson Lucyszyn Jr.

 

Quiet lightning

Publicado: 23/01/2019 em Tripalavras

Since your skin
doesn’t leave my mind
and the gold hair
of your arms
keeps shining
behind my eyes
Since i had to hold back
the bite
Since today
i wont feel your lips
and the weight
of your body
over mine
Since the rain is the only one
that will come
this night
Let the sky falls
may it helps to turn down
the fire
you’ve brought here inside

 

Nelson Lucyszyn Jr.

 

Um verso que demorou

Publicado: 23/01/2019 em Tripalavras

A imperfeição das horas
no relógio do pensamento
revela que a máquina
de medição do tempo
de nada serve para mensurar
a duração dos momentos

minutos se disfarçam de eternidade
entregues ao sentir do coração
quando mergulhados dentro do olhar
e da pulsação

dias tardam meses
sob o pendulo da saudade

segundos, perante o ataque,
o risco da morte
desfalecem o ritmo da vida
congelando o instante

quanto tempo leva para passar
quando se tem fome?

e o que esperamos conseguir
com tantas formas de matar o tempo
se nem ao menos sabemos
o quanto ainda temos
e desperdiçamos tantos presentes

agora é tudo o que nos resta
para todo o sempre

 

Nelson Lucyszyn Jr.

Andanças

Publicado: 18/12/2018 em Tripalavras

Meus pés lembram
das pedras
da areia
da água gelada
salgada
e barrenta
do calor das lajotas
e das botas
da brisa
do tecido da rede
e dos lençóis
da grama
e da terra
da montanha sagrada
do concreto
e da bacia
da ardência derramada
da chaleira
do prego e da madeira
de ir sem perguntar
e de pedir pra descansar
dos galhos
das escadas
dos calos
e da dor nos calcanhares
dos colos
e dos pedais
Dos prédios
das ruas
das casas
das igrejas e bares
de todos os lugares
que já me levaram
Conhecem
melhor que eu
meus próprios passos
sabem ser leves
aguentar a corrida
e continuar
querem ir onde nunca estiveram
Meus pés sonham seu destino
nas minhas pegadas.

 

Nelson Lucyszyn Jr.

É curioso pensar hoje em tudo que eu não sabia naquele momento, quando eu perguntei e se? Lembro que senti apenas, desde o primeiro contato, que poderia perder-me, completamente entregue à profundidade dos teus olhos claros. Mas o que eu também não sabia, é que não se tratava tão somente de me perder. Sete anos atrás, quando você iluminou a noite naquela pequena cidade desconhecida, meu coração encontrou uma nova direção. E eu segui. E desde então, é a história que conhecemos.

Mas a brincadeira das narrativas épicas parece ter escapado das páginas, extrapolado a ficção, tornou-se realidade bem diante de meus olhos. E hoje, eu contemplo o realismo fantástico que você vai escrevendo no mundo. Dia após dia, vai criando capítulos de verdadeira magia, transformando a vida ao redor. Impulsiona a mudança, a transposição dos limites. Quero expandir as pessoas, você diz. E pronto, está acontecendo. A energia do seu coração vai semeando por onde passa. Como num conto de fadas, vai pintando cores pelo caminho, enquanto dança. E a música transborda de seu espírito. E sua trilha sonora vai tocando e transportando. Hoje sua vida vira palavra escrita por tanta gente, inspira bonitezas que falam de amor e gratidão. E quando você mesma se dispõe nas palavras, e deixa respirar as histórias que a vida quer fazer contar pelas suas mãos, emociona, encanta e surpreende. Mas não há surpresa. Assim é você, sem esforço. Um existir de sensibilidade e carinho. Um cuidado com as pessoas que não tem medida. Quero que o mundo fique bem, você já disse. E olha, como o mundo é mesmo um lugar tão melhor agora que você se permite iluminar. Enquanto distribui seus encantamentos pelas páginas da vida, e cuida para que cada pessoa de bem que se aproxima seja um tanto mais feliz daquele parágrafo em diante, o universo vai cuidando de que todas as portas se abram, em sincronia, sem precisar de abracadabra. E é de uma indescritível satisfação observar toda essa expressão da beleza da vida, da força criativa, que se manifesta em você, e a partir de você, nessa história que está contando.

Ainda hoje eu não sei escrever fantasia, mas depois de tantas outras perguntas e respostas, quero dizer que encontrei em você uma poesia infinita.

 

Nelson Lucyszyn Jr.

 

Ferro Velho

Publicado: 18/12/2018 em Tripalavras

Os estilhaços
de minha distração
Espalham-se
sobre nós

Céu estrelado
no banco do carro

No intervalo
da busca por pedaços
um beijo

Desejo teu corpo
entre os destroços

 

Nelson Lucyszyn Jr.

 

Retrato

Publicado: 02/08/2017 em Tripalavras

Em que pedaço do retrato
teus sonhos, angústias
tudo aquilo que sentia
naquele dia
ficou gravado?

as portas dos teus olhos
ficaram ocultas da eternidade
quando escolheu olhar para baixo

quanto passado já havia ali guardado?

e depois dali foram tantos quartos
quantos corpos
alguns corações

Amou tudo que havia para amar
enquanto restava tempo
uns menos, outros muito
e ainda resta um pouco mais

mas depois de milhares de dias
tudo não parece tão distante
daquele que ficou registrado

aquele do retrato
andou por todo lado
e a foto de hoje
guarda muito mais passado

 

por Nelson Lucyszyn Jr.