light gazing, ışığa bakmak

Sunday, March 8, 2009

"O Inspector Geral": Gogol no Cinearte pela Barraca



entrar no Cinearte para ver "O Inspector Geral" é já, só pelo facto de lá entrar, um facto fora do comum. fora das políticas culturais, dos hábitos de leitura médio dos portugueses, do sucesso do Noddy no Pavilhão Atlântico, das revistas cor-de-rosa, da programação da caixa que quer mudar o mundo, dos cavalos em Algés e dos discos pedidos. mas não encontro uma maneira eficaz de dizer que isto é sério e aquilo não é.


"O Inspector Geral" é um texto que tem dois séculos, mas que não se nota, uma obra incontornável do teatro. Este texto tem uma história mais longa do que ele próprio, tantas encenações famosas, tantos acontecimentos a ele ligados, a identidade nacional de um país, tantos alunos já tiveram de o encenar, é um texto-museu absolutamente genial. Não há outro modo de o ver. Ali em baixo, eram perfilados Gogol-Kafka-Beckett. Concordo, o sentimento de absurdo da vida é avassalador nos três autores, mas as linhas condutoras comuns são tantas que dizer seja o que for é logo redutor.

Um texto dramático só vive verdadeiramente no palco, depende de estranhos para ser visto e compreendido, e nem sempre esses estranhos o tratam bem. Quando o pior acontece, o texto embacia-se e desaparece. Não é o que acontece com esta encenação de "O Inspector Geral". Uma versão inesquecível, em que nenhum aspecto ficou a meio termo: o cenário é muito bom e lembra as construções de Meyerhold. Gostei dos vários planos, dos objectos escolhidos, gostei das cores e da luz, e ainda do guarda-roupa. Gostei que todos os actores tivessem narizes mentirosos, o próprio Gogol tinha um nariz grande, numa das suas histórias todos os narizes emigram para a lua. O maestro Victorino de Almeida escreveu a música, interpretada por Madalena Garcia Reis. Gostei da música, da interpretação e também da posição do piano no palco. Gostei da palavra "francamente" repetida no início, do "eco" do nosso Presidente, de todos os actores. Mais, gostei do veterano João d'Ávila, um senhor do teatro, num desempenho que dificilmente esquecerei, e de Maria do Céu Guerra, perfeita, e de quem nunca esperei menos. Também Sérgio Moura Afonso e o seu personagem acabado, limado e convincente, muito bom.

Um espectáculo sério e que recomendo vivamente, como se costuma dizer.

Deixo só alguns pedaços do programa e uma imagem impossível de esquecer (em cima).


"Durante quase duzentos anos debateram-se opiniões sobre esta obra de Gogol. Estamos diante de uma sátira de costumes disse-se. De uma obra política? Outros defenderam ?é uma obra de dimensão metafísica?, uma obra moral, um exercício de fantástico e de absurdo onde o sonho, o medo e o remorso dominam.
Felizmente vivemos um tempo que entrelaçou Brecht com Stanislasvki e Marx com Freud. Estamos livres para olhar para este impostor, estrangeiro, diabo, nada, com a liberdade de não querermos saber o que foi ele para Gogol, mas o que pode ser para nós hoje. Para mim, se querem saber, estamos diante de tudo isso e de um escritor/artista a jogar às escondidas com o seu pânico. Mas sobretudo estamos num Baile de Máscaras onde ninguém é quem mostra ou, sequer, quem julga ser. No coração das trevas, lá mesmo onde o teatro acendeu uma luz." (Maria do Céu Guerra) [gostei do coração das trevas]

"Há dois autores que sempre me fascinaram - no que só demonstro que não tenho assim um tão grande sentido de originalidade...
São eles Gogol e Kafka..."
(António Victorino d'Almeida)

e da peça:
“There will come a scribbler, some inkslinger, who will put you in a comedy … he won’t spare your rank and calling and everyone will grin and clap!”

“What are you laughing at? You are laughing at yourselves!”
no you tube, aqui.

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