Os sonhos não envelhecem – Márcio Borges (03/2023)

os_sonhos_nao_envelhecemMárcio Borges, um dos mais importantes letristas que surgiram do movimento Clube da Esquina, traz esta biografia que na verdade são várias. Como linha principal é antes de tudo uma biografia “semi-autorizada” de Milton Nascimento, o maior expoente do movimento. Mas é também uma autobiografia. E uma biografia do movimento em si (que gestou ou deu exposição a uma penca de músicos fantásticos). E uma biografia da família Borges (da qual também faz parte Lô Borges, irmão de Márcio e outro expoente do movimento). E infelizmente é também uma “biografia” de um momento triste da história do Brasil.

É óbvio que, com Marcio sendo responsável por letras como Clube da Esquina 2 (que segundo ele era pra ser um instrumental de Milton e Lô e ele letrou “às escondidas” – e cujo um verso dá nome ao livro), Um Girassol da Cor de Seu Cabelo (devidamente explicada no livro) e Viola Violar (uma exemplo de fora do álbum Clube), o texto não deixaria de ser maravilhoso, em termos de estética e formatação.

Daqueles livros que a gente não consegue parar de ler, ao mesmo tempo em que precisa ser apreciado, e não devorado (hmmm….já usei esta idéia em The Invention of Solitude). Então coloque o disco do Clube para rolar na “vitrola” (caso você consiga ler e ouvir música ao mesmo tempo – algo que não consigo mais) e aprecie o livro com ou sem moderação.

P.S. minha opinião sobre o livro não foi, de forma alguma, enviesada pelo fato de eu achar o movimento Clube da Esquina o mais importante da música brasileira. Juro!

Be happy 🙂

Queda Livre: Ensaios de Risco – Otávio Frias Filho (02/2023)

 

queda_livre_ensaios_de_riscoO autor, Otávio Frias Filho, foi durante muito tempo diretor de redação e edição (não ao mesmo tempo) do jornal Folha de São Paulo e do Grupo Folha (ao qual o jornal até hoje pertence), respectivamente. Apesar de ter formação em direito (com pós-graduação em ciências sociais), provavelmente por ter trabalhado toda a vida na imprensa, tinha um texto que não deve nada a jornalistas de formação. E isto fica muito claro e notório em “Queda Livre: Ensaios de Risco”, uma coleção de 7 ensaios resultantes de experiências a que Otávio se propôs, tanto com o intuito de produzir reportagens “imersivas”, mas principalmente para se desafiar.

“Queda Livre”, o primeiro dos ensaios, relata um salto de paraquedas. “Viagem ao Mapiá” (o segundo) as experiências com o Santo Daime. No terceiro ensaio, “A bordo do Tapajós”, a experiência de passar um dia dentro do submarino brasileiro Tapajós. Estas três experiências e seus respectivos textos são interessantes, mas ao menos para mim são ensaios e desafios sem muito apelo, que poderiam ter sido encarados por qualquer outra pessoa, jornalista ou não, e que renderiam textos de qualidade. É uma leitura interessante, acima da média, mas ainda assim não me deixaram aquela sensação de “que baita texto!”

A partir do quarto ensaio, “O Terceiro Sinal”, é que o livro realmente começa a se diferenciar para mim. Neste ensaio, ele conta sua experiência em atuar no Teatro Oficina, do recém falecido Zé Celso. Nesta experiência Otávio parece realmente se entregar de corpo e alma. E é também onde ele começa a se entregar para o leitor.

O quinto texto, “No Caminho das Estrelas”, a experiência encarada e entregue é de percorrer o caminho de Santiago de Compostela. Com certeza existem muitos relatos e livros sobre esta experiência, mas novamente Otávio se entrega e se abre para o leitor sem reservas, o que, juntamente com o texto muito bem escrito, torna a leitura deliciosa.

Mas o ápice da coleção são os últimos dois ensaios.

Em “Casal Procura” o autor se joga no “submundo” dos tabus sexuais: voyerismo, trocas de casais, sexo grupal, sexo com desconhecidos, entre outros. O autor novamente se abre, expondo a desilusão amorosa que o levou a explorar este mundo (ao ponto de ficar viciado!). Não estou fazendo juízo de valor quando usei “submundo”, mas foi a palavra que achei para delinear práticas que não são aceitas e/ou bem-vistas pelas sociedades, especialmente a hipócrita sociedade brasileira.

O último ensaio, “O Abismo”, é o mais denso de todos. Nele o autor narra sua experiência como voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida). Novamente o autor se abre, expondo seus próprios demônios. E mesmo fazendo relato de uma experiência ligada a um tema tão pesado como o suicídio, Otávio consegue fazer um texto que ao mesmo tempo ameniza mas ainda consegue dar a devida gravidade ao assunto.

Uma outra coisa que eu gostei do livro (até nos três primeiros textos – os que eu achei “comum”) são as inserções de história, filosofia, literatura, tudo muito bem referenciado (só faltou ter nota de rodapé!). Mania de jornalista ou advogado?

Be happy 🙂

Não Verás País Nenhum – Ignácio de Loyola Brandão (01/2023)

nao_veras_pais_nenhumA única obra do Ignácio de Loyola Brandão que eu conhecia até pouco tempo era “O Verde Violentou o Muro”. Achei o texto dele muito bom, mas este livro é uma coleção de pequenos textos que ele escreveu sobre os períodos em que morou ou visitou Berlin (a cidade mais legal do mundo!). Não sei por que cargas d’água (ou ao menos não me lembro porque) “Não Verás País Nenhum” entrou na minha lista de livros em Português a ser adquirida quando fosse ao Brasil. E ainda bem que entrou.

Um breve resumo desta distopia tupiniquim (que não deve em nada para 1984): após um golpe de Estado, conhecido como “A Grande Locupletação”, um regime autoritário se instala no Brasil (o regime é conhecido como “Esquema”). Toda a produção (cientistas) e disseminação (professores, jornalistas) de conhecimento foi sendo abolida aos poucos pelo regime.

Aos poucos, o país foi sendo desmantelado e as partes vendidas a outros países ou corporações internacionais. O que sobrou se concentra na região sudeste (a história se passa na Grande São Paulo). Neste resto de Brasil, os recursos naturais estão praticamente esgotados e o pouco que resta ou é direcionada para uma elite formada pelos Militecnos (militares que compõem toda a espinha dorsal do Estado, porém “não tem cérebro, tampouco coração”) e pelos “Os que se Locupletam” (não ficou claro quem seriam, mas o livro dá a entender que seriam uma pequena elite não militar formada pelos poucos milionários e políticos que restaram).

A maior parte da população sobrevive através de alimentação sintética (alimentos “factícios”) e vive nas grandes cidades, em apartamentos minúsculos, convivendo com lixo acumulado e tendo todo o seu deslocamento estritamente controlado.

Nestas grandes cidades, a “segurança e ordem pública” é garantida pelos Civiltares, que basicamente são civis armados (a população passa metade do tempo rastejando, tentando evitar os tiros e as “bombas de efeito desmoralizante” dos milicianos Civiltares) que “combatem o crime” (ou o que eles determinam como crimes). E aí, por exemplo, quando eles devolvem uma carteira furtada, já fazem o acerto de sua “taxa” ali na hora (“para evitar burocracia”) e dão um sumiço no meliante.

Todo o fluxo de informação é controlado pelo Estado (através dos Militecnos) e evita-se “notícias ruins” (e aí de quem “torcer contra”). Todos devem “regozijar-se com o ouro dos garimpos, com a madeira que se pode exportar, com as safras imensas das terras férteis [que também são exportadas]”.

Notaram alguma semelhança com o Brasil de 2019 até 2022? Querem mais? O sobrinho do personagem principal, Souza, é um Militecno que tem um problema intestinal (provavelmente causado pelos alimentos sintéticos – como vários outros adultos da mesma geração) e anda com uma “bolsa de cocô” (bolsa de colostomia).

Sim, o livro publicado pela primeira vez em 1981 parece ser o guia, a bussola, a bíblia do Bolsonarismo. Também tem algumas passagens que lembram The Handmaid’s Tale (que foi lançado em 1985). Tem até citações similares ao “Arbeit macht frei” do nazismo sendo empregada pelo Esquema (o Roberto Alvim curtiu isto!).

E apenas citei algumas das “coincidências”. Se bem que a impressão que tenho é que na verdade todo o livro serviu mesmo como um manual de instruções para o horror que se instalou no Brasil nos últimos anos.

Demorou pra Netflix transformar o livro em uma série!

Be happy 🙂

War and Peace and War – Peter Turchin (06/2022)

war_and_peace_and_warCom o subtítulo de “The Rise and Fall of Empires” (a ascensão e queda de impérios – numa tradução livre) e usando conceitos e técnicas da cliodinâmica, uma área multidisciplinar que tenta explicar a história através de vários pontos de vista (econômico, cultural, demográfico, etc.) e usando várias ferramentas das ciências exatas, Turchin tenta elucidar quais são as circunstâncias que possibilitam a ascensão de impérios. E quais são as circunstâncias que levam estes mesmos impérios ao fim.

Segundo a hipótese de Turchin, a principal razão para ascensão de impérios é a coesão social: uma sociedade onde seu povo se vê como uma nação, com os mesmo objetivos e anseios, e onde existe confiança entre os membros, tem a chance de se expandir e conquistar, muitas vezes absorvendo, outras nações cuja coesão não é tão forte. Do mesmo modo, quando o tecido social começa a se esfacelar, são grandes as chances de um império ruir.

O autor se baseia bastante no conceito de assabia, muito divulgado pelo pensador tunisino Ibne Caldune durante a expansão islâmica ocorrida no século XIV. A expansão islâmica em si já traz um dos fatores geradores de coesão: a religião. Além do exemplo do Islã, as próprias cruzadas e a consequente expansão da Igreja Católica são claros exemplos de expansão imperial baseada em coesão motivada por razões religiosas.

Turchin também explora um pouco a religião como um fator que pode aumentar a assabia entre indivíduos que não partilham da mesma localização geográfica, língua e etnia. Cabem às religiões também serem um dos fatores com capacidade de aumentar a assabia nos dias de hoje, já que alguns dos outros fatores (como as “faulty lines” – explicadas abaixo) são mais difíceis de ocorrer atualmente.

Um outro fator histórico que sempre gerou aumento de assabia, e que Turchin argumenta ser o fator principal responsável pela ascensão dos impérios Romano, Russo, Mongol, e a maioria dos demais impérios surgidos até cerca de 500 anos atrás, eram as disputas por recursos. Estas disputas ocorriam normalmente no que ele chama de “faulty line”, que é a fronteira onde as civilizações se chocavam e, portanto, disputavam recursos.

O grupo que conseguia maior coesão, via de regra, subjugava o grupo com menor coesão, e assim movia esta fronteira adiante, aumentando desta forma sua nação até encontrar uma outra fronteira com outra civilização. E então as pressões se reiniciavam. As nações que viraram impérios foram as que mais conseguiram expandir estas fronteiras enquanto absorviam os povos subjugados. O “nós contra eles” é o principal fator de coesão nestes casos.

E então ocorre o ciclo de decadência: depois de se expandir, começam disputas internas, na maioria das vezes causadas pelo aumento da população e consequente redução proporcional de recursos (terras e alimentos), além de disputas causadas também pela concentração de renda (pessoas que ascenderam à burguesia, acumulando posses, contra pessoas comuns, não proprietários de terra). De acordo com Turchin, o ciclo total de ascensão e ruína de um império dura cerca de um milênio.

Porém dentro deste ciclo maior existem vários microciclos, de expansão (alta coesão social) e contração (baixa coesão social), que duram cerca de um século cada (aproximadamente 3 gerações): ocorrem o aumento populacional e a concentração de renda, iniciam-se os conflitos internos, com subsequente redução da população (tanto por conta dos conflitos, quanto também pela escassez de recursos), o que gera um aumento dos recursos per-capita. Outro fator para redução dos conflitos é o fato das pessoas literalmente se cansarem de matar uns aos outros. Só que após um novo miniciclo de expansão, os mesmos problemas de falta de recursos e desigualdades voltam a ocorrer. Além disto, a memória das dores do conflito se esvai. E aí inicia-se um novo miniciclo de contração.

O livro é um pouco antigo (2006), então ainda não haviam ocorrido as transformações que levaram o mundo aos choques existentes na atualidade, que ultrapassam fronteiras geográficas e mesmo as religiões. Estes conflitos ocorrem basicamente entre parcelas “integracionistas” (que querem integrar os diferentes – e se integrar aos diferentes) e parcelas “isolacionistas” (que querem que os diferentes se mantenham em suas “bolhas” – e que a sua bolha tenha mais privilégios que as demais) das populações. É o embate cidade X interior, progressistas X conservadores, população jovem X população de maior faixa etária, que vemos em diversas sociedades, especialmente nas democracias liberais ocidentais.

O assunto é interessante, mas o livro, sendo resultado de um trabalho acadêmico, é um tanto cansativo. Então não indicaria para quem realmente não é um aficionado por história (ou especificamente história de impérios, ou de alguns impérios).

Be happy 🙂

Heresia – Betty Milan (05/2022)

heresiaAntes de falar sobre o livro em si, vou primeiro fazer o “disclaimer”: eu acho que as pessoas deveriam ter autonomia para fazerem o que quiserem com os seus corpos e suas vidas, desde que as decisões sejam tomadas dentro de plenas capacidades mentais e sem pressões externas. E isto inclui até abdicar da própria vida em si.

Este romance, que tem como subtítulo “tudo menos ser amortal”, trata justamente da questão de até quando devemos prolongar a vida, ou no caso a sobrevida, de pessoas com doenças terminais ou em idade avançada. O livro conta a história de Lúcia, encarregada de cuidar da sua mãe, quase centenária e em estado avançado de Alzheimer.

Basicamente todo o romance gira em torno do sofrimento e da perda de dignidade da mãe da narradora, mas também do sofrimento e da perda de dignidade e liberdade do familiar (geralmente uma mulher) responsável pelos cuidados, já que internar em uma instituição ou então contar somente com profissionais seria um absurdo (segundo a cultura brasileira, pelo menos). E interromper a vida, mesmo a própria, é uma heresia (“só quem pode tirar a vida é Deus!”).

Em alguns momentos, por conta do mote e das discussões filosóficas, me lembrou o maravilhoso As Intermitências da Morte, do Saramago.

Apesar do assunto denso, a autora conseguiu colocar mesmo as situações mais “pesadas” de uma forma que, acima de tudo, nos faz refletir. Talvez o fato de Betty ser psicanalista tenha influenciado bastante. Eu particularmente gostei do livro, mas não sei se recomendaria para todo mundo. Acho que poucas pessoas estão preparadas para este tipo de reflexão.

Be happy 🙂

White Fang – Jack London (04/2022)

white_fangQuando escrevi sobre The Sea-Wolf, comentei no final que o Jack London não havia me cativado, mas que iria dar uma chance para White Fang num futuro não tão próximo. Como recebi um e-mail da Amazon com uma promoção do livro resolvi aproveitar e dar esta chance em menos tempo do que eu esperava.

A estória começa narrando a jornada de dois sujeitos encarregados de levar um caixão através das paisagens do noroeste da América do Norte durante o rígido inverno da região usando um dog sled, aqueles trenós de neve puxados por cães que vemos em filmes e desenhos. Na sequência, a narração logo muda de perspectiva e passa a narrar a jornada da matilha de lobos famintos que perseguia o trenó.

Nesta segunda fase da estória, o narrador descreve as situações que a matilha enfrenta durante o inóspito inverno e a escassez de presas. Ao final do inverno e com a matilha se espalhando, o foco recai sobre She-Wolf, uma híbrida de cão com lobo que fazia parte da matilha, os potenciais parceiros que a cortejam e a disputa (mortal) entre estes. Quando sobra somente um lobo após estas disputas e o casal finalmente copula, a estória novamente muda de perspectiva, desta vez para o “ponto de vista” do único filhote a sobreviver – White Fang.

É nesta fase, que abrange mais da metade do livro, que a estória fica interessante, com o narrador “traduzindo” toda a fase de aprendizado, o desenvolvimento da lógica e dos instintos, e até os sentimentos de White Fang.

No final achei mais interessante do que The Sea-Wolf, talvez por ser uma leitura mais fluída e com menos termos técnicos (e náuticos), apesar de ter tido que, em algumas vezes, recorrer ao Google para esclarecer algum termo de época ou regionalismo. Mas ainda assim, não é uma leitura que me agradou muito e o mais interessante do livro é justamente esta premissa de traduzir as ideias e sentimentos de um animal.

Uma curiosidade: “She Wolf” já foi usado como título e tema para várias canções, de artistas dos mais diferentes estilos, de Shakira ao Megadeth, passando por David Guetta.

Be happy 🙂

Torto Arado – Itamar Vieira Junior (03/2022)

torto_aradoGanhei este livro da minha grande amiga Lívia. Ganhador do prêmio Jabuti, o livro conta a estória de Bibiana e Belonísia, duas irmãs descendentes de escravos que vivem no interior da Bahia com a família, colonos de uma fazenda. Durante a infância, elas passam por uma experiência traumática que as torna quase como irmãs siamesas (não vou entrar em detalhes pra não dar spoilers).

Porém na adolescência um outro acontecimento as separa e uma delas abandona a fazenda. Neste ponto, o livro passa a focar mais na vida da irmã que permanece. Também tem um foco grande na questão da religiosidade da família, que mistura o catolicismo com religiões de matriz africana. Nesta segunda “seção” do livro existem também muitas passagens explicando acontecimentos passados que viriam a formar o caráter das personagens principais e de outros personagens do seu entorno, especialmente e novamente ligados às questões religiosas.

Já na terceira seção do livro o autor dá mais ênfase a questões sociais, especialmente relativas aos quilombolas, às consequências da escravidão e do racismo estrutural ainda muito forte no Brasil.

Eu tenho uma teoria (das milhares que tenho) de que o preconceito é cumulativo e potencialmente “exponencial”. Um pobre sofre preconceito em relação à classe. Uma mulher pobre acumula o preconceito em relação à classe e também a gênero. E como disse, creio que estes preconceitos mais que se acumulam: eles se multiplicam. Uma mulher negra adiciona mais uma camada de preconceito e, portanto, sofrimento. E assim por diante.

E o livro conta justamente as estórias de sofrimento de mulheres pobres, pretas, quilombolas. Mas também é uma estória de mulheres negras e fortes e o autor, além de ter um texto bem fluido, parece ter um carinho, uma ternura pelas personagens, a mesma impressão que tive de João Guimaraes Rosa e Maximo Gorki.

Aconselho bastante!

Be happy 🙂

The Storyteller – Dave Grohl (02/2022)

Foo Fighters é umathe_story_teller das minhas bandas preferidas e eu a considero como a última “grande banda” a surgir. “Grande banda”, ou como chamam nos EUA, “arena rock bands”, que são aquelas bandas que são capazes de encher, sozinhas, um estádio (mais de 40 mil pessoas). Claro que, como quase tudo que ocorreu no pop e rock a partir dos anos 60, o termo nasceu com os Beatles.

Não que eles façam um som inovador, ou que sejam virtuoses. Eles fazem um hard-rock básico, às vezes até meio datado, mas muito divertido porque eles se propõem a isto: a se divertir e divertir. E é a última porque são uma das últimas bandas a surgir e alcançar sucesso antes da reviravolta no mercado da cultura que a internet trouxe. Reviravolta que torna mais difícil o surgimento de uma banda deste porte e que se mantenha no auge por tanto tempo. E isto não é uma crítica, muito pelo contrário, hoje em dia a cultura está muito mais popular e popularizada. É só uma constatação.

Mas mesmo fazendo um som básico, não dá pra negar que Dave Grohl, o “dono” da banda, é um baita de um letrista (além de roteirista: basta ver os clipes hilários da banda). Talvez por isto a ideia dele escrever uma autobiografia, uma tarefa que, segundo ele mesmo, nasceu para ocupar tempo ocioso durante a pandemia, não seja uma surpresa tão grande assim. Uma hora ou outra ele iria se aventurar pela literatura (como já se aventurou por produções audiovisuais).

E o livro é uma delícia de ler! Cada um dos capítulos é uma pequena história, de algumas páginas, com início, meio e fim. Apesar de seguir uma certa ordem cronológica geral, dentro dos capítulos ele insere pequenas histórias que vão sendo puxadas pela principal. O título (“o contador de estórias”) caiu muito bem.

E o subtítulo “Tales of Life and Music” (Histórias de Vida e Música, numa tradução livre) também faz muito jus ao livro porque ele vai justamente linkando trechos de músicas que marcaram a vida dele com estas histórias. Na introdução do livro ele conta que a memória dele é “ativada” por música, algo que ele já tinha contado no prefácio escrito para From Cradle to Stage, de sua mãe, Virginia Hanlon Grohl.

Obviamente ele começa contando da sua infância, entrando depois no início da carreira e contando muitas passagens hilárias das excursões sua primeira banda oficial, Scream, o que inclui várias “furadas” e perrengues em que uma banda tentando uma carreira profissional se mete. Finalmente chegando ao Nirvana e o estrondoso sucesso que o grupo viria a alcançar.

Neste trecho ele dá muito destaque ao seu relacionamento com Kurt Cobain, com quem ele dividia um apartamento antes do “estouro” da banda, e em como uma overdose de Kurt e futuramente o suicídio deste o abalou.

Depois ele conta o processo de recuperação do baque, que viria a se consolidar com gravação da demo que se tornaria o primeiro álbum do Foo Fighters, uma tarefa que Dave conduziu sozinho, sem pretensão nenhuma. Depois de alguns percalços com o Foo Fighters, especialmente em relação às constantes trocas de integrantes da banda, o grupo se estabilizaria. E neste processo Dave viria a ganhar novamente, depois de Kurt, um companheiro de banda que seria muito importante na sua vida: Taylor Hawkins, o “terceiro” baterista da banda (terceiro considerando o próprio Dave como o primeiro).

Ao invés de escrever sobre o que Dave conta sobre Taylor, melhor reproduzir (e tentar traduzir) um trecho do livro:

“Tearing through the room like an F5 tornado of hyperactive joy was Taylor Hawkins, my brother from another mother, my best friend, a man from whom I would take a bullet. Upon first meeting, our bond was immediate, and we grew closer with every day, every song, every note that we played together. I am not afraid to say that our chance meeting was a kind of love at first sight, igniting a musical ‘twin flame’ that still burns to this day. Together, we have become an unstoppable duo, onstage and off, in pursuit of any and all adventure we can find. We are absolutely meant to be, and I am grateful that we found each other in this lifetime.”

(Atravessando a sala como um tornado de categoria 5 de alegria hiperativa estava Taylor Hawkins, meu irmão de outra mãe, meu melhor amigo, o cara por quem eu tomaria um tiro. Desde nosso primeiro encontro, nossa ligação foi imediata e nós nos aproximamos mais a cada dia, a cada canção, a cada nota que tocamos juntos. Não tenho medo de dizer que nosso encontro por acaso foi um tipo de amor à primeira vista, acendendo uma ‘chama mútua’ que ainda queima até os dias de hoje. Juntos nós nos tornamos uma dupla imbatível, no palco e fora dele, buscando toda e qualquer aventura que possamos encontrar. A gente simplesmente tinha que acontecer e eu sou grato por termos encontrado um ao outro nesta vida)

Intenso! Coincidentemente estava nesta parte do livro quando da morte de Taylor, no final de março de 2022.

Também coincidentemente, minha memória é ativada por canções. E muito coincidentemente desde 2009 eu tenho um documento do word onde faço algumas anotações sobre as memórias e histórias que músicas me trazem com o nome “Histórias de Vida e Musica.doc”. Mas não! Nunca virará um livro….hahaha

Be happy 🙂

Johnson Space Center – NASA, Houston

Wanderlust #67 – Texas (16/51)

(22/11/2019-30/11/2019)

Finalmente chegou a hora de conhecer o Texas! Claro que, por ser praticamente o maior estado dos EUA (o Alaska é maior em área, mas bem menos populoso e com partes inóspitas), tivemos que dispender mais de uma semana para podermos conhecer ao menos as principais cidades. E por isto também o texto ficará grande.

Dia 1 – Dallas

Como havíamos planejado apenas um dia completo em cada uma das cidades, voamos na noite anterior (dia 21/11/2019) até Dallas para podermos acordar cedo e aproveitar o dia todo. Assim que saímos do hotel a caminho do centro passamos pelo Reverchon Park e logo encontramos a Katy Trail, uma antiga linha de trem que após ser desativada foi transformada em um parque linear. Katy é a pronúncia de K-T (Kentucky-Texas), como o trecho era conhecido.

Com o tempo melhorando (estava garoando quando saímos), caminhamos até downtown, cujas principais atrações são a Thanks-Giving Square e a Giant eyeball. Uma outra atração local é a Dealey Plaza, que foi palco do assassinato de John F. Kennedy. Tem até um tour com o tema, mas preferimos pular. Muito mórbido.

Tirando estas “atrações”, downtown não tem lá muitos pontos turísticos. Então caminhamos até o Dallas Farm Market, que além da “feira-livre” conta com uma praça de alimentação e várias lojinhas de bugigangas. De lá fomos caminhando até a melhor surpresa de Dallas, Deep Ellum: uma região cheia de bares, restaurantes, lojas de tatuagem, galerias, tudo isto decorado por vários murais com grafites.

Em Deep Ellum e já debaixo de um baita sol, paramos primeiro na Braindead Brewing, que além de cervejas muito boas tem um flight de bacon! Deep Ellum me “ganhou” nesta hora. De lá fomos até a Deep Ellum Brewing Company, uma cervejaria com um ótimo espaço aberto onde estava rolando uma banda de country texano raiz (uma mistura do country tradicional com música mexicana, a famosa “música tejana”). Na sequência ainda passamos na fraquíssima Westlake Brewing Company.

Já na região do hotel, para onde voltamos no começo da noite, tivemos a segunda melhor surpresa de Dallas: o Ferris Wheelers Backyard and BBQ onde comemos um delicioso churrasco Texano, com direito a pulled pork e brisket, com mac and cheese, potato salad e quiabo de acompanhamento.

Dia 2 – Dallas – Austin

No Segundo dia, depois de pegarmos a “barca” na locadora (se soubéssemos que iriam dar um carro tão grande nem reservaríamos hotel!), passamos no Bishop Arts District, um bairro um tanto afastado do centro que conta com galerias de arte, bares, cafés, restaurantes. Muito charmoso. No final ficou aquela sensação de que talvez poderíamos ter ficado um dia a mais na cidade para aproveitar tanto o Bishop quanto algum dos bares às margens da Katy Trail.

Mas fomos então pegar as cerca de 3 horas de estrada até Austin, para novamente termos gratas surpresas (parei de contar). A primeira, no meio do caminho, é a rede Whataburger, que tem os melhores hamburgueres que eu já comi nos EUA em redes de fast-food. Outra grata surpresa, a maior do estado, é Austin em si. Cosmopolita, jovial, alegre. Cidade em que eu moraria.  

Depois de fazermos o check-in fomos dar uma volta em Austin’s East Side, que ficava perto do hotel. A região vem sendo revitalizada atualmente, com prédios residenciais modernos, bares, restaurantes. Estava até rolando um Flea Market (era domingo). De lá pegamos um Lyft e fomos até uma área isolada da cidade, meio industrial, onde tinham algumas cervejarias. Paramos primeiro na 4th Tap Brewing, que tem umas cervejas bem interessantes. Já no final da tarde, quase anoitecendo, fomos até a Oskar Blues, uma cervejaria já famosinha nos EUA, que é bem grande a conta com uma enorme área externa.

Dia 3 – Austin

Na segunda de manhã fomos explorar a cidade. Primeiro passamos no capitólio do Texas, que fica dentro de um belo parque. O prédio, apesar de ter a mesma forma dos capitólios de outros estados, é muito bonito.

De lá demos uma bela caminhada até o Market District, uma das várias áreas da cidade com atrações como bares, restaurantes e galerias. Praticamente colado fica uma outra área destas: Warehouse District. E colado no Warehouse District, fica a 2nd Street District, ao longo da 2nd Street, que é um calçadão com pouco movimento de carros. A 2nd Street é também conhecida como Rua Willie Nelson. Todos estes distritos têm suas particularidades, mas a ideia é a mesma: bares, restaurantes, lojas, tudo colados uns dos outros.

Aproveitamos que a 2nd Street fica do lado do Rio Colorado e fomos dar uma olhada. Dos dois lados do rio tem trilhas para caminhada e pedalada. Mas só olhamos mesmo e fomos até outro distrito de entretenimento, o Convention Center District, que é mais “urbano”, com mais escritórios, mas que ainda conta com bares e restaurantes. Todos estes distritos são colados uns nos outros, como se formassem um “arquipélago” de entertainment districts.

De lá andamos até a Rainey Street, um outro distrito de entretenimento, a uns 10 minutos de caminhada do Convention Center. Ele é também o distrito boêmio mais antigo da cidade. Tem bons bares e restaurantes, a maioria deles montados em antigas casas de madeiras que lembram bangalôs. Bem charmoso.

Aproveitamos que era início da tarde para abrir os trabalhos e darmos uma forrada no Banger’s Sausage House & Beer Garden. Não é uma cervejaria, mas conta com diversas opções de cervejas artesanais locais, além de ótimos petiscos, como as salsichas da casa (o bar tem temática Alemã).

Mas não acabou ainda! A caminho de outro distrito de entretenimento, passamos pelo 6th Street Entertainment District, uma rua com vários bares com música ao vivo. Na mesma 6th, mas do lado leste da cidade, passando a Freeway que corta Austin de Norte a Sul, existe outro distrito de entretenimento, este mais moderninho, revitalizado como o Austin’s East Side, que fica próximo.

Lá paramos então na Lazarus Brewing, que conta com uma ótima área aberta, mas com umas cervejas bem mais ou menos. Tinha um monte de gente lá trabalhando enquanto tomava cerveja (segundou!).

Já tínhamos combinado de comer no Stagger Lee, outro beer garden na Rainey, cujo BBQ é servido pela Do-Rite BBQ. No caminho até o Stagger Lee achamos outra grata surpresa: a Central District Brewing, que por ser muito nova, nem havíamos colocado nos planos. Ótimas cervejas! Tão boas que voltaríamos em 2021 enquanto passamos pela cidade numa road-trip da costa leste até a costa oeste dos EUA (daqui uns 10 anos este post sai!).

Quando havíamos passado na área antiga da 6th street, no final da tarde, a gente combinou de voltarmos para conhecer algum dos bares com música Country ao vivo. Demos uma volta e acabamos parando no San Jac Saloon , que tem até aquelas portinhas que parecem janelas e que a gente vê em filmes de cowboy.

Dia 4 – Austin – San Antonio

Antes de pegarmos a estrada para San Antonio, tentamos dar uma passada na HOPE Outdoor Gallery, uma área que seria cheia de grafites. Porém, acabamos descobrindo que o terreno onde ela ficava foi adquirido e a galeria foi fechada. A prefeitura cedeu um outro local para ela ser refeita, porém ainda estavam montando.

Já em San Antonio, após fazermos o check-in, fomos dar uma volta na cidade, que é histórica e turística. Nela ocorreu a batalha do Alamo, que foi o marco da independência do Texas, que até então era parte do México (depois de ter sido colônia Espanhola e Francesa). Passamos pelo centro da cidade e fizemos uma bela caminhada até o Historic Market Square, meio que um shopping a céu aberto, focado em culinária e artesanato Tex-Mex.

De lá fomos até a Alamo Beer Company, uma enorme cervejaria que fica embaixo da Hays Street Bridge, um viaduto antigo por onde passavam linhas de trem e que hoje é uma passarela de pedestres / parque linear. De lá se tem uma ótima vista do skyline de San Antonio, especialmente durante o pôr-do-sol.

Já no início da noite fomos dar uma volta no River Walk, bem no centro histórico da cidade. O River Walk é um parque que foi construído em um canal artificial que começa e termina no Rio San Antonio, formando um quadrilátero. A ideia era o canal ser usado como dispositivo de escoamento do Rio em caso de enchentes e foi idealizado na década de 20, depois de uma cheia que matou dezenas de pessoas. O arquiteto responsável sugeriu então que se montasse um “calçadão” com várias atrações à beira deste canal, que viria a ser o River Walk. Demos uma volta por ali e paramos no Ritas On The Riverwalk para jantar.

Dia 5 – San Antonio

Depois de tomarmos café da manhã no Schilo’s , um Dinner que nasceu com influência alemã, mas que atualmente serve de tudo, fomos conhecer as famosas Missões de San Antonio.

As missões eram como “postos de apoio” que a igreja católica montava para servir de base no seu projeto de evangelização dos nativos norte-americanos. Eram vilazinhas cercadas (para se proteger de ataques), e contavam com prédios administrativos, religiosos (obviamente), algumas instalações para prover hospedagem, estábulos, etc.

Existem muitas delas na Califórnia também, como a de San Luis Obispo, que deu origem à cidade de mesmo nome. As de San Antonio são tombadas pela UNESCO. Passamos em quatro delas e não me lembro agora porque não passamos pela quinta (Mission San Antonio): Mission Espada (a mais antiga e praticamente toda em ruinas), Mission San Juan (um pouco mais nova, um pouco maior e com estruturas mais conservadas), Mission de San José (a maior e mais organizada, onde fica inclusive o tourist center das missões) e finalmente Mission Concepción (basicamente apenas uma igreja).

Depois de deixarmos o carro no hotel, fomos então visitar o Alamo, que como já explicado, é um marco histórico e onde pudemos aprender um pouco da história do estado e consequentemente dos EUA.

Depois do Alamo, fomos dar mais uma volta no River Walk e passamos pela La Villita Historic Arts Village, um “shopping” a céu aberto, que conta com algumas lojas de “artesanias”. Caminhamos então a uma região mais afastada para conhecermos algumas outras cervejarias.

A primeira delas foi a Blue Star Brewing Company, que fica num centrinho comercial mais descolado, com um café, loja de bicicleta, floricultura. De lá fomos então à Künstler Brewing, cervejaria focada em receitas alemãs, que tinha umas brejas muito boas.

Pra finalizar a passagem em San Antonio, claro que fomos jantar mais um tradicional BBQ texano, agora no County Line, no River Walk.

Dia 6 – San Antonio – Houston

Como quinta era o Thanksgiving, um feriado onde normalmente está tudo fechado nos EUA, nem nos preocupamos em sair muito cedo de San Antonio com destino à Houston. Nossa única preocupação era encontrarmos algum lugar para comer. Quando fomos à Virginia, quase não conseguimos encontrar um lugar aberto entre o meio-dia e umas 8 da noite.

Encontramos o Buc-ee’s, uma rede que é tipo um Graal, existente no sudeste e centro dos EUA. E como já havíamos previsto, chegamos em Houston com praticamente tudo fechado. Ainda mais porque a cidade é bem “urbana” e com poucas atrações realmente turísticas.

Mas felizmente achamos a Flying Saucer Draught Emporium, um tap room com mais de 50 torneiras que, segundo anunciado, abre 365 dias por ano. Foi a salvação para um dia que geralmente é morto.

Dia 7 – Galveston – Houston

Na sexta de manhã dirigimos cerca de 50 minutos até a cidade costeira de Galveston. Apesar de ter um centrinho com algumas atrações, a cidade é meio que um balneário na costa do Golfo do México. Então, se você não vai realmente para passar uns dias e aproveitar a praia, não tem muita atração para outro tipo de turistas, como nós. Mais tarde ficaríamos sabendo que a cidade foi palco do evento que deu origem ao Juneteenth, pois foi o último local dos EUA onde os escravos foram libertos, mais de dois anos depois da proclamação do fim da escravidão no nível federal. Em 2021 o dia 17 de Junho, dia desta libertação, se tornou feriado nacional nos EUA.

Voltando a Houston, demos mais uma volta pelo centro da cidade e realmente confirmamos que não havia muitas atrações turísticas. Então fomos fazer um tour pelas cervejarias, iniciando pela 8th Wonder Brewery, que tem um pátio gigante, com uma escultura dos Beatles também enorme. Porém achei o atendimento meio confuso.

De lá demos uma passada no Truck Yard : um misto de beer Garden, Food Court e parque de diversões, além de algumas atrações como fliperama e música ao vivo. Porém só demos uma olhada mesmo e logo fomos à True Anomaly Brewing Company, que tinha ótimas cervejas. Para finalizar o dia, fomos comer no Pappas Bar-B-Q, uma rede de fast-food de BBQ Texano muito boa.

Dia 8 – NASA – Houston

Sábado era dia de voltar para casa, mas não sem antes passarmos na principal atração de Houston, o Johnson Space Center, centro de desenvolvimento da NASA, onde também se treinam astronautas e de onde se comandam algumas das missões da agencia espacial norte-americana. Com nosso voo era no meio da tarde, não conseguimos fazer todos os passeios disponíveis, mas pelo menos conseguimos fazer os principais. Talvez devêssemos ter pulado Galveston no dia anterior e termos feito a NASA sem pressa. Mas valeu a experiência de qualquer forma.

Observações, dicas e considerações:

  • Tanto em Austin quanto em Dallas ficamos bastante impressionados com a quantidade de gente andando com cachorro. Acho que foi o local em que mais vimos pets até agora.
  • Também nos impressionou em Austin a quantidade de gatos de rua, coisa rara no restante dos EUA.
  • O Texas tem aquela imagem (ao menos para nós Brasileiros) que vemos nos filmes, com um monte de caipiras, de chapelão, andando armados. Até vimos alguns caipiras e uns poucos chapéus, mas definitivamente não vimos ninguém armado (tirando seguranças e policiais, obviamente).
  • No meio do caminho entre Austin e San Antonio vimos uma daquelas cenas típicas de filmes e desenhos: uma casa inteira sendo transportada por caminhões. Quer dizer, não estava “inteira”, já que eram dois caminhões, cada um transportando metade da casa.
  • whataburger_wonder_womanO logo do Whataburger é quase idêntico ao da Mulher Maravilha (Wonder Woman em Inglês). Mas parece ser apenas coincidência, já que a própria Whataburger, que usa este logo desde 1972, nunca reclamou com a DC (segundo o Google, o da Mulher Maravilha é de 1985). Isto até recentemente, quando a DC Comics estava planejando lançar alimentos com o tema da Mulher Maravilha.

Be happy 🙂

The Tyranny of Merit – Michael Sandel (01/2022)

the_tyranny_of_meritDepois de anos de bonança após a virada do século, o mundo foi impactado pela crise financeira de 2007/2008. Apesar dos efeitos da crise na vida das pessoas, especialmente nos países de primeiro mundo (os emergentes ainda conseguiram passar com menos problemas por ela), aparentemente a teríamos superado e, a partir de 2010, tudo parecia estar voltando aos eixos.

Foram alguns poucos bons anos a partir daí, inclusive com perspectivas de expansão das democracias liberais, como por exemplo a que foi criada durante a Primavera Árabe. Porém, em poucos anos (2014, talvez um pouco antes ou depois), tudo mudaria e entraríamos num período de “tensão” que dura até hoje.

Vários especialistas já se debruçaram sobre as causas deste retrocesso e a explicação encontrada geralmente é a mesma: as elites políticas, tanto de esquerda como de direita, erraram feio (erraram rude!) em entender os anseios das populações. Enquanto a direita achou que o livre mercado, as possibilidades de aquisição de bens e serviços e de viver uma vida confortável financeiramente bastaria, a esquerda concentrou seus esforços em questões identitárias cada vez mais micro. Porém um contingente enorme de pessoas que, não fazendo parte destas minorias e não tendo colhido todos os frutos do progresso econômico (ao menos não de acordo com a expectativa que havia sido criada), se sentiu abandonada, tornando-se alvo fácil para populistas iliberais (de esquerda e direita).

Fukuyama chegou a esta conclusão no seu Identity. Levitsky e Ziblatt também encontram a mesma causa raiz em How Democracies Die. Richard Sennet já alertava – lá em 1998 – no seu A Corrosão do Caráter que estávamos perdendo o senso de comunidade, de sociedade, de fazer parte de algo, tão necessária a animais sociais como os seres humanos. Sandel faz o mesmo, só que com ênfase na meritocracia.

Porém, ao contrário do Justiça, que havia lido há alguns anos atras, The Tyranny of Merit (A Tirania do Mérito), cujo subtítulo é “What’s Become of the Common Good?” (o que ocorreu/onde foi parar o bem comum?), me pareceu ter um tom muito panfletário. Enquanto em Justiça Sandel explicava a impossibilidade da implementação de um modelo meritocrático ao pé-da-letra, e até usava o modelo como uma “utopia” a ser perseguida para que corrigíssemos os problemas de desigualdade de oportunidades afim de que todos pudessem ter a mesma “linha de partida” (impossível, como em toda utopia, mas a busca por si só já pode render alguns bons frutos), neste ele joga toda a culpa no sistema.

Ele começa por fazer uma análise do que nos divide atualmente. Assim como outros especialistas, ele chega à conclusão que, nos dias de hoje, já não existe mais o embate entre “Estado versus Mercado”, entre “Capital(ismo) e Social(ismo)”. A divisão ocorre em termos de “sociedades abertas (globalismo) versus sociedades fechadas (regionalismo/nacionalismo)”, “integração versus segregação”, muitas vezes entre “cosmopolitas e rurais”, ou seja, entre grupos que querem se fechar em si e entre grupos que querem interagir com outros grupos.

A partir deste ponto ele entra em uma ótima análise de como a cultura da meritocracia se desenvolveu ao longo de séculos. Algumas das vezes por influência religiosa: você ter saúde, ter bens, eram bençãos concedidas por um Deus para seres merecedores, enquanto a privação de saúde, de dinheiro e até de coisas básicas como alimentação, seria uma punição por uma má conduta. E aí as sociedades acabam entrando numa seara muito complicada: se Deus é quem designa nossa fortuna, nossa sorte, de acordo com nossos atos, com nosso mérito, porque haveríamos nós, bem-aventurados, de interferirmos nestes desígnios, como por exemplo, ajudando quem tem menos posses? E ai, quando a regra é cada um é por si (“…e Deus contra todos”), como fica o bem comum e o sentido de pertencer ao coletivo? A série brasileira 3%, disponível na Netflix, aborda bem estes temas numa ficção “distópica” bem escrita e executada.

Um outro ponto interessante da análise é da supervalorização de diplomas de nível superior, que torna os detentores destes títulos arrogantes, se sentindo mais merecedores do que os demais e inclusive com a percepção de serem seres superiores (ouvi alguém falar “medicina”?), já que os demais é que não se esforçaram o suficiente. Além disto “retalhar o tecido social”, também ignora diversas outras formas de se adquirir conhecimento.

Para resolver este ponto em específico, uma das propostas de Sandel seria a “loteria dos qualificados”: as principais universidades exigiriam um conhecimento mínimo, uma base, e então sorteariam as vagas entre todos os candidatos que atendessem este requisito (ao invés de “ranquear”).

Outro ponto baixo, além do teor panfletário, é que ao contrário do que ocorre em Justiça, Sandel se atém somente as questões morais, do que “deveria” ou “poderia” ser. Ele acaba ignorando (propositalmente?) muitas questões práticas, do impacto de determinadas decisões na vida real, e da possibilidade da implementação destas decisões.

Um filósofo que se atenta somente a questões morais e esquece das práticas é um utópico. Bem como um economista que esquece as questões morais e se atenta somente aos fatos e números acaba por se tornar insensível e muitas vezes até cruel. Mas como a história nos mostra (através de diversos exemplos) a probabilidade de danos causados por utópicos é geralmente maior do que potenciais danos causados por “insensíveis”. Como diria Roberto Campos: “O mundo não será salvo pelos caridosos, mas pelos eficientes.”

Be happy 🙂