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Entrevista Exclusiva Halder Gomes
Por Heitor Augusto


Halder Gomes é um diretor e um produtor atento, habilidoso com números relativos aos seus projetos: quantidade de festivais, países nos quais seus filmes foram distribuídos, além de ter, na ponta da língua, todas as razões para justificar porque o Ceará é um bom local para rodar um filme.

Seu novo projeto é Area Q, será protagonizado por Murilo Rosa (Orquestra dos Meninos) e Isaiah Washington (o doutor Burke do seriado Grey’s Anatomy). Uma história de extraterrestres que se passa nas cidades de Quixadá e Quixeramobim, mundialmente conhecidas no ramo da ufologia.

O que era para ser apenas uma conversa sobre o filme tornou-se uma conversa bem maior. Assim, para facilitar a leitura, decidimos dividir esta entrevista exclusiva em três blocos: o primeiro trata apenas de detalhas da trama do longa, a ser dirigido pelo parceiro Gerson Sanginitto; já no segundo bloco, Gomes, fanático torcedor do Fortaleza, fala de produções cinematográficas no Ceará e mercado internacional; no terceiro, explica como planejou o lançamento de Bezerra de Menezes – Diário de um Espírito, uma surpresa que sacudiu as bilheterias nacionais em 2008, quando teve 550 mil espectadores para apenas 40 cópias.

Do que se trata a história de Area Q?
É um drama sobre um grande repórter, Thomas Matthews (Isaiah Washington), de uma revista conceituada dos Estados Unidos. Ele é um baita profissional, mas tem inúmeros problemas pessoais, uma vida muito conturbada, sem esposa e com o filho desaparecido. Em um certo momento, seu chefe o obriga a sumir e relaxar. Por sorte, aparece uma história no Ceará – o fim do mundo para eles – de uma onda de aparições de Objetos Voadores Não-Identificados, abduções e curas milagrosas. Ele vem para o Brasil entender se não é uma paranóia coletiva. Seu ceticismo entra em contato com esse lugar e a vida dele muda de forma inesperada.

Qual a função do Murilo Rosa no filme?
Ele interpreta o agricultor João Batista, um personagem presente em três épocas e que foi abduzido.

Qual será o personagem de Tânia Khallil, caso ela confirme a participação no filme?
Ela seria Valquíria, uma repórter disfarçada que representa interesses de superpotências em transformar evidências de seres do outro mundo em notícia de tabloide, ridicularizar qualquer possível prova. O filme tem uma ambiguidade entre ufologia e religiosidade até o desfecho da história, porque as duas coisas andam juntas, especialmente pela fé no que não é palpável.

Os seres exteriores são muito evoluídos. É uma besteira mandar mensagens de rádio telescópio. Eles são atraídos pela força do ser humano, que carrega o paradoxo da solidariedade com a habilidade de matar sem motivos. O filme tem mensagem de valores humanitários, não tem chupa-cabra! Falo de uma coisa avançada, de um contato que transcende a tecnologia e a matéria, que fica na linha entre ufologia e religiosidade. Exige grandes atores para não soar falso.

Em que ponto está as negociações com Tânia?
Ela leu o roteiro, gostou muito do personagem e da história, porém ela não nos conhece. Então, vamos sentar e conversar, ela quer sentir o que o diretor tem em mente. A Tânia vai saber quem somos nós. Se ela não topar, vamos ter de trazer outro pessoa, né? [risos]

Por que vocês escolheram o Isaiah Washington?
Por incrível que pareça, quando fizemos o roteiro, pensamos em nomes. O Gerson disse que queria um afro-americano e a pessoa perfeita seria ele. Eu não conhecia o trabalho dele, então aluguei Crime Verdadeiro [longa de 1999 dirigido por Clint Eastwood]. Adorei.

O Isaiah leu e se apaixonou pelo roteiro. Na primeira vez, ele perguntou “será que sou eu mesmo o escalado? Não é o Denzel Washington” [risos]. A piada é porque ele sentiu que é um filme de ator, queríamos um grande profissional, mas que atraísse mídia.

O nosso filme lida com um tema complicado. Sempre que mexemos com o sobrenatural, o espiritual ou o desconhecido, é preciso ter cuidado com a atuação e direção, para não cair no ridículo. Ter também o Murilo Rosa é bacana, porque ele é um grande ator que, assim como eu, saiu do taekwondo e migrou para o cinema.

Quais são os outros personagens do filme?
Há uma figura crucial, o Eleosvaldo, que é o guia de Thomas no Ceará, o contraponto cômico do filme. Fizemos vários testes, mas não escolhemos o ator ainda. Ele é muito importante na história.

Quando começam as filmagens de Area Q?
Vamos filmar de 8 de setembro a 4 de outubro, no Ceará, e de 14 a 19 de outubro em Los Angeles. O roteiro tem 92 páginas, sendo que 80 se passam no Brasil. Esse filme ia ser rodado no Arizona, mas eu trouxe para cá. Era um outro roteiro, uma história menor. Propus ao Gerson para fazer um filme grande, correr atrás de dinheiro para bancar. Primeiro convencemos os investidores, depois repensamos a história. Ficamos três semanas trancafiados.

Agora, vamos filmar em Quixadá e Quixeramobim. Quando chegamos lá, parece outro planeta, tem uns monólitos imensos, surreais. Já temos várias locações, uma das mais importantes é a Pedra da Gaveta, que tem várias histórias de aparições. É um lugar de beleza incômoda, assustadora. Uma das locações é a Fazenda Salva-Vidas, que tem um açude entre duas pedras, o único lugar que tinha água para os animais em período de seca. Imagine a quantidade de vidas que já passaram por lá e série de histórias que o povo conta!

Quando você conversa com os moradores de Quixadá, a coisa mais normal do mundo é as pessoas dizerem que já viram disco voadores ou que foram abduzidas.

Você já imagina o tamanho do lançamento de Area Q?
Olha, a plateia do filme começa a ser formada agora quando anunciamos o início da produção, esse é o primeiro contato que o público vai ter com a ufologia, que nunca foi abordada seriamente no cinema nacional. Também é inédita a coprodução cearense com uma empresa de Hollywood [Reef Pictures, de Sanginitto, e a Panavision, que forneceu câmeras para Alice in Wonderland e G.I. Joe – A Origem de Cobra].

Eu acho que uma história que acontece em Los Angeles e no interior do Ceará desperta curiosidade. Todos têm curiosidade, mesmo com ceticismo, de que exista ou não vida além da Terra. Poucos filmes desse gênero são feitos, com abordagem mais séria, diferente de outros olhares para a ficção-científica. Os outros filmes que existem tratam a ufologia de maneira esdrúxula, alienígenas em formas absurdas, não como seres superiores espiritual e tecnologicamente. O filme tem elementos de suspense, ação e mensagem de paz.

Quando eu penso num formato com o qual busco também o mercado internacional, é muito importante ter não só uma boa história – como a ufologia, que é assunto no mundo inteiro –, mas também a combinação de nomes que possam trazer atrativos de mídia. Atores que sejam bons, mas que também tragam atenção, que levem consigo interesse do público. Usando a metáfora do futebol, são atores ótimos para compor meio de campo, que jogam para o time...

Você acha que se não tivesse nomes como Murilo Rosa e Isaiah Washington no elenco, apenas a curiosidade sobre a ufologia seria suficiente para levar o público ao cinema?
Pode ser que sim, mas talvez não gerássemos mídia espontânea na mesma medida de um filme com nomes maiores, que levam público. Não posso querer me enganar que um ator desconhecido vai levar mais público que Murilo Rosa. Às vezes temos histórias fantásticas e é até bom que não haja um nome conhecido. Porém, Area Q é um filme feito com investidores e têm de dar retorno de público e mídia para quem está entrando com apoio, além de poder atrair o interesse de uma major, que dá garantias de que o filme vai chegar às salas.

Em todos os seus filmes, você está de olho no mercado internacional. Qual você acha que será o alcance de Area Q?
Sempre foi da minha natureza de querer levar nossas histórias para o mundo, não me conformo que elas fiquem apenas no Brasil. Sempre procuro maneiras de encontrar temas nossos, mas que se comuniquem com qualquer cultura ou língua. Sunland Heat: No Calor da Terra do Sol, eu primeiro filme como diretor, rodado com R$ 127 mil, foi lançado em treze países. O curta Cine Holiúdy - O Artista Contra o Cabra do Mal também ganhou o mundo, mais de 60 festivais. Meu filme mais recente, Cadáveres 2, suspense sobrenatural que codirigi com Gerson Sanginitto [que estará à frente de Area Q], lançamos no Brasil, Espanha, Áustria, Alemanha, Estados Unidos.

É da minha natureza fazer filmes que cheguem para fora, estamos presentes nos principais festivais do mundo. Eu comecei como dublê nos Estados Unidos, e cinema lá é mercado. Falar de distribuição é a coisa mais normal do mundo, essa foi minha formação. No Brasil, não é assim. Sunland Heat: No Calor da Terra do Sol, rodado aqui e em Los Angeles, foi o primeiro filme cearense a ter distribuição nacional e internacional, um divisor de águas. E não falo isso por esnobismo, mas um caminho que lutei pra conseguir, aprofundei para conhecer, é consequência de dez anos de “ralação”.

Eu queria provar para as pessoas lá de fora que filmar no Ceará é muito interessante, seja no ponto de vista de infra-estrutura, diversidade de locações, proximidade da Europa e dos EUA, facilidade de deslocamento, muito sol...

Mas você só falou de coisas positivas. Quais são os pontos fracos de filmar no Ceará?
A violência, que está no Brasil inteiro e encarece a produção, a distância dos laboratórios no Rio e em São Paulo, e a falta de estúdios. Temos mão de obra para rodar dois filmes ao mesmo tempo. Abri mão de ir embora daqui, atravessei cinco anos de indecisão e resolvi ficar no Ceará. Lutei para trazer produções que filmem aqui e contem as nossas histórias. Area Q é exatamente isso.

O Ceará é um lugar cheio de histórias que podem virar filme. Eu sonho em ver aqui se tornando uma Hollywood, mesmo! Hoje há uma efervescência da produção audiovisual, com várias gerações produzindo, com o cinema autoral convivendo com o cinema comercial. Na boa, aqui tem do filme espírita ao pornô e tudo isso é indústria. O cara que vai iluminar o set não quer saber. Isso é importante ter os profissionais atuando em cinema, senão eles mudam de profissão. A continuidade é crucial para termos indústria.

Depois de Area Q, vou rodar outro projeto no segundo semestre, As Mães de Chico Xavier, que vou codirigir com o Glauber Filho e Joel Pimentel, drama sobre mães que perderam os filhos e encontram conforto espiritual em cartas psicografadas. No primeiro semestre de 2010, vamos rodar O Portal, um suspense sobre natural que vou dirigir e estou lutando muito para transformar em longa o Cine Holiúdy - O Astista Contra o Cabra do Mal. Também tenho um roteiro pronto, que vou dirigir com o Gerson Sanginitto, sobre tráfico de mulheres, um projeto grande.

Em 2008, Bezerra de Menezes – Diário de Um Espírito, do qual você foi um dos produtores, tornou-se um hit e surpreendeu o mercado ao alcançar 550 mil espectadores com apenas 40 cópias. Como conseguiram 15 pré-estreias simultâneas?
O objetivo primordial era levar mensagem de paz de um humanista cearense, que não só foi médico, ecologista e abolicionista, mas também unificou a doutrina espírita no Brasil. Então, nossa intenção era levar essa mensagem da maneira mais eficaz possível e no maior número de lugares. Esta foi a motivação da nossa estratégia de divulgação.

O produtor executivo, Luís Eduardo Girão, é um grande empreendedor e preocupado com o rumo da humanidade. Como ele não é da área de cinema, não tem noção o que é o tamanho do lançamento de um filme. Ou seja, não tem muito conhecimento das dificuldades do cinema, não tem paradigma. Quando propusemos este tipo de lançamento, o Girão não sabia que isso era uma loucura. Chegamos a Fox e dissemos “queremos 15 pré-estreias, em quase todas as capitais e simultaneamente”. Lógico que a distribuidora achou que éramos loucos.

Quais foram as outras formas de promoção?
Enquanto o filme estava na fase de produção e filmagens, caprichamos na divulgação com equipes visitando centros espíritas e as federações dos estados. Promovíamos reuniões, e-mails, ou seja, já existia uma corrente de público esperando o filme. Para o público em geral, o sucesso foi uma surpresa, mas, para nós, que recebíamos centenas de mensagens e ligações diárias no escritório, sabíamos que existia um público ansioso por esse projeto. Nossa intenção era levar o projeto de encontro a quem os esperava.

A Fox entendeu a nossa necessidade e se comprometeu a atender a nossa demanda...

Em qual ponto do projeto a distribuidora se associou à produção?
Inicialmente, o filme foi projetado para ser um documentário, depois se desenhou como docudrama e, finalmente, virou uma ficção. Na segunda fase, Girão levou o projeto a várias distribuidoras, mas ninguém se interessou porque docudrama é um formato difícil de ser colocado nas salas de cinema. Então, decidimos fazer um drama.

Captamos as cenas que faltavam e, quando a Fox viu o material, aceitou entrar no projeto. Era importante que esse projeto fosse chancelado por uma major que tivesse não só a marca, mas a força na hora de conseguir as salas, já que a disputa é grande.

Vocês haviam procurando apenas majors desde o início?
Não! Fomos aos independentes, a várias distribuidoras. Como é um filme de nicho de mercado [religioso], que só havia sido explorado no catolicismo por meio dos filmes do Padre Marcelo [Maria - Mãe do Filho de Deus e Irmãos de Fé], existia uma falta de conhecimento das distribuidoras sobre o potencial desse mercado. Não despertava interesse porque desconheciam. Foi difícil convencer o distribuidor para entrar, tanto que a Fox entrou com a incerteza da dimensão do público. Ou seja, bancamos tudo: cópias, promoção, tudo! Só pedimos a estrutura e a força com os exibidores.

Quando o filme abriu, no primeiro fim de semana deixou para trás outras produções. Estreou com 40 cópias, que saltaram aos poucos para 60. Ele se manteve entre os mais vistos por várias semanas e, no total, fez 550 mil espectadores. Considero uma vitória o desempenho porque não era esperado, a não ser pelo público de nicho que já conhecíamos.

Fonte:
http://cinema.cineclick.uol.com.br/entrevista/carregar/titulo/halder-gomes-exclusivo/id/188

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